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UMA BIOGRAFIA PORTUGUESA EM LEVANTADO DO CHÃO ...

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105<br />

A grande e decisiva arma é a ignorância. É bom, dizia Sigisberto no seu jantar de<br />

aniversário, que eles nada saibam, nem ler, nem escrever, nem contar, nem pensar,<br />

que considerem e aceitem que o mundo não pode ser mudado, que este mundo é o<br />

único possível, tal como está, que só depois de morrer haverá paraíso, o padre<br />

Agamedes que explique isto melhor, (SARAMAGO, 2005, p. 72)<br />

É com a presença do mitológico que o narrador desvenda com ironia a origem de uma<br />

situação. Mas essa voz não irá perpetuar a injustiça, quer dialogar com outras fontes, precisa<br />

esclarecer o que está narrando. Sua opção não está nem pelo discurso mítico e nem pelo<br />

religioso, mas pelo histórico e o literário, discursos que enfrentam com a mesma força de<br />

significação o imobilismo pretendido pela tríade Latifúndio, Estado e Igreja LEI.<br />

A perspectiva do mito não satisfaz, embora faça uma economia: abolir a complexidade dos<br />

atos humanos. A simplicidade que suprime a perspectiva dialética e de qualquer visão que vá<br />

além do visível imediato não está na perspectiva narrativa do narrador, ele quer tentar contar<br />

tudo isso de outra maneira.<br />

A função do mito é eliminar o real. [...] Ao longo da história da natureza, o mito<br />

efetua uma economia: consegue abolir a complexidade dos atos humanos,<br />

outorgando-lhes a simplicidade das essências; suprime a dialética, bem como<br />

qualquer superação além do visível imediato; organiza um mundo sem contradições<br />

posto que não tem profundidade; um mundo absorto na evidência, fundando uma<br />

feliz lucidez: as coisas parecem significar por si mesmas (BARTHES, 1999, p. 129,<br />

tradução livre) 343<br />

Mas em tempos que o narrador não tem material em mãos ele precisa, metodologicamente,<br />

partir das primeiras observações. É o caso de dizer que Sara da Conceição entende que a<br />

natureza das coisas é ditada pela autoridade divina inquestionável, por isso está ligada ao<br />

cosmos e olha o céu, pois é um jeito antigo e rural de ler esta grande página aberta sobre a<br />

nossa cabeça. 344 O narrador vai atentamente desvelando as estratégicas da ideologia, a qual<br />

procura deslocar para o mítico as causas das arbitrariedades do sistema latifundiário,<br />

pretendendo evidenciar algo que agia independente da vontade humana, mas as razões<br />

verdadeiras são as deste chão, deste latifúndio. 345 E elas estão escrita neste livro do<br />

latifúndio, mais claramente sobre a descendência de Lamberto Horques Alemão, alcaide mor<br />

343 No original: La función del mito es eliminar lo real. [...] Al pasar de la historia a la naturaleza, el mito<br />

efectúa una economía: consigue abolir la complejidad de los actos humanos, les otorga la simplicidad de las<br />

esencias, suprime la dialéctica, cualquier superación que vaya más allá de lo visible inmediato, organiza un<br />

mundo sin contradicciones puesto que no tiene profundidad, un mundo desplegado en la evidencia, funda una<br />

claridad feliz: las cosas parecen significar por sí mismas. (BARTHES, 1999, p. 129)<br />

344 SARAMAGO, José. Levantado do chão. 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 17.<br />

345 SARAMAGO, José. Levantado do chão. 12 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 12.

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