A GLOBALIZAÇÃO NO MUNDO ANTIGO - Universidade de Coimbra
A GLOBALIZAÇÃO NO MUNDO ANTIGO - Universidade de Coimbra
A GLOBALIZAÇÃO NO MUNDO ANTIGO - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
sempre na Ática. O facto <strong>de</strong> na socieda<strong>de</strong> ateniense haver elementos que eram,<br />
pelo contrário, epely<strong>de</strong>s não afeta a natureza do ethnos ateniense no conjunto<br />
e permite não só dar espaço a alguma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inclusão total12 (registada<br />
tanto a nível histórico como mítico), da mesma forma que abre caminho a graus<br />
parciais <strong>de</strong> exclusão e <strong>de</strong> inclusão, como acontece, por exemplo, com a situação<br />
<strong>de</strong> estrangeiros e metecos. 13<br />
Portanto, <strong>de</strong> uma utilização por vezes ainda renitente do termo autochthones<br />
para <strong>de</strong>signar os Atenienses enquanto povo que ‘habitara <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos imemoriais<br />
o mesmo lugar’, o conceito sofreu uma expansão que daria ao mito<br />
da autoctonia um sentido mais i<strong>de</strong>alizado e propagandístico, traduzindo-se na<br />
aceção altamente metafórica <strong>de</strong> um povo que ‘brotara do próprio solo pátrio’.<br />
Para essa evolução, contribuiu também a tradição que, já em Homero (Il. 2.546-<br />
-548), fazia dos Atenienses um povo <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Erecteu — figura que, tal<br />
como Erictónio, contribui para uma forte ligação à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ‘nascer do solo’.<br />
Embora este mito seja in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da autoctonia e conhecesse uma exploração<br />
bastante mais antiga no plano do culto e nos motivos pictóricos utilizados na<br />
cerâmica ática, terá ainda assim contribuído para expandir a leitura do termo<br />
autochthon, ao favorecer a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma ligação congénita com a terra.<br />
Neste processo <strong>de</strong> amplificação semântica, tiveram também um papel importante<br />
os discursos fúnebres (epitaphioi logoi), precisamente pela forma como<br />
conjugam um momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tensão emocional coletiva, com a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> exaltação patriótica e o simbolismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver os corpos dos soldados<br />
caídos à terra nutriz. 14 Este tipo <strong>de</strong> oratória política e epidíctica parece ter sido<br />
bastante cultivada, embora quase todos esses discursos se tenham perdido.<br />
Do que se conserva, tem um interesse particular a famosa oração fúnebre<br />
que Tucídi<strong>de</strong>s (2.35-46) coloca na boca <strong>de</strong> Péricles, e à qual se voltará mais<br />
adiante (infra 3.3), bem como os Epitaphioi atribuídos a três dos oradores<br />
do cânone: Hiperi<strong>de</strong>s 6, Demóstenes 60 e Lísias 2 – sendo que estes dois<br />
12 De resto, que essa consciência histórica havia cristalizado na própria matriz civilizacional<br />
ática mostra-o o facto <strong>de</strong>, no plano do mito, os Atenienses gostarem <strong>de</strong> se apresentar como um<br />
povo acolhedor e com elevado sentido <strong>de</strong> justiça, recetivo por conseguinte a socorrer e a integrar<br />
elementos que haviam sido rechaçados por outras socieda<strong>de</strong>s — como o universo da tragédia ilustra<br />
<strong>de</strong> forma insistente. Forsdyke (2005) 234-239.<br />
13 Sobre esta questão, vi<strong>de</strong> infra 3.2.<br />
14 Embora num contexto diferente, Isócrates exprime <strong>de</strong> maneira paradigmática esta noção<br />
(Panegírico, 4.25: ‘a nós apenas, entre os Helenos, cabe chamar nutriz, pátria e mãe à própria [terra]’.<br />
53