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Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

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PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA NO SUL DA BEIRA INTERIOR (PERSPECTIVA ETNOLÓGICA)<br />

Francisco Henriques<br />

alternativas. A lareira era utiliza<strong>da</strong> para aquecimento <strong>da</strong> casa, <strong>da</strong>s pessoas e para preparação<br />

<strong>do</strong>s alimentos (<strong>de</strong> pessoas e animais). As crianças passavam algum tempo em re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> lume,<br />

por vezes brincan<strong>do</strong>. Alguns <strong>do</strong>s aci<strong>de</strong>ntes com crianças <strong>de</strong>viam-se a que<strong>da</strong>s directas sobre as<br />

chamas ou a água quente que as atingia, porque na lareira havia sempre uma enorme panela ou<br />

púcaro para aquecimento <strong>de</strong> água.<br />

A quase totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s informantes relata histórias <strong>de</strong> familiares atingi<strong>do</strong>s por queimaduras, em<br />

crianças, e, pela falta <strong>de</strong> cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s médicos posteriores, muitas <strong>de</strong>stas crianças acabavam por<br />

falecer. Uma informante disse-nos: “estava a minha mãe a fazer as filhós, tirou o tacho para o<br />

la<strong>do</strong> e eu caí para lá. Hoje poucas queimaduras há, porque é tu<strong>do</strong> nos fogões, no meu tempo era<br />

tu<strong>do</strong> na lareira”.<br />

Quan<strong>do</strong> a criança crescia passava parte <strong>do</strong> seu dia fora <strong>de</strong> casa e, consequentemente, ficava<br />

exposta a outros tipos <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. Alguns <strong>do</strong>s mais frequentes eram as que<strong>da</strong>s e os<br />

afogamentos. Muitas que<strong>da</strong>s relacionam-se com a pastorícia, activi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> pelas<br />

crianças <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os cinco ou seis anos, como exemplifica F. Henriques (1990a), ou com aci<strong>de</strong>ntes<br />

ro<strong>do</strong>viários, que<strong>da</strong>s ou atropelamentos com carros <strong>de</strong> transporte puxa<strong>do</strong>s por animais. Os<br />

afogamentos <strong>de</strong> crianças relacionavam-se com a que<strong>da</strong> fortuita em poços e tanques ou com a<br />

activi<strong>da</strong><strong>de</strong> lúdica.<br />

Os primeiros tinham geralmente como protagonistas as crianças mais pequenas e ocorriam nos<br />

poços e tanques existentes nos quintais em re<strong>do</strong>r <strong>da</strong>s povoações. Os segun<strong>do</strong>s eram<br />

protagoniza<strong>do</strong>s por crianças um pouco maiores e ocorriam, mais frequentemente, em cursos <strong>de</strong><br />

água durante o Verão.<br />

Vejamos um <strong>de</strong>stes aci<strong>de</strong>ntes em que duas crianças per<strong>de</strong>ram a vi<strong>da</strong>. “Cerca <strong>da</strong>s 17 horas <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong> dia 7, quan<strong>do</strong> a Sra. Maria <strong>do</strong> Rosário Martins Car<strong>do</strong>so, regava batatas, numa sua<br />

proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> nas margens <strong>da</strong> ribeira <strong>da</strong> Fróia notou que no poço existente, junto à ponte boiava<br />

um objecto que lhe pareceu ser o corpo duma criança. Aproximan<strong>do</strong>-se imediatamente <strong>do</strong> local<br />

po<strong>de</strong> então constatar que era <strong>de</strong> facto o corpo duma criança e gritan<strong>do</strong> por socorro, acorreram<br />

muitas pessoas <strong>do</strong>s lugares <strong>de</strong> Ponte <strong>de</strong> Fróia e Oliveiras que retiraram o corpo já sem vi<strong>da</strong>,<br />

notan<strong>do</strong> então que a roupa existente na margem <strong>do</strong> poço, era <strong>de</strong> duas crianças e não só <strong>de</strong><br />

uma, pelo que observan<strong>do</strong> melhor o poço, encontraram no fun<strong>do</strong> mais um corpo humano.<br />

Reconheceram então tratar-se <strong>de</strong> <strong>do</strong>is jovens <strong>de</strong>sta Vila, Fernan<strong>do</strong> Car<strong>do</strong>so <strong>da</strong> Cruz, <strong>de</strong> 10 anos<br />

<strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> (...) e Victor José Martins Car<strong>do</strong>so, que a 29 <strong>de</strong> Agosto próximo completaria os 7 anos<br />

(...).<br />

Ao que se supõe ambos os jovens sem conhecimento <strong>do</strong>s pais, se ausentaram para a ribeira<br />

para o banho, para o que utilizaram um pneu, e possivelmente como nenhum sabia na<strong>da</strong>r, ali<br />

per<strong>de</strong>ram a vi<strong>da</strong> num poço <strong>de</strong> pequena profundi<strong>da</strong><strong>de</strong>” (Reconquista, nº1911, <strong>de</strong> 18.06.82, p.5).<br />

A introdução e a difusão na agricultura <strong>de</strong> substâncias químicas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> toxici<strong>da</strong><strong>de</strong> fizeram<br />

crescer os riscos <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte em crianças <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong><strong>de</strong>s, com a ingestão <strong>da</strong>queles<br />

produtos. Disse-nos um <strong>do</strong>s informantes que ”nas al<strong>de</strong>ias as crianças an<strong>da</strong>vam muito entregues<br />

a eles próprios. Nas al<strong>de</strong>ias também não havia automóveis mas havia outros riscos liga<strong>do</strong>s com<br />

a agricultura e houve <strong>de</strong>pois os tóxicos que matou muitas crianças. Uma coisa que me chocou<br />

muito foi ver um pai per<strong>de</strong>r duas crianças. Foi com elas para a horta, an<strong>do</strong>u a pulverizar a horta<br />

AÇAFA On Line, nº 1 (2008)<br />

<strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong>, www.altotejo.org<br />

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