Heterogeneidade e Divisao em Discursos de Suicidas
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1.1.2 O suicídio no direito brasileiro<br />
No Brasil, o suicídio e sua tentativa nunca foram atos criminosos, <strong>em</strong>bora seu<br />
induzimento (fazer surgir a i<strong>de</strong>ia), instigação (estimular uma i<strong>de</strong>ia preexistente) ou auxílio o<br />
sejam. 2 Pelo princípio da alterida<strong>de</strong> (do latim alter = outro), vigente no Direito Penal<br />
brasileiro, o Estado reconhece a inexistência <strong>de</strong> crime nos casos <strong>de</strong> condutas que não<br />
ultrapass<strong>em</strong> a pessoa do autor, isto é, que não ofendam a bens jurídicos alheios. Além disso, a<br />
punição <strong>de</strong> um suicídio consumado terminaria por esten<strong>de</strong>r-se à família do autor, ofen<strong>de</strong>ndo o<br />
princípio constitucional da personalida<strong>de</strong> da pena:<br />
nenhuma pena passará da pessoa do con<strong>de</strong>nado, po<strong>de</strong>ndo a obrigação <strong>de</strong><br />
reparar o dano e a <strong>de</strong>cretação do perdimento <strong>de</strong> bens ser, nos termos da lei,<br />
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do<br />
patrimônio transferido (CF, art. 5º, XLV).<br />
Por essa razão, o penalista Damásio <strong>de</strong> Jesus (2010, p. 127) <strong>de</strong>fine o suicídio como um<br />
“indiferente penal”. De fato, as penas contra a morte voluntária se revelariam absolutamente<br />
inócuas, como sustenta Cezar Bitencourt (2009, p. 101):<br />
Se o fato consumou-se, o suicida <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir e escapou do Direito<br />
Penal assim como lhe escapou a própria vida; se, eventualmente, o suicida<br />
falhar <strong>em</strong> sua tentativa, qualquer sanção que lhe pu<strong>de</strong>sse ser imposta serviria<br />
somente para reforçar-lhe a liberação <strong>de</strong> morrer.<br />
José Fre<strong>de</strong>rico Marques <strong>de</strong>senvolve o mesmo argumento, afirmando que as penas são<br />
inúteis do ponto <strong>de</strong> vista retributivo ou repressivo, já que o autor está morto e nada sente.<br />
Também o são <strong>em</strong> seu caráter preventivo, pois a ameaça da pena não t<strong>em</strong> eficácia contra<br />
alguém que “já não se at<strong>em</strong>oriza sequer com a privação da própria vida”. Além disso, “Forçar<br />
a missão vingadora da justiça penal além do limiar da morte, como diz MAGGIORE, é insânia e<br />
cruelda<strong>de</strong>” (MARQUES, 2000. p. 151).<br />
“A não-incriminação do suicídio não exclui, contudo, o seu caráter ilícito”<br />
(BITENCOURT, 2009, p. 101). Nelson Hungria (1981) já havia chamado atenção para a<br />
ineficácia <strong>de</strong> uma pena para o suicídio, mas s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o caráter antijurídico do<br />
ato. Segundo ele, a autoeliminação representa um mal social, uma ação contrária aos<br />
interesses morais e d<strong>em</strong>ográficos do Estado, o que justifica a punição da participação <strong>em</strong><br />
suicídio.<br />
O doutrinador <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que não há um direito <strong>de</strong> morrer, pelo simples fato <strong>de</strong> inexistir<br />
um direito à vida <strong>de</strong> irrestrita disposição do indivíduo:<br />
2<br />
O crime <strong>de</strong> induzimento, instigação ou auxílio a suicídio está previsto no artigo 122 do Código Penal<br />
Brasileiro.<br />
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