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Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

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PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA NO SUL DA BEIRA INTERIOR (PERSPECTIVA ETNOLÓGICA)<br />

Francisco Henriques<br />

pelas <strong>de</strong>sgraças familiares? Os insultos - “és um burro”, “filho <strong>da</strong> puta”, “raios t’afundissim”, “raios<br />

t’a partissim” e outros afirmações <strong>de</strong> maior gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> - seriam a versão suave <strong>da</strong> agressão.<br />

De 1992 a 1995 o serviço <strong>de</strong> pediatria <strong>do</strong> Hospital Amato Lusitano 28 recebeu “31 crianças vitimas<br />

<strong>de</strong> violência e maus tratos... os casos mais frequentes que levaram a esses internamentos foram<br />

a negligência, o espancamento e os maus tratos físicos e psíquicos. Verificaram-se ain<strong>da</strong> <strong>do</strong>is<br />

abusos sexuais e o aban<strong>do</strong>no <strong>de</strong> uma criança...” (Reconquista, nº 2640, 18.10.1996, p.11).<br />

A violência sobre a criança era socialmente aceite, por ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> um direito e <strong>de</strong>ver<br />

correctivo <strong>do</strong> adulto sobre ela. Por este motivo, muitos <strong>do</strong>s nossos interlocutores respondiam,<br />

com à vonta<strong>de</strong> e indiferença, não existir tal tipo <strong>de</strong> violência. Entretanto, durante a entrevista<br />

obtínhamos elementos que contradiziam aquela perspectiva.<br />

Sabe-se hoje que cerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> <strong>do</strong>s agressores foram vítimas <strong>de</strong> agressão enquanto<br />

crianças, sen<strong>do</strong> imprescindível quebrar este ciclo para evitar a perpetuação <strong>do</strong> problema.<br />

1.5.2. Infanticídio<br />

O infanticídio é um homicídio na pessoa <strong>de</strong> um <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte. A vítima era frequentemente uma<br />

criança <strong>de</strong> tenra i<strong>da</strong><strong>de</strong> e a mãe quase sempre a agressora 29 .<br />

Até ao século XVI parece ter si<strong>do</strong> prática relativamente comum, muitas vezes disfarça<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

aci<strong>de</strong>nte. Razões <strong>de</strong> honra e socio-económicas estavam subjacentes a esta prática, con<strong>de</strong>na<strong>da</strong><br />

pela Igreja e reprimi<strong>da</strong> pelo Esta<strong>do</strong>. Ao longo <strong>da</strong> Época Mo<strong>de</strong>rna parece observar-se uma<br />

retracção significativa <strong>do</strong> infanticídio e um aumento <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no e exposição <strong>de</strong> crianças 30 .<br />

Uma <strong>da</strong>s razões invoca<strong>da</strong>s para a criação <strong>da</strong> ro<strong>da</strong> 31 , regista<strong>da</strong> no preâmbulo <strong>do</strong> provimento <strong>da</strong><br />

Ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> Castelo Branco, foi a <strong>do</strong>s “reitera<strong>do</strong>s infanticídios que estão acontecen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os dias,<br />

e em to<strong>da</strong>s as terras, em que não há ro<strong>da</strong>s, ou berços” (Martins, 1980:34).<br />

São raros os processos crimes <strong>de</strong> infanticídio instruí<strong>do</strong>s na comarca <strong>de</strong> Tavira, entre os anos <strong>de</strong><br />

1828 e 1886. Segun<strong>do</strong> Aurízia Anica (1996), autora <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> sobre o tema, o infanticídio é<br />

quase exclusivamente perpetra<strong>do</strong> pelas mães, maioritariamente solteiras, ou separa<strong>da</strong>s <strong>do</strong>s<br />

mari<strong>do</strong>s, jovens e trabalha<strong>do</strong>ras.<br />

Os meios mais utiliza<strong>do</strong>s eram o afogamento ou mais raramente o enterramento 32 . Segun<strong>do</strong><br />

aquela autora, “a estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa a<strong>do</strong>pta<strong>da</strong>, em tribunal, pelas mães acusa<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

infanticídio impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer bem as razões <strong>do</strong> seu procedimento. Ou negam<br />

peremptoriamente o facto <strong>de</strong> que são acusa<strong>da</strong>s, ou justificam a irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> enterramento<br />

com a sua pobreza, não consentânea com os honorários exigi<strong>do</strong>s pelos padres” (Anica,<br />

1996:32).<br />

28 Designação que substituiu Hospital Distrital <strong>de</strong> Castelo Branco.<br />

29 O artigo 136 <strong>do</strong> nosso Código Penal regista que “a mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estan<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> sob a<br />

sua influência perturba<strong>do</strong>ra, é puni<strong>da</strong> com pena <strong>de</strong> prisão <strong>de</strong> 1 a 5 anos”.<br />

30 No século XIX, há registos <strong>de</strong>sta prática por grupos <strong>de</strong> ameríndios em relação a crianças gémeas, a <strong>de</strong>ficientes físicos e<br />

perante circunstâncias sócio–económicas <strong>de</strong>sfavoráveis (Nunes, 1999).<br />

31 Instituição que tinha como fim a protecção <strong>da</strong> criança. Ver em RODA no cap. 1.6 (Assistência, Breves Notas) <strong>de</strong>ste texto.<br />

32 Nesta região, é também através <strong>do</strong> afogamento que frequentemente se matam as crias in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>s <strong>do</strong>s cães e <strong>do</strong>s gatos.<br />

AÇAFA On Line, nº 1 (2008)<br />

<strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong>, www.altotejo.org<br />

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