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A GLOBALIZAÇÃO NO MUNDO ANTIGO - Universidade de Coimbra

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Contudo, os acontecimentos que ro<strong>de</strong>aram a morte <strong>de</strong> Fócion reavivaram entre os<br />

Gregos a lembrança da morte <strong>de</strong> Sócrates: com efeito, representaram ambos para<br />

a cida<strong>de</strong> (polis) um erro (hamartia) e um infortúnio (dystychia).<br />

Este <strong>de</strong>sfecho da biografia <strong>de</strong> Fócion convida o leitor a retomar <strong>de</strong> novo o<br />

contraste entre Alcibía<strong>de</strong>s e Fócion, referido na secção anterior (5.2.1). Com efeito,<br />

para o ateniense comum, o crime mais grave <strong>de</strong> impieda<strong>de</strong> religiosa (asebeia)<br />

havia sido não o que estivera na base do processo <strong>de</strong> Sócrates, mas sim o que<br />

fora motivado pelos escândalos <strong>de</strong> 415, nos quais Alcibía<strong>de</strong>s havia sido diretamente<br />

envolvido e que, numa das suas formas, se consubstanciara numa paródia<br />

aos Mistérios <strong>de</strong> Elêusis. Para Alcibía<strong>de</strong>s, o envolvimento neste crime teve um<br />

impacto <strong>de</strong>terminante na sua carreira, pois aconteceu num momento particularmente<br />

sensível da história ateniense. Esse kairos seria aproveitado pelos seus<br />

inimigos políticos, mas levaria igualmente a que ele estudasse com cuidado o<br />

‘timing’ a<strong>de</strong>quado para, mais tar<strong>de</strong>, regressar a Atenas. 24 No entanto, os danos<br />

que acumulara a sua imagem pública, bem como as elevadas expetativas em si<br />

colocadas pelos concidadãos — e que ele mesmo alimentara — levaram-no <strong>de</strong><br />

novo à perdição, <strong>de</strong>sbaratando irremediavelmente notáveis qualida<strong>de</strong>s inatas,<br />

bem como a pai<strong>de</strong>ia e <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> Sócrates.<br />

No caso <strong>de</strong> Fócion, as referências a Elêusis marcam também, <strong>de</strong> forma<br />

ca<strong>de</strong>nciada e insistente, o seu ‘timing’ político, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os inícios auspiciosos da<br />

batalha <strong>de</strong> Naxos, até às difíceis negociações com Antípatro e à execução final.<br />

Mas se, com Alcibía<strong>de</strong>s, foi a própria atuação arrebatada que configurou um<br />

crime <strong>de</strong> asebeia, com Fócion é o comportamento dos concidadãos que representa<br />

um crime <strong>de</strong> impieda<strong>de</strong>, comparável, em magnitu<strong>de</strong>, ao que tirara a vida<br />

a Sócrates. E assim, enquanto Alcibía<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sperdiçara as vantagens do convívio<br />

próximo com Sócrates, Fócion, pelo contrário, aparece representado como um<br />

digno sucessor do filósofo, apesar <strong>de</strong> as circunstâncias do contexto histórico em<br />

que viveu não lhe permitirem <strong>de</strong>senvolver totalmente uma arete que fazia <strong>de</strong>le<br />

um carácter <strong>de</strong> exceção.<br />

Nesta perspetiva, o erro (hamartia) representado pela sua execução é duplamente<br />

trágico, pois sublinha o perigo da irreflexão e da histeria coletivas, quando<br />

24 Fazendo com que esse retorno coincidisse com a sua reabilitação a nível religioso, pela<br />

forma como escoltou a pompe (‘cortejo’ solene) dos Mistérios <strong>de</strong> Elêusis.<br />

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