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Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

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PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA NO SUL DA BEIRA INTERIOR (PERSPECTIVA ETNOLÓGICA)<br />

Francisco Henriques<br />

anos já iam à ceifa, mas no fim <strong>da</strong> safra, nas contas para o patrão, figuravam como adultos. Os<br />

manajeiros reuniam os homens para se pronunciarem sobre a quantia a atribuir a ca<strong>da</strong><br />

a<strong>do</strong>lescente. Em geral <strong>da</strong>vam-lhes 250 ou 300 escu<strong>do</strong>s e o restante era dividi<strong>do</strong> pelos adultos...<br />

Apesar disso, regressavam contentes. Mas, no primeiro ano em que ganhavam «por inteiro», a<br />

alegria era tal que, ao chegar ao casal, atiravam ca<strong>da</strong> um o seu foguete” (Vilhena, 1995:17).<br />

O perío<strong>do</strong> corespon<strong>de</strong>nte aos 12 - 14 anos correspon<strong>de</strong>, grosso mo<strong>do</strong>, à terceira infância,<br />

segun<strong>do</strong> o médico José Lopes Dias. Esta última fase <strong>da</strong> infância é caracteriza<strong>da</strong> “por um mais<br />

amplo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> esqueleto e correlativamente por uma preparação morfologica<br />

progressiva <strong>do</strong> organismo para as funções novas <strong>da</strong> puber<strong>da</strong><strong>de</strong>” (Dias,1924:12).<br />

Aos 16 anos é reconheci<strong>do</strong> pelo Código Civil <strong>de</strong> 1977, em vigor, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre o<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong> sua educação religiosa que pretendia para si mesmo. Com esta mesma i<strong>da</strong><strong>de</strong> e até<br />

1924 terminava a esta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s raparigas órfãs no Asilo <strong>de</strong> Castelo Branco. Depois, em reunião <strong>de</strong><br />

direcção <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1924 foi altera<strong>do</strong> o artigo 15 <strong>do</strong>s estatutos “que <strong>de</strong>termina a<br />

permanência <strong>da</strong>s órfãos no Asilo até aos 16 anos. Entendiamos que essa permanência <strong>de</strong>via ir<br />

pelo menos até aos 18 anos, visto estar assaz reconheci<strong>do</strong> que a i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s 16 anos é<br />

extremamente perigosa, in<strong>do</strong> as creanças para o bulicio <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, on<strong>de</strong> a ca<strong>da</strong> passo a sua<br />

inocência se vê exposta a to<strong>do</strong>s os ardis e mal<strong>da</strong><strong>de</strong>s” (Carvalho, 1925:75).<br />

A i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> 16 anos permanece como limite porque é a partir <strong>de</strong>la que um indivíduo po<strong>de</strong> iniciar,<br />

legalmente, activi<strong>da</strong><strong>de</strong> profissional e, nos hospitais, ser interna<strong>do</strong> em enfermarias <strong>de</strong> adulto. É<br />

também a partir <strong>de</strong>sta i<strong>da</strong><strong>de</strong> que perante o Código Penal o indivíduo se torna imputável 8 e se<br />

aplica o Regime Penal <strong>do</strong>s Jovens (Decreto-Lei 401/82 <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> Setembro) cujo no nº 2 <strong>do</strong> art. 1<br />

regista que “é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> jovem para efeitos <strong>de</strong>ste diploma o agente que, à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> prática <strong>do</strong><br />

crime, tiver completa<strong>do</strong> 16 anos sem ter ain<strong>da</strong> atingi<strong>do</strong> os 21 anos”.<br />

No século XIX as crianças expostas e <strong>de</strong>svali<strong>da</strong>s conseguiam a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e a emancipação aos<br />

20 anos. Os órfãos, igualmente expostas e <strong>de</strong>svali<strong>do</strong>s, apenas conseguiam este estatuto aos 25<br />

anos (Lopes, 1993:504).<br />

Perante o exposto pu<strong>de</strong>mos observar que a construção <strong>da</strong> actual noção <strong>de</strong> criança é fruto <strong>de</strong> um<br />

longo percurso aferi<strong>do</strong>, fun<strong>da</strong>mentalmente, pelo valor social atribuí<strong>do</strong> ao indivíduo e mais<br />

especificamente à criança.<br />

Verificamos que as marcas físicas (alteração <strong>do</strong> corpo) e o início <strong>do</strong> trabalho remunera<strong>do</strong> são<br />

importantes marcos na vi<strong>da</strong> social <strong>do</strong> indivíduo.<br />

A i<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> angariação <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> sobrevivência, pela criança, tem vin<strong>do</strong> a aumentar<br />

ao longo <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is últimos séculos. A criança que no século XIX passava a trabalhar aos sete<br />

anos, a troco <strong>de</strong> comi<strong>da</strong>, cama e roupa, encontra, no final <strong>do</strong> século XX, patamar semelhante<br />

aos 16 anos.<br />

3. É voz comum no Sul <strong>da</strong> Beira que o corpo e a mente <strong>de</strong> uma pessoa se modificam <strong>de</strong> sete<br />

em sete anos. Através <strong>da</strong> <strong>do</strong>cumentação menciona<strong>da</strong> no ponto anterior pu<strong>de</strong>mos verificar a<br />

importância atribuí<strong>da</strong> às i<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong>s sete anos e <strong>do</strong>s catorze anos. Não incluímos referências à<br />

passagem <strong>do</strong>s 21 anos por não se enquadrarem no nosso objecto.<br />

8 Art. 19 <strong>do</strong> Código Penal – “os menores <strong>de</strong> 16 anos são inimputáveis”.<br />

AÇAFA On Line, nº 1 (2008)<br />

<strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong>, www.altotejo.org<br />

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