01.06.2013 Views

Heterogeneidade e Divisao em Discursos de Suicidas

Heterogeneidade e Divisao em Discursos de Suicidas

Heterogeneidade e Divisao em Discursos de Suicidas

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

patíbulo, era pendurado pelo pescoço; se era <strong>de</strong> mulher, era queimado”. Durkheim<br />

compl<strong>em</strong>enta:<br />

O <strong>de</strong>creto criminal, publicado por Luís XIV <strong>em</strong> 1670, codificou esses<br />

hábitos s<strong>em</strong> os alterar <strong>de</strong> maneira significativa. Era pronunciada uma<br />

con<strong>de</strong>nação regular ad perpetuam rei m<strong>em</strong>oriam; o corpo era arrastado pelas<br />

ruas, rosto voltado para o chão, e, <strong>em</strong> seguida, ou era pendurado pelo<br />

pescoço ou lançado na estrumeira. Os bens eram confiscados. Os nobres<br />

perdiam o título e eram <strong>de</strong>clarados plebeus; os bosques que lhes tinham<br />

pertencido eram arrancados, <strong>de</strong>struía-se-lhes o castelo e as armas<br />

(DURKHEIM, 2002, p. 358).<br />

A common law inglesa consi<strong>de</strong>rava o suicida felo <strong>de</strong> se (a felon against himself, ou<br />

seja, autor <strong>de</strong> crime contra si mesmo). Eram-lhe cominadas as penas <strong>de</strong> confisco, privação <strong>de</strong><br />

honras públicas, exposição do cadáver atravessado por um pau e sepultamento <strong>em</strong> estrada<br />

pública. Com o t<strong>em</strong>po, as penalida<strong>de</strong>s foram abrandadas até que restasse apenas a proibição<br />

<strong>de</strong> receber cerimônias fúnebres realizadas por um ministro da Igreja Anglicana (HUNGRIA;<br />

FRAGOSO, 1981).<br />

Especialmente na época do Iluminismo, algumas vozes começaram a se levantar pela<br />

abolição das penas por suicídio. O jurista italiano Cesare Beccaria manifestou-se nesse<br />

sentido <strong>em</strong> sua célebre obra Dos <strong>de</strong>litos e das penas, escrita <strong>em</strong> 1764. No entanto, seguindo a<br />

tradição católica <strong>de</strong> sua época e região, não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> atribuir ao ato um caráter imoral e<br />

punível perante Deus:<br />

O suicídio é um crime que parece não po<strong>de</strong>r estar submetido a qualquer tipo<br />

<strong>de</strong> pena; pois esse castigo recairia apenas sobre um corpo s<strong>em</strong> sensibilida<strong>de</strong><br />

e s<strong>em</strong> vida, ou sobre pessoas inocentes (BECCARIA, 2004, p. 87).<br />

Trata-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito que Deus castiga <strong>de</strong>pois da morte do culpado; e só<br />

Deus po<strong>de</strong> castigar após a morte. Não é, entretanto, um <strong>de</strong>lito perante os<br />

homens, pois o castigo recai sobre a família inocente e não sobre o culpado<br />

(BECCARIA, 2004, p. 90).<br />

De forma mais <strong>em</strong>otiva, Montesquieu argumentou quanto ao direito do indivíduo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ixar a socieda<strong>de</strong> uma vez que esta se lhe torna onerosa:<br />

Se me encontro sucumbido <strong>de</strong> dores, <strong>de</strong> miséria, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo, por que se<br />

quer impedir-me <strong>de</strong> pôr fim às minhas penas e me privar cruelmente <strong>de</strong> um<br />

r<strong>em</strong>édio que está <strong>em</strong> minhas mãos? Por que se quer que eu trabalhe para<br />

uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cujo seio não quero fazer parte? Por que obe<strong>de</strong>cer a uma<br />

convenção que foi feita s<strong>em</strong> que eu <strong>de</strong>la participasse? A socieda<strong>de</strong> funda-se<br />

sobre uma vantag<strong>em</strong> recíproca: porém, quando ela se me torna onerosa,<br />

incômoda, qu<strong>em</strong> me impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> renunciar a ela? A vida me t<strong>em</strong> sido dada<br />

como um favor; eu posso restituí-lo quando <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> o ser. A causa cessa, o<br />

efeito <strong>de</strong>ve cessar também (MONTESQUIEU, 1721 apud MIRANDA, 1966,<br />

p. 47).<br />

13

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!