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Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI

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<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong> <strong>Macha<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Assis<br />

então para o soalho, e disse-me com certa amargura:<br />

--Você não merece os sacrifícios que lhe faço.<br />

Não lhe disse nada; era ocioso pon<strong>de</strong>rar-lhe que um pouco <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero e terror daria à<br />

nossa situação o sabor cáustico <strong>do</strong>s primeiros dias; mas se lho dissesse, não é impossível<br />

que ela chegasse lenta e artificiosamente até esse pouco <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero e terror. Não lhe disse<br />

nada. Ela batia, nervosamente com a ponta <strong>do</strong> pé no chão; aproximei-me e beijei-a na testa.<br />

Virgília recuou, como se fosse um beijo <strong>de</strong> <strong>de</strong>funto.<br />

CAPÍTULO XCVII / ENTRE A BOCA E A TESTA<br />

SINTO QUE o LEITOR estremeceu, -- ou <strong>de</strong>via estremecer. Naturalmente a última palavra<br />

sugeriu-lhe três ou quatro reflexões. Veja bem o quadro: numa casinha da Gamboa, duas<br />

pessoas que se amam há muito tempo, uma inclinada para a outra, a dar-lhe um beijo na<br />

testa, e a outra a recuar, como se sentisse o contacto <strong>de</strong> uma boca <strong>de</strong> cadáver. Há aí, no<br />

breve intervalo, entre a boca e a testa antes <strong>do</strong> beijo e <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> beijo, há aí largo espaço<br />

para muita cousa a contração <strong>de</strong> um ressentimento,-- a ruga da <strong>de</strong>sconfiança,--- ou enfim o<br />

nariz páli<strong>do</strong> e sonolento da sacieda<strong>de</strong>...<br />

CAPÍTULO XCVIII / SUPRIMIDO<br />

SEPARAMO-NOS alegremente. Jantei reconcilia<strong>do</strong> com a situação. A carta anônima<br />

restituía à nossa aventura o sal <strong>do</strong> mistério e a pimenta <strong>do</strong> perigo; e afinal foi bem bom que<br />

Virgília não per<strong>de</strong>sse naquela crise a posse <strong>de</strong> si mesma. De noite fui ao Teatro <strong>de</strong> S. Pedro;<br />

representava-se uma gran<strong>de</strong> peça, em que a Estela arrancava lágrimas. Entro; corro os olhos<br />

pelos camarotes; vejo em um <strong>de</strong>les Damasceno e a família. Trajava a filha com outra<br />

elegância e certo apuro, cousa difícil <strong>de</strong> explicar, porque o pai ganhava apenas o necessário<br />

para endividar-se; e daí, talvez fosse por isso mesmo.<br />

No intervalo fui visitá-los. Damasceno recebeu-me com muitas palavras, a mulher com<br />

muitos sorrisos. Quanto a Nhã-loló, não tirou mais os olhos <strong>de</strong> mim. Parecia-me agora mais<br />

bonita que no dia <strong>do</strong> jantar. Achei-lhe certa suavida<strong>de</strong> etérea casada ao poli<strong>do</strong> das formas<br />

terrenas: expressão vaga, e condigna <strong>de</strong> um capítulo em que tu<strong>do</strong> há <strong>de</strong> ser vago. Realmente,<br />

não sei como lhes diga que não me senti mal, ao pé da moça, trajan<strong>do</strong> garridamente um<br />

vesti<strong>do</strong> fino, um vesti<strong>do</strong> que me dava cócegas <strong>de</strong> Tartufo. Ao contemplá-lo, cobrin<strong>do</strong> casta e<br />

re<strong>do</strong>ndamente o joelho, foi que eu fiz uma <strong>de</strong>scoberta subtil, a saber, que a natureza previu a<br />

vestidura humana, condição necessária ao <strong>de</strong>senvolvimento da nossa espécie. A nu<strong>de</strong>z<br />

habitua, dada a multiplicação das obras e <strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s <strong>do</strong> indivíduo, ten<strong>de</strong>ria a embotar os<br />

senti<strong>do</strong>s e a retardar os sexos, ao passo que o vestuário, negacean<strong>do</strong> a natureza, aguça e atrai<br />

file:///C|/site/livros_gratis/bras_cubas.htm (94 of 133) [10/8/2001 17:07:30]

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