Heterogeneidade e Divisao em Discursos de Suicidas
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2.2 Inconsciente, subjetivida<strong>de</strong> e linguag<strong>em</strong><br />
A psicanálise lacaniana s<strong>em</strong>pre teve um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na AD, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira até<br />
a terceira fase da disciplina. Ela é central à noção <strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida por<br />
Authier-Revuz, um dos conceitos basilares <strong>de</strong>ste trabalho. Faz-se necessário, portanto,<br />
rel<strong>em</strong>brar alguns aspectos relevantes da obra <strong>de</strong> Lacan.<br />
Ao propor um retorno à teoria <strong>de</strong> Freud, Lacan recoloca <strong>em</strong> primeiro plano do campo<br />
psicanalítico a palavra do sujeito como meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelar o inconsciente, formulando uma <strong>de</strong><br />
suas hipóteses fundamentais: o inconsciente é estruturado como linguag<strong>em</strong>.<br />
Essa aproximação entre inconsciente e linguag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> na teoria freudiana do<br />
sonho. Segundo Freud, o trabalho do sonho recorre a dois principais mecanismos: a<br />
con<strong>de</strong>nsação e o <strong>de</strong>slocamento. O primeiro mecanismo po<strong>de</strong> se dar por omissão, quando a<br />
restituição dos pensamentos latentes é muito lacunar ao nível do conteúdo manifesto, ou por<br />
fusão, que é a superposição <strong>de</strong> material latente, como ocorre na elaboração <strong>de</strong> pessoas<br />
coletivas e na criação <strong>de</strong> neologismos. Já o segundo consiste na inversão <strong>de</strong> valores e <strong>de</strong><br />
sentido, on<strong>de</strong> o que é fundamentalmente significante nos pensamentos latentes se torna<br />
obscuro ao nível do conteúdo manifesto (DOR, 1989).<br />
Esses el<strong>em</strong>entos são utilizados por Lacan para fundamentar sua analogia entre o<br />
funcionamento dos processos inconscientes e o funcionamento <strong>de</strong> certos aspectos da<br />
linguag<strong>em</strong>. Sua referência à linguag<strong>em</strong> é tomada na perspectiva estruturalista <strong>de</strong> Saussure, no<br />
entanto introduz algumas modificações. Lacan substitui a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um “corte” que une o<br />
significante ao significado pelo conceito <strong>de</strong> ponto-<strong>de</strong>-estofo, que é<br />
a operação pela qual “o significante <strong>de</strong>tém o <strong>de</strong>slizamento, <strong>de</strong> outra forma<br />
in<strong>de</strong>terminado e infinito, da significação”. Em outras palavras, é aquilo por<br />
meio do qual o significante se associa ao significado na ca<strong>de</strong>ia discursiva<br />
(LACAN, 1960 apud DOR, 1989, p. 39).<br />
O autor atribui um caráter primordial ao significante, marcando sua supr<strong>em</strong>acia pela<br />
inversão do algoritmo saussuriano do signo linguístico e indicando-o por um “S” maiúsculo:<br />
Para Lacan, é o significante que governa o discurso do sujeito e, até mesmo, o próprio<br />
sujeito. É “a ord<strong>em</strong> do significante que faz advir o sujeito <strong>em</strong> sua estrutura <strong>de</strong> divisão. O que é<br />
um outra maneira <strong>de</strong> dizer que o sujeito é dividido pela própria ord<strong>em</strong> da linguag<strong>em</strong>” (DOR,<br />
1989, p. 100).<br />
Dor (1989) faz uma breve retrospectiva do conceito <strong>de</strong> divisão psíquica, que já se<br />
encontrava formulado no final do século XIX <strong>em</strong> diferentes trabalhos psicopatológicos,<br />
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