Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI
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<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong> <strong>Macha<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Assis<br />
misérias, <strong>de</strong> atribulações e <strong>de</strong> lutas. Lembra-se das nossas festas, em que eu figurava <strong>de</strong> rei?<br />
Que trambolhão! Acabo mendigo. . .<br />
E alçan<strong>do</strong> a mão direita e os ombros, com um ar <strong>de</strong> indiferença, parecia resigna<strong>do</strong> aos<br />
golpes da fortuna, e não sei até se contente. Talvez contente. Com certeza, impassível. Não<br />
havia nele á resignação cristã, nem a conformida<strong>de</strong> filosófica. Parece que a miséria lhe<br />
calejara a alma, a ponto <strong>de</strong> lhe tirar a sensação <strong>de</strong> lama. Arrastava os andrajos, como outrora<br />
a púrpura: com certa graça in<strong>do</strong>lente.<br />
--Procure-me, disse eu, po<strong>de</strong>rei arranjar-lhe alguma cousa.<br />
Um sorriso magnífico lhe abriu os lábios. --Não é o primeiro que me promete alguma cousa,<br />
replicou, e não sei se será o último que não me fará nada. E para quê? Eu nada peço, a não<br />
ser dinheiro; dinheiro sim, porque é necessário comer, e as casas <strong>de</strong> pasto não fiam. Nem as<br />
quitan<strong>de</strong>iras. Uma cousa <strong>de</strong> nada, uns <strong>do</strong>us vinténs <strong>de</strong> angu, nem isso fiam as malditas<br />
quitan<strong>de</strong>iras... Um inferno, meu... ia dizer meu amigo... Um inferno! o diabo! to<strong>do</strong>s os<br />
diabos! Olhe, ainda hoje não almocei.<br />
--Não?<br />
--Não; saí muito ce<strong>do</strong> <strong>de</strong> casa. Sabe on<strong>de</strong> moro? No terceiro <strong>de</strong>grau das escadas <strong>de</strong> S.<br />
Francisco, à esquerda <strong>de</strong> quem sobe; não precisa bater na porta. Casa fresca, extremamente<br />
fresca. Pois saí ce<strong>do</strong>, e ainda não comi...Tirei a carteira, escolhi uma nota <strong>de</strong> cinco mil-réis,<br />
-- a menos limpa,-- e <strong>de</strong>i-lha. Ele recebeu-ma com os olhos cintilantes <strong>de</strong> cobiça. Levantou a<br />
nota ao ar, e agitou-a entusiasma<strong>do</strong>.<br />
-- In hoc signo vinces! bra<strong>do</strong>u.<br />
E <strong>de</strong>pois beijou-a, com muitos a<strong>de</strong>manes <strong>de</strong> ternura, e tão rui<strong>do</strong>sa expansão, que me<br />
produziu um sentimento misto <strong>de</strong> nojo e lástima. Ele, que era arguto, enten<strong>de</strong>u-me; ficou<br />
sério, grotescamente sério e pediu-me <strong>de</strong>sculpa da alegria, dizen<strong>do</strong> que era alegria <strong>de</strong> pobre<br />
que não via, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitos anos, uma nota <strong>de</strong> cinco mil-réis.<br />
--Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu.<br />
--Sim? acudiu ele, dan<strong>do</strong> um bote para mim.<br />
--Trabalhan<strong>do</strong>, concluí eu.<br />
Fez um gesto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdém; calou-se alguns instantes; <strong>de</strong>pois disse-me positivamente que não<br />
queria trabalhar. Eu estava enjoa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa abjeção tão cômica e tão triste, e preparei-me para<br />
sair.<br />
--Não vá sem eu lhe ensinar a minha filosofia da miséria, disse ele, escarranchan<strong>do</strong>-se diante<br />
<strong>de</strong> mim.<br />
CAPÍTULO LX / O ABRAÇO<br />
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