Viscondes, mazombos e coimbrãos - Quintal dos Poetas

para pagá-las todas, conforme havia afiançado aos seus credores.
Empresário arrojado tentou mecanizar suas lavras e lavouras em pleno
século XVIII. Exagerou na poesia laudatória mas foi poeta arcádio
inovador e nativista apaixonado. Conseguiu a façanha de produzir um
poema em homenagem ao filho do governador da capitania que foi, ao
mesmo tempo, o hino da Inconfidência. Acusam-no de ter entrado na
conjuração somente para ficar livre de suas dívidas. Não sei como isso
seria concretizado pois elas eram contraídas basicamente com agiotas e
contratadores e não diretamente com a Coroa. Era generoso e assumia
dívidas para dar presentes caros aos amigos. Também as contraía para
fazer investimentos em ideias produtivas inovadoras. Ou seja, muito
mais do que reles sonegador ou caloteiro irresponsável, era um
visionário que tinha fé na sua industrialidade. Tinha um temperamento
ativo e criativo num tempo de muito ócio e indolência e, assim, preferiu
correr riscos como empresário em lugar de permanecer placidamente
assentado em sua cadeira de juiz usufruindo os estipêndios de seu cargo
e as benesses da sua carreira. O mais interessante é que, apesar de
compulsivo devedor, crédito não lhe faltava. Adorava a realeza mas
embarcou no sonho da república. Talvez tenha feito isso por puro
deslumbramento. De espírito aventureiro, não podia ficar de fora da
barca da história, inda que singrando mares perigosos e não ser ele um
bom marinheiro. Comprometeu amigos e teria delirado de pavor nas
barras do tribunal. 36 Mas chorou sensível a perda desses mesmos
amigos e se resignou diante do negro do seu miserável futuro. Viveu
maritalmente com Bárbara Eliodora cerca de dois anos expondo-a à
pecha de ser rotulada de prostituta, o que levou toda a elite de São João
del Rei a se queixar ao bispo que, nesse caso, até acabou resolvendo o
problema. 37 Mas morreu de amor e saudade dela e da filha, deixando
36 O perfil essencialmente acovardado atribuído pelos historiadores a quase totalidade
dos inconfidentes, tem por fonte o relato de frei Raimundo da Anunciação Penaforte,
que seria seu testemunho pessoal da reação apavorada dos pobres condenados, ante a
leitura da sentença. Tenho dúvidas quanto à honestidade desse relato, como
comentarei mais adiante.
37 O bispo baixou uma portaria determinando o casamento, corrigindo o mau
costume. Para facilitar as coisas simplificou a tramitação do processo, abreviando o
prazo das proclamas. O mais curioso é que nesse intervalo ele proibiu o intercurso
carnal, embora Alvarenga e Bárbara já dormissem juntos há muito tempo. É muito
provável que nosso passional poeta tenha respeitado o prazo, disciplinado como era.
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