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Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

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PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA NO SUL DA BEIRA INTERIOR (PERSPECTIVA ETNOLÓGICA)<br />

Francisco Henriques<br />

Era assim esta maneira <strong>de</strong> falar para os filhos d’antes.<br />

Saíam com o rebanho. O rebanho comia on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>via, era uma malha à noite.”<br />

1.4. Trabalho na infância<br />

Em to<strong>da</strong>s as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s há notícia <strong>da</strong> participação <strong>da</strong>s crianças nas activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s económicas <strong>de</strong><br />

que o grupo <strong>de</strong>pendia.<br />

Em Portugal, a Constituição <strong>da</strong> República Portuguesa, através <strong>do</strong> nº 3 <strong>do</strong> artigo 69, proíbe o<br />

trabalho a menores em i<strong>da</strong><strong>de</strong> escolar. Com o Decreto-Lei nº 46/86 <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> Outubro a<br />

escolari<strong>da</strong><strong>de</strong> obrigatória passou para 9 anos, tornan<strong>do</strong>-se legalmente impossível empregar<br />

menores <strong>de</strong> 16 anos.<br />

Nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s industriais, como a <strong>do</strong> século XIX, por exemplo, a criança foi uma peça<br />

importante no processo <strong>de</strong> industrialização. A baixa esperança <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população, as<br />

gravi<strong>de</strong>zes sucessivas <strong>da</strong>s mulheres, o baixo preço <strong>da</strong> mão-<strong>de</strong>-obra infantil, o seu po<strong>de</strong>r<br />

reivindicativo nulo, a sua agili<strong>da</strong><strong>de</strong> e a sua baixa estatura facilitaram a utilização <strong>da</strong> mão-<strong>de</strong>-obra<br />

infantil, pre<strong>do</strong>minantemente na industria, com <strong>de</strong>staque para a têxtil e a mineira.<br />

Começavam a trabalhar muito novos (4, 6, 7 anos) e a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho podia prolongar-se<br />

até 16 horas diárias 18 .<br />

Na Europa, as primeiras leis <strong>de</strong> protecção à criança operária surgem em 1833, em Inglaterra, e<br />

só posteriormente no resto <strong>do</strong> continente. Nessa época, proibia-se o emprego a crianças com<br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong> inferior a 9 anos. Nas déca<strong>da</strong>s seguintes este movimento ampliou-se no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> limitar<br />

o número <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> trabalho semanal e <strong>de</strong> melhorar as condições <strong>de</strong> trabalho infantil.<br />

Nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s tradicionais, a criança trabalhava em contexto familiar contribuin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong><br />

para a sobrevivência <strong>do</strong> seu grupo. A sua integração no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho fazia-se <strong>de</strong> forma<br />

progressiva ten<strong>do</strong> quase sempre em conta o relação trabalho–possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> criança segun<strong>do</strong><br />

a sua i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Como escreve Graça Pinto (1998:53) “às crianças distribuem-se, então, activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

distintas, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua maturi<strong>da</strong><strong>de</strong> física e psicológica, procuran<strong>do</strong> tirar o maior parti<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s próprias <strong>da</strong>s suas i<strong>da</strong><strong>de</strong>s”.<br />

A diferenciação sexual <strong>da</strong>s activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, masculinas e femininas, iniciava-se por volta <strong>do</strong>s cinco<br />

ou seis anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>. A aprendizagem construía-se através <strong>do</strong> jogo, <strong>da</strong> imitação e <strong>da</strong><br />

observação <strong>do</strong> adulto. Nestas circunstâncias, a aprendizagem <strong>de</strong> uma activi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a<br />

socialização <strong>da</strong> criança tinham percurso único ou paralelo 19. Em última instância, este tipo <strong>de</strong><br />

trabalho, além <strong>da</strong> sua utili<strong>da</strong><strong>de</strong> social, contribuía para a integração social e para a formação<br />

18 Vejamos o testemunho <strong>de</strong> um operário inglês, em 1832, perante uma comissão <strong>de</strong> inquérito. “Tinha 7 anos quan<strong>do</strong> comecei a<br />

trabalhar na manufactura: O trabalho era a fiação <strong>da</strong> lã; o trabalho <strong>de</strong>corria entre as 5 <strong>da</strong> manhã e as 8 <strong>da</strong> noite, com intervalo <strong>de</strong><br />

30 minutos ao meio dia para repousar e comer; não havia tempo para repousar e comer à tar<strong>de</strong> (...). Eu tinha 14 horas e meia <strong>de</strong><br />

trabalho efectivo aos 7 anos; o meu salário era <strong>de</strong> 3 francos e 10 cêntimos por semana” (Crisanto, 1999:241).<br />

19 A este propósito escreve Graça Alves Pinto (1998:64): “o envolvimento laboral <strong>da</strong>s crianças rurais ten<strong>de</strong> a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong><br />

uma experiência mais próxima <strong>da</strong> socialização <strong>do</strong> que <strong>do</strong> trabalho. Tal perspectiva tem contribuí<strong>do</strong> para perpetuar a invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> trabalho infantil no meio rural, dificultan<strong>do</strong> o seu reconhecimento económico e social. E é por isso também que o trabalho<br />

realiza<strong>do</strong> por crianças e a<strong>do</strong>lescentes na agricultura é excluí<strong>do</strong> <strong>da</strong> categoria <strong>de</strong> trabalho infantil. Desta forma, as crianças rurais<br />

contam pouco para as estatísticas <strong>da</strong>s crianças trabalha<strong>do</strong>ras e não são incluí<strong>da</strong>s nas crescentes preocupações sobre o trabalho<br />

infantil”.<br />

AÇAFA On Line, nº 1 (2008)<br />

<strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong>, www.altotejo.org<br />

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