Oração de Sapiência de Hilário Moreira_1990.pdf - Universidade de ...
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Ora aqueles a quem não é suficientemente familiar o conhecimento<br />
<strong>de</strong>sta parte da filosofia a que chamamos, gramática, esses, porque amontoam<br />
palavras ao acaso, não po<strong>de</strong>m explicar o que sentem, mas proferem<br />
sons sem sentido e, com um ruído oco, atur<strong>de</strong>m os ouvidos, tal como a onda<br />
bate na praia.<br />
Lê-se a respeito <strong>de</strong> Cadmo que, tendo sido enviado pelo pai Agenor<br />
à busca <strong>de</strong> Europa, raptada por Júpiter, tendo-se sentado triste e meditabundo<br />
junto da fonte <strong>de</strong> Hipocrene, ali encontrara os <strong>de</strong>zasseis caracteres<br />
das letras, <strong>de</strong> que usou primeiro a Grécia e <strong>de</strong>pois toda a posterida<strong>de</strong>.<br />
Estas letras, reunidas em sílabas, vivificadas pelas vogais, formam os<br />
vocábulos, com que se compõe a oração mais completa.<br />
Como <strong>de</strong>vem censurar-se eSSeS insensatos que <strong>de</strong>sprezam a gramática!<br />
Bom Deus, como se gramático não seja o mesmo que literato! Como se<br />
não fossem os gramáticos que Erociano enumera, quem outrora, com toda<br />
a diligência, interpretou os afamados livros <strong>de</strong> Hipócrates!<br />
Admiro-me, na verda<strong>de</strong>, que se tenham por pelÍtos em tais assuntos<br />
certos homenzinhos vulgares que, como costuma dizer-se, nunca saudaram<br />
as letras, nem sequer do limiar; tão longe estão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem explanar, com<br />
clareza, quaisquer passagens mais intrincadas dos autores.<br />
No estudo a proporcionar às crianças <strong>de</strong>ve, por conseguinte, prestar-se<br />
atenção sobretudo a que cada uma adquira uma linguagem clara e chã, com<br />
que possa, sem ambiguida<strong>de</strong>, manifestar o pensamento.<br />
Parecem-me indignos do nome <strong>de</strong> homens aqueles que, seml're que<br />
graves circunstâncias lhes exigem o uso da palavra, tal como as 'XiiJq;a ne6awna<br />
nas comédias, não são capazes <strong>de</strong> abrir a boca. Muitas vezes mesmo encontrei<br />
rapazes com gran<strong>de</strong> abundância <strong>de</strong> termos seleccionados, mas, porque<br />
não conheciam o processo acertado <strong>de</strong> elaborar uma oração, não ousavam<br />
falar. . Para estes todo o esforço <strong>de</strong>spendido com as letras se per<strong>de</strong>ra, <strong>de</strong>vido a<br />
esta única causa - o facto <strong>de</strong> não terem aprendido paulatinamente a gramática.<br />
Eis por que me parece que a criança se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ter <strong>de</strong>moradamente neste<br />
parte da filosofia, até conhecer todos os processos <strong>de</strong> reunir as palavras,<br />
e ousar apresentar-se como um arquitecto da oração.<br />
É que esta arte não só busca a coerência da oração, mas também corta,<br />
à maneira duma foice, os exageros duma locução <strong>de</strong>feituosa por exuberante.<br />
E em toda a espécie <strong>de</strong> matérias, é ela a única que tem mais obra do que<br />
aparato.<br />
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