Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado ... - Cursinho do XI
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<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong> <strong>Macha<strong>do</strong></strong> <strong>de</strong> Assis<br />
as vonta<strong>de</strong>s, ativa-as, reprodu-las, e conseguintemente faz andar a civilização. Abençoa<strong>do</strong><br />
uso que nos <strong>de</strong>u Otelo e os paquetes transatlânticos!<br />
Estou com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> suprimir este capítulo. O <strong>de</strong>clive é perigoso. Mas enfim eu escrevo as<br />
minhas memórias e não as tuas, leitor pacato. Ao pé da graciosa <strong>do</strong>nzela, parecia-me toma<strong>do</strong><br />
<strong>de</strong> uma sensação dupla e in<strong>de</strong>finível. Ela exprimia inteiramente a dualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pascal, l'ange<br />
et la bête, com a diferença que o jansenista não admitia a simultaneida<strong>de</strong> das duas naturezas,<br />
ao passo que elas aí estavam bem juntinhas, -- l'ange, que dizia algumas cousas <strong>do</strong> céu,--e la<br />
bête, que... Não; <strong>de</strong>cididamente suprimo este capítulo.<br />
CAPITULO XCIX / NA PLATÉIA<br />
NA PLATÉIA achei Lobo Neves, <strong>de</strong> conversa com alguns amigos, falamos por alto, a frio,<br />
constrangi<strong>do</strong>s um e outro. Mas no intervalo seguinte, prestes a levantar o pano,<br />
encontramo-nos num <strong>do</strong>s corre<strong>do</strong>res, em que não havia ninguém. Ele veio a mim, com<br />
muita afabilida<strong>de</strong> e riso, puxou-me a um <strong>do</strong>s óculos <strong>do</strong> teatro, e falamos muito,<br />
principalmente ele, que parecia o mais tranqüilo <strong>do</strong>s homens. Cheguei a perguntar-lhe pela<br />
mulher; respon<strong>de</strong>u que estava boa, mas torceu logo a conversação para assuntos gerais,<br />
expansivo, quase risonho. Adivinhe quem quiser a causa da diferença eu fujo ao Damasceno<br />
que me espreita ali da porta <strong>do</strong> camarote.<br />
Não ouvi nada <strong>do</strong> seguinte ato, nem as palavras <strong>do</strong>s atores, nem as palmas <strong>do</strong> público.<br />
Reclina<strong>do</strong> na ca<strong>de</strong>ira, apanhava <strong>de</strong> memória os retalhos da conversação <strong>do</strong> Lobo Neves,<br />
refazia as maneiras <strong>de</strong>le e concluía que era muito melhor a nova situação. Bastava-nos a<br />
Gamboa. A freqüência da outra casa aguçaria as invejas. Rigorosamente podíamos<br />
dispensar-nos <strong>de</strong> falar to<strong>do</strong>s os dias; até era melhor metia a sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> permeio nos amores.<br />
Ao <strong>de</strong>mais, eu galgara os quarenta anos, e não era nada, nem simples eleitor <strong>de</strong> paróquia.<br />
Urgia fazer alguma cousa, ainda por amor <strong>de</strong> Virgília, que havia <strong>de</strong> ufanar-se quan<strong>do</strong> visse<br />
luzir o meu nome. . . Creio que nessa ocasião houve gran<strong>de</strong>s aplausos, mas não juro; eu<br />
pensava em outra cousa.<br />
Multidão cujo amor cobicei até à morte, era assim que eu me vingava às vezes <strong>de</strong> ti; <strong>de</strong>ixava<br />
burburinhar em volta <strong>do</strong> meu corpo a gente humana, sem a ouvir, como o Prometeu <strong>de</strong><br />
Esquilo fazia aos seus verdugos. Ah! tu cuidavas enca<strong>de</strong>ar-me ao roche<strong>do</strong> da tua frivolida<strong>de</strong>,<br />
da tua indiferença, ou da tua agitação? Frágeis ca<strong>de</strong>ias, amiga minha; eu rompia-as <strong>de</strong> um<br />
gesto <strong>de</strong> Gulliver. Vulgar cousa é ir consi<strong>de</strong>rar no ermo. O voluptuoso, o esquisito, é<br />
insular-se o homem no meio <strong>de</strong> um mar <strong>de</strong> gestos e palavras, <strong>de</strong> nervos e paixões,<br />
<strong>de</strong>cretar-se alhea<strong>do</strong>, inacessíveI, ausente. O mais que po<strong>de</strong>m dizer quan<strong>do</strong> ele torna a<br />
si,--isto é, quan<strong>do</strong> torna aos outros, é que baixa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> da lua; mas o mun<strong>do</strong> da lua, esse<br />
<strong>de</strong>svão luminoso e recata<strong>do</strong> <strong>do</strong> cérebro, que outra cousa é senão a afirmação <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosa da<br />
nossa liberda<strong>de</strong> espiritua1? Vive Deus! Eis um bom fecho <strong>de</strong> capítulo.<br />
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