Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI
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<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong> <strong>Macha<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Assis<br />
por inquietas, por não saberem resistir aos gestos, aos olhares; e é por isso que uma gran<strong>de</strong><br />
dama e fino espírito, a rainha <strong>de</strong> Navarra, empregou algures esta metáfora para dizer que<br />
toda a aventura amorosa vinha <strong>de</strong>scobrir-se por força, mais tar<strong>de</strong> ou mais ce<strong>do</strong> "Não há<br />
cachorrinho tão a<strong>de</strong>stra<strong>do</strong>, que alfim lhe não ouçamos o latir".<br />
CAPÍTULO CXX<strong>XI</strong>I / QUE NÃO É SÉRIO<br />
CITANDO o dito da rainha <strong>de</strong> Navarra, ocorre-me que entre o nosso povo, quan<strong>do</strong> uma<br />
pessoa vê outra pessoa arrufada, costuma perguntar-lhe: "Gentes, quem matou seus<br />
cachorrinhos?" como se dissesse: --"quem lhe levou os amores, as aventuras secretas, etc."<br />
Mas este capítulo não é sério.<br />
CAPÍTULO CXX<strong>XI</strong>II / O PRINCÍPI0 DE HELVETIUS<br />
ESTÁVAMOS no ponto em que o oficial <strong>de</strong> marinha me arrancou a confissão <strong>do</strong>s amores<br />
<strong>de</strong> Virgília, e aqui emen<strong>do</strong> eu o princípio <strong>de</strong> Helvetius, -- ou, por outra, explico-o. O meu<br />
interesse era calar; confirmar a suspeita <strong>de</strong> uma cousa antiga fora provocar algum ódio<br />
sopita<strong>do</strong>, dar origem a um escândalo, quan<strong>do</strong> menos adquirir a reputação <strong>de</strong> indiscreto. Era<br />
esse o interesse; e enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se o princípio <strong>de</strong> Helvetius <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> superficial, isso é o<br />
que <strong>de</strong>via ter feito Mas eu já <strong>de</strong>i o motivo da indiscrição masculina; antes daquele interesse<br />
<strong>de</strong> segurança, havia outro, o <strong>do</strong> <strong>de</strong>svanecimento, que é mais íntimo, mais imediato: o<br />
primeiro era reflexivo, supunha um silogismo anterior; o segun<strong>do</strong> era espontâneo, instintivo,<br />
vinha das entranhas <strong>do</strong> sujeito; finalmente, o primeiro tinha o efeito remoto, o segun<strong>do</strong><br />
próximo. Conclusão: o princípio <strong>de</strong> Helvetius é verda<strong>de</strong>iro no meu caso; -- a diferença é que<br />
não era o interesse aparente, mas o recôndito.<br />
CAPÍTULO CXX<strong>XI</strong>V / CINQUENTA ANOS<br />
NÃO LHES DISSE ainda,-- mas digo-o agora,-- que quan<strong>do</strong> Virgília <strong>de</strong>scia a escada, e o<br />
oficial <strong>de</strong> marinha me tocava no ombro, tinha eu cinqüenta anos. Era portanto a minha vida<br />
que <strong>de</strong>scia pela escada abaixo,-- ou a melhor parte, ao menos, uma parte cheia <strong>de</strong> prazeres,<br />
<strong>de</strong> agitações, <strong>de</strong> sustos,-- capeada <strong>de</strong> dissimulação e duplicida<strong>de</strong>,-- mas enfim a melhor, se<br />
<strong>de</strong>vemos falar a linguagem usual. Se, porém, empregarmos outra mais sublime, a melhor<br />
parte foi a restante, como eu terei a honra <strong>de</strong> lhes dizer nas poucas páginas <strong>de</strong>ste livro.<br />
Cinqüenta anos! Não era preciso confessá-lo. Já se vai sentin<strong>do</strong> que o meu estilo não é tão<br />
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