Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI
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<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong> <strong>Macha<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Assis<br />
gota da baba <strong>de</strong> Caim. Corri<strong>do</strong> o tempo e cessa<strong>do</strong> o espasmo, então sim, então talvez se<br />
po<strong>de</strong> gozar <strong>de</strong>veras. porque entre uma e outra <strong>de</strong>ssas duas ilusões, melhor é a que se gosta<br />
sem <strong>do</strong>er.<br />
Não durou muito a evocação; a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>minou logo; o presente expeliu o passa<strong>do</strong>.<br />
Talvez eu exponha ao leitor, em algum canto <strong>de</strong>ste livro, a mina teoria das edições humanas.<br />
O que por agora importa saber é que Virgília -- entrou na alcova, firme, com a gravida<strong>de</strong><br />
que lhe davam as roupas e os anos, e veio até o meu leito. O estranho levantou-se e saiu. Era<br />
um sujeito, que me visitava to<strong>do</strong>s os dias para falar <strong>do</strong> câmbio, da colonização e da<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver a viação férrea; nada mais interessante para um moribun<strong>do</strong>.<br />
Saiu; Virgília <strong>de</strong>ixou-se estar <strong>de</strong> pé; durante algum tempo ficamos a olhar um para o outro,<br />
sem articular palavra. Quem diria? De <strong>do</strong>us gran<strong>de</strong>s namora<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> duas paixões sem freio,<br />
nada mais havia ali, vinte anos <strong>de</strong>pois; havia apenas <strong>do</strong>us corações murchos, <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>s<br />
pela vida e sacia<strong>do</strong>s <strong>de</strong>la, não sei se em igual <strong>do</strong>se, mas enfim sacia<strong>do</strong>s. Virgília tinha agora<br />
a beleza da velhice, um ar austero e maternal; estava menos magra <strong>do</strong> que quan<strong>do</strong> a vi, pela<br />
última vez, numa festa <strong>de</strong> S. João, na Tijuca; e porque era das que resistem muito, só agora<br />
começavam os cabelos escuros a intercalar-se com alguns fios <strong>de</strong> prata.<br />
-- Anda visitan<strong>do</strong> os <strong>de</strong>funtos? Disse-lhe eu. -- Ora, <strong>de</strong>funtos! Respon<strong>de</strong>u Virgília com um<br />
muxoxo. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> me apertar as mãos:<br />
-- An<strong>do</strong> a ver se ponho os vadios para a rua.<br />
Não tinha a carícia lacrimosa <strong>de</strong> outro tempo; mas a voz era amiga e <strong>do</strong>ce. Sentou-se. Eu<br />
estava só, em casa, com um simples enfermeiro; podíamos falar um ao outro, sem perigo.<br />
Virgília <strong>de</strong>u-me longas notícias <strong>de</strong> fora, narran<strong>do</strong>-as com graça, com um certo travo <strong>de</strong> má<br />
língua, que era o sal da palestra; eu, prestes a <strong>de</strong>ixar o mun<strong>do</strong>, sentia um prazer satânico em<br />
mofar <strong>de</strong>le, em persuadir-me que não <strong>de</strong>ixava nada.<br />
-- Olhe que não volto mais. Morrer! To<strong>do</strong>s nós havemos <strong>de</strong> morrer; basta estarmos vivos.<br />
E ven<strong>do</strong> o relógio:<br />
-- Jesus! São três horas. Vou-me embora.<br />
--Já?<br />
--Já; virei amanhã ou <strong>de</strong>pois.<br />
--Não sei se faz bem, retorqui; o <strong>do</strong>ente é um solteirão e a casa não tem senhoras...<br />
-- Sua mana?<br />
-- Há <strong>de</strong> vir cá passar uns dias, mas não po<strong>de</strong> ser antes <strong>de</strong> sába<strong>do</strong>.<br />
Virgília refletiu um instante, levantou os ombros e disse com gravida<strong>de</strong>:<br />
--Estou velha! Ninguém mais repara em mim. Mas, para cortar dúvidas, virei com o<br />
Nhonhô.<br />
Nhonhô era um bacharel, único filho <strong>de</strong> seu casamento, que, na ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cinco anos, fora<br />
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