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A GLOBALIZAÇÃO NO MUNDO ANTIGO - Universidade de Coimbra

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Esta tradição vem, <strong>de</strong> facto, registada num documento conhecido por Carta<br />

a Arísteas, teoricamente escrita por um elemento da corte real, mas que <strong>de</strong>ve<br />

ter sido antes composta por um ju<strong>de</strong>u. Segundo esse testemunho, a comunida<strong>de</strong><br />

judaica e o próprio rei teriam ficado tão satisfeitos com o resultado obtido na<br />

tradução, que o texto assumiria a partir daí um estatuto <strong>de</strong> referência. Neste<br />

momento, mais do que as questões exegéticas à volta da Bíblia dos Septuaginta,<br />

interessa em particular a reação dos Ju<strong>de</strong>us e a forma como a mesma comunida<strong>de</strong><br />

judaica é apresentada, usando como guia para essa análise a paráfrase que Flávio<br />

Josefo faz da Carta a Arísteas: 33<br />

Uma vez transcrita a lei (nomos) e levado a termo o trabalho <strong>de</strong> interpretação,<br />

num período <strong>de</strong> setenta e dois dias, Demétrio reuniu todos os Ju<strong>de</strong>us no local<br />

on<strong>de</strong> as leis (nomoi) haviam sido vertidas e proce<strong>de</strong>u à sua leitura, na presença<br />

dos próprios intérpretes. O povo aplaudiu sem reservas o trabalho dos anciãos<br />

que haviam traduzido a lei (nomos), louvou igualmente Demétrio por ter tido esta<br />

i<strong>de</strong>ia, que lhes trouxera tão gran<strong>de</strong>s benefícios, e solicitou ainda que <strong>de</strong>ssem a lei<br />

(nomos) a ler também aos seus governantes. E todos eles — o sacerdote, os mais<br />

velhos entre os intérpretes e os chefes (proestekotes) da comunida<strong>de</strong> (politeuma) —<br />

insistiram em que, tendo a interpretação sido levada a cabo <strong>de</strong> forma tão perfeita,<br />

fosse mantida no estado em que se encontrava e não sofresse nenhuma alteração.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista político e legal, o texto comporta algumas informações<br />

preciosas. A natureza jurídica da Torá é insistentemente sublinhada pelos termos<br />

usados em grego para a referir (nomos/nomoi); por outro lado, à comunida<strong>de</strong> dá-se<br />

a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> politeuma. Atrás, ao referir-se o texto <strong>de</strong> Pseudo-Hecateu sobre a<br />

vinda <strong>de</strong> Ezequias para Alexandria, fora usado o termo katoikesis, que, juntamente<br />

com a variante katoikia, é a palavra normalmente utilizada para <strong>de</strong>signar uma<br />

colónia <strong>de</strong> estrangeiros em <strong>de</strong>terminada localida<strong>de</strong>. 34 Este tipo <strong>de</strong> organizações<br />

33 Antiguida<strong>de</strong>s Judaicas, 12.107-108.<br />

34 Sobre a terminologia usada nas fontes para <strong>de</strong>signar estas comunida<strong>de</strong>s relativamente autónomas,<br />

vi<strong>de</strong> Hegermann (1989), 158-161, cujas posições são adotadas neste ponto. Sobre o uso do<br />

termo politeuma na teorização política, já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo <strong>de</strong> Aristóteles e <strong>de</strong> Isócrates, mas com particular<br />

incidência durante a época helenística, vi<strong>de</strong> Gambetti (2009) 43-52. A mesma autora salienta<br />

(pp. 48-49) que o politeuma judaico <strong>de</strong> Alexandria tinha seguramente uma origem militar e que<br />

essa circunstância po<strong>de</strong>ria ter dado aos membros do politeuma um estatuto distinto e superior em<br />

relação à restante comunida<strong>de</strong> judaica, que constituiria o plethos ou ‘multidão’ em sentido mais lato.

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