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UMA BIOGRAFIA PORTUGUESA EM LEVANTADO DO CHÃO ...

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Na perspectiva de Le Goff, só existe memória coletiva nos povos sem escrita, cujos membros<br />

pautam o saber nos conhecimentos práticos e técnicos, onde prevalece a estruturação social a<br />

partir dos ofícios e do prestígio das famílias dominantes, exprimido pelas genealogias. 276<br />

Nessa oportunidade, quando olhamos para a diegese de Levantado do chão, encontraremos<br />

novamente a vinculação das personagens ao ofício ou classe social, onde Domingos Mau-<br />

Tempo, um sapateiro remendão, nas palavras do sogro Laureano Carranca, não estabelece<br />

vínculos com sua linhagem, perdida pela falta da memória, oral e escrita. Por outro lado, a<br />

família Berto, proprietária ancestral do latifúndio, tem as origens registradas no livro da<br />

Matriz, assento que permite ativar a memória.<br />

Quando a oralidade substitui-se pela escrita, a memória coletiva recebe um impacto<br />

transformador. A primeira delas diz respeito à comemoração, cuja celebração pauta-se num<br />

sistema de marcação artificial, o calendário, e na construção de marcos referenciais, tais como<br />

estelas, obeliscos, templos, bustos, danças, etc. A outra forma de memória está ligada à<br />

escrita. É a partir da escrita que se observa a possibilidade de armazenar informações,<br />

permitindo reexaminações da própria memória. Luta-se contra o esquecimento recorrendo à<br />

comemoração e suas referências. 277<br />

Quando uma sociedade passa a utilizar a técnica da escrita como função da memória, isto não<br />

significa que a oralidade desapareça. Ambas permanecem no espaço público como formas de<br />

conhecimento. Mas neste caso, a atividade que a sociedade promove para determinar quem<br />

deva possuir a memória escrita fornece material importante para análise do poder.<br />

Os Gregos da época arcaica fizeram da Memória uma deusa, Mnemosine. É a mãe<br />

das nove musas que ela procriou no decurso de nove noites passadas com Zeus.<br />

Lembra aos homens a recordação dos heróis e dos seus altos feitos, preside a poesia<br />

lírica. O poeta é pois um homem possuído pela memória, [...] O poeta tem o seu<br />

lugar entre os mestres da verdade [...] e, nas origens da poética grega, a palavra<br />

poética é uma inscrição viva que se inscreve na memória como no mármore<br />

[...].Mnemosine, revelando ao poeta os segredos do passado, o introduz nos<br />

mistérios do além. A memória aparece então como um dom para iniciados e a<br />

anamnesis, a reminiscência, como uma técnica ascética e mística. (LE GOFF, 1990,<br />

p. 438)<br />

Na perspectiva de Le Goff, embora a memória constitua um tema importante da mitologia<br />

grega, os seus grandes sistematizadores, Platão e Aristóteles, não conciliaram a memória e a<br />

276 Cf. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: UNICAMP, 1990.<br />

277 LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: UNICAMP, 1990, p. 429-432.<br />

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