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Viscondes, mazombos e coimbrãos - Quintal dos Poetas

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feitos a Cláudio Manuel da Costa a quem muitos atribuíam a principal<br />

responsabilidade pelo conteúdo do relatório.<br />

Mas embora fosse um bom pretexto a justificar certas presenças<br />

soturnas em tão primaveril vesperal, as manifestações de apoio ao<br />

relatório não eram mesmo o motivo principal da festiva reunião.<br />

Tratava-se na verdade de uma rara cerimônia de batizado. Nada podia<br />

ser mais raro do que botar os santos óleos num brasileiro de sangue<br />

azul.<br />

Naquela tarde os papéis de maior destaque estavam reserva<strong>dos</strong> a<br />

duas personagens especiais: o pequeno nobre recém-nascido e um<br />

poeta bonachão. Agora já era o momento da primeira delas adentrar o<br />

salão e cumprir o seu inocente papel. Certamente isso teria que ser feito<br />

com toda a pompa e requinte exigi<strong>dos</strong> para alguém nascido de tão<br />

insigne ascendência. É claro que nascer em Vila Rica não era como<br />

nascer em Lisboa, mas ao pequeno José Tomás de Menezes nada foi<br />

sonegado, por cuja falta pudesse ser diminuído o esplendor do seu<br />

berço e a nobreza do seu sangue.<br />

E foi assim que o pequenino filho do grande governador das<br />

Minas Gerais entrou no salão, agora em silêncio total, emudecido que<br />

fora pelo toque de um sino que prenunciara o início da cerimônia do<br />

batismo. Desprezando o costume local que teria condicionado que o<br />

pequeno viesse no colo de uma ama preta, gorda e descalça; a criança<br />

vinha no colo da própria mãe. Nada menos do que uma Bourbon,<br />

Maria José Essa de Bourbon.<br />

A jovem mãe deslizou pelo salão em passos miú<strong>dos</strong> e cabeça<br />

erguida, contemplando to<strong>dos</strong> com um sorriso aristocrático que desde<br />

pequena a ensinaram a sorrir e que misturava arrogância com piedade,<br />

numa salada que no último quarto daquele século alguns já estavam<br />

começando a achar indigesta. A marcha era enriquecida por uma<br />

música celestial que vinha detrás de um biombo de motivos<br />

achinesa<strong>dos</strong>, posto num <strong>dos</strong> cantos da sala. O anteparo tinha a<br />

asséptica função de ocultar a mulatice <strong>dos</strong> músicos das vistas sensíveis<br />

<strong>dos</strong> ilustres convida<strong>dos</strong>. Proteção honestamente desnecessária já que<br />

muitos ali tinham em belas negras sestrosas as mães de seus queri<strong>dos</strong><br />

filhos bastar<strong>dos</strong>.<br />

Do lado oposto da porta, por onde mãe e filho entraram, havia um<br />

pequeno altar com uma cruz em resplendor e, do lado, uma pia<br />

batismal em latão luzente, trabalhado em relevos caprichosos. Apesar<br />

do passo lento, a jovem mãe não levou mais do que alguns segun<strong>dos</strong><br />

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