18.06.2013 Views

UMA BIOGRAFIA PORTUGUESA EM LEVANTADO DO CHÃO ...

UMA BIOGRAFIA PORTUGUESA EM LEVANTADO DO CHÃO ...

UMA BIOGRAFIA PORTUGUESA EM LEVANTADO DO CHÃO ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A perspectiva da literatura pós-modernista, em vez de fugir da História ou negá-la, como<br />

queria o Modernismo, revisita-a de maneira consciente e, às vezes, irónica. 215 Helena<br />

Kaufman observou que o contexto do Pós-Modernismo não significa necessariamente a época<br />

literária cronologicamente posterior ao Modernismo, mas antes significa aceitar que cada<br />

época tem o seu pós-modernismo, bem como seu maneirismo e vanguarda, ou seja, dizer pós-<br />

moderno significa um modo de operar na rejeição de modelos tradicionais e propor a criação<br />

de novos. 216<br />

Ao operar a partir da metaficção historiográfica, Levantado do chão assume o que lhe é<br />

peculiar: a autoreferencialidade da situação discursiva e seu caráter reflexivo da temática<br />

histórica. A reformulação do padrão tradicional do romance histórico constitui a tônica pela<br />

qual se aborda o corpus literário escolhido.<br />

Não é possível negar a presença das reconstruções de ambientes e acontecimentos históricos<br />

na diegese de Levantado do chão, assinalando o gênero do romance histórico. Mas a<br />

constatação que se faz da presença de anacronismos fortalece seu distanciamento da narrativa<br />

histórica tradicional. Esse anacronismo não é apenas necessário, mas também consciente,<br />

instaurando a ironia como veículo narrativo pós-moderno. Há uma cena em que a guarda,<br />

instrumento coercitivo da República Portuguesa, investe contra os trabalhadores que<br />

incitavam os demais à greve e rebelião, prendendo trinta e três deles.<br />

Assim os levaram, como a récua de burros albardados de açoites, pancadas e<br />

dichotes vários, filhos da puta, vê lá onde é que vais dar com os cornos, viva a<br />

guarda da república, viva a república da guarda. E iam presos os camponeses, cada<br />

um em suas cordas, e todos a uma corda só, como galés, que isto tem de se<br />

compreender, pois são histórias de épocas bárbaras, do tempo de Lamberto Horques<br />

Alemão, século quinze, não mais. (SARAMAGO, 2005, p. 35)<br />

Se o tempo que inicia e permeia o mesmo parágrafo é referente à República Portuguesa,<br />

iniciada no século XX, dia 5 de outubro de 1910, como há de se entender que são histórias<br />

de épocas bárbaras, do tempo de Lamberto Horques Alemão, século quinze, não mais ? O<br />

narrador introduz um anacronismo irônico, encurtando a distância cronológica entre o século<br />

XV e o XX.<br />

215<br />

KAUFMAN, Helena. A metaficção historiográfica de José Saramago. In: Colóquio/Letras. Lisboa: Calouste<br />

Gulbenkian, n. 120, abr. 1991, p. 124.<br />

216<br />

KAUFMAN, Helena. A metaficção historiográfica de José Saramago. In: Colóquio/Letras. Lisboa: Calouste<br />

Gulbenkian, n. 120, abr. 1991, p. 124.<br />

58

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!