Visualizar - Revista [B+]
Visualizar - Revista [B+]
Visualizar - Revista [B+]
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
arte & entretenimento | atrás do trio<br />
Só não vai<br />
quem já morreu<br />
Jorge<br />
Cajazeira<br />
Executivo da Suzano<br />
Papel e Celulose,<br />
mestre e doutor em<br />
administração de<br />
empresas, presidente<br />
mundial da ISO 26000<br />
para Responsabilidade<br />
Social e presidente do<br />
Sindpacel - Sindicato<br />
Patronal de Papel e<br />
Celulose do Estado da<br />
Bahia<br />
Surpreende-me as críticas que tenho lido e<br />
ouvido sobre o Carnaval da Bahia. Tais críticas<br />
dão coro às provocações de pernambucanos<br />
e cariocas que veem no nosso Carnaval um<br />
concorrente forte e que precisa ser vencido.<br />
O fato é que o Carnaval da Bahia é realmente<br />
um espetáculo, que me perdoem cariocas<br />
e pernambucanos, sem comparativo em<br />
criatividade e emoção. Aqui, não existe o<br />
patrocínio do dinheiro dos bicheiros, tampouco<br />
existem leis para barrar a musicalidade<br />
de outro lugar. A revista Veja, em 24 de<br />
fevereiro de 1993, publicou uma reportagem<br />
de capa intitulada “A Bahia Ganhou”, quando,<br />
capitaneada pelo sucesso de Daniela Mercury, a<br />
festa baiana começava a desafiar a hegemonia<br />
do Rio no gosto popular. Na época, discutiam-se<br />
dois modelos: o espetáculo promovido pelas<br />
escolas de samba, mais bonitos de ser ver pela<br />
televisão ou a festa de rua, em que cada folião é<br />
parte integrante.<br />
Curiosamente, o Carnaval da Bahia, como<br />
é hoje, descende diretamente do conceito<br />
carnavalesco pernambucano. Em 1950, o Clube<br />
Carnavalesco Misto Vassourinhas do Recife,<br />
em viagem ao Rio de Janeiro, foi convidado<br />
para uma apresentação em Salvador pelas<br />
ruas da cidade. Nessa época, a capital baiana<br />
comemorava o Carnaval de forma bucólica, sem<br />
trios, sem algazarras, eram os caretas sambando<br />
pelas ruas e tomando umas biritas para<br />
descontrair ao som de bandinhas de coreto.<br />
Os integrantes do bloco Vassourinhas não<br />
imaginavam o impacto daquela apresentação<br />
improvisada. Uma multidão contaminada<br />
com os frevos atropelou tudo pelas ruas com<br />
trombadas e empurrões, em um prenúncio de<br />
todo o arsenal que compõe hoje a pipoca do<br />
Chiclete, o que levou a banda se refugiar no<br />
Palácio do Governo, enquanto o povo pulava de<br />
alegria. O acontecimento histórico inspirou o<br />
clássico do Carnaval baiano “Varre, varre, varre<br />
Vassourinhas...”, cantado por Moraes Moreira.<br />
Hoje as críticas à festa soteropolitana<br />
focam na perda do princípio básico do<br />
Carnaval que é a participação popular.<br />
Criticam-se os blocos carnavalescos que com<br />
suas cordas privatizam o espaço público e os<br />
camarotes que tornaram a festa indoor, com<br />
seus bailes privados regados a champanhe que<br />
faz a alegria das celebridades convidadas. A<br />
meu ver, as críticas não procedem.<br />
Desde os tempos da mortalha, hoje abadás,<br />
a pequena burguesia e a elite se divertiam<br />
em clubes privados, com bailes de máscaras<br />
ao som de marchinhas. Quem tem mais de 40<br />
anos se lembra da Segunda-Feira Gorda, do<br />
Bahiano de Tênis. O bloco carnavalesco Trazos-Montes,<br />
da Associação Atlética da Bahia,<br />
já tinha corda e para se diferenciar usava<br />
um macacão no lugar da mortalha, além do<br />
aparato de som e luzes inigualáveis no trio.<br />
Essas são as origens do Carnaval como<br />
é hoje. Dos bailes do Bahiano derivam os<br />
camarotes, do bloco Traz-os-Montes derivam<br />
os blocos pagos e do trio Tapajós (criado por<br />
Orlando de Campos) vem o Carnaval popular<br />
que se mantém vivo nos blocos sem corda e<br />
nas pipocas dos grandes trios. Na Baixa dos<br />
Sapateiros, no passado, a festa dos negros<br />
era embalada pelos grupos Embaixada<br />
Africana e Pândegos D’África. Hoje os<br />
blocos afros são parte do circuito principal e<br />
atração máxima pela indumentária colorida<br />
e o som dos atabaques. Mais uma prova de<br />
que cabe tudo na folia baiana.<br />
É claro que precisamos dar mais ordem<br />
à bagunça. É inaceitável o xixi pelas ruas, a<br />
exploração dos táxis, a ausência de controle e<br />
ordem com os vendedores ambulantes. Mas,<br />
se não aqui, em qual outro lugar no mundo<br />
se pode escutar artistas do quilate de Daniela<br />
Mercury, Ivete Sangalo, Claudia Leite e Durval<br />
Lelys absolutamente de graça? Por isso, me<br />
surpreende a falta de carinho com que se trata<br />
essa festa maravilhosa, democrática, inovadora,<br />
brilhante. No Carnaval da Bahia, já diria<br />
Caetano, só não vai quem já morreu.<br />
106 <strong>Revista</strong> [B + ] março/abril 2013 www.revistabmais.com