Valéria Mac Knight - programa de pós-graduação em ciência da ...
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possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> expressão que não sejam conscientes. Essa ilusão metafísica<br />
que acredita ser o conhecimento a única maneira <strong>de</strong> penetrar na essência, na natureza, nas<br />
coisas, revela o espírito científico socrático.<br />
Eurípe<strong>de</strong>s travou uma luta mortal com a tragédia. O coro <strong>da</strong> tragédia grega simboliza a<br />
excitação dionisíaca, serve ao <strong>de</strong>us Dionísio, a própria expressão <strong>da</strong> natureza. O coro<br />
dionisíaco entrelaça um mundo apolíneo <strong>de</strong> imagens e representa a unificação do indivíduo<br />
com o Ser primordial, por meio <strong>de</strong> um enfeitiçamento coletivo, endêmico, que transporta,<br />
transforma e transmite a vi<strong>da</strong>. É através <strong>de</strong>le – trans - que o público t<strong>em</strong> o ânimo insuflado<br />
até que se rasgue o limite <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ultrapassando o encanto <strong>da</strong> individuação,<br />
transportando-se para a essência única do mundo. O processo do coro trágico implica a<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ver-se a si próprio fora <strong>de</strong> si. Há a renúncia do individual que se rompe e<br />
ocorre o ingresso <strong>em</strong> uma natureza estranha, única e primordial. Nesse êxtase, o público<br />
entusiasmado vê não apenas o herói <strong>em</strong> cena, mas uma imag<strong>em</strong> nasci<strong>da</strong> <strong>da</strong> excitação cria<strong>da</strong><br />
no <strong>em</strong> si próprio. O coro ditirâmbico provoca entusiasmo e encanto e, permeando a todos,<br />
incute-lhes sentenças do oráculo e enuncia ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s intuí<strong>da</strong>s.<br />
Até Eurípe<strong>de</strong>s, o herói trágico, jamais <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> ser Dionísio, n<strong>em</strong> outros notáveis<br />
personagens <strong>da</strong>s tragédias clássicas, máscaras <strong>de</strong>sse mesmo <strong>de</strong>us, porque por trás <strong>da</strong>s<br />
máscaras pulsava uma divin<strong>da</strong><strong>de</strong>. Daí, a potência que os atravessava, posto que não<br />
representavam apenas o individual. O herói trágico é Dionísio com sua aparência múltipla, o<br />
<strong>de</strong>us <strong>de</strong>spe<strong>da</strong>çado que carrega as dores <strong>da</strong> individuação, que é vista como a causa primeira do<br />
mal enquanto que o êxtase alcançado é a esperança <strong>de</strong> se romper com tal feitiço.<br />
As religiões morr<strong>em</strong> quando seus pressupostos míticos são sist<strong>em</strong>atizados,<br />
racionalizados, entendidos; quando <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser vivi<strong>da</strong>s para ser<strong>em</strong> racionaliza<strong>da</strong>s. Tal foi o<br />
processo realizado por Eurípe<strong>de</strong>s ao aniquilar o mito e a música. Seu pro<strong>pós</strong>ito foi o <strong>de</strong> trazer<br />
33 I<strong>de</strong>m. Ibi<strong>de</strong>m. p. 74<br />
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