Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI
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<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong> <strong>Macha<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Assis<br />
e até chegou a me dar casa. Estive lá muitos meses, um ano, mais <strong>de</strong> um ano, agregada,<br />
costuran<strong>do</strong>. Saí quan<strong>do</strong> Iaiá casou. Depois vivi como Deus foi servi<strong>do</strong>. Olhe os meus <strong>de</strong><strong>do</strong>s,<br />
olhe estas mãos... E mostrou-me as mãos grossas e gretadas, as pontas <strong>do</strong>s <strong>de</strong><strong>do</strong>s pica das da<br />
agulha. - Não se cria isto à toa, meu senhor; Deus sabe como é que isto se cria. . .<br />
Felizmente, Iaiá me protegeu, e o senhor <strong>do</strong>utor também... Eu tinha um me<strong>do</strong> <strong>de</strong> acabar na<br />
rua, pedin<strong>do</strong> esmola . . .<br />
Ao soltar a última frase, D. Plácida teve um calafrio. Depois, como se tornasse a si, pareceu<br />
atentar na inconveniência daquela confissão ao amante <strong>de</strong> uma mulher casada, e começou a<br />
rir, a <strong>de</strong>sdizer-se, a chamar-se tola, "cheia <strong>de</strong> fidúcias", como lhe dizia a mãe; enfim,<br />
cansada <strong>do</strong> meu silêncio, retirou-se da sala. Eu fiquei a olhar para a ponta <strong>do</strong> botim.<br />
CAPÍTULO LXXV / COMIGO<br />
PODENDO ACONTECER que algum <strong>do</strong>s meus leitores tenha pula<strong>do</strong> o capítulo anterior,<br />
observo que é preciso le-lo para enten<strong>de</strong>r o que eu disse comigo, logo <strong>de</strong>pois que D. Plácida<br />
saiu da sala. O que eu disse foi isto:<br />
"Assim, pois, o sacristão da Sé, um dia. ajudan<strong>do</strong> à missa, viu entrar a dama, que <strong>de</strong>via ser<br />
sua colabora<strong>do</strong>ra na vida <strong>de</strong> D. Plácida. Viu-a outros dias, durante semanas inteiras, gostou,<br />
disse-lhe alguma graça, pisou-lhe o pé, ao acen<strong>de</strong>r os altares, nos dias <strong>de</strong> festa. Ela gostou<br />
<strong>de</strong>le, acercaram-se, amaram-se. Dessa conjunção <strong>de</strong> luxúrias vadias brotou D. Plácida. t <strong>de</strong><br />
crer que D. Plácida não falasse ainda quan<strong>do</strong> nasceu, mas se falasse podia dizer aos autores<br />
<strong>de</strong> seus dias: --Aqui estou. Para que me chamastes? E o sacristão e a sacristã naturalmente<br />
lhe respon<strong>de</strong>riam. --Chamamos-te para queimar os <strong>de</strong><strong>do</strong>s nos tachos, os olhos na costura,<br />
comer mal, ou não comer andar <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> para outro, na faina, a<strong>do</strong>ecen<strong>do</strong> e saran<strong>do</strong>, com<br />
o fim <strong>de</strong> tornar a a<strong>do</strong>ecer e sarar outra vez, triste agora, logo <strong>de</strong>sesperada, amanhã resignada,<br />
mas sempre com as mãos no tacho e os olhos na costura, até acabar um dia na lama ou no<br />
hospital; foi para isso que te chamamos, num momento <strong>de</strong> simpatia".<br />
CAPÍTULO LXXVI / O ESTRUME<br />
SÚBITO DEU-ME a consciência um repelão, acusou-me <strong>de</strong> ter feito capitular a probida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> D. Plácida, obrigan<strong>do</strong>-a a um papel torpe, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa vida <strong>de</strong> trabalho e<br />
privações. Medianeira não era melhor que concubina, e eu tinha-a baixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> obséquios e à<br />
custa <strong>de</strong> obséquios e dinheiro. Foi o que me disse a consciência; fiquei uns <strong>de</strong>z minutos sem<br />
saber que lhe replicasse. Ela acrescentou que eu me aproveitara da fascinação exercida por<br />
Virgília sobre a ex-costureira, da gratidão <strong>de</strong>sta, enfim da necessida<strong>de</strong>. Notou a resistência<br />
<strong>de</strong> D. Plácida, as lágrimas <strong>do</strong>s primeiros dias, as caras feias, es silêncios, os olhos baixos, e a<br />
minha arte em suportar tu<strong>do</strong> isso, até vence-la. E repuxou-me outra vez <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> irrita<strong>do</strong><br />
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