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Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

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PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA NO SUL DA BEIRA INTERIOR (PERSPECTIVA ETNOLÓGICA)<br />

Francisco Henriques<br />

Sen<strong>do</strong> nossa intenção conhecer o momento em que a criança <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> o ser, pu<strong>de</strong>mos constatar<br />

que esse momento é variável, com o tempo histórico, e com o lugar em questão.<br />

1.3. Histórias na primeira pessoa e outras<br />

Com o objectivo <strong>de</strong> proporcionar uma perspectiva geral e rápi<strong>da</strong> <strong>do</strong> que era ser criança no Sul <strong>da</strong><br />

Beira Interior, que po<strong>de</strong>rá aju<strong>da</strong>r a compreen<strong>de</strong>r algumas situações relata<strong>da</strong>s nas páginas<br />

seguintes, transcrevemos alguns <strong>de</strong>poimentos oriun<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s entrevistas realiza<strong>da</strong>s no âmbito<br />

<strong>de</strong>ste trabalho ou textos, já publica<strong>do</strong>s, que espelhem fragmentos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> infanto-juvenil.<br />

Em tom crítico o médico A. Proença (1944:29-30) <strong>de</strong>screve a prática, frequente na época,<br />

relativa à alimentação <strong>do</strong> recém-nasci<strong>do</strong>. “A têta dê-lha quan<strong>do</strong> quiser, pu<strong>de</strong>r ... e êle aceitar!<br />

Deite-o ao pé <strong>de</strong> si para não arrefecer! ... Olhe que a maminha é o «cala-meninos»! Dê-lhe umas<br />

colheres <strong>de</strong> papinha, ou peito <strong>de</strong> outra mulher, nas primeiras horas <strong>de</strong> nasci<strong>do</strong>!».<br />

Começa a amamentação e, a mãi, acaba<strong>da</strong> a convalescença, <strong>de</strong>mora<strong>da</strong> quási sempre, apenas<br />

se alimenta a cal<strong>do</strong>s <strong>de</strong> galinha, haja ou não qualquer aci<strong>de</strong>nte nas sequências <strong>do</strong> parto, só com<br />

extrema dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> conseguin<strong>do</strong> vencer a resistência que lhe oferece a família e conheci<strong>do</strong>s<br />

para tomar qualquer outro alimento <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> quatro semanas após a parturição.<br />

Logo que po<strong>de</strong>, a mãi regressa ao trabalho, ina<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> quási sempre, e o leite ressente-se, não<br />

apresentan<strong>do</strong> as precisas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s nutritivas; o filho progri<strong>de</strong> dificilmente, auxilia<strong>do</strong> com<br />

alimentação imprópria <strong>do</strong>s seus órgãos digestivos; os transtornos e perturbações digestivas<br />

suce<strong>de</strong>m-se; uma hora chega em que se dá o evitável ... «o menino morreu-se»!<br />

É uma selecção que se faz – a selecção muito forte – porque só o muito robusto se aguenta”.<br />

Maria <strong>do</strong> Carmo Lopes 9 , Caniçal Fun<strong>de</strong>iro – Proença-a-Nova, faleci<strong>da</strong>.<br />

“- Depois <strong>de</strong> nascer ao fim <strong>de</strong> quanto tempo a criança podia mamar?<br />

- Demorava aí... às vezes <strong>do</strong>is ou três dias.<br />

- Tanto tempo?<br />

- Íamos a outras qu’lhe <strong>de</strong>sse o pête. Sempre havia uma vizinha. Noutre tempo, agora já num é<br />

assim, havia muitas mulheres a ter filhos e aquela qu’<strong>de</strong>sse o pêto ó menino ía-se lá uns poucos<br />

<strong>de</strong> dias 10 . E uma vez tive no Caniçal e ó<strong>de</strong>pois, tava lá ... a sr. Carmin<strong>da</strong> teve um menino e<br />

<strong>de</strong>pois eu <strong>da</strong>va lête e lá no povo nom havia ninguém que <strong>de</strong>sse lête e ó<strong>de</strong>pois, diz ela assim às<br />

tantas <strong>da</strong> noite... Foi lá bater às portas <strong>do</strong> mê pai.<br />

9 Maria <strong>do</strong> Carmo Lopes, nasceu em 10.01.1907 em Caniçal Fun<strong>de</strong>iro – Proença-a-Nova, e já faleceu. O seu testemunho foi<br />

grava<strong>do</strong> em 08.07.1989 com um fim diferente <strong>da</strong>quele que hoje lhe <strong>da</strong>mos, e continua inédito.<br />

10 Em Penha Garcia, Conceição Ferreira (1997:40) regista a seguinte prática: “nos casos <strong>da</strong> mãe não <strong>da</strong>r leite (eram raros) a<br />

solução mais usa<strong>da</strong> era levarem a criança a outras mulheres que tivessem muito. Mulheres a quem morriam os filhos ou inclusive<br />

a mulheres que tinham leite em abundância e amamentavam mais que uma criança ao mesmo tempo. Eram chama<strong>da</strong>s «amas<br />

<strong>de</strong> leite». Estas mulheres chegavam mesmo a cortar o leite aos seus próprios filhos já mais cresci<strong>do</strong>s para alimentarem outros<br />

recém-nasci<strong>do</strong>s a fim <strong>de</strong> sobreviverem. Eu própria conheço a história real <strong>de</strong> uma mulher que ain<strong>da</strong> existe embora muito i<strong>do</strong>sa,<br />

que criou uma bebé <strong>de</strong> uma vizinha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento até a criança po<strong>de</strong>r comer outros alimentos. Ela consi<strong>de</strong>ra-se mãe, a<br />

bebé que então já é mulher chama-lhe tia e os filhos <strong>da</strong> ama <strong>de</strong> leite consi<strong>de</strong>ram-na irmã”. Inversamente se a mulher que<br />

amamentava produzia muito leite chamavam uma criança maior para o mamar (Montes <strong>da</strong> Senhora, PN).<br />

AÇAFA On Line, nº 1 (2008)<br />

<strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong>, www.altotejo.org<br />

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