Valéria Mac Knight - programa de pós-graduação em ciência da ...
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Na visão <strong>de</strong> Nietzsche, cismador <strong>de</strong> idéias e amigo <strong>de</strong> enigmas, o pessimismo dos<br />
gregos não era um signo <strong>de</strong> <strong>de</strong>clínio ou ruína. Para essa gente, que mais seduziu para o<br />
viver 35 , a tragédia morreu pelo socratismo <strong>da</strong> moral: a dialética. Dialética como instrumento<br />
<strong>de</strong> busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> por meio do lógos, do conhecimento, <strong>da</strong> análise, do racional. É esse<br />
socratismo, que é visto como um signo <strong>de</strong> <strong>de</strong>clínio, <strong>de</strong> crepúsculo.<br />
N<strong>em</strong> apolíneo, n<strong>em</strong> dionisíaco, o socratismo estético procura o belo no inteligível.<br />
Requer que o espectador calcule os significados constituintes do drama, <strong>em</strong>pregando recursos<br />
que o tornavam inquieto e <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> solucionar uma estória <strong>em</strong> um processo que o impe<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sentir. Daí, a introdução do prólogo, uma <strong>da</strong>s evidências mais marcantes <strong>da</strong> quebra do<br />
sagrado e do dionisíaco, <strong>em</strong> que uma personag<strong>em</strong> merecedora <strong>de</strong> total confiança esclarecia,<br />
explicava a estória, o mito: tudo <strong>de</strong>ve ser consciente para ser belo 36 , preceito muito próximo<br />
ao princípio socrático: tudo <strong>de</strong>ve ser consciente para ser bom 37 . Muito mais sério do que<br />
aparenta, este artifício metafísico instaura e reforça no povo uma creduli<strong>da</strong><strong>de</strong> na autori<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
política e religiosa. A moral penetra na arte e, com ela, todo um jogo <strong>de</strong> forças <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong><br />
vi<strong>da</strong>. A proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos fun<strong>da</strong>mentos <strong>de</strong> Eurípe<strong>de</strong>s e Sócrates é o motivo que possibilita<br />
afirmar-se que Eurípe<strong>de</strong>s foi o poeta do socratismo estético.<br />
O prólogo euripídiano é o marco metafísico que quebra o elo <strong>da</strong> arte com a vi<strong>da</strong> e o<br />
indivíduo. Uma vez que se pensa e racionaliza, uma vez que se analisa e não mais se entrega,<br />
a fusão com o uno primordial não mais ocorre e a arte passa fora do hom<strong>em</strong>. Não mais o<br />
resgata para a vi<strong>da</strong>, tampouco o atravessa com ela. Há a formação <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> vazio, um<br />
retorno a um gran<strong>de</strong> vácuo que é nossa existência. S<strong>em</strong> vi<strong>da</strong> na arte, cessam as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
do hom<strong>em</strong> se encantar e alcançar o sublime. O ator, o poeta, o coro e o público se tornam<br />
objetos e não mais sujeitos. Pela explicação, morre o sagrado e o encanto do mistério que<br />
35 I<strong>de</strong>m. Ibi<strong>de</strong>m. p. 14.<br />
36 I<strong>de</strong>m. Ibi<strong>de</strong>m. p. 83<br />
37 I<strong>de</strong>m. Ibi<strong>de</strong>m. p. 83<br />
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