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CESARE BECCARIA E AS SOMBRAS DO ILUMINISMO: DIREITO ...

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definidas as suas principais bases. A partir de então, ela começa a se disseminar para outras<br />

partes da Europa e do ocidente. Falamos em cultura iluminista porque em sua origem o<br />

Iluminismo propunha-se a ser, e efetivamente foi, muito mais do que uma corrente ou<br />

escola filosófica no sentido tradicional (e porque não dizer, no sentido que voltou a ter<br />

hoje?). A penetração social e a amplitude que o Iluminismo ganhou na França do século<br />

XVIII faziam dele um movimento cultural sem paralelos na história da filosofia. 41 Na<br />

41 Essa amplitude social do Iluminismo respeitaria, evidentemente os limites impostos pelo<br />

analfabetismo e estaria mais ou menos restrita à população urbana num contexto em que a maioria<br />

das pessoas ainda vivia no campo. Um dos elementos mais importantes dessa difusão da cultura<br />

iluminista para o tecido social foi emergência daquilo que Robert Darnton chama de público leitor:<br />

“No século XVIII emergiu, na França, o que se poderia chamar de público leitor; a opinião pública<br />

ganhou força; e o descontentamento ideológico jorrou, juntamente com outras correntes, para<br />

produzir a primeira grande revolução dos tempos modernos.” (DARNTON, Robert. Boemia<br />

literária e revolução: o submundo das letras no antigo regime. Tradução de Luís Carlos Borges.<br />

São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 11.). Essa propensão a se espalhar por todo o conjunto<br />

social deve ser bem compreendida. Não significa, de forma alguma, que todos os homens se<br />

tornariam intelectuais como um Voltaire, um Holbach, mas que o clima de crítica se disseminaria<br />

pelo tecido social (urbano, evidentemente). Segundo Darnton, depois da geração dos grandes<br />

iluministas como Voltaire e D’Alembert uma onda de jovens escritores desejosos de entrar nos altos<br />

círculos literários e, assim, fazer fama e fortuna, assolou Paris. Destes, poucos conseguiriam entrar<br />

no seleto grupo daqueles que se favoreceriam do sistema de relações pessoais que compunha o<br />

mundo das letras do antigo regime, mundo esse que, como quase tudo naquela época, era<br />

organizado sob a base do sistema de privilégios. Assim quando o Iluminismo finalmente se<br />

estabelecia entre a elite parisiense, graças ao trabalho da geração anterior, uma horda de literatos<br />

excluídos dos altos círculos iluministas (esses já mais ou menos cooptados pelo antigo regime) se<br />

dedicaria, para viver, a uma subliteratura popularesca altamente agressiva aos poderes constituídos<br />

e de nível muitas vezes até pornográfico, através da qual eles dariam vazão ao rancor que tinham<br />

pelo mundo das altas elites que os havia renegado e que os abandonava às situações sociais mais<br />

humilhantes. Essa literatura, que se propagava sob a forma de libelos, foi um importantíssimo<br />

elemento na formação cultural das classes mais baixas, e cumpriu a tarefa de predispô-las para<br />

participar dos eventos revolucionários que colocariam fim ao antigo regime. “Para além da corte, e<br />

abaixo dos pináculos da sociedade do salon, o ‘público geral’ vivia de rumores; o ‘leitor comum’<br />

via a política como um esporte seleto e fechado, disputado por vilões e heróis mas desprovido de<br />

temas – exceto talvez o de uma tosca luta entre o bem e o mal, ou entre a França e a Áustria.<br />

Provavelmente lia os libelles como seu equivalente moderno vê televisão ou lê histórias em<br />

quadrinhos ou revistas de fofocas, só que o francês do século XVIII não os punha de lado depois de<br />

dar boas risadas; os vilões e heróis eram reais para ele. Lutavam pelo controle da França. A política<br />

era folclore vivo. Assim, após se deleitar com os excitantes relatos de La gazette noire de doenças<br />

venéreas, sodomia, adultério, ilegitimidade e impotência nas camadas superiores da sociedade<br />

francesa, podia ficar ultrajado com a descrição de Mme. Du Barry, ‘passando direto do bordel para<br />

o trono’. Propaganda desse tipo era mais perigosa que o Contrait social – rompia o senso de<br />

decência que unia o público a seus governantes. Seu dissimulado caráter moralizante opunha a ética<br />

do povo miúdo à de les grands: nesse sentido, apesar de suas obscenidades, os libelles eram<br />

intensamente moralistas. Talvez até houvessem propagado a moral burguesa que veio a se impor<br />

durante a Revolução. ‘Bourgeois’ pode não ser o termo apropriado, mas os petits que se insurgiram<br />

contra os gros no ano II correspondiam a uma espécie de puritanismo gálico que se desenvolvera<br />

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