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Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI

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<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong> <strong>Macha<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Assis<br />

Que mulher! Gosta da Candiani? É natural. Os senhores são to<strong>do</strong>s os mesmos. O barão dizia<br />

ontem, no camarote, que uma só italiana vale por cinco brasileiras. Que <strong>de</strong>saforo! e <strong>de</strong>saforo<br />

<strong>de</strong> velho, que é pior. Mas por que é que o senhor não foi ontem ao teatro?<br />

--Uma enxaqueca.<br />

--Qual! Algum namoro; não acha, Virgília? Pois, meu amigo, apresse-se, porque o senhor<br />

<strong>de</strong>ve estar com quarenta anos... ou perto disso. .. Não tem quarenta anos?<br />

--Não lhe posso dizer com certeza, respondi eu -- mas se me dá licença, vou consultar a<br />

certidão <strong>de</strong> batismo.<br />

--Já, vá... E esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-me a mão: Até quan<strong>do</strong>? Sába<strong>do</strong> ficamos em casa; o barão está com<br />

umas sauda<strong>de</strong>s suas...<br />

Chegan<strong>do</strong> à rua, arrependi-me <strong>de</strong> ter saí<strong>do</strong>. A baronesa era uma das pessoas que mais<br />

<strong>de</strong>sconfiavam <strong>de</strong> nós. Cinqüenta e cinco anos que pareciam quarenta, macia, risonha,<br />

vestígios <strong>de</strong> beleza, porte elegante e maneiras finas. Não falava muito nem sempre; possuía<br />

a gran<strong>de</strong> arte <strong>de</strong> escutar os outros, espian<strong>do</strong>-os; reclinava-se então na ca<strong>de</strong>ira,<br />

<strong>de</strong>sembainhava um olhar afia<strong>do</strong> e compri<strong>do</strong>, e <strong>de</strong>ixava-se estar. 0s outros, não saben<strong>do</strong> o<br />

que era, falavam, olhavam, gesticulavam, ao tempo que ela olhava só, ora fixa, ora móbil,<br />

levan<strong>do</strong> a astúcia ao ponto <strong>de</strong> olhar às vezes para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, porque <strong>de</strong>ixava cair as<br />

pálpebras; mas, como as pestanas eram rótulas, o olhar continuava o seu ofício, remexen<strong>do</strong> a<br />

alma e a vida <strong>do</strong>s outros.<br />

A segunda pessoa era um parente <strong>de</strong> Virgília, o Viegas, um cangalho <strong>de</strong> setenta invernos,<br />

chupa<strong>do</strong> e amarela<strong>do</strong>, que pa<strong>de</strong>cia <strong>de</strong> um reumatismo teimoso, <strong>de</strong> uma asma não menos<br />

teimosa e <strong>de</strong> uma lesão <strong>de</strong> coração: era um hospital concentra<strong>do</strong>. Os olhos porém luziam <strong>de</strong><br />

muita vida e saú<strong>de</strong>. Virgília, nas primeiras semanas, lhe tinha me<strong>do</strong> nenhum; dizia-me que,<br />

quan<strong>do</strong> o Viegas parecia espreitar, com o olhar fixo, estava simplesmente contan<strong>do</strong><br />

dinheiro. Com efeito, era um gran<strong>de</strong> avaro.<br />

Havia ainda o primo <strong>de</strong> Virgínia, o Luis Dutra, que eu agora <strong>de</strong>sarmava à força <strong>de</strong> lhe falar<br />

nos versos e prosas, e <strong>de</strong> o apresentar aos conheci<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> estes, ligan<strong>do</strong> o nome à<br />

pessoa, se mostravam contentes da apresentação, não há dúvida que Luís Dutra exultava <strong>de</strong><br />

felicida<strong>de</strong>; mas eu curava-me da felicida<strong>de</strong> com a esperança <strong>de</strong> que ele nos não <strong>de</strong>nunciasse<br />

nunca. Havia, enfim, umas duas ou três senhoras, vários gamenhos, e os fâmulos, que<br />

naturalmente se <strong>de</strong>sforravam assim da condição servil, e tu<strong>do</strong> isso constituía uma verda<strong>de</strong>ira<br />

floresta <strong>de</strong> olheiros e escutas, por entre os quais tínhamos <strong>de</strong> resvalar com a tática e maciez<br />

das cobras.<br />

CAPÍTULO LXVI / AS PERNAS<br />

ORA, ENQUANTO EU pensava naquela gente, iam-me pernas levan<strong>do</strong>, ruas abaixo, <strong>de</strong><br />

mo<strong>do</strong> que insensivelmente me achei à porta <strong>do</strong> Hotel Pharous. De costume jantava aí; mas,<br />

file:///C|/site/livros_gratis/bras_cubas.htm (69 of 133) [10/8/2001 17:07:29]

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