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Psicopatologia da Criança - Associação de Estudos do Alto Tejo

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PSICOPATOLOGIA DA CRIANÇA NO SUL DA BEIRA INTERIOR (PERSPECTIVA ETNOLÓGICA)<br />

Francisco Henriques<br />

Na civilização greco–latina a criança era consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> como proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s pais po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> estes<br />

dispor, inclusivamente, <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Em Esparta, durante a ditadura <strong>de</strong> Licurgo, as crianças com<br />

problemas físicos, que as impedissem <strong>de</strong> integrar eficazmente o exército, eram lança<strong>da</strong>s em<br />

abismos.<br />

Lúcio Séneca (4 A . C. – 65 d. C.), filosofo latino, preconiza a eliminação <strong>da</strong>s crianças com<br />

<strong>de</strong>feitos físicos ou as inváli<strong>da</strong>s.<br />

Cabia ao pater famílias, na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> romana, <strong>de</strong>cidir sobre a sorte <strong>do</strong> recém-nasci<strong>do</strong> que lhe<br />

era apresenta<strong>do</strong>. A não aceitação <strong>da</strong> criança correspondia ao seu aban<strong>do</strong>no, na rua.<br />

Dos pensa<strong>do</strong>res medievais <strong>de</strong>stacamos São Tomás <strong>de</strong> Aquino (1224-1274) que na obra Summa<br />

Theologica perspectiva a criança como um homem em miniatura (Castro e Cal<strong>de</strong>ra, 1997).<br />

Assim, durante a época Medieval e até cerca <strong>do</strong> século XVI o sentimento <strong>de</strong> infância, que<br />

“correspon<strong>de</strong> a uma consciência <strong>da</strong> particulari<strong>da</strong><strong>de</strong> infantil, essa particulari<strong>da</strong><strong>de</strong> que distingue<br />

essencialmente a criança <strong>do</strong> adulto, mesmo jovem” (Neves et all,1989:94), não existia. A criança<br />

ou vivia num esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> completa <strong>de</strong>pendência <strong>do</strong>s cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong> mãe ou ama ou passava a<br />

integrar o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s adultos. O estatuto <strong>de</strong> a<strong>do</strong>lescente não era conheci<strong>do</strong>. Na arte, durante<br />

essa época, a criança era representa<strong>da</strong> com corpo pequeno e cabeça <strong>de</strong> adulto.<br />

No século XVII, principalmente nos grupos sociais mais eleva<strong>do</strong>s, a criança passa a ser fonte <strong>de</strong><br />

distracção e <strong>de</strong> prazer <strong>do</strong>s adultos (o que os autores franceses chamam <strong>de</strong> mignotage). Há<br />

como que uma <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> criança pequena mas apenas na vertente lúdica. Esta nova atitu<strong>de</strong><br />

para com a criança é fortemente critica<strong>da</strong> por influentes pensa<strong>do</strong>res contemporâneos<br />

(Montaigne, Fleury, M. D’Argonne, etc.). Nessa época a criança <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> misturar-se com os<br />

adultos, sobretu<strong>do</strong> à mesa.<br />

Paralelamente, moralistas e educa<strong>do</strong>res difun<strong>de</strong>m outros focos <strong>de</strong> interesse relativos à criança,<br />

como a psicologia e a moral. Estas temáticas preten<strong>de</strong>m melhorar e a<strong>da</strong>ptar os méto<strong>do</strong>s<br />

educativos à suas i<strong>da</strong><strong>de</strong>s tornan<strong>do</strong>-os adultos racionais e melhores cristãos.<br />

Des<strong>de</strong> os finais <strong>do</strong> século XVII vinha-se assistin<strong>do</strong> a um <strong>de</strong>créscimo lento, mas progressivo, <strong>da</strong><br />

autori<strong>da</strong><strong>de</strong> paterna sobre a criança, substituí<strong>da</strong>, entretanto, pela autori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> escola e <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>. A autori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> família foi per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> significa<strong>do</strong> à medi<strong>da</strong> que o Esta<strong>do</strong> aumentava a<br />

sua interferência na esfera social. Ao mesmo tempo, os pais assistiram a um acréscimo <strong>do</strong>s seus<br />

<strong>de</strong>veres para com as crianças. Escreve Pedro Neves (1989:99) “na mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> antiga o pai<br />

tinha plena soberania sobre os filhos, como o senhor sobre os escravos – eles pertenciam-lhe <strong>de</strong><br />

plena proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> porque os havia feito; ele não lhes <strong>de</strong>via na<strong>da</strong>. Na mentali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

contemporânea, pelo contrário, o acto <strong>da</strong> criação confere aos pais mais <strong>de</strong>veres que direitos”. Os<br />

<strong>de</strong>veres <strong>do</strong>s pais para com os filhos passaram a ser os <strong>de</strong> proporcionar educação religiosa e<br />

moral, assistência material, educação profissional, tratamento <strong>de</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> entre to<strong>do</strong>s os filhos,<br />

entre outros.<br />

Nessa época, a criança não tinha papel afectivo na família. É “a partir <strong>do</strong> séc. XVII que sob a<br />

influência <strong>da</strong> Contra-Reforma e <strong>do</strong> culto <strong>da</strong> sagra<strong>da</strong> família o sentimento afectivo que une hoje<br />

as famílias se vai lentamente forman<strong>do</strong>. Ele cresce proporcionalmente ao aumento <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> escolha <strong>do</strong> cônjuge e <strong>do</strong> papel que nela a afectivi<strong>da</strong><strong>de</strong> vai <strong>de</strong>sempenhan<strong>do</strong>; na medi<strong>da</strong><br />

também em que as relações conjugais se suavizam; em que a mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> nas crianças diminui<br />

AÇAFA On Line, nº 1 (2008)<br />

<strong>Associação</strong> <strong>de</strong> <strong>Estu<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>Alto</strong> <strong>Tejo</strong>, www.altotejo.org<br />

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