11.09.2013 Views

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong> <strong>Macha<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Assis<br />

MAS, COM A BRECA! quem me explicará a razão <strong>de</strong>sta diferença? Um dia vimo-nos,<br />

tratamos o casamento, <strong>de</strong>sfizemo-lo e separamo-nos, a frio, sem <strong>do</strong>r, porque não houvera<br />

paixão nenhuma; mor<strong>de</strong>u-me apenas algum <strong>de</strong>speito e nada mais. Correm anos, torno a<br />

vê-la, damos três ou quatro giros <strong>de</strong> valsa, e eis-nos a amar um ao outro com <strong>de</strong>lírio. A<br />

beleza <strong>de</strong> Virgília chegara, é certo, a um alto grau <strong>de</strong> apuro, mas nós éramos<br />

substancialmente os mesmos, e eu, à minha parte, não me tornara mais bonito nem mais<br />

elegante. Quem me explicará a razão <strong>de</strong>ssa diferença?<br />

A razão não podia ser outra senão o momento oportuno. Não era oportuno o primeiro<br />

momento, porque, se nenhum <strong>de</strong> nós estava ver<strong>de</strong> para o amor, ambos o estávamos para o<br />

nosso amor: distinção fundamental. Não há amor possível sem a oportunida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sujeitos.<br />

Esta explicação achei-a eu mesmo, <strong>do</strong>us anos <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> beijo, um dia em que Virgília se me<br />

queixava <strong>de</strong> um pintalegrete que lá ia e tenazmente a galanteava.<br />

--Que importuno! dizia ela fazen<strong>do</strong> uma careta <strong>de</strong> raiva. Estremeci, fitei-a, vi que a<br />

indignação era sincera; então ocorreu-me que talvez eu tivesse provoca<strong>do</strong> alguma vez<br />

aquela mesma careta, e compreendi logo toda a gran<strong>de</strong>za da minha evolução. Tinha vin<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> importuno a oportuno.<br />

CAPÍTULO LVII / DESTINO<br />

SIM, SENHOR, amávamos. Agora, que todas as leis sociais no-lo impediam, agora é que<br />

nos amávamos <strong>de</strong>veras. Achávamo-nos jungi<strong>do</strong>s um ao outro, como as duas almas que o<br />

poeta encontrou no Purgatório:<br />

Di pari, come buoi, che vanno a giogo;<br />

e digo mal, comparan<strong>do</strong>-nos a bois, porque nós éramos outra espécie <strong>de</strong> animal menos tar<strong>do</strong>,<br />

mais velhaco e lascivo. Eis-nos a caminhar sem saber até on<strong>de</strong>, nem por que estradas<br />

escusas; problema que me assustou, durante algumas semanas, mas cuja solução entreguei<br />

ao <strong>de</strong>stino. Pobre Destino! On<strong>de</strong> andarás agora, gran<strong>de</strong> procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s negócios humanos?<br />

Talvez estejas a criar pele nova, outra cara, outras maneiras, outro nome, e não é impossível<br />

que. . . Já me não lembra on<strong>de</strong> estava... Ah! nas estradas escusas. Disse eu comigo que já<br />

agora seria o que Deus quisesse. Era a nossa sorte amar-nos; se assim não fora, como<br />

explicaríamos a valsa e o resto? Virgília pensava a mesma cousa. Um dia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> me<br />

confessar que tinha momentos <strong>de</strong> remorsos, como eu lhe dissesse que, se tinha remorsos, é<br />

porque me não tinha amor, Virgília cingiu-me com os seus magníficos braços, murmuran<strong>do</strong>:<br />

--Amo-te, é a vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> Céu.<br />

E esta palavra não vinha à toa; Virgília era um pouco religiosa. Não ouvia missa aos<br />

<strong>do</strong>mingos, é verda<strong>de</strong>, e creio até que só ia às igrejas em dia <strong>de</strong> festa, e quan<strong>do</strong> havia lugar<br />

file:///C|/site/livros_gratis/bras_cubas.htm (59 of 133) [10/8/2001 17:07:29]

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!