Fundamentos, princÃpios e objetivos de uma polÃtica de ... - Uece
Fundamentos, princÃpios e objetivos de uma polÃtica de ... - Uece
Fundamentos, princÃpios e objetivos de uma polÃtica de ... - Uece
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE<br />
GLÓRIA MARIA VASCONCELOS GOES<br />
FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS DE UMA POLÍTICA<br />
DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: PROJETO JUVENTUDE<br />
EMPREENDEDORA<br />
FORTALEZA – CEARÁ<br />
2011
GLÓRIA MARIA VASCONCELOS GOES<br />
FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS DE UMA POLÍTICA DE<br />
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: PROJETO JUVENTUDE<br />
EMPREENDEDORA<br />
Dissertação apresentada ao Programa <strong>de</strong><br />
Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e<br />
Socieda<strong>de</strong> do Centro <strong>de</strong> Estudos Aplicados da<br />
Universida<strong>de</strong> Estadual do Ceará, como<br />
requisito parcial para a obtenção do grau<br />
(mestre) em Políticas Públicas.<br />
Área <strong>de</strong> concentração: Políticas Públicas<br />
Orientadora: Profª. Drª. Francisca Rejane<br />
Bezerra Andra<strong>de</strong><br />
FORTALEZA-CEARÁ<br />
2011
G598f<br />
Goes, Glória Maria Vasconcelos<br />
<strong>Fundamentos</strong>, princípios e <strong>objetivos</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
política <strong>de</strong> qualificação profissional: projeto<br />
juventu<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dora / Glória Maria<br />
Vasconcelos Goes. — Fortaleza, 2011.<br />
191 p.:il.<br />
Orientadora: Profª. Drª. Francisca Rejane<br />
Bezerra Andra<strong>de</strong>.<br />
Dissertação (Mestrado Acadêmico em Políticas<br />
Públicas e Socieda<strong>de</strong>) – Universida<strong>de</strong> Estadual do<br />
Ceará, Centro <strong>de</strong> Estudos Sociais Aplicados.<br />
1. Qualificação profissional. 2.<br />
Empreen<strong>de</strong>dorismo. 3. Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora.<br />
I. Universida<strong>de</strong> Estadual do Ceará, Centro <strong>de</strong><br />
Estudos Aplicados.<br />
CDD: 320.6
GLÓRIA MARIA VASCONCELOS GOES<br />
FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E OBJETIVOS DE UMA POLÍTICA DE<br />
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: PROJETO JUVENTUDE<br />
EMPREENDEDORA<br />
Dissertação apresentada ao Programa <strong>de</strong><br />
Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e<br />
Socieda<strong>de</strong> do Centro <strong>de</strong> Estudos Aplicados da<br />
Universida<strong>de</strong> Estadual do Ceará, como<br />
requisito parcial para a obtenção do grau<br />
(mestre) em Políticas Públicas.<br />
Área <strong>de</strong> concentração: Políticas Publicas<br />
Aprovada em ----/-----/-------<br />
BANCA EXAMINADORA<br />
____________________________________________________________<br />
Profª. Drª. Francisca Rejane Bezerra Andra<strong>de</strong> (orientadora)<br />
Universida<strong>de</strong> Estadual do Ceará – UECE<br />
_______________________________________________________________<br />
Profª. Drª. Antônia Rozimar Machado e Rocha<br />
Universida<strong>de</strong> Estadual do Ceará – UECE<br />
_____________________________________________________________<br />
Prof. Dra. Geórgia Patrícia Guimarães dos Santos<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará - UFC
A meu esposo Gerval, pelo apoio,<br />
compreensão e amor, ingredientes<br />
indispensáveis nos diferentes momentos <strong>de</strong><br />
minha vida.<br />
Aos meus amados filhos Gérsica e George,<br />
presenças constantes que vêm fortalecendo<br />
minha caminhada.<br />
À minha mãe, pelas orações que iluminam meu<br />
caminho.<br />
À minha irmã Lêda, que, com sua <strong>de</strong>dicação e<br />
envolvimento, sempre me incentivou a buscar<br />
novos rumos.
AGRADECIMENTOS<br />
À professora Dra. Francisca Rejane Bezerra Andra<strong>de</strong>, pela sua orientação,<br />
contribuição teórica, sobretudo à autonomia que me dispensou, revelando a<br />
confiança indispensável na relação orientador/orientando.<br />
À professora e querida irmã Lêda Vasconcelos Carvalho, pelas valiosas<br />
sugestões para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste trabalho. Obrigada por tudo.<br />
Aos professores Dra. Antônia Rozimar Machado e Rocha, Dra. Geórgia Patrícia<br />
Guimarães dos Santos e Dr. José Deribaldo Gomes dos Santos pelas<br />
contribuições importantes oferecidas para este trabalho.<br />
Aos professores e às professoras do Curso <strong>de</strong> Mestrado em Políticas Públicas<br />
por terem proporcionado a ampliação dos meus conhecimentos.<br />
Aos colegas do Curso, por terem partilhado conhecimentos, inquietações e<br />
experiências profissionais nos <strong>de</strong>bates em sala <strong>de</strong> aula, momentos ímpares,<br />
que contribuíram para minha formação.<br />
Aos meus amigos Luciana Franklin e Ivanildo Almeida, pelo apoio<br />
imprescindível durante a execução do Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora.<br />
Muito obrigada!<br />
Aos técnicos da Educação Profissional do Instituto <strong>de</strong> Desenvolvimento do<br />
Trabalho (IDT), pelo envolvimento e compromisso na consecução do Projeto<br />
Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora, buscando criar alternativas para superar as<br />
dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong>ssa envergadura.
RESUMO<br />
Nas últimas décadas, tem se tornado comum o discurso que enfatiza estarmos<br />
vivendo mudanças paradigmáticas em todas as dimensões da vida econômica e<br />
social. Esse contexto histórico estaria a exigir um novo tipo <strong>de</strong> trabalhador com<br />
capacida<strong>de</strong>s e habilida<strong>de</strong>s que o tornem apto a ser incluído no setor <strong>de</strong> produção cada<br />
vez mais competitivo. A retórica difundida é que estaríamos vivendo situações<br />
irreversíveis no mundo do trabalho, no qual os novos padrões <strong>de</strong> acumulação<br />
<strong>de</strong>mandam novas ocupações, novas qualificações, novas formas <strong>de</strong> gestão da<br />
produção e do trabalho e, com efeito, um novo tipo <strong>de</strong> trabalhador, com novas<br />
competências e habilida<strong>de</strong>s que o tornariam empregável. É nesse cenário que<br />
emergem programas e projetos governamentais com ênfase no empreen<strong>de</strong>dorismo,<br />
visando minimizar o quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego na perspectiva da inclusão social. Este<br />
estudo busca analisar os fundamentos e <strong>objetivos</strong> que orientam a política <strong>de</strong><br />
qualificação profissional centrados no empreen<strong>de</strong>dorismo da juventu<strong>de</strong> vulnerável<br />
social e economicamente. O foco específico <strong>de</strong> análise é o projeto Juventu<strong>de</strong><br />
Empreen<strong>de</strong>dora (JUVEMP), do Instituto <strong>de</strong> Desenvolvimento do Trabalho (IDT),<br />
executado com recursos da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS)<br />
do Estado do Ceará. Utilizamo-nos das pesquisas bibliográfica e documental tais<br />
como: Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação (PNQ), Plano Territorial <strong>de</strong> Qualificação<br />
(PlanTeq), <strong>de</strong>stacando as contribuições teóricas que embasam os autores que<br />
abordam a temática do empreen<strong>de</strong>dorismo como: Dornelas (2005), Dolabela (2006),<br />
Oliveira ( 2008), Drucker (1993), Minarelli (1995), assim como <strong>de</strong> autores que realizam<br />
<strong>uma</strong> análise crítica <strong>de</strong>stes postulados como: Antunes (2002), Saviani (2008), Frigotto<br />
(1999), <strong>de</strong>ntre outros autores, contribuindo para a explicitação do discurso i<strong>de</strong>ológico<br />
contido na política <strong>de</strong> qualificação no viés do empreen<strong>de</strong>dorismo. Com base na<br />
análise dos dados, i<strong>de</strong>ntificamos que a proposta <strong>de</strong> qualificação profissional focalizada<br />
no empreen<strong>de</strong>dorismo, na qual se insere o JUVEMP, não consegue incluir a juventu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sfavorecida socioeconomicamente e, como conseqüência, torna-se inviável para ser<br />
disseminada para os trabalhadores excluídos do sistema capitalista em face do<br />
<strong>de</strong>semprego estrutural, integrando um arsenal i<strong>de</strong>ológico para responsabilizar o<br />
trabalhador e seus filhos pela sua exclusão dos benefícios sociais e econômicos<br />
alcançados pela socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>ntre os quais o emprego.<br />
PALAVRAS-CHAVE: Qualificação profissional. Empreen<strong>de</strong>dorismo. Juventu<strong>de</strong><br />
Empreen<strong>de</strong>dora.
ABSTRACT<br />
It has becoming ordinary during the last <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s the speech that emphasizes the<br />
paradigmatic changings in every dimension of social and economic life. This historical<br />
context would <strong>de</strong>mand a new kind of worker with capacities and habilities that become<br />
able to be inclu<strong>de</strong> in the production sector even more competitive. The rhetoric<br />
wi<strong>de</strong>spread is that we would be living irreversible situations in the work field, where the<br />
new standard of accumulation <strong>de</strong>mand new occupations, new qualifications, new ways<br />
of management of production and working and, as effect, a new way of worker with<br />
news skills and habilities and become them employable. In this scenery that emerge<br />
governmental programs and projects with emphasis on entrepreneurship, attempting<br />
minimize the unemployment framework from the perspective of social inclusion. This<br />
study attempts to analyze the Fundamentals that leads the politicals and projects of<br />
professional qualification focused on Entrepreneurship of Social and Economical<br />
Vulnerable Youth. The analysis specific focus is the Project Enterprising Youth –<br />
(JUVEMP) from Development Institute of Working (IDT), executed with resources from<br />
Board of Working and Social Development(STDS), a governmental institution from<br />
Ceará. It was based on the bibliographic and documental researches from: Nacional<br />
Qualification Plan (PNQ), Territorial Qualification Plan (PlanTeq), highlighting the<br />
theorical contribution for the explicitness of i<strong>de</strong>ological speech contained in the<br />
qualification policy based on entrepreneurship in authors for example: Dornelas (2005),<br />
Dolabela (2006), Oliveira (2008), Drucker (1993), Minarelli (1995), and also in authors<br />
who ma<strong>de</strong> a critical analysis on this postulates as: Antunes (2002), Saviani (2008),<br />
Frigotto (1999), and others authors, helping the explanation of i<strong>de</strong>ological restrained on<br />
qualification political on vies of entrepreneurship. Through the analysis from the datas<br />
were i<strong>de</strong>ntified that the professional qualification proposal focused on<br />
entrepreneurship, which JUVEMP is based o n can´t inclu<strong>de</strong> the disadvantaged social<br />
economic youth and as consequence it becomes impracticable for being spreads to<br />
exclu<strong>de</strong>d workers from capitalist system outstanding the structural unemployment,<br />
incorporating an i<strong>de</strong>ological arsenal to blame the workers and their children for their<br />
exclusion from social and economical benefits achieved by mo<strong>de</strong>rn society, which<br />
inclu<strong>de</strong>s the job.<br />
KEY-WORDS: Professional qualification. Entrepreneurship. Enterprising Youth.
LISTA DE GRÁFICOS<br />
GRÁFICO 1<br />
Aspirações profissionais dos jovens do Projeto<br />
Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora em curto prazo<br />
174<br />
GRÁFICO 2<br />
Aspirações profissionais dos jovens do Projeto<br />
Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora em longo prazo 174
LISTA DE ABREVIATURAS<br />
APL - Arranjo Produtivo Local<br />
BM – Banco Mundial<br />
BNB – Banco do Nor<strong>de</strong>ste do Brasil<br />
CADUNICO – Cadastro Único<br />
CAV - Círculo <strong>de</strong> Aprendizagem Vivencial<br />
CBO - Catálogo Brasileiro <strong>de</strong> Profissões<br />
CENTEC - Instituto Centro <strong>de</strong> Ensino Tecnológico<br />
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe<br />
CCQ - Círculos <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong><br />
CNE - Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação<br />
CODEFAT - Conselho Deliberativo do Fundo do Amparo ao Trabalhador<br />
FAT - Fundo <strong>de</strong> Amparo ao Trabalhador<br />
IDT - Instituto <strong>de</strong> Desenvolvimento do Trabalho<br />
ITA - Instituto Tecnológico da Aeronáutica<br />
JUVEMP – Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora<br />
LA - Liberda<strong>de</strong> Assistida<br />
LDB - Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional<br />
MEI - Microempreen<strong>de</strong>dor Individual<br />
MTE - Ministério do Trabalho e Emprego<br />
OIT- Organização Internacional do Trabalho<br />
ONG – Organização Não Governamental<br />
OP - Orientação Profissional<br />
OS – Organização Social<br />
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio<br />
PEA – População Economicamente Ativa<br />
PED - Emprego e Desemprego no Brasil<br />
PLANFOR - Plano <strong>de</strong> Qualificação<br />
PLANTEQ - Plano Territorial <strong>de</strong> Qualificação<br />
PPA - Planos Plurianuais<br />
PNQ - Programa Nacional <strong>de</strong> Qualificação Profissional<br />
PROJOVEM – Programa Nacional <strong>de</strong> Inclusão dos Jovens
QSP - Qualificação Social e Profissional<br />
SEBRAE – Serviço Brasileiro <strong>de</strong> Apoio às Micro e Pequenas Empresas<br />
SENAC - Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem Comercial<br />
SENAI – Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem Industrial<br />
SINE – Sistema Nacional <strong>de</strong> Emprego<br />
SPETR - Sistema Público <strong>de</strong> Emprego, Trabalho e Renda<br />
STDS - Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social<br />
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a<br />
Cultura
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO.................................................................................... 13<br />
1 EMPREENDEDORISMO: FUNDAMENTOS TEÓRICO-<br />
METODOLÓGICOS ........................................................................... 30<br />
1.1 ―A socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖......................................................... 30<br />
1.2 Do individualismo capitalista ao individualismo ―pós-capitalista‖:<br />
faces da mesma moeda..................................................................... 69<br />
1.3 O <strong>de</strong>semprego juvenil num contexto <strong>de</strong> ressignificação do mundo<br />
do trabalho.......................................................................................... 77<br />
2 QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O<br />
EMPREENDEDORISMO: FORMANDO PARA OS NOVOS<br />
TEMPOS ............................................................................................ 83<br />
2.1 Educação para a competência na ―nova‖ paisagem capitalista......... 83<br />
2.2 Os Princípios e Diretrizes do Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação –<br />
PNQ.................................................................................................... 106<br />
2.3 Educação Profissional: diferentes propostas para diferentes<br />
sujeitos................................................................................................ 123<br />
3 PROJETO JUVENTUDE EMPREENDEDORA: CONTRADIÇÕES<br />
TEÓRICO-METODOLÓGICAS E A REALIDADE SÓCIO-<br />
HISTÓRICA OBJETIVA..................................................................... 133<br />
3.1 O Projeto JUVEMP............................................................................. 134<br />
3.2 Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora: <strong>de</strong>senvolvendo as<br />
competências atitudinais do indivíduo do século XXI........................ 137<br />
3.3 Competências empreen<strong>de</strong>doras para o bem-estar coletivo:<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo social.................................................................. 147<br />
3.4 Competências empreen<strong>de</strong>doras: formando o empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong><br />
negócios............................................................................................. 157<br />
3.5 As aspirações profissionais dos jovens do JUVEMP......................... 172<br />
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 180<br />
REFERÊNCIAS.................................................................................... 186
13<br />
INTRODUÇÃO<br />
Na contemporaneida<strong>de</strong>, tem se tornado comum o discurso <strong>de</strong> que,<br />
para alcançar os benefícios conquistados pela chamada ―socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento,‖ faz-se necessário um novo tipo <strong>de</strong> trabalhador com<br />
capacida<strong>de</strong>s e habilida<strong>de</strong>s que o tornem apto a ser incluído no setor <strong>de</strong><br />
produção cada vez mais competitivo. A retórica difundida é a <strong>de</strong> que<br />
estaríamos vivendo situações irreversíveis no mundo do trabalho, em que os<br />
novos padrões <strong>de</strong> acumulação têm exigido novas ocupações, novas<br />
qualificações, novas formas <strong>de</strong> gestão da produção e do trabalho e, como<br />
efeito, um novo tipo <strong>de</strong> trabalhador com novas competências e habilida<strong>de</strong>s.<br />
Po<strong>de</strong>mos indagar: como então incluir os milhões <strong>de</strong> excluídos do<br />
sistema produtivo em face <strong>de</strong>ssas exigências e da redução <strong>de</strong> vagas no mundo<br />
da produção?<br />
É nesse cenário que, nos últimos anos, as diversas esferas <strong>de</strong><br />
governo têm lançado um conjunto <strong>de</strong> políticas e projetos que estariam visando<br />
minimizar o quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego na perspectiva da inclusão social. De<br />
acordo com o Programa Nacional <strong>de</strong> Qualificação Profissional (PNQ),<br />
gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE):<br />
A política pública <strong>de</strong> qualificação <strong>de</strong>senvolvida no âmbito do<br />
Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, promove gradativamente a<br />
universalização do direito dos trabalhadores à qualificação, com<br />
vistas a contribuir para o aumento da probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong><br />
emprego e trabalho <strong>de</strong>cente e da participação em processos <strong>de</strong><br />
geração <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho e renda, inclusão social,<br />
redução da pobreza, combate à <strong>de</strong>scriminação e diminuição da<br />
vulnerabilida<strong>de</strong> das populações (BRASIL, 2010). 1<br />
O Empreen<strong>de</strong>dorismo condiz com essa política geral <strong>de</strong> qualificação<br />
<strong>de</strong>senvolvida pelo PNQ, quando preten<strong>de</strong> contribuir para a inserção dos jovens<br />
no mercado <strong>de</strong> trabalho, preparando-os para formar ―futuros empresários‖, que,<br />
segundo Dolabela, constituem ―gente capaz <strong>de</strong> transformar sonhos em<br />
realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>de</strong> motor da economia–própria e do país‖<br />
(2006, p. 28). Desta forma, em sintonia com o PNQ, a qualificação <strong>de</strong> jovens<br />
1 Disponível no en<strong>de</strong>reço eletrônico: < http://www.mte.gov.br/pnq/<strong>de</strong>fault.asp> acessado em 01/08/2010.
14<br />
empreen<strong>de</strong>dores contribuirá para o aumento da ―probabilida<strong>de</strong>‖ <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong><br />
emprego ou geração <strong>de</strong> trabalho e renda.<br />
Nosso objeto <strong>de</strong> estudo são os fundamentos, princípios e <strong>objetivos</strong><br />
que orientam as políticas <strong>de</strong> qualificação profissional centrados no<br />
Empreen<strong>de</strong>dorismo da juventu<strong>de</strong> vulnerável social e economicamente. O foco<br />
específico <strong>de</strong> análise é o projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora (JUVEMP), do<br />
Instituto <strong>de</strong> Desenvolvimento do Trabalho (IDT), executado com recursos da<br />
Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) do estado do Ceará.<br />
Nesse sentido, é implementado no Ceará, através do IDT, o Projeto<br />
JUVEMP, cujo conteúdo programático preten<strong>de</strong> propiciar um amplo leque <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção no mundo do trabalho, como o empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
<strong>de</strong> negócio individual/coletivo, social e corporativo 2 .<br />
O problema que se coloca imediatamente é: quais os fundamentos<br />
que orientam as políticas públicas <strong>de</strong> qualificação para o empreen<strong>de</strong>dorismo?<br />
Posto <strong>de</strong> outra forma: em que medida os princípios e <strong>objetivos</strong> basilares das<br />
políticas focalizadas no empreen<strong>de</strong>dorismo favorecem a ―inclusão social‖ no<br />
mundo do trabalho <strong>de</strong> jovens <strong>de</strong>sfavorecidos social e economicamente?<br />
Um dos problemas evi<strong>de</strong>nciados na história das políticas públicas<br />
estatais no Brasil é a distância entre os <strong>objetivos</strong> proclamados e as ações<br />
efetivamente implementadas. Em geral, esses projetos não são acompanhados<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> política que assegure a sua continuida<strong>de</strong>. 3 No caso particular da<br />
qualificação profissional da juventu<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>mos que se faz necessária a<br />
articulação <strong>de</strong>sses projetos com políticas públicas mais amplas que assegurem<br />
emprego e renda.<br />
2 Empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong> negócios implica a criação <strong>de</strong> negócios individual/coletivo. Como exemplo <strong>de</strong><br />
empreen<strong>de</strong>dorismo coletivo tem-se o cooperativismo, os consórcios e Arranjos Produtivos Locais – APLs.<br />
Empreen<strong>de</strong>dorismo social: empreendimentos e ações que buscam tentar resolver problemas da<br />
comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma emergencial. Estão nesse rol ações filantrópicas, ações voluntárias <strong>de</strong>senvolvidas<br />
pelas associações comunitárias, ONGs e, finalmente, o empreen<strong>de</strong>dorismo corporativo ou intraempreen<strong>de</strong>dorismo<br />
que correspon<strong>de</strong> ao empregado empreen<strong>de</strong>dor, inovador, criativo no âmbito interno<br />
das organizações (DOLABELA, 2006).<br />
3 Merece <strong>de</strong>staque a falta <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> das ações públicas estatais por ocasião das mudanças <strong>de</strong><br />
governo.
15<br />
O objetivo <strong>de</strong>ste estudo é analisar os fundamentos teóricometodológicos<br />
basilares das políticas <strong>de</strong> qualificação profissional focalizadas<br />
no empreen<strong>de</strong>dorismo, particularmente o Projeto JUVEMP. De forma<br />
específica, preten<strong>de</strong>mos: 1) Reconhecer os fundamentos teóricometodológicos<br />
do empreen<strong>de</strong>dorismo; 2) I<strong>de</strong>ntificar os principais <strong>objetivos</strong> e<br />
metas das políticas estatais <strong>de</strong> qualificação profissional; 3) Estabelecer a<br />
relação entre os princípios, <strong>objetivos</strong> e as metas do JUVEMP e os fundamentos<br />
teórico-metodológicos que lhe dão sustentação.<br />
Nossa prática sempre esteve associada aos adolescentes e à<br />
juventu<strong>de</strong> econômica e socialmente <strong>de</strong>sfavorecida. Inicialmente nossa atuação<br />
voltou-se para adolescentes que cumpriam Medidas Socioeducativas <strong>de</strong><br />
Liberda<strong>de</strong> Assistida (LA). Meninas e meninos que passam por gran<strong>de</strong>s<br />
dificulda<strong>de</strong>s sofrem violências e as praticam no seu cotidiano. Ao longo <strong>de</strong> seis<br />
anos <strong>de</strong> contato com esses jovens, i<strong>de</strong>ntificamos que, apesar <strong>de</strong> tantas<br />
adversida<strong>de</strong>s, a maioria quer ―mudar <strong>de</strong> vida‖, mas sente dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
encontrar saídas, principalmente no que se refere às oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho<br />
para suprir suas necessida<strong>de</strong>s básicas, incluindo o lazer.<br />
De fato, um dos problemas i<strong>de</strong>ntificados na referida medida era que<br />
os jovens encaminhados aos cursos profissionalizantes fornecidos pelo Estado,<br />
pelo município e pelas Organizações Não Governamentais - ONGs, não<br />
proporcionavam a absorção <strong>de</strong>stes no mercado <strong>de</strong> trabalho. Os jovens<br />
egressos <strong>de</strong>ssa medida não encontravam apoio institucional para sua<br />
―ressocialização‖. Alguns já possuíam cursos básicos <strong>de</strong> qualificação, sem, no<br />
entanto, serem inseridos no mercado <strong>de</strong> trabalho, no que <strong>de</strong>monstra que o<br />
problema central não é a qualificação, mas o <strong>de</strong>semprego estrutural.<br />
Foi em contato com esse fenômeno social que aceitamos o <strong>de</strong>safio<br />
<strong>de</strong> participar da equipe <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação do Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora<br />
do IDT, que assume como um dos seus principais <strong>objetivos</strong> propiciar à<br />
juventu<strong>de</strong> em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social e econômica a<br />
formação/qualificação para o trabalho, na perspectiva da chamada política <strong>de</strong><br />
inclusão social proposta pelo Governo Estadual e Fe<strong>de</strong>ral.
16<br />
A presente pesquisa está intimamente apoiada nas inquietações que<br />
emergiram <strong>de</strong> nossas experiências com a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfavorecida<br />
socioeconomicamente e dos novos mecanismos institucionais <strong>de</strong><br />
regulamentação das políticas <strong>de</strong> emprego e renda que fundamentam os<br />
projetos <strong>de</strong> qualificação da juventu<strong>de</strong>, principalmente quando preten<strong>de</strong>m fazer<br />
<strong>uma</strong> verda<strong>de</strong>ira cruzada i<strong>de</strong>ológica disseminando i<strong>de</strong>ias e experiências <strong>de</strong><br />
empreen<strong>de</strong>dorismo que se apresentam totalmente dissociadas da realida<strong>de</strong><br />
dos jovens a quem essas políticas são <strong>de</strong>stinadas. Jovens do campo e da<br />
cida<strong>de</strong> que vivem na pobreza. Jovens que carecem <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> mínima e<br />
das competências para serem empreen<strong>de</strong>dores em suas múltiplas<br />
<strong>de</strong>nominações, quais sejam: empreen<strong>de</strong>dorismo corporativo ou<br />
intraempreen<strong>de</strong>dorismo, empreen<strong>de</strong>dorismo social, individual e coletivo.<br />
Este estudo torna-se relevante socialmente por procurar contribuir<br />
para o <strong>de</strong>svelamento <strong>de</strong> um discurso i<strong>de</strong>ológico que, progressivamente está<br />
permeando as políticas públicas para a juventu<strong>de</strong> em questão. Discurso que,<br />
longe <strong>de</strong> promover efetivamente sua inserção pelo trabalho, acaba por<br />
acentuar a responsabilida<strong>de</strong> por sua situação <strong>de</strong> exclusão.<br />
Alguns teóricos do empreen<strong>de</strong>dorismo (CHIAVENATO, 1995;<br />
DORNELAS, 2005; DRUCHER, 1993; LEITE, 2002), <strong>de</strong>ixam evi<strong>de</strong>ntes as<br />
condições para que um negócio tenha sucesso, quais sejam: sólida educação<br />
formal, perfil empreen<strong>de</strong>dor, experiência no empreendimento, conhecimentos<br />
em estrutura do mercado, economia do negócio, gestão, li<strong>de</strong>rança, motivação,<br />
marketing, produção, distribuição, além <strong>de</strong> capital financeiro. Outros aspectos<br />
serão analisados nos capítulos subsequentes. Todas essas condições ainda<br />
não constituem garantia <strong>de</strong> sucesso, contudo permitem ingressar no mundo<br />
competitivo dos negócios.<br />
Esses requisitos nos levaram a questionar a política centrada no<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo como solução para o <strong>de</strong>semprego da juventu<strong>de</strong> em<br />
questão e a sua consequente inclusão no mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />
Partimos do pressuposto <strong>de</strong> que essa política é inviável como<br />
proposta para fundamentar as políticas públicas <strong>de</strong> qualificação profissional<br />
dos trabalhadores <strong>de</strong> baixa renda e da juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprivilegiada
17<br />
socioeconomicamente, fazendo parte <strong>de</strong> um arsenal i<strong>de</strong>ológico que preten<strong>de</strong><br />
jogar a responsabilida<strong>de</strong> no indivíduo pela sua empregabilida<strong>de</strong>, seja ele<br />
criando um negócio, ou se empregando no mercado <strong>de</strong> trabalho cada vez mais<br />
seletivo. Esse pressuposto está ancorado em nossa prática na coor<strong>de</strong>nação do<br />
Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora, através do qual pu<strong>de</strong>mos entrar em contato<br />
com os estudiosos do empreen<strong>de</strong>dorismo.<br />
Com isso não estamos entrando no <strong>de</strong>bate do empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
quando direcionado a um público que aspira ser empreen<strong>de</strong>dor e possui as<br />
ferramentas imprescindíveis para ingressar nesse universo competitivo, o que<br />
pressupõe um amplo leque <strong>de</strong> competências e <strong>de</strong> recursos financeiros<br />
(condições objetivas e subjetivas para ser empreen<strong>de</strong>dor). Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
situação que não reflete a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses jovens que, sob o signo da classe<br />
trabalhadora, encontram-se em <strong>de</strong>fasagem educacional e, principalmente, sem<br />
capital necessário para iniciar algum empreendimento, tendo em vista o Estado<br />
não fornecer linha <strong>de</strong> crédito para os prováveis negócios.<br />
É importante salientar que <strong>de</strong>scobrimos essas incongruências<br />
conhecendo e transmitindo esses conteúdos para a juventu<strong>de</strong> em questão,<br />
momentos <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira angústia. Qualquer profissional que faz da sua<br />
ativida<strong>de</strong> um meio <strong>de</strong> melhorar a vida do ser h<strong>uma</strong>no procura formas<br />
alternativas, viáveis para a realização <strong>de</strong>sses <strong>objetivos</strong>.<br />
Nesse processo nos damos conta das contradições entre o discurso<br />
e a prática, tendo em vista que a juventu<strong>de</strong> à qual estávamos nos dirigindo não<br />
está <strong>de</strong>scolada <strong>de</strong> seu contexto, <strong>uma</strong> vez que é sujeito datado e situado n<strong>uma</strong><br />
sociabilida<strong>de</strong> capitalista. Na sua essência, o capitalismo se constitui n<strong>uma</strong><br />
socieda<strong>de</strong> extremamente <strong>de</strong>sigual, mas que se apresenta, no discurso, como a<br />
única socieda<strong>de</strong> que permite a ascensão social pelo esforço individual, daí a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolverem as características empreen<strong>de</strong>doras em<br />
todos os indivíduos, para que, indistintamente, tenham a mesma possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> galgar espaços na estrutura social. E, como num jogo, ―vencem os<br />
melhores‖.<br />
Nesse momento, <strong>de</strong>scobrir que estamos disseminando ―falsas<br />
i<strong>de</strong>ias‖ implica num processo doloroso. A força da palavra é capaz <strong>de</strong> embalar
18<br />
sonhos, <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> meninos e meninas que integram <strong>uma</strong> classe que po<strong>de</strong><br />
apenas sonhar. A falsificação <strong>de</strong>liberada ou não do real exerce <strong>uma</strong> função<br />
i<strong>de</strong>ológica. As condições concretas <strong>de</strong> existência <strong>de</strong>ssa significativa parcela da<br />
socieda<strong>de</strong> dificultam enormemente a mudança <strong>de</strong> suas condições materiais e<br />
simbólicas. O discurso que lhe é transmitido acaba colocando-a no mesmo<br />
patamar dos jovens aspirantes a empresários, cuja formação<br />
escolar/universitária, além <strong>de</strong> capital financeiro, os permitem sonhar e<br />
transformar sonhos em realida<strong>de</strong>s e, mesmo assim, para a<strong>de</strong>ntrar nesse<br />
universo competitivo, não há garantias <strong>de</strong> sucesso.<br />
O ensino do empreen<strong>de</strong>dorismo esteve voltado para <strong>uma</strong><br />
<strong>de</strong>terminada parcela da socieda<strong>de</strong> representada pelas gran<strong>de</strong>s nomes do<br />
mundo dos negócios. Seus atributos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, seu conhecimento dos<br />
negócios os diferenciam daqueles empresários que não conseguem manter-se<br />
neste mundo competitivo por não adotarem novas práticas pautadas na<br />
inovação, não agregando valor a seu empreendimento, e, como consequência,<br />
tendo que ―fechar suas portas‖. E, no contato com esses ―seres especiais‖, os<br />
estudiosos do Empreen<strong>de</strong>dorismo chegaram à conclusão <strong>de</strong> que esses<br />
conhecimentos e atitu<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m ser ensinados, objetivando diminuir a alta<br />
ruína das empresas, assim como incentivar os aspirantes a empreen<strong>de</strong>dores a<br />
se apropriarem dos instrumentais que sustentam o sucesso <strong>de</strong> um negócio.<br />
Diante da ―crise da socieda<strong>de</strong> dos empregos‖, 4 agora, mais do que<br />
nunca, o discurso do empreen<strong>de</strong>dorismo é realçado como solução para o<br />
<strong>de</strong>semprego, e passa-se a enaltecer as pequenas empresas. Mas, para dar<br />
prosseguimento a essa ação no plano global, é necessário a formação, nas<br />
escolas e universida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> cultura empreen<strong>de</strong>dora, suprindo os<br />
estudantes <strong>de</strong> conhecimentos essenciais para fortalecê-los nessa caminhada<br />
cheia <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong>s.<br />
Incentivar o empreen<strong>de</strong>dorismo constitui <strong>uma</strong> das priorida<strong>de</strong>s das<br />
diferentes instâncias governamentais, capitaneadas pelos i<strong>de</strong>ários dos<br />
organismos internacionais e justificadas em função da re<strong>de</strong>finição da socieda<strong>de</strong><br />
salarial consolidada a partir do século XX. E um discurso que era dirigido para<br />
4 Compreen<strong>de</strong>mos que a ―crise‖ do capitalismo não é conjuntural, mas estrutural, portanto o <strong>de</strong>semprego<br />
é o termômetro <strong>de</strong>ssa crise.
19<br />
a classe média e alta da socieda<strong>de</strong>, passa a integrar as políticas<br />
governamentais <strong>de</strong> qualificação e requalificação da classe trabalhadora que, a<br />
cada dia, engrossa a fila <strong>de</strong> ―excluídos‖ do mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />
De acordo com Pochmann (2004), as transformações que marcaram<br />
o final do século XX, no mundo do trabalho e da produção, colocaram em<br />
questão a lógica estatal sustentada na estrutura <strong>de</strong> funcionamento do mercado<br />
<strong>de</strong> trabalho, com base nos contratos <strong>de</strong> emprego assalariado e, por<br />
consequência, nos esquemas <strong>de</strong> proteção social e trabalhistas.<br />
Rosso (2008) traça um panorama do que representa o ―abandono‖<br />
da lógica do emprego para a lógica do trabalho. Suas palavras resumem como<br />
vem se apresentando o discurso sobre o mundo do trabalho no cenário<br />
mundial:<br />
O discurso <strong>de</strong>screvia que o futuro do trabalho para as companhias<br />
não mais estaria na construção <strong>de</strong> relações estáveis, <strong>de</strong>scritas como<br />
―empregos‖, e sim flexíveis, mutáveis, verbalizadas pela palavra<br />
―trabalhos‖. O primeiro sintetizava as condições <strong>de</strong> trabalho<br />
conquistadas pelos assalariados no seu percurso histórico <strong>de</strong> lutas.<br />
Referia-se à relação empregatícia com salário fixado no início do<br />
contrato <strong>de</strong> trabalho, com direitos <strong>de</strong> jornada semanal regulada<br />
segundo a lei e não segundo as necessida<strong>de</strong>s das empresas, com os<br />
<strong>de</strong>scansos semanais obrigatoriamente respeitados, com prescrição<br />
das ativida<strong>de</strong>s a <strong>de</strong>senvolver para o tipo <strong>de</strong> cargo ocupado, evitando,<br />
<strong>de</strong>ssa forma, <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> tarefa, com as contribuições para a<br />
segurida<strong>de</strong> social recolhidas mensalmente, o que permitia ao<br />
trabalhador a perspectiva <strong>de</strong> aposentadoria ou, se algo acontecesse<br />
no meio do caminho, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> beneficiar-se <strong>de</strong> seguro<br />
<strong>de</strong>semprego e, em qualquer hipótese, acesso aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />
(ROSSO, 2008, p. 12).<br />
Por conseguinte, para equacionar o problema do <strong>de</strong>semprego, o<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo se apresenta, na retórica <strong>de</strong> seus teóricos, como ―a<br />
solução‖ para todos, sem distinção <strong>de</strong> classe, levando em consi<strong>de</strong>ração que<br />
―trabalhos‖ existem, <strong>uma</strong> vez que as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo dos clientes<br />
são inúmeras, basta apren<strong>de</strong>r o processo empreen<strong>de</strong>dor e gerar suas próprias<br />
condições <strong>de</strong> sobrevivência, assim, diminuiria a exclusão social.<br />
Saviani (2008), reportando-se ao conceito <strong>de</strong> exclusão, salienta que<br />
essa exclusão no campo produtivo marcado pelas relações capitalistas<br />
consiste n<strong>uma</strong> ―exclusão inclu<strong>de</strong>nte‖, <strong>uma</strong> vez que o trabalhador per<strong>de</strong> seus<br />
direitos trabalhistas e é expulso do mercado formal, mas é supostamente<br />
incluído <strong>de</strong> forma precarizada. No quadro <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição da relação do papel do
20<br />
Estado, configura-se, na realida<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> ―pedagogia da exclusão‖. Nas suas<br />
palavras:<br />
Trata-se <strong>de</strong> preparar os indivíduos para, mediante sucessivos cursos<br />
dos mais diferentes tipos, se tornarem cada vez mais empregáveis,<br />
visando escapar da condição <strong>de</strong> excluídos. E, caso não o consigam,<br />
a pedagogia da exclusão lhes terá ensinado a introjetar a<br />
responsabilida<strong>de</strong> por essa condição. Com efeito, além do emprego<br />
formal, acena-se com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua transformação em<br />
microempresário, com a informalida<strong>de</strong>, o trabalho voluntário<br />
terceirizado, subsumido em organizações não-governamentais etc.<br />
Portanto, se diante <strong>de</strong> toda essa gama <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> ele não<br />
atinge a <strong>de</strong>sejada inclusão, isso se <strong>de</strong>ve apenas a ele próprio, a suas<br />
limitações incontornáveis. Eis o que ensina a pedagogia da exclusão<br />
(SAVIANI, 2008, p. 431).<br />
E é nessa perspectiva que o empreen<strong>de</strong>dorismo ganha expressão e<br />
as instâncias governamentais, se apropriando <strong>de</strong>sse discurso, passam a incluir,<br />
nos Planos Plurianuais (PPA), programas e projetos que estimulem a geração<br />
<strong>de</strong> emprego e renda através do empreen<strong>de</strong>dorismo, objetivando minimizar o<br />
<strong>de</strong>semprego. A questão é fortalecer as microempresas e empresas <strong>de</strong> pequeno<br />
porte, mediante o financiamento da sua capacida<strong>de</strong> produtiva. Portanto, a<br />
ênfase é na capacitação técnico-gerencial com acesso à informação, ao<br />
crédito, à tecnologia, além da integração <strong>de</strong>stas empresas em Arranjos<br />
Produtivos Locais - APL‘s 5 que aumenta a sua competitivida<strong>de</strong> interna e<br />
externa.<br />
Chamamos a atenção para o fato <strong>de</strong> que tal política é <strong>uma</strong><br />
empreitada que ten<strong>de</strong> ao insucesso, haja vista voltar-se para jovens <strong>de</strong> baixa<br />
renda que não estão incluídos no universo dos sujeitos <strong>de</strong>tentores do capital<br />
mínimo exigido para montar um negócio a exemplo dos micro e pequenos<br />
proprietários 6 .<br />
5 Arranjos Produtivos Locais são aglomerações <strong>de</strong> empresas, localizadas em um mesmo território que<br />
apresentam especialização produtiva e mantêm vínculos <strong>de</strong> articulação, interação, cooperação e<br />
aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais como: governo, associações empresariais,<br />
instituições <strong>de</strong> crédito, ensino e pesquisa. Extraído do site<br />
. Acessado em 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong><br />
2010.<br />
6 Em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008, foi criado pelo governo fe<strong>de</strong>ral o Microempreen<strong>de</strong>dor Individual – MEI, por<br />
intermédio da Lei Complementar nº 128. Consiste na Pessoa Física que trabalhe por conta própria <strong>de</strong><br />
forma individual e se <strong>de</strong>dique às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comercio, indústria ou serviços e fature até 36 mil reis por<br />
no, sendo permitido ter até 1 (um) empregado que receba o salário mínimo. Exemplos: mecânicos,<br />
feirantes, artesãos, eletricistas etc. Objetiva formalizar aqueles que exerciam ativida<strong>de</strong>s autônomas.
21<br />
Um profissional que esteja exercendo suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maneira<br />
formal ou informal, mas, como empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> si mesmo, segundo o Serviço<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), necessita se<br />
apropriar dos conceitos do mundo organizacional, ou seja, gestão, li<strong>de</strong>rança,<br />
motivação, produção, mercado, marketing, a fim <strong>de</strong> se manterem n<strong>uma</strong><br />
vantagem competitiva e agregar valor aos seus produtos e serviços, como<br />
forma <strong>de</strong> valorizar seu capital intelectual. De posse <strong>de</strong>ssa formação, dos<br />
recursos financeiros, e o mais importante, do ―espírito empreen<strong>de</strong>dor‖, os<br />
teóricos do empreen<strong>de</strong>dorismo concordam que os indivíduos, indistintamente,<br />
terão mais chances <strong>de</strong> vir a ter condições <strong>de</strong> competir na busca por clientes.<br />
O SEBRAE tem <strong>de</strong>senvolvido cursos objetivando capacitar esses<br />
empreen<strong>de</strong>dores nos diferentes ramos <strong>de</strong> negócios. No entanto, o público-alvo<br />
a quem são <strong>de</strong>stinados esses cursos refere-se aos empreen<strong>de</strong>dores ou<br />
aspirantes que <strong>de</strong>sconhecem o processo empreen<strong>de</strong>dor, que consiste na<br />
i<strong>de</strong>ntificação e avaliação da oportunida<strong>de</strong> do negócio, no <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
plano <strong>de</strong> negócios, na captação <strong>de</strong> recursos e na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerenciar a<br />
empresa. Mas o que se observa é que esse discurso está se homogeneizando<br />
para todas as classes sociais, daí os projetos <strong>de</strong> qualificação <strong>de</strong>stinados à<br />
juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfavorecida socioeconomicamente também estarem enquadrados<br />
na saga empreen<strong>de</strong>dora.<br />
É nesse contexto que surge o JUVEMP, um projeto criado pelos<br />
técnicos do IDT que se propõe a fazer <strong>uma</strong> revolução cultural através da<br />
educação empreen<strong>de</strong>dora. O IDT é <strong>uma</strong> Organização Social, 7 sem fins<br />
lucrativos, criada com a missão <strong>de</strong> viabilizar soluções para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
do trabalho e do empreen<strong>de</strong>dorismo, objetivando a inclusão social. O Estado<br />
realiza contrato <strong>de</strong> gestão com essa instituição por meio da Secretaria do<br />
Trabalho e Desenvolvimento Social do Ceará (STDS) e o Sistema Nacional <strong>de</strong><br />
7 De acordo com a Lei Fe<strong>de</strong>ral n. 9.637, <strong>de</strong> 18.5.1998, o Po<strong>de</strong>r Executivo qualificou como organização<br />
social pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito privado, sem fins lucrativos, cujas ativida<strong>de</strong>s sociais sejam dirigidas ao<br />
ensino, à pesquisa científica, ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio<br />
ambiente, à cultura e à saú<strong>de</strong>, permitindo que a organização receba recursos orçamentários e administre<br />
serviços, instalações e equipamentos do Po<strong>de</strong>r Público, após ser firmado um Contrato <strong>de</strong> Gestão com o<br />
Governo Fe<strong>de</strong>ral. No Ceará, as OS são regulamentadas pela Lei nº 12.781, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1997.<br />
Disponível em: . Acessado em 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />
2011.
22<br />
Emprego (SINE), do Ministério do Trabalho e Emprego. Executa as políticas<br />
públicas <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> trabalho e renda, intermediação <strong>de</strong> profissionais para o<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho, seguro-<strong>de</strong>semprego, capacitação profissional e estudos e<br />
pesquisas na área do trabalho e <strong>de</strong>senvolvimento social.<br />
O Sistema Nacional <strong>de</strong> Emprego (SINE) foi criado no Brasil em<br />
1975, que tinha por missão, realizar a intermediação <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra e<br />
elevação do nível <strong>de</strong> qualificação dos trabalhadores. Surge para aten<strong>de</strong>r a<br />
Convenção nº 88 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No Ceará,<br />
somente em 1977, o SINE foi implantado, ampliando suas funções. Em 1998,<br />
com o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização e re<strong>de</strong>finição do papel do Estado, a<br />
execução das políticas <strong>de</strong> trabalho e renda no Ceará ficou a cargo do SINE/IDT<br />
que foi qualificado como organização social pelo Decreto nº 25.019, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong><br />
julho <strong>de</strong> 1998.<br />
As Organizações Sociais foram gestadas no bojo da re<strong>de</strong>finição do<br />
papel do Estado na década <strong>de</strong> 1990 que, seguindo os ditames neoliberais,<br />
per<strong>de</strong> o seu papel <strong>de</strong> principal promotor das políticas sociais, que <strong>de</strong>ntre outros<br />
aspectos, promove a <strong>de</strong>sresponsabilização do Estado e ascensão <strong>de</strong> novas<br />
formas <strong>de</strong> promover políticas sociais e públicas. O Ministério da Administração<br />
Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado – MARE anunciou, na década <strong>de</strong> 1990, a <strong>de</strong>fesa<br />
da reforma do Estado:<br />
A re<strong>de</strong>finição do papel do Estado é um tema <strong>de</strong> alcance universal nos<br />
anos 90. No Brasil, essa questão adquiriu importância <strong>de</strong>cisiva, tendo<br />
em vista o peso da presença do Estado na economia nacional.<br />
Tornou-se, conseqüentemente, inadiável o equacionamento da<br />
questão da reforma ou da reconstrução do Estado que, se por um<br />
lado já não consegue aten<strong>de</strong>r com eficiência a sobrecarga <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mandas a ele dirigidas, sobretudo na área social; por outro já<br />
dispõe <strong>de</strong> um segmento da socieda<strong>de</strong>, o terceiro setor, fortalecendose<br />
institucionalmente para colaborar <strong>de</strong> forma cada vez mais ativa na<br />
produção <strong>de</strong> bens públicos. A reforma do Estado não é, assim, um<br />
tema abstrato: ao contrário, é algo cobrado e iniciado pela socieda<strong>de</strong>,<br />
que se vê frustradas suas <strong>de</strong>mandas e expectativa (MARE, 1998, p.<br />
8).<br />
As instituições <strong>de</strong> direito privado sem fins lucrativos, nas quais se<br />
insere o IDT, realizam suas ações através <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> gestão que se<br />
configura como um compromisso institucional entre as partes. Neste<br />
documento ficam especificadas ―as metas (e respectivos indicadores),
23<br />
obrigações, responsabilida<strong>de</strong>s, recursos, condicionantes, mecanismos <strong>de</strong><br />
avaliação e penalida<strong>de</strong>s‖ (i<strong>de</strong>m, p. 36). O Estado passa a avaliar a política<br />
pública <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scentralizada, partindo do princípio <strong>de</strong> que é ―incapaz‖ <strong>de</strong><br />
respon<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas da população, portanto, a organização social <strong>de</strong> direito<br />
privado seriam ―mais capazes‖ <strong>de</strong> prestar esses serviços <strong>de</strong> forma eficiente,<br />
com eficácia e efetivida<strong>de</strong>.<br />
Há, portanto, a transferência, para o que eles chamam <strong>de</strong> terceiro<br />
setor, das responsabilida<strong>de</strong>s do Estado que passa a ter a função <strong>de</strong> ―gerenciar‖<br />
essas ações. O Estado ―<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser o responsável direto pelo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento econômico e social pela via da produção <strong>de</strong> bens e serviços,<br />
para fortalecer-se na função <strong>de</strong> promotor e regulador <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolvimento‖<br />
(I<strong>de</strong>m, 1998, p. 9).<br />
Esse processo <strong>de</strong> responsabilização da socieda<strong>de</strong> pela a execução<br />
da ação estatal é chamado pelo documento do Ministério <strong>de</strong> ―publicização‖ por<br />
intermédio do qual<br />
transfere-se para o setor público não-estatal, [...] a produção dos<br />
serviços competitivos ou não-exclusivos <strong>de</strong> Estado, estabelecendose<br />
um sistema <strong>de</strong> parceria entre Estado e socieda<strong>de</strong> para seu<br />
financiamento e controle (I<strong>de</strong>m, p.9, grifo nosso).<br />
O Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora é a materialização <strong>de</strong>sta<br />
proposta. Iniciou-se no ano <strong>de</strong> 2006/2007, para quatrocentos jovens <strong>de</strong> baixa<br />
renda, na faixa etária <strong>de</strong> 16 a 21 anos, matriculados na re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> ensino<br />
(fundamental e médio), cujas mães estivessem inscritas no Cadastro Único<br />
para Programas Sociais, beneficiadas pelo Programa Bolsa família, 8 com renda<br />
per capital menor ou igual a meio salário mínimo. Os jovens receberam <strong>uma</strong><br />
bolsa <strong>de</strong> R$ 60 reais, durante os oito meses <strong>de</strong> capacitação. Os municípios<br />
selecionados foram: Ocara, Maranguape, Ibaretama, Maracanaú, Pacatuba,<br />
Guaiúba. Os critérios <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong>sses municípios não foram divulgados pela<br />
STDS para a coor<strong>de</strong>nação.<br />
8 O Bolsa Família é um programa <strong>de</strong> transferência direta <strong>de</strong> renda com condicionalida<strong>de</strong>s, que beneficia<br />
famílias em situação <strong>de</strong> pobreza e <strong>de</strong> extrema pobreza. Aten<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 12 milhões <strong>de</strong> famílias em todo<br />
municípios brasileiros. Depen<strong>de</strong>ndo da renda familiar por pessoa (limitada a R$ 140), do número e da<br />
ida<strong>de</strong> dos filhos, o valor do benefício recebido pela família po<strong>de</strong> variar entre R$ 32 a R$ 242. abril <strong>de</strong><br />
2011‖.Disponível em . Acessado em 16/03/2011.
24<br />
O Projeto preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver nos jovens <strong>uma</strong> cultura<br />
empreen<strong>de</strong>dora nas suas vertentes social e empresarial, com capacitação em<br />
gestão <strong>de</strong> negócios e cooperativas, capacitação em empreen<strong>de</strong>dorismo social,<br />
capacitação específica, estimular o engajamento na comunida<strong>de</strong> através <strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> formação cidadã, com ênfase na promoção da autoestima e no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> valores éticos. E, principalmente, objetiva incluí-los no<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho, além <strong>de</strong> promover o assessoramento à criação <strong>de</strong><br />
negócios individuais e coletivos.<br />
Na sua segunda versão, procurou-se selecionar jovens que estavam<br />
freqüentando regularmente a 9ª série do ensino fundamental e jovens do<br />
ensino médio da escola pública, tendo como meta incluir, no mercado formal e<br />
informal no mínimo 20% dos 500 que ingressaram no projeto, englobando <strong>de</strong>z<br />
municípios: Fortaleza (comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Rosalina), Russas, Limoeiro do Norte,<br />
Itatira, Arneiroz, Pereiro, Palhano, Cedro, Eusébio e Mauriti. Em julho <strong>de</strong> 2009,<br />
teve início sua terceira versão nos municípios <strong>de</strong> Aratuba, Assaré, Ipu,<br />
Monsenhor Tabosa, Nova Olinda, Palmácia, Tamboril, Ubajara e Viçosa do<br />
Ceará, beneficiando 450 jovens no Estado, agora com ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 17 e 24 anos.<br />
A quarta edição foi concluída em março <strong>de</strong> 2011, nos municípios <strong>de</strong><br />
Acaraú, Aracati, Beberibe, Camocim, Fortim, Jijoca <strong>de</strong> Jericoacoara, Paracuru,<br />
Paraipaba e São Gonçalo do Amarante e, finalmente, a quinta edição que está<br />
se processando nos municípios <strong>de</strong> Caucaia, Frecheirinha, Guaraciaba do<br />
Norte, Ibiapina, Irauçuba, Massapê, Mucambo, Pentecoste e São Luís do Curu,<br />
beneficiando mais 450 jovens. Para 2011, o Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora<br />
receberá o investimento <strong>de</strong> R$ 1,4 milhão do tesouro estadual. Nesta versão os<br />
jovens <strong>de</strong>vem estar matriculados no 3º ano do Ensino Médio ou já ter concluído<br />
os estudos em escola pública.<br />
Desta forma, o JUVEMP se configura como <strong>uma</strong> política pública<br />
estadual <strong>de</strong> estímulo ao empreen<strong>de</strong>dorismo e como um projeto <strong>de</strong><br />
qualificação/educação profissional para a juventu<strong>de</strong>, soma-se a outros projetos<br />
<strong>de</strong>stinados aos jovens <strong>de</strong>sfavorecidos. É aqui que tem início nossa<br />
problematização acerca dos fundamentos <strong>de</strong>ssa política num contexto do fim<br />
dos empregos, com a emergência da dita ―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖,
25<br />
focalizada na empregabilida<strong>de</strong>, e, em consequência, na individualização dos<br />
riscos.<br />
A socieda<strong>de</strong> atual, no contexto do neoliberalismo, volta-se para o<br />
indivíduo, primando pela sua iniciativa individual na busca dos poucos<br />
empregos disponíveis. Nesse sentido, emergem os conceitos <strong>de</strong><br />
empregabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> competência. Segundo Minarelli (1995), propagador do<br />
conceito <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong> no Brasil, diante das novas feições do trabalho e<br />
do conceito <strong>de</strong> segurança profissional, o ―mais importante do que ter emprego<br />
é ter empregabilida<strong>de</strong>‖ que<br />
é a condição <strong>de</strong> ser empregável, isto é, <strong>de</strong> dar ou conseguir emprego<br />
para os seus conhecimentos, habilida<strong>de</strong>s e atitu<strong>de</strong>s intencionalmente<br />
<strong>de</strong>senvolvidos por meio da educação e treinamento sintonizados com<br />
as novas necessida<strong>de</strong>s do mercado <strong>de</strong> trabalho [...]. ―O caminho das<br />
pedras‖ para conquistar a segurança profissional e financeira é<br />
investir na autogestão da carreira e na construção <strong>de</strong> bases próprias,<br />
sustentadas por seis pilares: a<strong>de</strong>quação profissional, competência<br />
profissional, idoneida<strong>de</strong>, saú<strong>de</strong> física e mental, reserva financeira,<br />
fontes alternativas e relacionamentos (MINARELLI, 1995 p. 11- 12).<br />
Nesse contexto <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finições conceituais em relação ao trabalho,<br />
emerge também o empreen<strong>de</strong>dorismo. A palavra empreen<strong>de</strong>dor<br />
(entrepreneur), <strong>de</strong> origem francesa, significa aquele que ―assume riscos e<br />
começa algo novo‖. Dornelas (2005) é quem nos fala sobre o significado <strong>de</strong><br />
empreen<strong>de</strong>dorismo:<br />
[...] pessoas ou equipes <strong>de</strong> pessoas com características especiais<br />
que são visionárias, questionam, arriscam, querem algo diferente,<br />
fazem acontecer e empreen<strong>de</strong>m. Os empreen<strong>de</strong>dores são pessoas<br />
diferenciadas, que possuem motivação singular, apaixonadas pelo<br />
que fazem, não se contentam em ser mais um na multidão, querem<br />
ser reconhecidas e admiradas, referenciadas e imitadas, querem<br />
<strong>de</strong>ixar um legado. Uma vez que os empreen<strong>de</strong>dores estão<br />
revolucionando o mundo, seu comportamento e o próprio processo<br />
empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong>vem ser estudados e entendidos (DORNELAS,<br />
2005, p. 5).<br />
Ressalte-se que os conceitos <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo, assim como o<br />
<strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong> centram-se no indivíduo possuidor <strong>de</strong> características<br />
psicológicas especiais, <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s e atitu<strong>de</strong>s imprescindíveis para se<br />
manter nos escassos empregos ou mesmo buscar, com <strong>de</strong>terminação, outros<br />
espaços <strong>de</strong> trabalho para dar vazão aos seus conhecimentos. Quando,<br />
porventura, estiverem <strong>de</strong>sempregados, <strong>de</strong>verão continuar buscando ―emprego‖
26<br />
não para si, como força <strong>de</strong> trabalho, mas ―incompreensivelmente‖ para seus<br />
conhecimentos, ou seja, é o conhecimento que está sendo empregado 9 .Por<br />
isso, a importância <strong>de</strong> permanecer sempre se capacitando e <strong>de</strong>senvolvendo a<br />
competência profissional.<br />
A empregabilida<strong>de</strong> exige que o indivíduo tenha condições <strong>de</strong> arcar<br />
com seus estudos, por isso a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reserva financeira que somente<br />
poucos privilegiados possuem. Difun<strong>de</strong>-se que o indivíduo empreen<strong>de</strong>dor é o<br />
agente <strong>de</strong> mudanças. Ele po<strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong> transformar as condições<br />
adversas que se apresentam na contemporaneida<strong>de</strong> com as mudanças no<br />
mundo do trabalho. Essas ressignificações conceituais em relação ao trabalho<br />
e à educação profissional convergem para a re<strong>de</strong>finição das relações entre<br />
Estado e socieda<strong>de</strong>, nas quais a socieda<strong>de</strong> civil 10 e seus ―atores sociais‖ são<br />
chamados para a construção conjunta <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> projeto pautado na gestão<br />
participativa e busca da coesão social, em que o indivíduo, como ator social,<br />
<strong>de</strong>ve ser responsável pela sua empregabilida<strong>de</strong> e formação.<br />
Não é difícil perceber que há <strong>uma</strong> refuncionalização do papel do<br />
Estado como provedor das políticas sociais, agora transferidas para a chamada<br />
esfera pública não-estatal, <strong>de</strong> forma a imprimir um ―caráter social e<br />
participativo‖ ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento ora proposto. Daí o PNQ acentuar<br />
o caráter social, participativo e cidadão <strong>de</strong>sta política em prol da <strong>de</strong>mocracia<br />
em busca do <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
No nosso entendimento, os projetos <strong>de</strong> qualificação profissional<br />
<strong>de</strong>vem, indubitavelmente, estar articulados às políticas e estratégias para a<br />
garantia <strong>de</strong> sua implementação, visando ao alcance dos <strong>objetivos</strong><br />
proclamados, qual seja, a inclusão socioeconômica <strong>de</strong> parcela significativa da<br />
juventu<strong>de</strong> ao direito ao trabalho.<br />
9 O conhecimento a que nos referimos não são os saberes produzidos pela história dos homens e<br />
socializados pela educação escolar, mas aquele conjunto <strong>de</strong> conhecimentos imediatamente empregáveis<br />
no processo produtivo.<br />
10 Socieda<strong>de</strong> civil aqui é entendida ―como conjunto dos organismos não estatais criados pelos indivíduos<br />
para lutar por seus interesses e direitos‖, diferindo frontalmente do conceito <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> civil em Marx<br />
qual seja ―conjunto das relações que os homens estabelecem entre si, na produção material, n<strong>uma</strong><br />
<strong>de</strong>terminada fase da história. E ela constitui a dimensão social fundante‖ (TONET, 2004, p. 131 e 133).<br />
Para efeito <strong>de</strong>ste trabalho, adotaremos o conceito que está sendo utilizado pelos teóricos do capital, pelos<br />
organismos internacionais e pelo governo.
27<br />
Percurso Metodológico<br />
Como po<strong>de</strong>mos evi<strong>de</strong>nciar nessa introdução, os conceitos que<br />
servirão <strong>de</strong> aporte ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste estudo são fundamentalmente a<br />
qualificação/educação profissional, empreen<strong>de</strong>dorismo e inclusão social. A<br />
escolha <strong>de</strong>sses conceitos se justifica em face da reestruturação da concepção<br />
do mundo da produção e do trabalho que fundamentam as políticas públicas,<br />
especificamente as estatais no Brasil, pois, concordando com Lefebvre (1983),<br />
o conceito não é um movimento do pensamento <strong>de</strong>svinculado da realida<strong>de</strong>, o<br />
conceito para superar a lógica formalista, precisa entrar em contato com o<br />
mundo. Nesse sentido, os conceitos aqui <strong>de</strong>stacados <strong>de</strong>vem estar articulados<br />
às problemáticas que na atualida<strong>de</strong> mobilizam aqueles que <strong>de</strong>batem sobre o<br />
sentido das políticas públicas estatais no Brasil, particularmente àquelas<br />
voltadas para a qualificação profissional para o trabalho.<br />
Para dar conta das questões <strong>de</strong> pesquisa, o tratamento<br />
metodológico valorizou a análise dos documentos oficiais representados pelo<br />
Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação (PNQ) do governo Lula (Presi<strong>de</strong>nte do Brasil) e<br />
do Plano Territorial <strong>de</strong> Qualificação (PlanTeq) do governo Cid Gomes<br />
(Governador do Estado do Ceará). Analisamos também, a Resolução nº 575 <strong>de</strong><br />
28/04/2005 e as recomendações da Organização das Nações Unidas para a<br />
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).<br />
Dando prosseguimento, foi realizada <strong>uma</strong> pesquisa bibliográfica,<br />
i<strong>de</strong>ntificando os pressupostos teórico-metodológicos que embasam os autores<br />
que abordam a temática do empreen<strong>de</strong>dorismo, contribuindo para a<br />
explicitação do discurso i<strong>de</strong>ológico contido na política <strong>de</strong> qualificação neste<br />
viés, esclarecendo os significados e implicações das proposições<br />
consubstanciadas nas diretrizes, estratégias e linhas <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>ssa política,<br />
analisando as concepções orientadoras, suas priorida<strong>de</strong>s, que se materializam<br />
no Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora.
28<br />
A pesquisa bibliográfica consiste num levantamento <strong>de</strong> material<br />
publicado em livros e revistas sobre o tema pesquisado. Segundo Matos e<br />
Vieira:<br />
Toda investigação científica, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua natureza,<br />
requer <strong>uma</strong> pesquisa bibliográfica. É essencial que esta seja sempre<br />
feita, mesmo que combinada a outras escolhas. Ter conhecimento do<br />
material já produzido sobre a temática investigada evita as repetições<br />
<strong>de</strong>snecessárias e a recorrência <strong>de</strong> erros (2001, p.40).<br />
Essa investigação forneceu subsídios para que possamos analisar<br />
as diferentes faces do Empreen<strong>de</strong>dorismo e os fundamentos i<strong>de</strong>ológicos que<br />
lhe dão sustentação. De posse <strong>de</strong>sses conhecimentos teóricos, nos<br />
<strong>de</strong>bruçamos sobre o fenômeno investigado, buscando as intersecções entre a<br />
produção teórica sobre Empreen<strong>de</strong>dorismo e a prática.<br />
Foi realizada <strong>uma</strong> análise textual do esboço do Projeto Juventu<strong>de</strong><br />
Empreen<strong>de</strong>dora enviado à STDS on<strong>de</strong> consta o projeto político-pedagógico<br />
com seus <strong>objetivos</strong> e metas a serem atingidos e a metodologia empregada na<br />
facilitação da aprendizagem. Analisamos, também, o ―Projeto <strong>de</strong> Vida<br />
Profissional‖ realizado pelos educandos. Todo esse material, além <strong>de</strong> nossa<br />
própria experiência na coor<strong>de</strong>nação do referido Projeto, constituiu fonte<br />
analítica indispensável para os <strong>objetivos</strong> <strong>de</strong>ste estudo.<br />
Apoiamo-nos em Dornelas (2005) e Dolabela (2006) que discorrem<br />
sobre o Empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong> negócios e o intraempreen<strong>de</strong>dorismo; em<br />
Oliveira (2008), que aborda o Empreen<strong>de</strong>dorismo Social como <strong>uma</strong> transição<br />
para a socieda<strong>de</strong> sustentável; em Drucker (1993), expoente na difusão da<br />
socieda<strong>de</strong> pós-capitalista e socieda<strong>de</strong> do conhecimento; em Minarelli (1995),<br />
que vem difundindo no Brasil o conceito <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outros<br />
autores que vêm <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o i<strong>de</strong>ário capitalista, procurando fazer um<br />
contraponto com estudiosos que realizam <strong>uma</strong> análise crítica <strong>de</strong>sses<br />
postulados como: Antunes (2002), Frigotto (1995), Kuenzer (2007), Ramos<br />
(2006), Saviani (2008), <strong>de</strong>ntre outros.<br />
O primeiro momento <strong>de</strong>ste estudo transcorreu <strong>de</strong> forma mais<br />
solitária, consistindo num ―mapeamento do terreno‖. Durante o aprofundamento
29<br />
das leituras, foi possível <strong>de</strong>finir melhor o objeto <strong>de</strong> estudo, momento difícil para<br />
o pesquisador que ten<strong>de</strong> a querer abranger um leque <strong>de</strong> assuntos que giram<br />
em torno da temática. A pesquisa revela um momento ímpar em que o<br />
pesquisador é instigado a apreen<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> forma sistemática, criteriosa e crítica,<br />
todo um conteúdo, permeado por diferentes pontos <strong>de</strong> vista, necessitando, por<br />
parte do pesquisador, sempre <strong>de</strong> olhos postos na realida<strong>de</strong>, buscar <strong>de</strong>svelar o<br />
fenômeno.<br />
A estrutura do trabalho para apresentação dos resultados<br />
alcançados está organizada em três capítulos: no primeiro capítulo,<br />
preten<strong>de</strong>mos reconhecer os fundamentos teórico-metodológicos do<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo, fazendo <strong>uma</strong> relação com o conceito <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong>,<br />
―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖ num contexto <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição no mundo do<br />
trabalho; no segundo capítulo, procuramos i<strong>de</strong>ntificar os princípios, os <strong>objetivos</strong><br />
e as metas das políticas estatais <strong>de</strong> qualificação profissional com seu enfoque<br />
na educação como propulsora do <strong>de</strong>senvolvimento pessoal, social e econômico<br />
à luz da pedagogia das competências; e, finalmente, no capítulo terceiro,<br />
preten<strong>de</strong>mos dar mais concretu<strong>de</strong> às i<strong>de</strong>ias expostas, estabelecendo as<br />
contradições entre os fundamentos teórico-metodológicos e a realida<strong>de</strong> sóciohistórica<br />
objetiva, tendo como foco o Projeto JUVEMP.
30<br />
1 EMPREENDEDORISMO: FUNDAMENTOS TEÓRICO-<br />
METODOLÓGICOS<br />
Os fundamentos teóricos que permeiam a prática dos projetos <strong>de</strong><br />
qualificação centrados no empreen<strong>de</strong>dorismo estão intimamente vinculados às<br />
diretrizes que, percebendo a problemática do <strong>de</strong>semprego, buscam soluções<br />
focalizadas no indivíduo como a única maneira <strong>de</strong> reverter o quadro <strong>de</strong><br />
exclusão, sem questionar o mo<strong>de</strong>lo capitalista que, na sua lógica interna, é<br />
exclu<strong>de</strong>nte.<br />
Dito isso, o Empreen<strong>de</strong>dorismo é visto por muitos teóricos como<br />
<strong>uma</strong> solução para o problema da ausência <strong>de</strong> empregos, que em si constitui<br />
um processo ―irremediável‖, em função <strong>de</strong> mudanças e reestruturações na<br />
produção, tendo as tecnologias <strong>de</strong> informação, a microeletrônica, a automação,<br />
contribuído para esse quadro global.<br />
As reflexões contidas neste capítulo preten<strong>de</strong>m i<strong>de</strong>ntificar os<br />
fundamentos teórico/metodológicos que estão contidos no discurso do<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo, como solução para a ausência <strong>de</strong> empregos. Preten<strong>de</strong>mos<br />
também <strong>de</strong>monstrar como essa acepção encontra guarida nos pressupostos da<br />
―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖ que para parte dos teóricos do capitalismo<br />
representará <strong>uma</strong> nova sociabilida<strong>de</strong> – ―pós-capitalista‖ que, gerará o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> todas as potencialida<strong>de</strong>s h<strong>uma</strong>nas, calcadas nas<br />
capacida<strong>de</strong>s individuais e que, por conseguinte, promoverá a empregabilida<strong>de</strong><br />
dos mais envolvidos com sua formação profissional/educacional num mundo<br />
em transformação.<br />
1.1 A “socieda<strong>de</strong> do conhecimento”<br />
Rifkin (1994) avalia que as transformações tecnológicas e no campo<br />
da informação estão levando ao <strong>de</strong>clínio dos empregos, aumentando o número
31<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados. O autor faz um prognóstico alarmante para a situação dos<br />
trabalhadores:<br />
O <strong>de</strong>semprego global atingiu agora seu nível mais alto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão da década <strong>de</strong> 1930. Mais <strong>de</strong> 800 milhões <strong>de</strong> seres<br />
h<strong>uma</strong>nos no mundo estão <strong>de</strong>sempregados ou subempregados. Este<br />
número <strong>de</strong>verá crescer acentuadamente até o final do século, à<br />
medida que milhões <strong>de</strong> ingressantes na força <strong>de</strong> trabalho sem<br />
emprego se encontrarão, e muitos <strong>de</strong>sses, vítimas <strong>de</strong> <strong>uma</strong> revolução<br />
tecnológica que está substituindo rapidamente seres h<strong>uma</strong>nos por<br />
máquinas em virtualmente todo setor da indústria e da economia<br />
global. Após anos <strong>de</strong> previsões otimistas e alarmes falsos, as novas<br />
tecnologias <strong>de</strong> informática e <strong>de</strong> comunicações estão finalmente<br />
causando seu impacto. Há tanto tempo prognosticado, no mercado<br />
<strong>de</strong> trabalho e na economia, lançando a comunida<strong>de</strong> mundial nas<br />
garras <strong>de</strong> <strong>uma</strong> terceira gran<strong>de</strong> revolução industrial. Milhões <strong>de</strong><br />
trabalhadores já foram <strong>de</strong>finitivamente eliminados do processo<br />
econômico; funções e categorias <strong>de</strong> trabalho inteiras já foram<br />
reduzidas, reestruturadas ou <strong>de</strong>sapareceram (RIFKIN, 1994 XVII).<br />
É partindo da perspectiva <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>senvolvimento das novas<br />
tecnologias está provocando a substituição da força <strong>de</strong> trabalho pela ―máquina‖<br />
que os teóricos, na <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m capitalista, advogam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
que cada indivíduo busque estratégias para permanecer no mercado <strong>de</strong><br />
trabalho, utilizando sua criativida<strong>de</strong>, seu conhecimento e empenho para<br />
superar as adversida<strong>de</strong>s do ―novo tempo‖.<br />
Na contramão <strong>de</strong>ste discurso, existem autores que negam a<br />
tecnologia como causadora do <strong>de</strong>semprego (DUARTE, 2008; NETTO e BRAZ,<br />
2006; SAVIANI, 2008). O benefício do <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico po<strong>de</strong>ria<br />
gerar mais tempo livre e mais emprego; no entanto, como o objetivo dos<br />
capitalistas é a acumulação <strong>de</strong> capital, o ingresso das tecnologias <strong>de</strong><br />
informação, a automação e a microeletrônica acabam contribuindo para o<br />
<strong>de</strong>scarte dos trabalhadores, permanecendo nos postos <strong>de</strong> trabalho aqueles<br />
que possuem a qualificação necessária e que possam contribuir para a<br />
eficiência da produção com o mínimo <strong>de</strong>sperdício.<br />
Doravante o sentimento <strong>de</strong> insegurança e injustiça social, William<br />
Bridges (1995), consultor e conferencista, integrante da lista dos <strong>de</strong>z mais<br />
populares consultores em <strong>de</strong>senvolvimento executivo nos Estados Unidos, vem<br />
anunciar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceitar e se a<strong>de</strong>quar ao novo tempo. Para<br />
fundamentar suas i<strong>de</strong>ias, se reporta às socieda<strong>de</strong>s não-industrializadas
32<br />
anteriores ao século XIX, nas quais os trabalhadores tinham várias ativida<strong>de</strong>s e<br />
não empregos. Essa concepção sofreu modificações durante o tempo,<br />
adquirindo novo sentido nas socieda<strong>de</strong>s pós-industriais, em que passa a se<br />
constituir como um fator <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> e segurança consubstanciadas num<br />
cargo, que, em si mesmo, comporta <strong>uma</strong> <strong>de</strong>scrição com todas as habilida<strong>de</strong>s e<br />
os conhecimentos necessários.<br />
Bridges advoga que as instituições sociais estão passando por<br />
mudanças, e as pessoas ten<strong>de</strong>m a salientar as virtu<strong>de</strong>s do passado, por receio<br />
das mudanças, da mesma forma que os ingleses sentiram quando, em 1780,<br />
<strong>de</strong>u-se início à criação dos empregos da forma como conhecemos:<br />
As pessoas estavam profundamente tra<strong>uma</strong>tizadas. O modo <strong>de</strong> vida<br />
antigo tinha <strong>uma</strong> estabilida<strong>de</strong> e coerência da qual era muito difícil <strong>de</strong><br />
abdicar. A colocação <strong>de</strong> cercas nas terras comuns, embora legal no<br />
sentido técnico, era <strong>uma</strong> total violação <strong>de</strong> séculos <strong>de</strong> uso<br />
incontestado. Os ingleses sempre tiveram o ―direito‖ <strong>de</strong> usar essas<br />
terras sob a lei comum, e foi, somente quando o conceito <strong>de</strong><br />
proprieda<strong>de</strong> mudou com as novas idéias <strong>de</strong> capitalismo que esse<br />
direito foi usurpado (BRIDGES, 1995, p. 39).<br />
De acordo com o autor, as ―pessoas‖ nas socieda<strong>de</strong>s pré-capitalistas<br />
per<strong>de</strong>ram ―direitos adquiridos‖ em função do surgimento do capitalismo,<br />
gerando recusas em se envolver na construção da nova or<strong>de</strong>m. Assim:<br />
Os partidários da fábrica estavam amargurados diante da recusa das<br />
pessoas em aceitar a realida<strong>de</strong> econômica: a máquina estava<br />
mudando tudo, e aqueles que resistiam às novas condições <strong>de</strong><br />
trabalho estavam se interpondo ao caminho do progresso. Os bens<br />
industriais, argumentavam eles, agora podiam ser colocados à<br />
disposição <strong>de</strong> todos, em vez <strong>de</strong> poucos. A Inglaterra po<strong>de</strong>ria assumir<br />
o controle do comércio internacional e acumular riquezas que<br />
jorrariam em cascata em toda a socieda<strong>de</strong> para dar a todos <strong>uma</strong> vida<br />
melhor (...) jorraria para todas as camadas da socieda<strong>de</strong> e traria<br />
conforto e pequenos luxos a quase todos (I<strong>de</strong>m, p.41- 42).<br />
Contrariando a i<strong>de</strong>ia do autor, a história mostra que, apesar da<br />
riqueza produzida pela h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>, os divi<strong>de</strong>ndos não foram e nem estão<br />
sendo repartidos igualmente entre todos, e, sim, permaneceram e permanecem<br />
nas mãos <strong>de</strong> poucos. E, no atual contexto, a situação se agrava quando os<br />
direitos trabalhistas e sociais conquistados estão sendo progressivamente<br />
usurpados dos trabalhadores, ocasionado, na perspectiva do autor, pela<br />
evolução natural da socieda<strong>de</strong>, que, embora tra<strong>uma</strong>tizada, <strong>de</strong>ve abraçar,
33<br />
querendo ou não, a mudança que ora atravessamos, com o fim dos empregos<br />
e <strong>de</strong> toda legislação a eles associada.<br />
Os trabalhadores estão sendo cooptados a aceitar e apren<strong>de</strong>r a<br />
conviver com múltiplos papéis, com condições instáveis e imprevisíveis, caso<br />
contrário, nas previsões do autor, o futuro se apresentará mais dramático.<br />
Estamos na interface entre dois momentos ―evolutivos‖: o dos empregos e o<br />
dos pós-empregos.<br />
Em função do propagado fim dos empregos, quem permanece no<br />
chão da fábrica tem <strong>de</strong> mostrar suas competências infinitas. Observa-se que a<br />
reestruturação produtiva não significa a existência <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova sociabilida<strong>de</strong>,<br />
mas, sim, diferentes formas <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> produção, que se<br />
apresentam combinadas ( taylorismo/fordismo e toyotismo).<br />
Cada vez mais os capitalistas e seus teóricos buscam como<br />
estratégia <strong>de</strong> cooptação introduzir formas <strong>de</strong> gestão que preten<strong>de</strong>m contar com<br />
a participação do trabalhador, para extrair o máximo da mais valia absoluta,<br />
disseminando a i<strong>de</strong>ia baseada no toyotismo, <strong>de</strong> que, finalmente, o trabalhador,<br />
agora ―colaborador‖ e dono <strong>de</strong> seu conhecimento, cada vez mais está sendo<br />
estimulado a <strong>de</strong>senvolver suas habilida<strong>de</strong>s latentes, visando seu<br />
<strong>de</strong>senvolvimento pessoal, o da organização 11 e, principalmente, a aten<strong>de</strong>r a<br />
<strong>de</strong>manda dos clientes que agora se tornam mais exigentes e diferenciados.<br />
Do trabalho fragmentado e alienado da época taylorista e<br />
fordista, 12 novas configurações são introduzidas na produção que, na<br />
perspectiva dos teóricos do capital (BRIDGES, 1998; STEWART, 1998)<br />
promovem o rompimento da dualida<strong>de</strong> entre aqueles que pensam e aqueles<br />
que fazem. É ―finalmente‖ o anúncio da junção do saber e do fazer. O<br />
trabalhador, exercendo múltiplas ativida<strong>de</strong>s, passa a ter a compreensão da<br />
11 Para Drucker (1993), organizações são instituições com <strong>de</strong>terminados fins. Uma empresa, sindicato,<br />
escola, igreja são consi<strong>de</strong>radas organizações.<br />
12 Segundo Antunes, o taylorismo e o fordismo são entendidos como ―um padrão produtivo capitalista<br />
<strong>de</strong>senvolvido ao longo do século XX e que se fundamentou basicamente na produção em massa, em<br />
unida<strong>de</strong>s produtivas concentradas e verticalizadas, com um controle rígido dos tempos e dos<br />
movimentos, <strong>de</strong>senvolvidos por um proletariado coletivo e <strong>de</strong> massa, sob forte <strong>de</strong>spotismo e controle<br />
fabril (2002, p. 191).
34<br />
complexida<strong>de</strong> do processo produtivo em todas as suas fases: criação,<br />
produção, distribuição e consumo. Esse engodo acaba por explorar mais o<br />
trabalhador que tem <strong>de</strong> realizar diversas ativida<strong>de</strong>s sem remuneração<br />
compatível, sob o olhar perscrutador dos supervisores e gerentes.<br />
Coriat (1994) faz <strong>uma</strong> análise sobre o mo<strong>de</strong>lo japonês <strong>de</strong> trabalho<br />
comumente chamado toyotismo. No seu livro ―Pensar pelo Avesso‖ <strong>de</strong>lineia o<br />
que é inerente à cultura do Japão e os aspectos que po<strong>de</strong>m condizer com<br />
outros países, em particular, com o Brasil. O autor assevera que Ohno, criador<br />
do toyotismo, cost<strong>uma</strong> salientar que a transformação nas relações <strong>de</strong> produção<br />
e gerenciamento na empresa japonesa foi justamente pensar pelo avesso as<br />
práticas exercidas no Oci<strong>de</strong>nte baseadas no taylorismo/fordismo.<br />
Foi necessário criar um ―espírito Toyota‖. Este, inclusive, é o título do<br />
livro <strong>de</strong> Ohno. O que caracterizou esse sistema <strong>de</strong> execução da produção,<br />
divisão <strong>de</strong> trabalho e gestão foi o tripé sindicalismo <strong>de</strong> empresa, emprego<br />
vitalício e salário por antiguida<strong>de</strong> que propiciou <strong>uma</strong> ―cooperação‖ entre<br />
trabalhadores e empresa. Segundo Coriat, essa situação difere da dos países<br />
oci<strong>de</strong>ntais, que ao implementarem essa forma <strong>de</strong> gestão e organização da<br />
produção, o fizeram num contexto diferente do país on<strong>de</strong> foi gestado. No<br />
oci<strong>de</strong>nte, impera o neoliberalismo, que, <strong>de</strong>ntre outras coisas, <strong>de</strong>sregulamentou<br />
as relações <strong>de</strong> trabalho, com repercussões no sindicato.<br />
Coriat, sempre se reportando a Ohno, concerne que a produção Just<br />
in time e Kanban, 13 a auto-ativação dos trabalhadores ocorreu n<strong>uma</strong> época - o<br />
pós-guerra – na qual o país necessitava produzir pequenas quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
variados mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> produtos, ou seja, diversificar a produção para aten<strong>de</strong>r a<br />
<strong>de</strong>manda dos clientes, diferente da produção <strong>de</strong> massa do fordismo. Segundo<br />
Coriat:<br />
13 Kanban é <strong>uma</strong> palavra japonesa que significa registro ou placa visível. Nas indústrias que implantaram<br />
essa sistemática <strong>de</strong> administração, existem diferentes sinalizações (cartões, luzes) que controlam a<br />
movimentação da produção ou do transporte <strong>de</strong> mercadorias. Os cartões indicam quando é necessário<br />
repor as peças, agilizando a entrega e a produção das mesmas. O Just in time faz parte do sistema <strong>de</strong><br />
administração da produção em que tudo que a empresa precisa <strong>de</strong>ve ser fabricado ou entregue em tempo<br />
certo, eliminando os estoques <strong>de</strong> matérias-primas e os custos. A produção está diretamente vinculada à<br />
<strong>de</strong>manda.
35<br />
Como ―se verá esta ―fábrica mínima‖ <strong>de</strong>verá necessariamente<br />
também ser <strong>uma</strong> fábrica flexível‖ capaz <strong>de</strong> absorver com um efetivo<br />
reduzido às flutuações quantitativas ou qualitativas da <strong>de</strong>manda.<br />
Ohno assim é conduzido a buscar produtivida<strong>de</strong> não mais no sentido<br />
da gran<strong>de</strong> série mas, ―internamente‖ no sentido da flexibilização do<br />
trabalho, na alocação das operações <strong>de</strong> fabricação. [...] permitindo<br />
fazer emergir à superfície, tornar ―visíveis‖, no sentido próprio do<br />
termo, todos os possíveis ―excessos gordurosos‖, tudo aquilo que na<br />
fábrica po<strong>de</strong> dispensar, tudo aquilo que não é imperativamente<br />
necessário na entrega dos produtos vendidos. ―Administrar com os<br />
olhos‖, diz Ohno, é um dos fundamentos do ―método Toyota‖. O<br />
mestre japonês renova assim <strong>uma</strong> preocupação muito antiga e<br />
tradicional dos mestres fabricantes: po<strong>de</strong>r a qualquer momento e<br />
visualmente exercer um controle direto sobre os empregados<br />
subordinados (1994, p. 34).<br />
Em função <strong>de</strong>sta administração com os olhos, são criados cartazes<br />
luminosos nas linhas <strong>de</strong> produção indicando quando <strong>de</strong>terminadas seções<br />
estão com problemas que repercutirão em toda produção, sendo<br />
imediatamente solucionados. Por isso, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os trabalhadores<br />
terem o conhecimento mínimo para manusear os programas anteriormente<br />
criados pelos que dominam a tecnologia e serem flexíveis o suficiente para<br />
realizar diversas ativida<strong>de</strong>s, sendo administrados ‗com os olhos‘ dos poucos<br />
supervisores 14 que, em contato com o trabalhador, recebem as informações em<br />
tempo recor<strong>de</strong> acerca dos entraves que surgem e mobilizam as soluções a<br />
partir da experiência dos trabalhadores.<br />
A totalida<strong>de</strong> da força <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>ntro das indústrias está em<br />
processo <strong>de</strong> diminuição e os que ficam agregam mais afazeres e passam a<br />
―doar‖ seu saber à empresa. Caso não tenham muito a dar, precisam buscar<br />
esse saber nos horários em que a empresa não necessitar mais do<br />
―comprometimento‖ <strong>de</strong>sses trabalhadores, o que po<strong>de</strong>, inclusive, se esten<strong>de</strong>r<br />
para além do horário acordado.<br />
assevera:<br />
Antunes (2002), reportando-se ao toyotismo e ao fordismo,<br />
O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista<br />
dominante, em várias partes do capitalismo globalizado. Vivem-se<br />
14 Vale ressaltar que o mo<strong>de</strong>lo toyotista se organiza nas chamadas células <strong>de</strong> produção, no dito trabalho<br />
em equipe. As empresas estabelecem metas para as equipes, atrelando o cumprimento <strong>de</strong>stas ao ganho<br />
<strong>de</strong> premiação. Os próprios trabalhadores se fiscalizam entre si. Com efeito, além <strong>de</strong> alavancar a<br />
produção, o capitalista <strong>de</strong>sarticula a classe trabalhadora.
36<br />
formas transitórias <strong>de</strong> produção, cujos <strong>de</strong>sdobramentos são também<br />
agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes são<br />
<strong>de</strong>sregulamentados, são flexibilizados, <strong>de</strong> modo a dotar o capital <strong>de</strong><br />
instrumental necessário para a<strong>de</strong>quar-se à nova fase. Direitos e<br />
conquistas históricas dos trabalhadores são substituídos e eliminados<br />
do mundo da produção. Diminui-se ou mescla-se, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da<br />
intensida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>spotismo taylorista, pela participação <strong>de</strong>ntro da<br />
or<strong>de</strong>m e do universo da empresa, pelo envolvimento manipulatório,<br />
próprio da sociabilida<strong>de</strong> contemporaneamente, pelo sistema produtor<br />
<strong>de</strong> mercadoria (ANTUNES, 2002, p.24).<br />
Cattani (1996), discutindo a metamorfose do trabalho na<br />
contemporaneida<strong>de</strong>, vem contribuir para este <strong>de</strong>bate quando afirma:<br />
A ativida<strong>de</strong> produtiva continua sendo um dos referenciais centrais na<br />
organização da socieda<strong>de</strong>, a forma estruturante das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e<br />
sociabilida<strong>de</strong>s. As mutações contemporâneas alteram, em<br />
profundida<strong>de</strong>, as formas <strong>de</strong> inserção na esfera produtiva, a divisão<br />
entre trabalho manual e intelectual. O tempo <strong>de</strong>dicado ao trabalho<br />
não é mais contínuo, os contratos e os coletivos fragilizam-se e<br />
fragmentam-se. A confrontação entre capital e trabalho per<strong>de</strong> niti<strong>de</strong>z.<br />
Essas e outras metamorfoses da socieda<strong>de</strong> pós-industrial reforçam,<br />
ainda mais, a importância do trabalho, mesmo quando ele é <strong>uma</strong><br />
referência negativa (como situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego). A sociologia do<br />
trabalho não po<strong>de</strong> ser colonizada pela economia ou anulada pelo<br />
enfoque liberal. Ela <strong>de</strong>ve recuperar seu potencial crítico e, ao analisar<br />
as situações <strong>de</strong> trabalho, revelar as novas formas <strong>de</strong> submissão, <strong>de</strong><br />
exploração e <strong>de</strong> alienação, que estão continuadas tanto nas<br />
pseudoformas <strong>de</strong> participação, como nas situações <strong>de</strong> precarieda<strong>de</strong><br />
funcional e empregatícia (CATTANI, 1996, p.33).<br />
Essa perspectiva dos autores vai <strong>de</strong> encontro à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um mundo<br />
―naturalmente‖ instável, que, por força das circunstâncias, da conjuntura, dos<br />
novos tempos, resta rendição à lógica capitalista, sendo imperativo, portanto,<br />
que o indivíduo trabalhador se fortaleça para se adaptar. Agora a carreira<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada funcionário, <strong>de</strong> seu autogerenciamento. Como nada é certo,<br />
também não é certeza terminar um contrato e conseguir outro, daí a<br />
importância <strong>de</strong> <strong>uma</strong> autoestima elevada, para superar momentos <strong>de</strong> ausência<br />
<strong>de</strong> trabalhos, pois a noção <strong>de</strong> emprego está sendo re<strong>de</strong>finida. A força interior<br />
nesses novos tempos é exaltada: pensar para cima, pensar positivo, mesmo<br />
porque as pessoas querem estar perto <strong>de</strong> gente que faz, gente que ri diante<br />
das adversida<strong>de</strong>s.<br />
O empreen<strong>de</strong>dor é essa pessoa. Não pergunta o que a empresa<br />
po<strong>de</strong> fazer por ele, mas o que ele po<strong>de</strong> fazer pela empresa. O foco é no
37<br />
sucesso da empresa e é nesse resultado que o <strong>de</strong>sempenho individual será<br />
avaliado. Existem diversos instrumentais <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> competências e o<br />
trabalhador sabe que, durante todo o tempo, está sendo avaliado. A<br />
competição aqui tem seu ápice, apesar <strong>de</strong> todo discurso acerca da importância<br />
do grupo, do trabalho em equipe, da cooperação. Aquele que se sobressai será<br />
visto como rival, e com maior potencial <strong>de</strong> ser absorvido na empresa.<br />
Exércitos <strong>de</strong> pessoas que ven<strong>de</strong>m sorrisos, felicida<strong>de</strong> e sucesso.<br />
Isto pressupõe angústia, estresse, constituindo a gênese <strong>de</strong> diversos<br />
sofrimentos psíquicos, sobretudo, porque <strong>de</strong>ste profissional será exigido o<br />
máximo das suas capacida<strong>de</strong>s físicas, intelectuais e psíquicas. Seu tempo livre<br />
está direcionado, querendo ou não, para estudar, se qualificar, todavia, sem<br />
garantias. Terá também <strong>de</strong> ter tempo para um saudável convívio social e lazer,<br />
pois o profissional dos novos tempos é criador <strong>de</strong> valores e está sempre <strong>de</strong><br />
bem com a vida; contraditoriamente, não po<strong>de</strong> viver para o trabalho, apesar <strong>de</strong><br />
muitas vezes levar trabalho para casa. Apesar do elenco <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s e<br />
competências e <strong>de</strong> tantas cobranças, o salário nem sempre condiz com as<br />
exigências, não sobrando dinheiro para buscar ajuda psicológica ou<br />
psiquiátrica, local on<strong>de</strong>, finalmente, se apresentará como h<strong>uma</strong>no, sem<br />
máscaras, com todas as fragilida<strong>de</strong>s e fortalezas próprias <strong>de</strong> quem está em<br />
contato com o mundo.<br />
A situação do <strong>de</strong>semprego está atingindo, inclusive, a classe dos<br />
executivos que gerenciam as gran<strong>de</strong>s empresas. Estes agora são também<br />
responsabilizados pela diminuição dos lucros dos proprietários do capital. Koch<br />
e God<strong>de</strong>n (2000) anunciam a empresa ―pós-gerência‖. Essas empresas,<br />
segundo os autores, vão na contramão da empresa gerenciada, que valoriza<br />
cargos e hierarquia, não priorizando o cliente e o lucro do proprietário, mas<br />
seus próprios interesses. Num mundo globalizado e em concorrência<br />
exacerbada, segundo os autores, os proprietários, na luta por mercados,<br />
<strong>de</strong>vem se concentrar na qualida<strong>de</strong> dos produtos e serviços, mantendo apenas<br />
os profissionais <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dora. Pois os gerentes passavam a<br />
maior parte do seu tempo ―gozando <strong>de</strong> alto padrão <strong>de</strong> vida, benefícios muito<br />
generosos e excelentes pensões‖ [...] Servir aos clientes e aumentar os lucros
38<br />
eram <strong>de</strong> fato priorida<strong>de</strong>s muito baixas‖ (KOCH e GODDEN, 2000, p. 28). Agora<br />
tudo estaria mudando.<br />
Os <strong>de</strong>fensores do capitalismo criam diferentes teorias para justificar<br />
o <strong>de</strong>semprego dos altamente qualificados. Desta forma, na ―socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento‖, até aqueles que <strong>de</strong>têm o conhecimento estão sendo excluídos<br />
das organizações, <strong>de</strong>vido ao alto custo <strong>de</strong> suas remunerações. Segundo os<br />
mesmos autores, empresas como a CNN e a Microsoft inovaram quando<br />
gerenciam sem gerência, utilizando da polivalência, com menos funcionários.<br />
No caso da CNN, ―a cultura da velocida<strong>de</strong> vive nela. Seu pessoal está sempre<br />
impaciente, sempre apressado e sempre fazendo e <strong>de</strong>cidindo no ato‖ (i<strong>de</strong>m,<br />
p.48). Apesar do discurso contra a gerência, o que está em jogo é aumento <strong>de</strong><br />
lucros com <strong>de</strong>semprego e concentração <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s nos que permanecem<br />
empregados, promovendo estresse, ansieda<strong>de</strong>s, aumentando o índice <strong>de</strong><br />
pessoas com <strong>de</strong>pressão, <strong>de</strong>ntre outros sintomas.<br />
Mészáros (2009) traz para o <strong>de</strong>bate <strong>uma</strong> visão crítica <strong>de</strong>stes<br />
postulados. N<strong>uma</strong> perspectiva marxista, afirma que o capitalismo vivencia <strong>uma</strong><br />
crise estrutural e não conjuntural, ou seja, ―a crise‖ é na base econômica da<br />
socieda<strong>de</strong> capitalista; aí resi<strong>de</strong>m as causas <strong>de</strong> tanto <strong>de</strong>semprego. O problema<br />
se agrava, pois a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguir emprego atinge os trabalhadores<br />
qualificados, piorando a situação dos não-qualificados que disputam os<br />
escassos empregos disponíveis. Nas suas palavras:<br />
O problema não mais se restringe à difícil situação dos trabalhadores<br />
não-qualificados, mas atinge também um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />
trabalhadores altamente qualificados, que agora disputam, somandose<br />
ao estoque anterior <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados, os escassos – e cada vez<br />
mais raros – empregos disponíveis. Da mesma forma, a tendência da<br />
amputação ‗racionalizadora‘ não está mais limitada aos ‗ramos<br />
periféricos <strong>de</strong> <strong>uma</strong> indústria obsoleta‘, mas abarca alguns dos mais<br />
<strong>de</strong>senvolvidos e mo<strong>de</strong>rnizados setores da produção – da indústria<br />
naval e aeronáutica à eletrônica, e da indústria mecânica à tecnologia<br />
espacial. [...] quem sofre as conseqüências <strong>de</strong>ssa situação não é<br />
mais a multidão socialmente impotente, apática e fragmentada das<br />
pessoas ‗<strong>de</strong>sprivilegiadas, mas todas as categorias <strong>de</strong> trabalhadores<br />
qualificados e não-qualificados: ou seja, obviamente, a totalida<strong>de</strong> da<br />
força <strong>de</strong> trabalho da socieda<strong>de</strong> (MÉSZÁROS, 2009, p. 69, grifos do<br />
autor).
39<br />
Como os proprietários das empresas não compram essa força <strong>de</strong><br />
trabalho, em parte <strong>de</strong>vido às máquinas e às tecnologias da informação<br />
suprirem a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> muitos trabalhadores, nada resta fazer para os<br />
trabalhadores do que buscar alternativas, ou seja, investir na sua<br />
empregabilida<strong>de</strong>. Observamos que, no discurso dos <strong>de</strong>fensores da<br />
sociabilida<strong>de</strong> capitalista, ocorre um paradoxo quando, valorizando o<br />
conhecimento, o capital intelectual, como condição para conseguir o tão<br />
<strong>de</strong>sejado emprego e manter-se nele, na mesma hora, esse mesmo<br />
conhecimento não garante a empregabilida<strong>de</strong>, levando-nos a diagnosticar que<br />
a questão não é a qualificação. Caso fosse, não existiriam trabalhadores<br />
qualificados <strong>de</strong>sempregados e tão logo os não qualificados ingressassem no<br />
mundo do conhecimento sua condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregado cessaria, quando<br />
sabemos que a lógica capitalista, na ânsia por acumulação <strong>de</strong> capital, impe<strong>de</strong>,<br />
inclusive, que a tecnologia favoreça o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> todos os seres<br />
h<strong>uma</strong>nos. Em função disso, indagamos: a qualificação garantirá o emprego?<br />
Claro que não.<br />
assinala:<br />
Chesnais (1996), contribuindo com o <strong>de</strong>senvolvimento do <strong>de</strong>bate,<br />
O trabalho h<strong>uma</strong>no é, mais do que nunca, <strong>uma</strong> mercadoria, a qual<br />
ainda por cima teve seu valor venal <strong>de</strong>svalorizado pelo ―progresso<br />
técnico‖ e assistiu à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negociação <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>tentores<br />
diminuir cada vez mais diante das empresas ou dos indivíduos<br />
abastados, suscetíveis <strong>de</strong> comprar seu uso. As legislações em torno<br />
do emprego do trabalho assalariado, que haviam sido estabelecidas<br />
graças às gran<strong>de</strong>s lutas sociais e às ameaças <strong>de</strong> revolução social,<br />
voaram pelos ares, e as i<strong>de</strong>ologias neoliberais se impacientam <strong>de</strong><br />
que restem alguns cacos <strong>de</strong>las (CHESNAIS,1996, p. 42).<br />
A i<strong>de</strong>ologia neoliberal abriu espaço para as reformulações na<br />
legislação do trabalho, isto porque os capitais transnacionais (ANTUNES,<br />
2002) têm exigido dos governos nacionais <strong>uma</strong> maior ―flexibilização‖, ou seja,<br />
<strong>uma</strong> <strong>de</strong>sregulamentação do trabalho, acarretando <strong>uma</strong> maior precarização com<br />
trabalhos com tempo <strong>de</strong>terminado, tempo parcial, terceirizados, além das<br />
subcontratações, eliminando do interior das indústrias as ativida<strong>de</strong>s fins, que<br />
agora ten<strong>de</strong>m a ser realizadas por outras empresas.
40<br />
Para fazer coro a esse discurso ―nebuloso‖ na esfera dos teóricos da<br />
administração capitalista, surge um novo conceito – o <strong>de</strong> capital intelectual -<br />
que engloba o conhecido capital h<strong>uma</strong>no. E em que consiste essa nova<br />
categoria? Quem nos respon<strong>de</strong> é Stewart, membro da equipe <strong>de</strong> editores da<br />
revista Fortune, pioneiro na área do capital intelectual:<br />
O capital intelectual é a soma do conhecimento <strong>de</strong> todos em <strong>uma</strong><br />
empresa, o que lhe proporciona vantagem competitiva. Ao contrário<br />
dos ativos, com os quais empresários e contadores estão<br />
familiarizados – proprieda<strong>de</strong>, fábricas, equipamento, dinheiro -, o<br />
capital intelectual é intangível. É o conhecimento da força <strong>de</strong> trabalho:<br />
treinamento e a intuição <strong>de</strong> <strong>uma</strong> equipe <strong>de</strong> químicos que <strong>de</strong>scobre<br />
<strong>uma</strong> nova droga <strong>de</strong> bilhões <strong>de</strong> dólares ou o know-how <strong>de</strong><br />
trabalhadores que apresentam milhares <strong>de</strong> formas diferentes para<br />
melhorar a eficácia <strong>de</strong> <strong>uma</strong> indústria. É a re<strong>de</strong> eletrônica que<br />
transporta informação na empresa à velocida<strong>de</strong> da luz, permitindo-lhe<br />
reagir ao mercado mais rápido que suas rivais. É a cooperação – o<br />
aprendizado compartilhado – entre <strong>uma</strong> empresa e seus clientes que<br />
forja <strong>uma</strong> ligação entre eles, trazendo, com muita freqüência, o cliente<br />
<strong>de</strong> volta. [...] é a capacida<strong>de</strong> mental coletiva (STEWART, 1998, p.<br />
XIII).<br />
Para o Stewart, o <strong>de</strong>safio é a mensuração pela Ciência Contábil<br />
<strong>de</strong>sses recursos intangíveis que compõem o capital intelectual, quais sejam o<br />
capital h<strong>uma</strong>no, capital estrutural e o capital do cliente, consistindo cada<br />
dimensão em conhecimento útil para aumentar a produtivida<strong>de</strong>. O capital<br />
intelectual é composto <strong>de</strong> recursos intangíveis, como marcas e patentes,<br />
direitos autorais, carteiras <strong>de</strong> clientes, capacida<strong>de</strong> dos fornecedores, os pontos<br />
<strong>de</strong> venda, o prestígio da empresa, o grau <strong>de</strong> racionalização dos procedimentos<br />
da empresa, os recursos h<strong>uma</strong>nos, a qualida<strong>de</strong> dos produtos e serviços, a<br />
estrutura organizacional, a tecnologia <strong>de</strong> informação.<br />
Segundo o mesmo autor, a dimensão h<strong>uma</strong>na consiste no capital<br />
h<strong>uma</strong>no, que são capacida<strong>de</strong>s individuais como conhecimento, habilida<strong>de</strong>,<br />
experiência, criativida<strong>de</strong> e inovação dos colaboradores; já o capital estrutural<br />
constitui as patentes, o aperfeiçoamento <strong>de</strong> produtos e processos, os bancos<br />
<strong>de</strong> dados na empresa, re<strong>de</strong>s, ou seja, o conhecimento que se torna<br />
proprieda<strong>de</strong> da empresa; consiste na capacida<strong>de</strong> organizacional, incluindo os<br />
sistemas físicos utilizados para propagar e armazenar o conhecimento<br />
intelectual da organização; inclui fatores como a qualida<strong>de</strong> e a abrangência dos<br />
sistemas informatizados, a imagem da empresa, os dogmas organizacionais e
41<br />
as documentações nele, on<strong>de</strong> se situam as patentes e os direitos autorais.<br />
Organiza-se em três espécies <strong>de</strong> capital: organizacional, inovações e os<br />
processos. O capital do cliente é i<strong>de</strong>ntificado pelo valor <strong>de</strong> sua franquia, valor<br />
<strong>de</strong> seus clientes, resultado do reconhecimento que a empresa possui; <strong>uma</strong> boa<br />
base <strong>de</strong> clientes sólidos e fiéis representa os índices <strong>de</strong> satisfação,<br />
longevida<strong>de</strong>, sensibilida<strong>de</strong> aos preços e, inclusive, o bem-estar financeiro dos<br />
clientes <strong>de</strong> longa data.<br />
O que cria a riqueza não é a terra, a força física, a fábrica, o capital<br />
financeiro, mas os ativos intangíveis. O conhecimento sempre foi importante,<br />
―mais importante que a matéria-prima; mais importante, muitas vezes, que o<br />
dinheiro. Consi<strong>de</strong>rados produtos econômicos, a informação e o conhecimento<br />
são mais importantes do que automóveis [...] aço e qualquer outro produto da<br />
Era Industrial‖ (STEWART, 1998, p.5).<br />
Continuando com as argumentações do autor, observamos que ele<br />
dá glórias ao acúmulo <strong>de</strong> capital promovido pela Revolução Industrial:<br />
Os obstinados proprietários das fábricas pagavam menos pelo<br />
trabalho do que os artesãos-proprietários teriam pago a si mesmos e<br />
embolsavam a diferença. Assim, eles acumularam capital para<br />
investir em expansão, ao mesmo tempo em que as melhorias em<br />
transporte – estradas pavimentadas, ferrovias, barcos a vapor –<br />
tornaram factível a produção <strong>de</strong> bens que seriam consumidos por<br />
clientes distantes, não apenas pelos vizinhos. A Revolução Industrial<br />
acabou ocasionando a enorme expansão da classe média e elevou o<br />
padrão <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> todos; porém, inicialmente, na verda<strong>de</strong>, ela<br />
aumentou mais ainda a lacuna já gran<strong>de</strong> entre ricos e pobres, da<br />
mesma forma que a Revolução Informática está fazendo hoje<br />
(STEWART, 1998, p.7).<br />
A acumulação <strong>de</strong> capital dos ‗obstinados proprietários‘ provocou a<br />
exclusão da maioria dos trabalhadores nos países do chamado Terceiro Mundo<br />
que, sob domínio do capital monopolista, constituíram força <strong>de</strong> trabalho barata<br />
para as empresas multinacionais que os exploraram. E, na atualida<strong>de</strong>, a<br />
―revolução da informática‖ vai excluir mais ainda, pois com a tecnologia, os<br />
donos das empresas precisam <strong>de</strong> menor quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhadores com<br />
domínio <strong>de</strong> capital intelectual:
42<br />
Ainda produzimos gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aço, é claro, mas a parte<br />
física <strong>de</strong> sua fabricação é muito menos importante do que cost<strong>uma</strong>va<br />
ser. [...] Uma gran<strong>de</strong> si<strong>de</strong>rúrgica como a Bethlehem precisava <strong>de</strong> três<br />
a quatro horas/homem <strong>de</strong> trabalho para produzir <strong>uma</strong> tonelada <strong>de</strong><br />
aço. Agora, a Nucor Streel revolucionou o negócio do aço laminado<br />
com um processo que exige sofisticados computadores – não po<strong>de</strong><br />
funcionar sem eles – exige apenas 45 minutos <strong>de</strong> trabalho por<br />
tonelada. O componente intelectual aumentou e o físico diminuiu.<br />
Agora consi<strong>de</strong>re o principal produto manufaturado <strong>de</strong>ste final <strong>de</strong><br />
século: o microchip. [...] o valor está, sobretudo, no projeto do chip e<br />
no projeto das complexas máquinas que o produzem. Está no<br />
conteúdo intelectual, não físico. [...] Em resumo: a indústria está se<br />
<strong>de</strong>smaterializando (I<strong>de</strong>m, 1998, p.12 - 13).<br />
Contudo, na medida em que o capital se beneficia da dita<br />
performance das máquinas, dispensando, inclusive, parte do trabalho vivo, se<br />
coloca nas mãos do trabalhador, que domina o processo <strong>de</strong> produção. O<br />
conhecimento científico acumulado pela h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> mais do que nunca<br />
precisa ser incorporado na produção para fazer o diferencial na concorrência<br />
por mercados. Há, portanto, no <strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas, novas<br />
tecnologias que diminuem o esforço físico, mas não acabam com a exploração<br />
da força <strong>de</strong> trabalho que agora toma novos contornos. Com esse discurso <strong>de</strong><br />
capital intelectual continua a fragmentação do homem entre corpo e mente,<br />
entre trabalho manual e intelectual.<br />
A ―Era da Informação‖ superou a Era Industrial que, para Stewart,<br />
pressupõe um mundo <strong>de</strong> coisas:<br />
Crescemos na Era Industrial. Ela se foi, suplantada pela Era da<br />
informação. Estamos <strong>de</strong>ixando para trás um mundo econômico cujas<br />
principais fontes <strong>de</strong> riquezas eram físicas. O que comprávamos e<br />
vendíamos eram realmente coisas; podíamos tocá-las, cheirá-las,<br />
chutar seus pneus, bater suas portas ou ouvir seu som agradável. A<br />
terra, recursos naturais como petróleo, minério e energia, e o trabalho<br />
h<strong>uma</strong>no e mecânico eram os ingredientes a partir dos quais se<br />
gerava riqueza. As organizações <strong>de</strong> negócios <strong>de</strong>ssa era eram<br />
planejadas para atrair capital -– capital-financeiro -– a fim <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolver e gerenciar essas fontes <strong>de</strong> riquezas, e elas o faziam<br />
muito bem (STEWART, 1998, p. XIV).<br />
Esse discurso não estaria no <strong>de</strong>bate se o autor estivesse apenas<br />
enaltecendo o <strong>de</strong>senvolvimento das novas tecnologias <strong>de</strong> informação (TI) que,<br />
enquanto meios <strong>de</strong> produção, têm promovido o aumento da acumulação<br />
capitalista para as organizações que as implantaram, diferenciando-as das<br />
empresas tradicionais que não têm recursos suficientes para implementá-las
43<br />
em todo processo produtivo, surgindo, assim, empresas lí<strong>de</strong>res, que po<strong>de</strong>m<br />
colocar no mercado produtos com custos menos elevados atraindo os clientes.<br />
Mas parece que, na ―<strong>de</strong>smaterialização‖ da indústria, os trabalhadores<br />
sobreviverão da venda <strong>de</strong> ―pacotes <strong>de</strong> conhecimento‖ que irão movimentar as<br />
máquinas que tomarão conta <strong>de</strong> tudo: da agricultura, da produção <strong>de</strong> bens<br />
duráveis, da pesca, do comércio etc. O trabalhador será avaliado em função do<br />
conhecimento que agrega à sua força <strong>de</strong> trabalho.<br />
Para o autor, antes os homens usavam mais a força física e agora<br />
usam mais o intelecto. Os trabalhadores do conhecimento aos quais ele se<br />
refere são a expertises, que estão nas organizações, <strong>de</strong>têm um conhecimento<br />
como instrumento gerencial que aumentará o valor do empreendimento. Valor<br />
comprado pelos capitalistas, visando satisfazer os clientes, como integrantes<br />
do capital intelectual. Clientes satisfeitos implicam lucros, n<strong>uma</strong> ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
competição mundial.<br />
Stewart (1998) afirma que estamos na Era do Conhecimento, da<br />
Informação, daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finir o campo da produção e distribuição<br />
com redução <strong>de</strong> funcionários, folha <strong>de</strong> pagamento, equipamentos industriais,<br />
matéria-prima, aluguel e aumento <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> informação. Existem<br />
empresas especializadas em ven<strong>de</strong>r soltware para todo tipo <strong>de</strong> empresas.<br />
Assim, as empresas compram ―conhecimento‖ diretamente do trabalhador ou<br />
subcontratam outras empresas especializadas que contratam seus<br />
―colaboradores‖ <strong>de</strong> diferentes formas (tempo parcial, temporário, tempo<br />
<strong>de</strong>terminado ou empregado) e os exploram. Como diria o autor, exploram o<br />
ativo mais valioso existente na Era Industrial, porém com outras estratégias. E<br />
os empreen<strong>de</strong>dores que criam suas empresas em base tecnológica estão mais<br />
adaptados à socieda<strong>de</strong> do século XXI (LEITE, 2002).<br />
Dando prosseguimento a nossa análise, Drucker (1993), teórico<br />
capitalista, consultor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s organizações internacionais e iniciador da<br />
i<strong>de</strong>ias referentes à socieda<strong>de</strong> do conhecimento e do pós-capitalismo, preten<strong>de</strong><br />
situar essas transformações no mundo do trabalho como algo que se reveste<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> qualida<strong>de</strong> imprescindível para o <strong>de</strong>senvolvimento h<strong>uma</strong>no, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo
44<br />
que estamos em outra era – a do Pós-capitalismo, sendo o conhecimento o<br />
fator <strong>de</strong>cisivo nessa nova socieda<strong>de</strong>:<br />
A socieda<strong>de</strong> capitalista era dominada por duas classes sociais: os<br />
capitalistas, que possuíam e controlavam os meios <strong>de</strong> produção, e os<br />
trabalhadores – os ―proletários‖ <strong>de</strong> Karl Marx, alienados, explorados,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Os proletários formaram inicialmente a classe média<br />
―afluente‖, como resultado da ―Revolução da Produtivida<strong>de</strong>‖ –<br />
revolução que começou por ocasião da morte <strong>de</strong> Marx em 1883 e<br />
atingiu seu clímax em todos os países <strong>de</strong>senvolvidos, pouco <strong>de</strong>pois<br />
da Segunda Guerra Mundial. Por volta <strong>de</strong> 1950, o trabalhador<br />
industrial – não mais um ―proletário‖, mas ainda ―mão-<strong>de</strong>-obra‖ –<br />
parecia dominar a política e a socieda<strong>de</strong> em todos os países<br />
<strong>de</strong>senvolvidos. Mas então, com o início da ―Revolução Gerencial,‖ os<br />
operários da indústria manufatureira começaram a <strong>de</strong>clinar<br />
rapidamente em número [...] por volta do ano 2000, em nenhum país<br />
<strong>de</strong>senvolvido os trabalhadores tradicionais, que produzem e<br />
movimentam bens, irão representar mais do que um sexto ou um<br />
oitava da força <strong>de</strong> trabalho (DRUCKER, 1993, p. XIV).<br />
Os <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong>ssa análise anunciam a emergência da<br />
socieda<strong>de</strong> do conhecimento com o fim do capitalismo e <strong>de</strong> suas contradições 15 ,<br />
pois agora todos são donos dos meios <strong>de</strong> produção – o conhecimento. Na<br />
perspectiva <strong>de</strong> Drucker, não é o trabalho h<strong>uma</strong>no, transformado em mercadoria<br />
no capitalismo, o fator <strong>de</strong> produção, muito menos o capital e a terra, o que seria<br />
o <strong>de</strong>terminante na socieda<strong>de</strong> pós-capitalista é o conhecimento. Então se faz<br />
necessário conhecer essa socieda<strong>de</strong> na qual estaríamos vivenciando seu<br />
alvorecer:<br />
A nova socieda<strong>de</strong> – e ela já está aqui – é <strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> póscapitalista.<br />
Repito que esta nova socieda<strong>de</strong> irá usar o livre mercado<br />
como mecanismo comprovado <strong>de</strong> integração econômica. Ela não<br />
será <strong>uma</strong> ―socieda<strong>de</strong> anticapitalista‖, nem <strong>uma</strong> ―socieda<strong>de</strong> nãocapitalista‖;<br />
as instituições do capitalismo sobreviverão. [...] o recurso<br />
econômico básico – ―os meios <strong>de</strong> produção‖, para usar <strong>uma</strong><br />
expressão dos economistas – não é mais o capital, nem os recursos<br />
naturais (a ―terra‖ dos economistas), nem a ―mão <strong>de</strong> obra‖. Ele é o<br />
conhecimento. [...] Hoje o valor é criado pela ―produtivida<strong>de</strong>‖ e pela<br />
―inovação‖, que são aplicações do conhecimento ao trabalho. Os<br />
principais grupos sociais da socieda<strong>de</strong> do conhecimento serão os<br />
―trabalhadores do conhecimento‖ – executivos que sabem como<br />
alocar conhecimento para usos produtivos [...] profissionais do<br />
conhecimento e empregados do conhecimento [...] Contudo, ao<br />
contrário dos trabalhadores sob o capitalismo, elas possuirão tanto os<br />
―meios <strong>de</strong> produção‖ como as ferramentas <strong>de</strong> produção‖. [...] o<br />
<strong>de</strong>safio social da socieda<strong>de</strong> pós-capitalista será a dignida<strong>de</strong> da<br />
segunda classe: os trabalhadores em serviços. Como regra geral ,<br />
15 Duarte (2006, p.44), nos adverte que acreditar na idéia <strong>de</strong> que as tecnologias <strong>de</strong> informação<br />
efetivamente possibilitassem a socialização do saber seria, por conseqüência, acreditar que o capitalismo<br />
estaria socializando os meios <strong>de</strong> produção.
45<br />
estes trabalhadores carecem <strong>de</strong> educação necessárias para serem<br />
trabalhadores do conhecimento. E em todos países , mesmo nos<br />
mais adiantados, eles constituirão a maioria (i<strong>de</strong>m, 1993, p. XVI-X,<br />
grifo do autor).<br />
O autor, reconhecido mundialmente, é referência para a maioria dos<br />
teóricos da administração que ―bebem na sua fonte i<strong>de</strong>ológica‖, sendo suas<br />
idéias, parte do embasamento para o conceito <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong>. Observa-se<br />
que essa nova socieda<strong>de</strong> não trabalha com o conceito <strong>de</strong> venda da força <strong>de</strong><br />
trabalho e sim, venda <strong>de</strong> conhecimentos, <strong>uma</strong> vez que o trabalho estaria se<br />
tornando imaterial. Resta perguntar ao autor se antes o trabalhador, enquanto<br />
proprietário da força <strong>de</strong> trabalho, a vendia no mercado, e, ao ser comprada<br />
pelo capitalista, no ―pacote‖ só vinha a energia física e mental do trabalhador, o<br />
seu conhecimento não estava agregado. Parece que o conhecimento ficava em<br />
casa e vinha para a empresa somente a força física, incluindo a força física dos<br />
trabalhadores <strong>de</strong> escritório.<br />
Contudo, com todo o absurdo <strong>de</strong> sua análise, o autor não escon<strong>de</strong><br />
um fato que há mais <strong>de</strong> 300 anos acontecia na ‖socieda<strong>de</strong> capitalista‖: a falta<br />
<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> que ―atingia‖ a maioria da população sob sua regência, e, pelo<br />
visto, essa ausência <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> permanecerá na socieda<strong>de</strong> dita póscapitalista,<br />
que continuará <strong>de</strong>sigual, exclu<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>s<strong>uma</strong>na, <strong>de</strong>vido à maioria<br />
da população mundial ―carecer‖ <strong>de</strong> conhecimentos necessários para se integrar<br />
nessa ―nova sociabilida<strong>de</strong>‖. As duas classes presentes continuarão a se<br />
diferenciar pela proprieda<strong>de</strong> dos meios <strong>de</strong> produção. O que muda, na<br />
perspectiva <strong>de</strong> Drucker, é que o meio <strong>de</strong> produção agora é o ―conhecimento‖.<br />
Para ele, a ausência <strong>de</strong> empregos <strong>de</strong>corre dos capitalistas, enquanto gran<strong>de</strong>s<br />
empregadores tiveram <strong>de</strong> reduzir seus custos para não sucumbirem, em<br />
<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> constantes crises na economia, da concorrência mundial entre<br />
empresas e, sobretudo, das modificações nos mo<strong>de</strong>los produtivos, com a<br />
introdução <strong>de</strong> novas tecnologias, que acabou acarretando a diminuição da<br />
força <strong>de</strong> trabalho.<br />
Para Drucker, o trabalhado manual não po<strong>de</strong>rá competir com os<br />
trabalhadores do conhecimento, pois esses novos técnicos
46<br />
[...] necessitam não só <strong>de</strong> um alto nível <strong>de</strong> aptidão, mas também <strong>de</strong><br />
um alto grau <strong>de</strong> conhecimento formal e, acima <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> alta<br />
capacida<strong>de</strong> para apren<strong>de</strong>r e adquirir conhecimento adicional. Os<br />
técnicos não são os sucessores dos operários <strong>de</strong> ontem. Eles são<br />
basicamente os sucessores dos trabalhadores altamente qualificados,<br />
ou melhor, eles são trabalhadores altamente qualificados que<br />
também possuem gran<strong>de</strong> conhecimento e educação formais e a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r continuamente (DRUCKER, 1993, p.47).<br />
Leite, teórico do empreen<strong>de</strong>dorismo, afirma que a reestruturação<br />
capitalista e suas constantes crises não é um empecilho à recomposição da<br />
economia <strong>de</strong> mercado; ao contrário, promove a <strong>de</strong>struição criativa 16 , que se<br />
traduz em um novo impulso para o crescimento econômico:<br />
Um ambiente que favorece empreendimentos <strong>de</strong> sucesso tem como<br />
característica <strong>uma</strong> ―<strong>de</strong>struição criativa‖ permanente, nos termos do<br />
próprio Schumpeter. Novas empresas prosperam e ajudam a<br />
economia, em parte <strong>de</strong>struindo os mercados <strong>de</strong> concorrentes<br />
estabelecidos. Países que protegem os mercados e ganhos <strong>de</strong><br />
empresas já existentes impe<strong>de</strong>m a <strong>de</strong>struição criativa, tão essencial<br />
ao progresso. O mercado recompensa o mérito, a capacida<strong>de</strong>, a<br />
coragem <strong>de</strong> correr riscos, a sorte e o sucesso dos empreen<strong>de</strong>dores<br />
por meio <strong>de</strong> remunerações, lucros, ganhos <strong>de</strong> capital e divi<strong>de</strong>ndos.<br />
Os prêmios diferem porque o <strong>de</strong>sempenho difere. Ganhos <strong>de</strong>siguais<br />
são a prova <strong>de</strong> que o mercado está cumprindo a sua missão. [...] o<br />
ataque à ―cobiça‖, vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescer, prosperar dos<br />
empreen<strong>de</strong>dores é, na realida<strong>de</strong>, um ataque contra a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
empreen<strong>de</strong>r. Empenhar-se na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ste direito é <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a liberda<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na (LEITE, 2002, p.14).<br />
O autor, seguindo as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Schumpeter, economista austríaco<br />
que introduziu a figura do empreen<strong>de</strong>dor na literatura econômica, afirma que a<br />
<strong>de</strong>struição criativa é responsável pelo encerramento <strong>de</strong> fábricas, eliminação <strong>de</strong><br />
postos <strong>de</strong> trabalho, mas, na mesma hora, reformula o velho, criando novas<br />
estruturas econômicas, novos artigos, novos produtos, novos hábitos <strong>de</strong><br />
consumir, enfim, novas combinações que ultrapassam as antigas, e o<br />
empreen<strong>de</strong>dor é o responsável por essas mudanças.<br />
O progresso tecnológico aumenta a produtivida<strong>de</strong> e causa a<br />
<strong>de</strong>struição criativa, inclusive quando substitui a força <strong>de</strong> trabalho por novas<br />
16<br />
Leite se apoia no conceito <strong>de</strong> Schumpeter sobre <strong>de</strong>struição criativa, que consiste num ―processo<br />
orgânico, <strong>de</strong> permanente mutação industrial, que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a<br />
partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, constantemente <strong>de</strong>struindo a velha, constantemente criando <strong>uma</strong> nova. [...] É nisso que<br />
consiste o capitalismo e aí que têm <strong>de</strong> viver as empresas capitalistas (LEITE, 2002, p. 54, grifo do autor).
47<br />
máquinas, trazendo vantagens e <strong>de</strong>svantagens. E nesse processo as<br />
empresas inovadoras prosperam e ajudam à economia, outras são <strong>de</strong>struídas<br />
pela concorrência. O mercado recompensará a capacida<strong>de</strong> e coragem <strong>de</strong><br />
correr riscos. A riqueza é resultado da criação. O lucro ―é o combustível da<br />
ação empreen<strong>de</strong>dora, que impulsiona o empreen<strong>de</strong>dor a avançar‖ (LEITE,<br />
2002, p. 58).<br />
Segundo Lopez-Ruiz (2007), Schumpeter já havia anunciado que as<br />
causas do <strong>de</strong>senvolvimento econômico <strong>de</strong>veriam ser buscadas não nos fatores<br />
externos à economia, nem mesmo na história, mas no seu funcionamento<br />
interno, sendo o empreen<strong>de</strong>dor a mola propulsora <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>senvolvimento no<br />
capitalismo. Referindo-se à teoria <strong>de</strong> Schumpeter, afirma:<br />
...o empreen<strong>de</strong>dor, que vai encarnar essa força transformadora,<br />
responsável pela dinâmica do sistema. A partir <strong>de</strong>le se intentará<br />
achar <strong>uma</strong> explicação para as características altamente dinâmicas<br />
que vinha mostrando o capitalismo em finais do século XIX e começo<br />
do século XX. O empreen<strong>de</strong>dor terá a função primordial <strong>de</strong> inovar, <strong>de</strong><br />
alterar os estados <strong>de</strong> equilibro transitórios alcançados pela economia,<br />
encontrando novas formas <strong>de</strong> organizar os fatores <strong>de</strong> produção já<br />
existentes, ou realizando novas combinações <strong>de</strong>sses fatores que<br />
rendam novos produtos econômicos; ele terá o papel fundamental <strong>de</strong><br />
introduzir a inovação no processo econômico tomando possível,<br />
assim, seu <strong>de</strong>senvolvimento (LOPEZ-RUIZ, 2007, p.113).<br />
Ainda segundo o autor, para Schumpeter, a empresa é o locus<br />
gerador <strong>de</strong> novas combinações porque coloca no mercado novos bens, mas o<br />
empreen<strong>de</strong>dor é o agente responsável direto que põe em ação suas inovações<br />
no âmbito da empresa. Schumpeter faz diferença entre o capitalista, o gerente<br />
e o empreen<strong>de</strong>dor. O primeiro fornece o crédito e assume os riscos; o segundo<br />
é apenas um administrador, que ten<strong>de</strong> à rotina, dirigindo pessoas etc.; o<br />
terceiro, o empresário empreen<strong>de</strong>dor, é o lí<strong>de</strong>r, foge <strong>de</strong> rotinas e da<br />
estabilida<strong>de</strong>. Por isso, Schumpeter afirma que é raro alguém permanecer como<br />
empreen<strong>de</strong>dor por muito tempo, pois há <strong>uma</strong> tendência a manter o equilíbrio<br />
quando as coisas andam bem e a administrar o negócio sem muitas inovações.<br />
Daí seria impossível a criação <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ―profissão‖ <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dor. As<br />
capacida<strong>de</strong>s mais evi<strong>de</strong>ntes nos empreen<strong>de</strong>dores são: a vivacida<strong>de</strong>, o vigor, o<br />
prestígio, e o sucesso pessoal, certa mesquinhez e um oportunismo<br />
imediatista, características presentes em poucas pessoas.
48<br />
Em meados do século XX, surgem gran<strong>de</strong>s empresas e, segundo<br />
Lopez-Ruiz (2007), o papel do empreen<strong>de</strong>dor individual se dilui e surge a figura<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> personalida<strong>de</strong> corporativa. Aqui está a gênese da gran<strong>de</strong> empresa que<br />
reúne as atitu<strong>de</strong>s e aptidões empreen<strong>de</strong>doras, através <strong>de</strong> sua equipe e <strong>de</strong> seus<br />
métodos inovadores. O impulso individualista que movia os empreen<strong>de</strong>dores<br />
do passado é suplantado pelas equipes. Segundo Lopez-Ruiz (2007):<br />
Talvez, um dos fatores que impulsionaram essa mudança <strong>de</strong><br />
concepção – que passa <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar em primeiro lugar o interesse<br />
do indivíduo como supremo, à pretensão <strong>de</strong> que po<strong>de</strong> existir <strong>uma</strong><br />
harmonia total entre os interesses daquele e os da socieda<strong>de</strong> – seja a<br />
doutrina das relações h<strong>uma</strong>nas. Essa doutrina [...] era professada nas<br />
escolas e nos programas <strong>de</strong> treinamento que as gran<strong>de</strong>s empresas<br />
ofereciam aos jovens profissionais. Surgida na década <strong>de</strong> 1920,<br />
insistia na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coesão do grupo e na importância das<br />
capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento social na administração. Na<br />
realida<strong>de</strong>, ela era o resultado <strong>de</strong> <strong>uma</strong> série <strong>de</strong> estudos e experiências<br />
conduzidas, entre outros, por Elton Mayo [...] como resposta a <strong>uma</strong><br />
época na qual os que eram responsáveis pela administração das<br />
gran<strong>de</strong>s organizações mantinham-se aferrados às doutrinas<br />
mecanicistas dos especialistas em eficiência. Desta forma, se Mayo<br />
enfatizou tanto a importância do grupo e <strong>de</strong> <strong>uma</strong> administração que<br />
se preocupasse com as relações h<strong>uma</strong>nas <strong>de</strong>ntro da organização, ele<br />
o fez num momento em que isso era realmente necessário, já que<br />
essas questões tinham sido <strong>de</strong>scuidadas ao extremo (i<strong>de</strong>m, p.140).<br />
O indivíduo é <strong>de</strong>stronado e as equipes assumem um papel inovador<br />
nas organizações, mas cada indivíduo no grupo, com seu know-how passa a<br />
ser relevante para o sucesso organizacional. Então, não se trata apenas das<br />
características comportamentais <strong>de</strong> um indivíduo, mas <strong>de</strong> Know-how<br />
tecnológico, domínio <strong>de</strong> ferramentas gerenciais e <strong>de</strong> conhecimentos<br />
intelectuais mais complexos.<br />
As i<strong>de</strong>ias dos teóricos da empregabilida<strong>de</strong> e do conhecimento<br />
convergem para a <strong>de</strong>fesa do conhecimento como recurso imprescindível para<br />
transpor as adversida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um mundo sem empregos ou com poucos,<br />
Associado a esse conhecimento, um indivíduo com as características<br />
empreen<strong>de</strong>doras, capaz <strong>de</strong> criar condições <strong>de</strong> gerar trabalho para seu<br />
conhecimento. Num mundo turbulento, competitivo e globalizado, diz Leite<br />
(2004), sobrevivem as melhores organizações que têm o empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
como foco e o conhecimento como ativo mais importante. Esse conhecimento
49<br />
constitui ―o capital intelectual – conhecimento, informação, proprieda<strong>de</strong><br />
intelectual, experiência – que possa ser utilizado para gerir empresas‖ (LEITE,<br />
2004, p. 32).<br />
Os proprietários empreen<strong>de</strong>dores necessitam, para sobreviver,<br />
inovar processos produtivos, satisfazer a clientela nacional e internacional. Em<br />
função da alta competitivida<strong>de</strong>, os trabalhadores ―mais inteligentes e<br />
competentes‖ <strong>de</strong>verão agregar valor aos negócios <strong>de</strong>sses proprietários,<br />
contribuindo para o ―<strong>de</strong>senvolvimento das nações‖ e é claro, favorecer o<br />
aumento <strong>de</strong> seus lucros. Partindo <strong>de</strong>sse pressuposto e sensíveis aos<br />
problemas sociais, os expertises propagadores das benesses do capitalismo e<br />
do po<strong>de</strong>r invencível dos indivíduos e dos po<strong>de</strong>res invisíveis do mercado<br />
buscam estratégias para ―ajudar‖ no processo <strong>de</strong> inclusão pelo trabalho dos<br />
―marginalizados‖.<br />
Que fazer? Trabalho existe e muito, dizem eles. Emprego, coisa do<br />
passado. Os indivíduos po<strong>de</strong>m se associar em pequenas unida<strong>de</strong>s produtivas,<br />
po<strong>de</strong>m formar cooperativas, formar re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia solidária, formar<br />
pequenos negócios e com isso gerar novas rendas e novos empregos, tão em<br />
falta. Para isso, importa mudar paradigmas. Cada um <strong>de</strong>ve ser proativo,<br />
<strong>de</strong>senvolver pela educação suas potencialida<strong>de</strong>s que estão em latência,<br />
necessitando <strong>de</strong>sabrochar, imitando os empreen<strong>de</strong>dores que são<br />
<strong>de</strong>terminados, incansáveis, insuperáveis. Apesar dos infortúnios que se<br />
interpõem na vida <strong>de</strong> muitos, a palavra chave é superação. Se cada um fizer<br />
sua parte, todos lucram, todos crescem segundo suas próprias capacida<strong>de</strong>s,<br />
que, se estimuladas/<strong>de</strong>senvolvidas, po<strong>de</strong>m sobrepujar as dificulda<strong>de</strong>s inerentes<br />
à vida. É a socieda<strong>de</strong> meritocrática levada ao extremo que tenta mascarar a<br />
intensificação do trabalho que está embutido nas novas tecnologias associadas<br />
ao lucro.<br />
Rosso (2008) aborda a noção <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> no trabalho. Para ele,<br />
todos os tipos <strong>de</strong> trabalho incorporam <strong>uma</strong> intensida<strong>de</strong> com maior gasto <strong>de</strong><br />
energia do indivíduo e do coletivo dos trabalhadores, pois envolvem a energia<br />
física, os aspectos cognitivos e afetivos. Refere-se, portanto, às capacida<strong>de</strong>s
50<br />
do trabalhador que aumentam quantitativamente e qualitativamente os<br />
resultados do trabalho<br />
... A intensida<strong>de</strong> é, portanto, mais que esforço físico, pois envolve<br />
todas as capacida<strong>de</strong>s do trabalhador, sejam as <strong>de</strong> seu corpo, a<br />
acuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua mente, a afetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>spendida ou os saberes<br />
adquiridos através do tempo ou transmitidos pelo processo <strong>de</strong><br />
socialização (ROSSO, 2008, p.21).<br />
A intensificação do trabalho se verifica nas mais diferenciadas áreas<br />
da ativida<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na: nas das finanças, das telecomunicações, nos ramos da<br />
saú<strong>de</strong>, da educação, da cultura, <strong>de</strong>ntre outras em que os serviços são<br />
consi<strong>de</strong>rados imateriais. A imaterialida<strong>de</strong> do trabalho engloba principalmente o<br />
setor terciário, que tem crescido:<br />
A emergência <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s em que a maioria dos empregos se<br />
localiza no setor <strong>de</strong> serviços levanta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> surgimento <strong>de</strong><br />
outros paradigmas <strong>de</strong> intensificação não necessariamente<br />
proce<strong>de</strong>ntes do paradigma industrial. [...] Nos paradigmas industriais,<br />
através da história, prevalece sistematicamente o trabalho em sua<br />
dimensão física, que consome energias do corpo do trabalhador, que<br />
produz cansaço físico, que leva a aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho e que<br />
acarreta em doenças do trabalho. A transição do paradigma da<br />
materialida<strong>de</strong> para a imaterialida<strong>de</strong> é acompanhada por<br />
conseqüências <strong>de</strong> amplas implicações. O trabalho apoiado por<br />
computadores fixos e portáteis, por sistemas <strong>de</strong> comunicação por<br />
meio <strong>de</strong> telefones celulares e mil aparelhos que suce<strong>de</strong>m<br />
freneticamente uns aos outros no mercado ten<strong>de</strong> as romper com o<br />
padrão dos tempos <strong>de</strong> trabalho separado nitidamente dos tempos <strong>de</strong><br />
não-trabalho. As fronteiras passam a ficar difusas e o tempo <strong>de</strong><br />
trabalho inva<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> não-trabalho, afetando a vida individual<br />
e coletiva (ROSSO, 2008, p. 35).<br />
Com isso po<strong>de</strong>mos inferir que o fato <strong>de</strong> o setor <strong>de</strong> serviços estar em<br />
expansão não implica dizer que acabou a exploração do trabalho no sistema<br />
capitalista e que estaríamos n<strong>uma</strong> nova or<strong>de</strong>m econômica pós-capitalista. A<br />
intensificação do trabalho mais do que nunca integra os diferentes setores da<br />
economia (primário, secundário e terciário) como a afirma Rosso:<br />
A inteligência e o afeto representam novas frentes <strong>de</strong> intensificação<br />
do trabalho, no sentido <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> fronteiras das capacida<strong>de</strong>s<br />
h<strong>uma</strong>nas entendidas até bem recentemente como infensas ao<br />
controle e à exploração pelo capital. O processo é antes cumulativo<br />
que substitutivo. Cumulativo à medida que os trabalhadores precisam<br />
acrescentar o gasto <strong>de</strong> energias intelectuais e psíquicas ao gasto <strong>de</strong><br />
energias físicas. O efeito do acúmulo indica que o trabalho é, por um<br />
lado, explorado mais intensamente e, por outro, que os <strong>de</strong>sgastes<br />
dos trabalhadores se ampliam para fronteiras do mundo da ativida<strong>de</strong><br />
que antes não eram mobilizadas. Dessa forma, a concepção <strong>de</strong><br />
trabalho intelectual e <strong>de</strong> trabalho emocional presente neste livro difere
51<br />
profundamente da concepção <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inteligência<br />
<strong>de</strong>senvolvida pela sociologia e economia norte-americana nos anos<br />
1950 e 1970 e <strong>de</strong> outras visões utópicas <strong>de</strong> trabalho emancipado sob<br />
o capitalismo (I<strong>de</strong>m, p.41- 42)<br />
Parece que, no âmbito do mercado, a tendência que toma vulto é a<br />
existência <strong>de</strong> transações reguladas pelo conhecimento h<strong>uma</strong>no materializado<br />
em sofisticadas tecnologias que darão movimento à produção capitalista, com<br />
o mínimo <strong>de</strong> trabalhadores. ―O po<strong>de</strong>r da força muscular, o po<strong>de</strong>r da máquina e<br />
até o po<strong>de</strong>r da eletricida<strong>de</strong> estão sendo constantemente substituídos pelo<br />
po<strong>de</strong>r do cérebro (...) a inteligência tomou o lugar da matéria e da energia‖ 17<br />
(STEWART, 1998, p. XVII), fato esse <strong>de</strong>smascarado por Rosso.<br />
<strong>de</strong>bate:<br />
Netto e Braz (2006) vêm contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse<br />
Em primeiro lugar, há que se consi<strong>de</strong>rar o próprio enriquecimento do<br />
ser social. Quanto mais as suas objetivações se diversificam e se<br />
tornam mais <strong>de</strong>nsas, a sua incorporação pelos homens singulares<br />
requer mais empenho, mais esforço e mais tempo. Ou seja: quanto<br />
mais rica em suas objetivações é <strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong>, maiores são as<br />
exigências para a socialização dos seus membros. Em segundo<br />
lugar, dado que o <strong>de</strong>senvolvimento histórico se efetivou até hoje<br />
especialmente em socieda<strong>de</strong>s marcadas pela alienação (isto é, em<br />
socieda<strong>de</strong>s fundadas na divisão social do trabalho e na proprieda<strong>de</strong><br />
privada dos meios <strong>de</strong> produção fundamentais, com a exploração do<br />
homem pelo homem), a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporar as objetivações<br />
do ser social sempre foi posta <strong>de</strong>sigualmente para os homens<br />
singulares. Ou seja: até hoje, o <strong>de</strong>senvolvimento do ser social jamais<br />
se expressou como o igual <strong>de</strong>senvolvimento da h<strong>uma</strong>nização <strong>de</strong><br />
todos os homens; ao contrario: até nossos dias, o preço do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do ser social tem sido <strong>uma</strong> h<strong>uma</strong>nização<br />
extremante <strong>de</strong>sigual (NETTO; BRAZ, 2006, p. 46, grifo dos autores).<br />
Pelos teóricos do capital, a automação, a robótica e a<br />
microeletrônica substituirão progressivamente os trabalhadores.<br />
Desnecessários, <strong>de</strong>scartados, o que resta fazer? Os que permanecem na<br />
produção (chão da fábrica) <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já absorver os conhecimentos<br />
imprescindíveis para terem as mesmas oportunida<strong>de</strong>s educativas daqueles<br />
trabalhadores mais abastados economicamente e que dominam o capital<br />
intelectual, condição necessária para competir. Porém o que se observa é<br />
justamente o contrário. É disso que nos advertem Antunes (2002) e Frigotto<br />
17 Duarte (2006) salienta que o saber objetivo é ―perpassado, na socieda<strong>de</strong> capitalista, pela contradição<br />
entre a socialização do trabalho e a apropriação privada dos meios <strong>de</strong> produção, contradição essa que só<br />
po<strong>de</strong> ser superada com a superação do capitalismo (p. 44).
52<br />
(1995), quando analisam que a qualificação dos trabalhadores se restringe a<br />
saber manejar teclas <strong>de</strong> computadores que acionam máquinas, não<br />
necessitando <strong>de</strong> conhecimentos mais complexos, como asseveram os teóricos<br />
da socieda<strong>de</strong> do conhecimento. Esses trabalhadores continuam sem receber o<br />
conhecimento mais elaborado para gerar ―capital intelectual‖, permanecendo<br />
num processo <strong>de</strong> mais profundo estranhamento. 18<br />
Os teóricos do capital tentam-nos convencer <strong>de</strong> que,<br />
gradativamente, as máquinas farão tudo e os ―homens‖ intelectualmente as<br />
controlarão, alcançando, enfim, o tempo livre necessário ao pleno<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da pessoa h<strong>uma</strong>na, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> classe. Mesmo que este<br />
seja o prognóstico em longo prazo, indagamos: quem irá criar as novas<br />
máquinas? Dito <strong>de</strong> outra forma, quem hoje cria as novas tecnologias? Quem<br />
domina o capital intelectual? A partir da realida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos prever que os<br />
trabalhadores dominarão apenas os conhecimentos que os permitirão lidar com<br />
as máquinas, introduzindo os insumos, substituindo peças, acionando várias<br />
máquinas ao mesmo tempo, realizando vários trabalhos (produção,<br />
manutenção, engenharia e utilida<strong>de</strong>s).<br />
A utilização das Tecnologias <strong>de</strong> Informação (TI) representa<br />
vantagem competitiva. As TI consistem em:<br />
Na fábrica, a TI engloba os instrumentos <strong>de</strong> manufatura (ex.: robôs,<br />
sensores e dispositivos automáticos <strong>de</strong> teste), movimentação <strong>de</strong><br />
materiais (sistemas <strong>de</strong> armazenamento e busca automática),<br />
<strong>de</strong>senho (<strong>de</strong>senho, engenharia e planejamento <strong>de</strong> processos<br />
assistidos por computador), planejamento e controle (planejamento<br />
das necessida<strong>de</strong>s e recursos <strong>de</strong> manufatura) e gestão (sistemas <strong>de</strong><br />
suporte e <strong>de</strong>cisão). As implementações <strong>de</strong> TI vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as ilhas <strong>de</strong><br />
automação ou outras tecnologias isoladas, até sistemas integrados<br />
<strong>de</strong> manufatura, que interligam as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho, manufatura,<br />
movimentação <strong>de</strong> materiais e planejamento e controle. A TI <strong>de</strong><br />
escritório inclui o processamento <strong>de</strong> textos, arquivamento automático,<br />
sistemas <strong>de</strong> processamento <strong>de</strong> transações, conferência eletrônica,<br />
correio e quadro eletrônicos, ví<strong>de</strong>o-teleconferência, programas <strong>de</strong><br />
pesquisa em banco <strong>de</strong> dados, planilhas eletrônicas, sistemas <strong>de</strong><br />
suporte a <strong>de</strong>cisões e sistemas especialistas (WALLON, 1993, p. 23).<br />
18 Marx (2006) caracteriza três formas <strong>de</strong> estranhamento: sua relação com os produtos do seu trabalho<br />
(resultado do trabalho); no ato da produção (na ativida<strong>de</strong> produtiva) e <strong>de</strong> si - mesmo (do ser genérico do<br />
homem).
53<br />
Para ele, a implementação <strong>de</strong>ssas tecnologias implica que os<br />
planejadores consigam prever e buscar o comprometimento, a competência<br />
dos profissionais envolvidos na utilização <strong>de</strong> tais recursos. Isto porque os<br />
talentos h<strong>uma</strong>nos são fonte <strong>de</strong> vantagem competitiva para as empresas, tendo<br />
como ingrediente a inovação, iniciativa, participação, trabalho em equipe,<br />
flexibilização e aprendizagem contínua, num clima <strong>de</strong> comprometimento<br />
espontâneo para obtenção da eficácia organizacional. O autor apresenta o que<br />
as empresas esperam dos empregados:<br />
Aprendizado ocorre todos os dias em todos os trabalhos. A linha<br />
divisória entre o <strong>de</strong>sempenho no trabalho e o aprendizado<br />
<strong>de</strong>saparece. Os empregados, além <strong>de</strong> comandarem as habilida<strong>de</strong>s<br />
específicas <strong>de</strong> suas tarefas imediatas, são solicitados a apren<strong>de</strong>r as<br />
habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outras tarefas em sua unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho. São<br />
também solicitados a enten<strong>de</strong>r o relacionamento entre seu setor <strong>de</strong><br />
trabalho e a organização como um todo, e <strong>de</strong> estarem familiarizados<br />
com as operações e as metas do negócio. A interação livre e informal<br />
entre os empregados, equipes, treinadores e gerentes é encorajada e<br />
institucionalizada. Os empregados são solicitados a transmitir seu<br />
conhecimento sobre a função e apren<strong>de</strong>r com os colegas (I<strong>de</strong>m, p.<br />
90- 91).<br />
Com essa afirmação, o autor reforça que não é apenas a inclusão <strong>de</strong><br />
tecnologias que faz a diferença, mas profissionais automotivados e<br />
competentes. A junção <strong>de</strong>sses fatores promove a eficácia e produtivida<strong>de</strong>. A<br />
palavra ―solicitado‖ é <strong>uma</strong> forma suavizada <strong>de</strong> dizer: ―façam o que mandamos<br />
com carinho, caso queiram continuar na empresa‖ e para isso têm que produzir<br />
em quantida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong>, gostar do que fazem, <strong>de</strong>monstrar <strong>de</strong>dicação,<br />
envolvimento com a tarefa e com o negócio do proprietário como se fosse o<br />
seu próprio.<br />
Está se exigindo o ―melhor‖ do trabalhador: sua força criativa,<br />
inovadora, seus conhecimentos atualizados, sua <strong>de</strong>dicação ao trabalho, sua<br />
participação ilimitada, flexibilida<strong>de</strong>, sua boa-vonta<strong>de</strong>, seu envolvimento, sua<br />
disciplina e aprendizagem contínua. Quem po<strong>de</strong>rá dizer que essas qualida<strong>de</strong>s<br />
e competências h<strong>uma</strong>nas não são necessárias para qualquer indivíduo? Mas<br />
para servir a quem? Quem nos respon<strong>de</strong> essa pergunta é Netto e Braz:<br />
Todas as transformações implementadas pelo capital têm como<br />
objetivo reverter à queda da taxa <strong>de</strong> lucro e criar condições<br />
renovadas para a exploração da força <strong>de</strong> trabalho [...] da redução<br />
salarial [...] à precarização do emprego. Aqui, aliás, resi<strong>de</strong> um dos
54<br />
aspectos mais expressivos da ofensiva do capital contra o trabalho: a<br />
retórica do ―pleno emprego‖ "dos anos dourados‖ foi substituída, no<br />
discurso dos <strong>de</strong>fensores do capital, pela <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> formas precárias<br />
<strong>de</strong> emprego (sem quaisquer garantias sociais) e do emprego em<br />
tempo parcial (também freqüentemente sem garantias), que obriga o<br />
trabalhador a buscar o seu sustento, simultaneamente, em várias<br />
ocupações. [...] seus porta-vozes vêm afirmando que a ―flexiblização‖<br />
ou a ―<strong>de</strong>sregulamentação‘ das relações <strong>de</strong> trabalho (isto é, a redução<br />
ou mesmo a supressão <strong>de</strong> garantias <strong>de</strong> trabalho) ampliaria as<br />
oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> emprego. [...] argumentação largamente<br />
<strong>de</strong>smentida pelos fatos: também todos os países on<strong>de</strong> o trabalho<br />
foi flexibilizado isso ocorreu juntamente com o crescimento do<br />
<strong>de</strong>semprego (NETTO; BRAZ, 2006, p. 218 - 219, grifos dos autores).<br />
Então fica evi<strong>de</strong>nte que a reestruturação produtiva não é para servir<br />
aos trabalhadores e sim ao capital. Stewart (1998) enquanto intelectual<br />
orgânico da classe capitalista, vem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a maravilha do capitalismo<br />
monopolista, que, inclusive, coloca em cheque outros pequenos capitalistas e<br />
exalta o empreen<strong>de</strong>dorismo dos mais fortes. No seu discurso i<strong>de</strong>ológico, afirma<br />
o quanto esse sistema tem promovido a riqueza para todos (os clientes e a<br />
socieda<strong>de</strong>), mesmo que seja necessário o <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong><br />
trabalhadores qualificados ou não qualificados. Esse fato é <strong>de</strong>smentido por<br />
Netto e Braz:<br />
... o mais significativo é o fato <strong>de</strong> o capitalismo contemporâneo ter<br />
transformado o <strong>de</strong>semprego maciço em fenômeno permanente – se,<br />
nos seus estágios anteriores, o <strong>de</strong>semprego oscilava entre ―taxas<br />
aceitáveis‖ e taxas muito altas, agora todas as indicações asseguram<br />
que a crescente enormida<strong>de</strong> do exercito industrial <strong>de</strong> reserva torna-se<br />
irreversível. Nem mesmo os i<strong>de</strong>ólogos da burguesia escamoteiam<br />
esse fenômeno – tratam <strong>de</strong> naturalizá-lo, como se não houvesse<br />
outra alternativa que a <strong>de</strong> conviver com ele ((2006, p. 220, Grifos dos<br />
autores).<br />
Naturalizam a exploração, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e a exclusão como algo<br />
inevitável. Naturalizam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conter custos com contratação <strong>de</strong><br />
mão <strong>de</strong> obra, objetivando retomar o ciclo <strong>de</strong> acumulação que antece<strong>de</strong>u a crise<br />
estrutural do capital. Finalmente, no campo i<strong>de</strong>ológico, escamoteiam a<br />
intensificação da crise capitalista, apresentando <strong>uma</strong> nova socieda<strong>de</strong> na qual o<br />
<strong>de</strong>semprego estrutural é justificado pela ausência das diferentes competências.<br />
Neste contexto, os meios <strong>de</strong> produção mais relevantes passam a ser os<br />
imateriais, intangíveis exigindo novas relações <strong>de</strong> trabalho, afetando carreiras<br />
e, com isso, justificando o <strong>de</strong>semprego e anunciando o fim das antigas
55<br />
relações <strong>de</strong> trabalho ―fundamentadas no trabalho físico e recursos naturais‖<br />
(STEWART, 1998, p. 6).<br />
Num mundo competitivo e globalizado, dizem os consultores do<br />
capital, urge que as inovações integrem a produção, pois o proprietário do<br />
capital não terá mais interesse em investir, caso não tenha o retorno financeiro<br />
que compense seus custos iniciais. O <strong>de</strong>semprego é visto como <strong>uma</strong><br />
consequência <strong>de</strong>sse processo, mas, ao mesmo tempo, é diante das<br />
adversida<strong>de</strong>s que o indivíduo se supera, cresce. Para isso, necessita mudar<br />
suas i<strong>de</strong>ias e valores arraigados que se manifestam na cultura do emprego.<br />
Uma nova cultura <strong>de</strong>ve ser introjetada – a cultura empreen<strong>de</strong>dora.<br />
Então, n<strong>uma</strong> sociabilida<strong>de</strong> em que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, exclusão e a<br />
miséria reinam, o discurso do empreen<strong>de</strong>dorismo é disseminado n<strong>uma</strong><br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s, pois as condições sociais são <strong>de</strong>siguais para a<br />
maioria da população mundial que está sendo chamada a ser empreen<strong>de</strong>dora.<br />
Essa cultura empreen<strong>de</strong>dora permite pensar novas estratégias <strong>de</strong><br />
sobrevivência frente ao mundo <strong>de</strong> turbulências e incertezas. As certezas se<br />
esvaíram, a segurança também; no entanto, ―nem tudo está perdido‖, pois da<br />
crise emerge um novo homem/mulher que tem em si mesma a solução dos<br />
seus problemas. Não é o patrão, não é a empresa. É cada indivíduo e sua re<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> relacionamentos – networking. Como as organizações não po<strong>de</strong>m mais<br />
absorver tanta força <strong>de</strong> trabalho, faz-se necessário investir na formação<br />
escolar/universitária 19 que permita ao trabalhador entrar na fila para conseguir<br />
os escassos empregos, ou melhor, ser seu próprio empregador e, <strong>de</strong> sobra,<br />
ainda gerar empregos e aqui vale a criativida<strong>de</strong> e a paixão, conhecimentos<br />
sobre gestão, marketing, <strong>de</strong>ntre outros que permitirão suprir suas necessida<strong>de</strong>s<br />
materiais e simbólicas.<br />
O que esperar dos indivíduos nessa nova paisagem econômica?<br />
Espera-se mudança <strong>de</strong> hábitos, atitu<strong>de</strong>s, valores para executar os<br />
trabalhos <strong>de</strong> acordo com as exigências postas pela realida<strong>de</strong>, ou seja, a<br />
19 Destacamos o fato <strong>de</strong> que, mesmo sob o discurso da socieda<strong>de</strong> do conhecimento, paradoxalmente,<br />
nunca a formação escolar e universitária esteve tão esvaziada <strong>de</strong> conhecimentos científicos e permeada<br />
pela retórica das habilida<strong>de</strong>s e competências.
56<br />
transformação dos empregados em pessoas <strong>de</strong> negócios, em fornecedores <strong>de</strong><br />
si próprios. Esse indivíduo, em sintonia com os quatro pilares da educação,<br />
precisa estar sempre apren<strong>de</strong>ndo; é o apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r que ganha<br />
dimensões no apren<strong>de</strong>r a conhecer, apren<strong>de</strong>r a fazer, apren<strong>de</strong>r a ser, apren<strong>de</strong>r<br />
a conviver com outros indivíduos com seus dotes e características que esse<br />
novo homem exige. E para se somar a esses pilares, o Diretor Nacional da<br />
UNESCO, Fe<strong>de</strong>rico Mayor, propõe no documento ―A UNESCO e a Educação<br />
na América Latina‖, um quinto pilar: o apren<strong>de</strong>r a empreen<strong>de</strong>r:<br />
A estes 4 (quatro) pilares gostaria <strong>de</strong> acrescentar um quinto pilar:<br />
―apren<strong>de</strong>r a empreen<strong>de</strong>r‖. Porque o mundo do futuro exigirá cada vez<br />
mais dos graduados universitários a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar empregos e<br />
riqueza, retribuindo, assim, à socieda<strong>de</strong> que lhes proporcionou<br />
educação e lhes permitiu acesso aos postos que ocupam. Porque,<br />
como gostaria <strong>de</strong> repetir, o risco sem conhecimento é perigoso, mas<br />
o conhecimento sem risco é inútil (MAYOR, 1998, p. 7).<br />
Destacamos que a referida publicação se dirige aos graduados<br />
universitários que estariam em dívida com a socieda<strong>de</strong> que lhes proporcionou<br />
educação e agora teriam que ter o compromisso <strong>de</strong> criar empresas para gerar<br />
empregos e <strong>de</strong>senvolvimento. O enfoque na educação empreen<strong>de</strong>dora está<br />
centrado naqueles que possuem conhecimentos e as condições necessárias<br />
para correr riscos. No entanto, com a crise estrutural do capital, essa proposta<br />
está sendo dirigida a todos, inclusive, àqueles que estão abaixo do nível da<br />
pobreza.<br />
Dolabela (2006) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver a cultura<br />
empreen<strong>de</strong>dora no âmbito educacional:<br />
Como o fenômeno empreen<strong>de</strong>dor nasceu na empresa, a literatura<br />
geralmente <strong>de</strong>fine o empreen<strong>de</strong>dor em tal contexto. Entretanto, para<br />
aten<strong>de</strong>r aos meus propósitos educacionais, <strong>de</strong>senvolvi um conceito<br />
que permitisse <strong>de</strong>screver o transbordamento do tema da empresa<br />
para todas as ativida<strong>de</strong>s h<strong>uma</strong>nas. Mesmo porque na educação não<br />
se po<strong>de</strong> ser dirigista, induzindo alunos a abrir empresas. Essa será<br />
<strong>uma</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> cada estudante. O conceito que proponho é: ―O<br />
empreen<strong>de</strong>dor é alguém que busca transformar seu sonho em<br />
realida<strong>de</strong>‖ (2006, p. 25, aspas do autor).<br />
Ainda discorrendo sobre a importância do empreen<strong>de</strong>dorismo para a<br />
socieda<strong>de</strong>, tece as seguintes afirmações:
57<br />
O empreen<strong>de</strong>dor é o responsável pelo crescimento econômico e pelo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento social. Por meio da inovação, dinamiza a economia;<br />
o conceito <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo trata não só <strong>de</strong> indivíduos, mas <strong>de</strong><br />
comunida<strong>de</strong>s, cida<strong>de</strong>s, regiões, países. Implica a idéia <strong>de</strong><br />
sustentabilida<strong>de</strong>; O empreen<strong>de</strong>dorismo é a melhor arma contra o<br />
<strong>de</strong>semprego; Segundo Timmons (1994) ―o empreen<strong>de</strong>dorismo é <strong>uma</strong><br />
revolução silenciosa, que será para o século 21 mais do que a<br />
revolução industrial foi para o século 20. E para o indivíduo? Geração<br />
<strong>de</strong> autonomia, auto-realização, busca <strong>de</strong> sonho, indispensável para<br />
qualquer tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> profissional [...]. E como fica a ética no<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo? [...] Assim não seriam empreen<strong>de</strong>dores aqueles<br />
que subtraem valor, como os que fabricam produtos que poluem, que<br />
causam doenças ou feitos para exterminar vidas, como os<br />
armamentos etc. (DOLABELA, 2006, p. 26).<br />
O conceito <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo passa também por re<strong>de</strong>finições no<br />
meio empresarial para se a<strong>de</strong>quar aos novos tempos. Agora ―per<strong>de</strong>‖ o título <strong>de</strong><br />
empreen<strong>de</strong>dor, o empresário, mesmo que tenha sucesso, mas que não esteja<br />
preocupado com o bem-estar da coletivida<strong>de</strong>, estando unicamente centrado no<br />
seu próprio enriquecimento pessoal. Essa ressignificação do conceito acaba<br />
sendo <strong>uma</strong> panacéia, no sentido <strong>de</strong> ―jogar com as palavras‖ num contexto em<br />
que tudo está sendo <strong>de</strong>sconstruído.<br />
Dito isso, apesar <strong>de</strong> o autor não consi<strong>de</strong>rar empreen<strong>de</strong>dor aquele<br />
que não tem ética nos seus negócios (por não gerar valores positivos para a<br />
socieda<strong>de</strong>, com responsabilida<strong>de</strong> social e ambiental), o empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
como conceito e prática historicamente conhecida não associa ética versus<br />
negócios, senão o planeta não estaria assolado <strong>de</strong> problemas socioambientais,<br />
sendo as legislações e os acordos entre os países pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável <strong>de</strong>srespeitados constantemente <strong>de</strong>vido aos interesses econômicos.<br />
É salutar que, nesse contexto, o empreen<strong>de</strong>dorismo ass<strong>uma</strong>, na<br />
retórica atualmente difundida, o discurso da responsabilida<strong>de</strong> social e<br />
ambiental, inclusive para agradar a opinião pública, prováveis consumidores<br />
dos produtos e serviços das empresas. Dolabela procura inovar nesse<br />
conceito, fazendo coro aos conceitos recém reciclados e imprecisos, buscando<br />
adaptar aos ―novos tempos.‖ Então, para ele, empreen<strong>de</strong>dor:<br />
É um termo que implica <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> ser, <strong>uma</strong> concepção <strong>de</strong><br />
mundo, <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> se relacionar. O empreen<strong>de</strong>dor é um<br />
insatisfeito que transforma seu inconformismo em <strong>de</strong>scobertas e<br />
propostas positivas para si mesmo e para os outros. É alguém que<br />
prefere seguir caminhos não percorridos, que <strong>de</strong>fine a partir do
58<br />
in<strong>de</strong>finido, acredita que seus atos po<strong>de</strong>m gerar conseqüências. Em<br />
s<strong>uma</strong>, alguém que acredita que po<strong>de</strong> alterar o mundo (DOLABELA,<br />
2006, p.26).<br />
Dolabela, ora coloca que o empreen<strong>de</strong>dor é aquele que usa sua<br />
i<strong>de</strong>ia para seu <strong>de</strong>senvolvimento pessoal (mas focalizando também o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento social com responsabilida<strong>de</strong>); ora se pren<strong>de</strong> ao conceito<br />
largamente difundido que, em momento algum, necessariamente, (salvo o<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo social), relaciona empreen<strong>de</strong>dorismo e ética; ora acentua a<br />
i<strong>de</strong>ia e finalmente, o ser do empreen<strong>de</strong>dor. Todavia, lendo sua obra, as i<strong>de</strong>ias<br />
ganham forma que são sintetizadas na seguinte <strong>de</strong>finição:<br />
A gran<strong>de</strong> maioria dos testes que avaliam o potencial empreen<strong>de</strong>dor<br />
comete um pecado capital, que põe em risco a sua valida<strong>de</strong>: tentam<br />
analisar o potencial do indivíduo <strong>de</strong>svinculado da idéia. Ora, o que<br />
<strong>de</strong>fine o empreen<strong>de</strong>dor é o sonho (a idéia), a vonta<strong>de</strong> e a capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> agir para transformá-lo em um negócio <strong>de</strong> sucesso. Se a pessoa<br />
não tem idéia, falta-lhe a condição essencial para empreen<strong>de</strong>r,<br />
mesmo que tenha alto potencial para tanto. [...] Ou seja, <strong>uma</strong> pessoa<br />
<strong>de</strong>ve lidar com idéias que se adaptem à sua personalida<strong>de</strong>, seu modo<br />
<strong>de</strong> ser e ver o mundo, sua habilida<strong>de</strong>s, preferências, competências<br />
etc. [...] um dos atributos do empreen<strong>de</strong>dor é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificar oportunida<strong>de</strong>s [...] mas não é só isto: também precisa saber<br />
agarrá-las, buscar e gerenciar recursos para que se transforme em<br />
negócio <strong>de</strong> sucesso. Ou seja, não basta ter <strong>uma</strong> boa idéia (algo que a<br />
maioria das pessoas é capaz <strong>de</strong> fazer), mas é preciso saber<br />
i<strong>de</strong>ntificar se ela tem potencial <strong>de</strong> sucesso, isto é, <strong>de</strong>senvolver um<br />
bom estudo <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong> mercadológica, tecnológica, financeira etc.,<br />
o que é feito por meio da ferramenta Plano <strong>de</strong> Negócios. [...] mas<br />
atenção: na análise da relação entre você e sua idéia, além <strong>de</strong> medir<br />
o grau <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong>la à sua personalida<strong>de</strong> (gosto da idéia/ ela<br />
me realiza/ aten<strong>de</strong> ao meu estilo <strong>de</strong> vida?), é preciso avaliar os dois<br />
elementos fundamentais: Você tem condições <strong>de</strong> agarrar essa<br />
oportunida<strong>de</strong>? Você sabe buscar e gerenciar os recursos para<br />
transformar a oportunida<strong>de</strong> em um negócio <strong>de</strong> sucesso?<br />
(DOLABELA, 2006, p. 294, grifo nosso).<br />
Com esses apontamentos essenciais para criar qualquer tipo <strong>de</strong><br />
negócios, o autor torna claro o que realmente necessita para ser um<br />
empreen<strong>de</strong>dor: certas características da personalida<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ia, a<br />
oportunida<strong>de</strong>, conhecimentos sobre mercado, sobre finanças, gestão, gosto<br />
pelo negócio que irá construir. 20 Tudo isso dará subsídios para elaborar um<br />
plano <strong>de</strong> negócios, que representa o planejamento imprescindível para<br />
acompanhar o <strong>de</strong>senvolvimento do empreendimento como para apresentar a<br />
20 Destaca-se, assim, a importância <strong>de</strong> se trabalharem os 5 (cinco) pilares educacionais propostos pela<br />
UNESCO às escolas.
59<br />
empresa para os investidores e fornecedores. Desta forma, fica claro que o<br />
―ser‖ do indivíduo não é condição para o sucesso <strong>de</strong> um empreendimento num<br />
mercado altamente competitivo, caso contrário não existiria um alto índice <strong>de</strong><br />
mortalida<strong>de</strong> das empresas. Val<strong>de</strong>mar Pires (2005) vem contribuir nesse<br />
<strong>de</strong>bate, afirmando que<br />
Estar por conta própria significa, para o indivíduo, ser capaz <strong>de</strong> prover<br />
sua subsistência e dos seus eventuais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, hoje e no futuro,<br />
sem recorrer à ajuda <strong>de</strong> outrem. Para fazê-lo, é necessário consumir<br />
e investir. Em ambos os casos, é necessário auferir renda, o que só é<br />
possível, sem transgredir e sem submeter-se à carida<strong>de</strong>, trabalhando<br />
ou empreeen<strong>de</strong>ndo. Tanto em um como no outro, há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um estoque inicial: capital (no caso do capitalista, proprietário do<br />
capital físico – máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas<br />
– e financeiro) ou capital h<strong>uma</strong>no (no caso do trabalhador, agora<br />
―investidor <strong>de</strong> capital h<strong>uma</strong>no‖, como sugere Davenport, 1999)<br />
(VALDEMAR PIRES, 2005, p. 92).<br />
Diante <strong>de</strong> múltiplas <strong>de</strong>finições dúbias percebemos que <strong>uma</strong> hora ser<br />
empreen<strong>de</strong>dor é quem cria qualquer empresa e em outra é <strong>uma</strong> pessoa que<br />
cria <strong>uma</strong> empresa com responsabilida<strong>de</strong> social visando ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />
sustentável e h<strong>uma</strong>no, é o empregado <strong>de</strong> <strong>uma</strong> empresa que inova. O que há<br />
em comum consiste justamente nas características individuais, tão apreciadas<br />
pelos advogados da empregabilida<strong>de</strong> e da competência. Então, o conceito <strong>de</strong><br />
empreen<strong>de</strong>dor permanece o <strong>de</strong> sempre:<br />
Indivíduo que cria <strong>uma</strong> empresa qualquer que seja ela; pessoa que<br />
compra <strong>uma</strong> empresa e introduz inovações, assumindo riscos, seja<br />
na forma <strong>de</strong> administrar, sejam na forma <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r, fabricar,<br />
distribuir, ou fazer propaganda dos seus produtos e/ou serviços,<br />
agregando novos valores; empregado que introduz inovações em<br />
<strong>uma</strong> organização, provocando o surgimento <strong>de</strong> valores adicionais<br />
(DOLABELA, 2006, p. 27, Grifos nosso).<br />
Aqui, o autor <strong>de</strong>ve estar se referindo ao empreen<strong>de</strong>dor corporativo<br />
(empregado/funcionário inovador e o empreen<strong>de</strong>dor social). O mundo passa a<br />
ser dividido não pelas classes sociais antagônicas – coisa do passado. Na era<br />
do empreen<strong>de</strong>dorismo e do pós-capitalismo, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais são<br />
evi<strong>de</strong>nciadas pelas diferenças entre quem possui o perfil empreen<strong>de</strong>dor e os<br />
que são <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong>ssas características. O ―bom" <strong>de</strong>sses novos tempos é<br />
que essas características não são necessariamente inatas, mas po<strong>de</strong>m ser
60<br />
aprendidas, levando-nos a crer que pela educação empreen<strong>de</strong>dora todos,<br />
indistintamente, po<strong>de</strong>m vir a ser empreen<strong>de</strong>dores, basta querer.<br />
Ramos (2006) nos brinda com essa assertiva:<br />
A competência, inicialmente tomada como fator econômico e aspecto<br />
<strong>de</strong> diferenciação individual, reveste-se em benefício do consenso<br />
social, envolvendo todos os trabalhadores supostamente n<strong>uma</strong> única<br />
classe: a capitalista; ao mesmo tempo, forma-se um consenso em<br />
torno do capitalismo como o único modo <strong>de</strong> produção capaz <strong>de</strong><br />
manter o equilíbrio e a justiça social. Em síntese, a questão da luta <strong>de</strong><br />
classe é resolvida pelo <strong>de</strong>senvolvimento e pelo aproveitamento<br />
a<strong>de</strong>quado das competências individuais, <strong>de</strong> modo que a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> inclusão social subordina-se à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação natural. A<br />
flexibilida<strong>de</strong> econômica vem acompanhada <strong>de</strong> estetização da política<br />
e da psicologização da questão social ( RAMOS, 2006, p. 291).<br />
Com certeza, na socieda<strong>de</strong> contemporânea em que tudo flui, nos<br />
prepararmos para a incerteza é <strong>uma</strong> proeza que só os empreen<strong>de</strong>dores<br />
possuem. Não é à toa que novamente o indivíduo ressurge como o<br />
<strong>de</strong>sbravador. A educação e a questão social restringem-se ao indivíduo capaz<br />
<strong>de</strong> superar as adversida<strong>de</strong>s, contornando os obstáculos existentes, assim a<br />
escola vem sendo questionada por não ensinar a conviver, a ser, a viver, pois,<br />
num mundo incerto dos nossos dias, nem o conhecimento é condição para a<br />
empregabilida<strong>de</strong>.<br />
Dolabela justifica a importância do ensino do empreen<strong>de</strong>dorismo em<br />
função <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>s razões, que necessitamos exaustivamente <strong>de</strong>screver para<br />
não restarem dúvidas sobre a fundamentação <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias que estão<br />
intimamente articuladas com o i<strong>de</strong>ário neoliberal, com sua ênfase na iniciativa<br />
privada, e também <strong>de</strong>monstrar a inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas propostas para os jovens<br />
<strong>de</strong> baixa renda:<br />
No mundo das empresas emergentes a regra é falir, e não ter<br />
sucesso. De cada três empresas criadas, duas fecham as portas. As<br />
pequenas empresas (menos <strong>de</strong> 100 empregados) fecham mais: 99%<br />
das falências são <strong>de</strong> empresas pequenas. [...] Nas últimas décadas,<br />
as relações <strong>de</strong> trabalho estão mudando. O emprego dá lugar a novas<br />
formas <strong>de</strong> participação. As empresas precisam <strong>de</strong> profissionais que<br />
tenham visão global do processo, que saibam i<strong>de</strong>ntificar e satisfazer<br />
as necessida<strong>de</strong>s dos clientes. A tradição do nosso ensino <strong>de</strong> formar<br />
empregados nos nível universitário e profissionalizante, não é mais<br />
compatível com a organização da economia mundial na atualida<strong>de</strong>.<br />
Exige-se hoje, mesmo para aqueles que vão ser empregados, um alto<br />
grau <strong>de</strong> ―empreen<strong>de</strong>dorismo‖. As empresas precisam <strong>de</strong>
61<br />
colaboradores que, além <strong>de</strong> dominar a tecnologia, conheçam também<br />
o negócio, saibam auscultar os clientes. [...] a metodologia do ensino<br />
tradicional não é a<strong>de</strong>quada para formar empreen<strong>de</strong>dores. As relações<br />
universida<strong>de</strong>s/empresas são incipientes no Brasil. Os valores do<br />
nosso ensino não sinalizam para o empreen<strong>de</strong>dorismo. [...] os cursos<br />
<strong>de</strong> administração, com raras exceções, são voltadas para o<br />
gerenciamento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s empresas (DOLABELA, 2006, p.51).<br />
O discurso justificando o empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong> negócios como<br />
gerador <strong>de</strong> emprego e renda fica <strong>de</strong>sacreditado quando o referido autor revela<br />
o alto índice <strong>de</strong> pequenas empresas que fecham. A gran<strong>de</strong> maioria dos<br />
trabalhadores não po<strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrar nessa arena dos empreen<strong>de</strong>dores por faltar<br />
conhecimentos <strong>de</strong> recursos financeiros. Caso consigam alg<strong>uma</strong> linha <strong>de</strong><br />
crédito, estarão <strong>de</strong>ntre os 90% das estatísticas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> das empresas<br />
ainda em formação.<br />
Outros dados relevantes que Dolabela (2006) nos proporciona sobre<br />
a temática do empreen<strong>de</strong>dorismo apontam que:<br />
Cerca <strong>de</strong> 90% ou mais dos fundadores começam suas empresas no<br />
mesmo mercado, tecnologia ou ramo em que trabalhavam; os<br />
criadores <strong>de</strong> empresas têm aproximadamente <strong>de</strong> 8 a 10 anos <strong>de</strong><br />
experiência acumulada; têm boa formação; têm larga experiência<br />
tanto em produção quanto em mercados; têm experiência<br />
administrativa; em geral, criam empresas quando têm cerca <strong>de</strong> 30<br />
anos; têm alto grau <strong>de</strong> satisfação (i<strong>de</strong>m, p. 65).<br />
Do exposto, po<strong>de</strong>-se concluir que montar algum negócio exige um<br />
conhecimento prévio sobre o empreendimento fornecido por anos <strong>de</strong><br />
experiência no ramo, advinda <strong>de</strong> um percurso que requer <strong>uma</strong> maturida<strong>de</strong> do<br />
empreen<strong>de</strong>dor que dará subsídios para suportar as dificulda<strong>de</strong>s próprias <strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> ativida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> ou não dar certo, tendo como diferencial a crença na<br />
força interior inabalável. Além disso, o conhecimento das ferramentas<br />
gerenciais e administrativas que incluem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> planejamento financeiro que<br />
culmina com a elaboração <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> negócios, mercado, conhecimento<br />
dos fornecedores, clientes, legislação, e, finalmente, o capital que não aparece<br />
neste momento na fala <strong>de</strong> Dolabela. Então, não são apenas as características<br />
atitudinais que são <strong>de</strong>terminantes.
62<br />
Dornelas (2006) assevera que:<br />
A ênfase no empreen<strong>de</strong>dorismo surge muito mais como<br />
conseqüência das mudanças tecnológicas e sua rapi<strong>de</strong>z, e não é<br />
apenas um modismo. A competição na economia também força<br />
novos empresários a adotar novos paradigmas. Por isso, o momento<br />
atual po<strong>de</strong> ser chamado <strong>de</strong> a era do empreen<strong>de</strong>dorismo, pois são os<br />
empreen<strong>de</strong>dores que estão eliminando barreiras comerciais e<br />
culturais, encurtando distâncias, globalizando e renovando conceitos<br />
econômicos, criando novas relações <strong>de</strong> trabalho e novos empregos,<br />
quebrando paradigmas e gerando riquezas para a socieda<strong>de</strong><br />
(DORNELAS, p.6).<br />
O autor tem <strong>uma</strong> visão positiva da conjuntura para disseminar o<br />
ensino do empreen<strong>de</strong>dorismo nas escolas, universida<strong>de</strong>s, como ―alternativa<br />
para os jovens profissionais que se graduam anualmente nos ensinos técnico e<br />
universitário brasileiros‖ (I<strong>de</strong>m, p.7), dando continuida<strong>de</strong> a sua análise do<br />
ensino e estímulo ao empreen<strong>de</strong>dorismo entre jovens universitários,<br />
Há 20 anos era consi<strong>de</strong>rado loucura um jovem recém-formado<br />
aventurar-se na criação <strong>de</strong> um negócio, pois os empregos oferecidos<br />
pelas gran<strong>de</strong>s empresas nacionais e multinacionais, bem como a<br />
estabilida<strong>de</strong> que se conseguia nos empregos em repartições públicas<br />
eram muito convidativos, com bons salários, status e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
crescimento <strong>de</strong>ntro da organização. O ensino <strong>de</strong> administração era<br />
voltado a este foco: formar profissionais para administrar gran<strong>de</strong>s<br />
empresas e não para criar empresas. Quando esse cenário mudou,<br />
nem os profissionais experientes, nem os jovens à procura <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
oportunida<strong>de</strong> no mercado <strong>de</strong> trabalho, nem as escolas <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong><br />
administração estavam preparadas para o novo contexto<br />
(DORNELAS, 2006, p.7).<br />
O que se verifica neste contexto é a ausência <strong>de</strong> empregos e a<br />
difusão da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que é necessário mudar a visão dos jovens, no sentido <strong>de</strong><br />
que eles assimilem que o empreen<strong>de</strong>dorismo é o próprio combustível para o<br />
crescimento econômico, criando emprego (que está em falta) e prosperida<strong>de</strong>.<br />
O autor salienta que os economistas americanos veem que a saída da crise do<br />
mercado imobiliário <strong>de</strong> 2007/2008 que os afetou ―continua sendo a mesma:<br />
estimular e <strong>de</strong>senvolver o empreen<strong>de</strong>dorismo em todos os níveis‖<br />
(DORNELAS, 2006, p.9).<br />
Apesar <strong>de</strong> fazer um discurso enaltecendo o empreen<strong>de</strong>dorismo,<br />
Dornelas <strong>de</strong>ixa claro para quem o empreen<strong>de</strong>dorismo consiste n<strong>uma</strong> saída, ou<br />
seja, jovens universitários integrantes <strong>de</strong> <strong>uma</strong> classe que po<strong>de</strong> pensar em<br />
sonhar em abrir um empreendimento, pois pelo menos os conhecimentos
63<br />
imprescindíveis para gerir negócios já estão adquirindo. O empreen<strong>de</strong>dor<br />
prefigura o mundo <strong>de</strong> amanhã ao explorar o máximo as oportunida<strong>de</strong>s,<br />
ultrapassar obstáculos com dinamismo, <strong>de</strong>terminação, <strong>de</strong>dicação, otimismo,<br />
in<strong>de</strong>pendência para construir seu próprio <strong>de</strong>stino, li<strong>de</strong>rança e <strong>uma</strong> boa re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
relacionamento, organização e conhecimentos, ou seja, são criadores <strong>de</strong><br />
valores para a socieda<strong>de</strong>.<br />
A pesquisa <strong>de</strong> Santiago (2008) <strong>de</strong>senvolvida nos meses <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006 a janeiro <strong>de</strong> 2007 que gerou o livro ―Empreen<strong>de</strong>r para<br />
sobreviver: Ação Econômica dos Empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> Pequeno Porte‖ teve por<br />
objetivo i<strong>de</strong>ntificar as condições socioeconômicas <strong>de</strong> 142 pequenos<br />
estabelecimentos do bairro Granja Portugal. Desta pesquisa foram constatados<br />
os seguintes dados relevantes para nossa análise que sintetizamos:<br />
No que se refere à escolarida<strong>de</strong>, o autor <strong>de</strong>tectou que 37,30% dos<br />
entrevistados cursaram até o ensino fundamental incompleto;<br />
23,20% têm nível médio completo; 9,90% são consi<strong>de</strong>rados<br />
alfabetizados e 3,50% analfabetos; as pessoas <strong>de</strong> nível superior<br />
incompleto e completo, com percentual <strong>de</strong> 2,80%;<br />
Em sua maioria, esses negócios informais funcionam em imóveis<br />
resi<strong>de</strong>nciais (78,20%), estando fora da residência, 19,70%; O<br />
autor observou que, no domicílio familiar, essas ativida<strong>de</strong>s<br />
informais utilizavam os membros familiares como força <strong>de</strong><br />
trabalho e sem remuneração, não havendo diferenciação entre o<br />
espaço público e o privado;<br />
Em relação ao tempo do negócio, 27,46%, os negócios tinham<br />
entre um a três anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>; 23,94% menos <strong>de</strong> um ano e,<br />
finalmente, 35,91% afirmaram ter mais <strong>de</strong> cinco anos na<br />
ativida<strong>de</strong>;<br />
Em relação à renda auferida, 31,70% apuram mensalmente<br />
menos <strong>de</strong> R$ 350,00 (valor inferior ao salário mínimo); outros<br />
33,80% entre um e dois salários mínimos e 21,10% entre dois e<br />
três salários mínimos;<br />
Antes <strong>de</strong> abrirem o negócio, 32,40% eram empregados <strong>de</strong><br />
empresas particulares; 16,20% eram ven<strong>de</strong>dores ambulantes;
64<br />
10,56% trabalhavam em outro negócio e 7,04% eram donas <strong>de</strong><br />
casa.<br />
Em relação ao crédito recebido, 58,33% na faixa <strong>de</strong> R$500,00 a<br />
R$1.500,00; 23,33% valores inferiores a R$500,00; 10%<br />
receberam na faixa <strong>de</strong> R$1.500,00 a R$ 3.000,00.<br />
Esses dados revelam a realida<strong>de</strong> dos ―empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> baixa<br />
renda‖ que, na busca por sobreviverem se lançam no setor informal e são<br />
consi<strong>de</strong>rados empreen<strong>de</strong>dores sem as condições apontadas pelos teóricos do<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo acarretando a quebra dos negócios: falta <strong>de</strong> formação<br />
escolar sólida, capital, conhecimentos gerenciais.<br />
Leite (2002) sabe exatamente para quem dirige seus ensinamentos<br />
tão imprescindíveis na era da informação e da ausência <strong>de</strong> empregos e<br />
assevera:<br />
Não é só com espírito empreen<strong>de</strong>dor, intuição e muita vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
trabalhar que se faz o sucesso <strong>de</strong> <strong>uma</strong> empresa. Além <strong>de</strong> ter<br />
coragem para se arriscar, muitas vezes em um setor produtivo ainda<br />
não explorado, o empreen<strong>de</strong>dor precisa levar muito a sério a gestão<br />
<strong>de</strong> seu negócio. O mercado, mais dia, menos dia, acaba <strong>de</strong>vorando<br />
os amadores. A importância da aplicação da tecnologia e do<br />
“empreen<strong>de</strong>dorismo‖ no <strong>de</strong>sempenho e na competitivida<strong>de</strong> das<br />
empresas <strong>de</strong> base tecnológica é indiscutível. Atualmente, novos<br />
produtos e processos dão às empresas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compensar<br />
seus recursos escassos ou <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s. Eles são superados pela<br />
utilização da tecnologia e da inovação. Se repararmos na competição<br />
na maioria dos setores da economia, veremos que vence quem<br />
melhor souber utilizar <strong>uma</strong> tecnologia (LEITE, p.16).<br />
Em s<strong>uma</strong>, o empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong>ve colocar em ação as inovações<br />
tecnológicas, tais como: fabricação <strong>de</strong> novos produtos, introdução <strong>de</strong> novos<br />
métodos <strong>de</strong> produção e organização do trabalho, abertura <strong>de</strong> mercados, novas<br />
matérias-primas que possam se diferenciar das dos concorrentes. O autor<br />
recusa o papel do Estado como impulsor <strong>de</strong>ssa mudança, para ele: ―É preciso<br />
fugir a tentação <strong>de</strong> convocar o Estado para capitanear este processo <strong>de</strong><br />
mudança‖ (LEITE, 2002, p.20).<br />
Leite (2002), discordando da intervenção do Estado na economia,<br />
afirma que ―as pessoas‖ estão acost<strong>uma</strong>das com os benefícios da legislação
65<br />
trabalhista como férias remuneradas, décimo terceiro salário, Fundo <strong>de</strong><br />
Garantia por Tempo <strong>de</strong> Serviço (FGTS), previdência social e perspectiva <strong>de</strong><br />
aposentadoria, por isso não percebem a maravilha <strong>de</strong> montar seu próprio<br />
negócio, correndo riscos e inovando constantemente e se preparando para o<br />
fracasso, pois o espírito empreen<strong>de</strong>dor não se preocupa com o previsível. Para<br />
ele, a finalida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dora é a satisfação dos <strong>de</strong>sejos<br />
individuais, tendo o lucro como objetivo e ―o capitalismo é, sem sombra <strong>de</strong><br />
dúvidas, o sistema em que as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> livre invenção, criação <strong>de</strong><br />
novos produtos e serviços estão sempre presentes, abertas para todos (LEITE,<br />
2002, p.64).<br />
Apresentaremos o Plano <strong>de</strong> Negócios, proposto por Dolabela (2006)<br />
como instrumento fundamental que, associado as características da<br />
personalida<strong>de</strong>, à vonta<strong>de</strong> e à i<strong>de</strong>ia inovadora constitui as condições para<br />
montar um empreendimento. Os passos são os seguintes:<br />
Sumário Executivo- um resumo do negócio que é feito por último<br />
contendo o enunciado do projeto, competência dos responsáveis,<br />
produtos e tecnologia, mercado em potência-oportunida<strong>de</strong>, previsão<br />
<strong>de</strong> vendas, rentabilida<strong>de</strong> e projeções financeiras.<br />
A Empresa – missão, os <strong>objetivos</strong>, estrutura organizacional e<br />
legal, (a estrutura funcional, diretoria, gerência, síntese das<br />
responsabilida<strong>de</strong>s da equipe dirigente);<br />
Plano <strong>de</strong> Operações (administração, comercial, controle <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong>, terceirização, sistema <strong>de</strong> gestão, parcerias);<br />
Plano <strong>de</strong> Marketing – análise <strong>de</strong> mercado (o setor, oportunida<strong>de</strong>s<br />
e ameaças, clientela, segmentação, concorrência, fornecedores);<br />
estratégias <strong>de</strong> marketing (o produto, a tecnologia e o ciclo <strong>de</strong> vida,<br />
vantagens competitivas, planos <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong>senvolvimento,<br />
preço, distribuição, promoção e publicida<strong>de</strong>, serviços ao cliente<br />
(venda e pós-venda) relacionamento com os clientes;<br />
Plano financeiro – Investimento inicial, <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
resultados custos totais, a mão <strong>de</strong> obra direta e indireta, custos<br />
variáveis, custos fixos, <strong>de</strong>preciação, manutenção e conservação e<br />
seguros, receitas, impostos e contribuições, projeção <strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong>
66<br />
caixas, balanço patrimonial, ponto <strong>de</strong> equilíbrio, análise <strong>de</strong><br />
investimento.<br />
A questão que se coloca é que, quando se fala em<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo, todos esses conceitos são imprescindíveis e fazem parte<br />
dos conhecimentos exigidos para montar negócios <strong>de</strong> sucesso. Cada parte do<br />
plano <strong>de</strong> negócios representa um mundo <strong>de</strong> conhecimento para o<br />
empreen<strong>de</strong>dor se apropriar. Uma das causas mais citadas pelos teóricos do<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo, da mortalida<strong>de</strong> dos negócios é a ausência do<br />
planejamento. As pessoas, ao se verem <strong>de</strong>sempregadas, iniciam ―qualquer<br />
coisa,‖ constituindo negócios não pela oportunida<strong>de</strong>, mas, sim, pela<br />
necessida<strong>de</strong>, em função da sua sobrevivência, sem ter atrelado todos os<br />
requisitos necessários para serem empreen<strong>de</strong>doras.<br />
Pela situação das nossas escolas públicas, é da ciência <strong>de</strong> todos a<br />
baixa qualida<strong>de</strong> e o déficit educacional dos jovens provenientes <strong>de</strong>ssas<br />
escolas, que até aspiram ao ensino superior, mas somente <strong>uma</strong> minoria <strong>de</strong><br />
jovens da classe trabalhadora consegue galgar espaços na estrutura social<br />
capitalista, através da escola/universida<strong>de</strong>. Associado a isso, torna-se<br />
impossível montar negócios sem capital.<br />
Esse empreen<strong>de</strong>dor precisa estar sempre em consonância com o<br />
seu tempo, i<strong>de</strong>ntificar oportunida<strong>de</strong>s, ser criativo, inovador, saber negociar,<br />
saber trabalhar em equipe, ser comunicativo, ter iniciativa, saber persuadir,<br />
saber resolver problemas, ter visão estratégica, <strong>de</strong>ntre outras qualida<strong>de</strong>s, que<br />
acentuam um super homem que não existe. Cada vez mais a porta <strong>de</strong> entrada<br />
da empresa está mais seletiva e cada vez mais é disseminada a inaptidão do<br />
trabalhador e da juventu<strong>de</strong> pobre, que sem qualificação não po<strong>de</strong> ser incluída<br />
no sistema, a não ser se apreen<strong>de</strong>r todo o conhecimento necessário para<br />
competir, juntamente com outros intelectos na socieda<strong>de</strong> do conhecimento.<br />
Neste contexto entra em cena Minarelli (1995), hoje um dos<br />
propagadores do conceito <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong>. No seu livro ―Empregabilida<strong>de</strong> o<br />
caminho das pedras‖ afirma que, diante das novas feições do trabalho e do<br />
conceito <strong>de</strong> segurança profissional
67<br />
Ter segurança profissional, hoje, é mais do que ter emprego e salário.<br />
É ter a possibilida<strong>de</strong>, a condição <strong>de</strong> conseguir trabalho e<br />
remuneração, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> estar ou não<br />
empregado. [...] É o que chamamos <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong>: capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> prestar serviços e <strong>de</strong> obter trabalho. Sob outro enfoque, refere-se<br />
à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar emprego ao que sabe, à sua expertise. Essa é a<br />
gran<strong>de</strong> transformação a que me referi. Para aumentar a própria<br />
empregabilida<strong>de</strong>, os profissionais precisam estar aptos do ponto <strong>de</strong><br />
vista técnico, gerencial, intelectual, h<strong>uma</strong>no e social para solucionar<br />
com rapi<strong>de</strong>z problemas cada vez mais sofisticados e específicos.<br />
Conhecimentos atualizados, múltiplas habilida<strong>de</strong>s e boa reputação<br />
são o gran<strong>de</strong> capital das pessoas que ven<strong>de</strong>m o próprio trabalho. [...]<br />
alguns conseguirão adaptar-se aos novos tempos. Outros sairão<br />
per<strong>de</strong>ndo. O que acontecerá com você? (MINARELLI, 1995, p. 20).<br />
Nessa perspectiva, o autor argumenta que não existem empregos<br />
para toda a vida como antigamente, quando o trabalhador tinha <strong>uma</strong> longa<br />
carreira no interior das empresas. Agora a empresa não é mais a ―gran<strong>de</strong><br />
família‖, para fazer frente ―à crise econômica mundial e aten<strong>de</strong>r às novas<br />
<strong>de</strong>mandas do mercado‖ (i<strong>de</strong>m, p.18). A empresa necessitou eliminar ou<br />
re<strong>de</strong>senhar cargos e, como consequência, o emprego teve que ser retirado.<br />
Nesta visão, a empresa está também imersa nessa conturbada modificação<br />
tendo que ―se virar‖ para não falir. Porém, como nas piores situações, existe<br />
<strong>uma</strong> luz no fundo do poço, eis que neste ―enxugamento‖ o autor i<strong>de</strong>ntifica<br />
aspectos positivos, ―a <strong>de</strong>scentralização das <strong>de</strong>cisões que aumenta a<br />
responsabilida<strong>de</strong> dos profissionais sobre suas ativida<strong>de</strong>s, eleva o padrão <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempenho e, em alguns casos, a remuneração‖ (i<strong>de</strong>m, p. 18).<br />
Para o referido autor, o ―futuro já começou.‖ O vínculo<br />
empregatício está sendo superado, faz-se necessário que os trabalhadores se<br />
capacitem periodicamente, objetivando atualizar conhecimentos e habilida<strong>de</strong>s<br />
para po<strong>de</strong>rem oferecer o máximo <strong>de</strong>sempenho a partir da necessida<strong>de</strong> das<br />
instituições e possuir mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r seus serviços para outras<br />
empresas. Empresas e trabalhadores flexíveis repensam o conceito <strong>de</strong><br />
segurança profissional para se a<strong>de</strong>quarem às expectativas <strong>de</strong>ste momento<br />
histórico. Diante disso, resta a indagação: como o autor preten<strong>de</strong> que os<br />
trabalhadores reproduzam sua força <strong>de</strong> trabalho e da sua família, além <strong>de</strong><br />
suprir as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> autorrealização incluindo a constante ―reciclagem‖,<br />
sem a mínima segurança <strong>de</strong> que no próximo mês ele terá on<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r seu<br />
serviço/conhecimento?
68<br />
Minarelli (1995) chega a afirmar que a maioria <strong>de</strong>legou aos<br />
empregadores o seu aprimoramento profissional, mas é o próprio trabalhador<br />
que <strong>de</strong>ve construir bases próprias para seu <strong>de</strong>senvolvimento profissional. Para<br />
ele, ―o emprego é do empregador‖. Com isso nos brinda como um ditado<br />
acerca dos trabalhadores: ―são como aves nascidas livres e criadas em<br />
cativeiro que, diante da gaiola aberta e da imensidão do espaço à frente, não<br />
sabem como alçar vôo‖ (MINARELLI, 1995, p. 22). E <strong>de</strong>ntro da cartilha a ser<br />
seguida apresenta <strong>de</strong>terminados passos para adquirir empregabilida<strong>de</strong> quais<br />
sejam: 1) cuidar da própria carreira; 2) a segurança profissional <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos<br />
conhecimentos, das habilida<strong>de</strong>s intelectuais e operativas <strong>de</strong> cada um; 3)<br />
trabalho existe on<strong>de</strong> existem problemas para serem resolvidos, resolva-os; 4) o<br />
autoempresariamento po<strong>de</strong> ser <strong>uma</strong> possibilida<strong>de</strong>; 5) seja empreen<strong>de</strong>dor.<br />
Novamente o empreen<strong>de</strong>dor é enaltecido como salvador da pátria,<br />
pois tem todas as características necessárias para ven<strong>de</strong>r sua força <strong>de</strong><br />
trabalho, sem sofrer as intempéries dos reles mortais <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong>ssas<br />
características, <strong>de</strong>vido a não terem investido na sua formação ou não terem<br />
<strong>de</strong>senvolvido <strong>uma</strong> cultura que estimule o empreen<strong>de</strong>dorismo, tendo em vista<br />
que<br />
A vida toda fomos preparados, seja pela família, seja por escolas e<br />
organizações, para cultivar o emprego por um tempo prolongado<br />
como um bem social. Talhados para ver o emprego como única fonte<br />
<strong>de</strong> trabalho e rendimento (MINARELLI, 1995, p. 19).<br />
E o que esse discurso tem a ver com a qualificação profissional<br />
focalizada no empreen<strong>de</strong>dorismo? Os conceitos como empreen<strong>de</strong>dorismo,<br />
empregabilida<strong>de</strong>, competência, polivalência se entrecruzam n<strong>uma</strong> mesma<br />
lógica: centrar no indivíduo a responsabilida<strong>de</strong> da sua situação frente às<br />
questões referentes ao trabalho n<strong>uma</strong> perspectiva atomista da socieda<strong>de</strong>. As<br />
questões macroeconômicas e estruturais da socieda<strong>de</strong> capitalista são<br />
irrelevantes, pois a ênfase é no indivíduo capaz ou não <strong>de</strong> mudar sua realida<strong>de</strong><br />
pessoal e social.<br />
Para aprofundarmos essa discussão, resgataremos o pensamento<br />
i<strong>de</strong>ológico dos <strong>de</strong>fensores do neoliberalismo que integram a escola mais<br />
conservadora como Hayek e Milton Friedman, que, nas reuniões da Socieda<strong>de</strong>
69<br />
<strong>de</strong> Mont Pèlerin, traçavam proposições para combater a política econômica<br />
keynesiana. Esse grupo retoma alguns pressupostos do liberalismo econômico<br />
reinante nos séculos XVIII e XIX em que se refere à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> que ―a ação da<br />
economia era refletida pelas forças livres do mercado e da concorrência<br />
(CHIAVENATO, 2007, p.5).<br />
1.2 Do individualismo capitalista ao individualismo “póscapitalista”:<br />
faces da mesma moeda<br />
No percurso do capitalismo, o homem liberal foi valorizado em<br />
<strong>de</strong>trimento do homem gregário. Hayek (1990) recebeu o prêmio Nobel <strong>de</strong><br />
Ciências Econômicas no ano <strong>de</strong> 1974. Expoente mais conservador do<br />
neoliberalismo, no seu livro ―O Caminho da Servidão‖ acentua que o<br />
individualismo está sendo muito criticado por reforçar a idéia do egoísmo, mas,<br />
para ele, esse valor nos foi fornecido pela Antiguida<strong>de</strong> Clássica e pelo<br />
Cristianismo, passando pelo Renascimento, permanecendo na atualida<strong>de</strong>,<br />
fazendo parte <strong>de</strong> nossas tradições, tradições essas que foram se constituindo<br />
através das gerações por consenso, num processo evolutivo:<br />
O individualismo tem hoje <strong>uma</strong> conotação negativa e passou a ser<br />
associado ao egoísmo. Mas o individualismo a que nos referimos, em<br />
oposição a socialismo e a todas as outras formas <strong>de</strong> coletivismo, não<br />
está necessariamente relacionado a tal acepção. (...) tem como<br />
características essenciais o respeito pelo indivíduo como ser h<strong>uma</strong>no,<br />
isto é, o reconhecimento da supremacia <strong>de</strong> suas preferências e<br />
opiniões na esfera individual, por mais limitada que esta possa ser, e<br />
a convicção <strong>de</strong> que é <strong>de</strong>sejável que os indivíduos <strong>de</strong>senvolvam dotes<br />
e inclinações pessoais (HAYEK, 1990, p. 40 - 1).<br />
Para o autor, nas práticas coletivistas, ocorre a submissão do<br />
indivíduo inovador que impe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> seus dotes e inclinações<br />
pessoais, razão em si, que explicam as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre indivíduos. Essas<br />
idéias estão no bojo do empreen<strong>de</strong>dorismo quando anunciam características e<br />
comportamentos individuais ―incomuns,‖ que po<strong>de</strong>m ser estimulados nos ―seres<br />
comuns,‖ pela educação.
70<br />
No tocante à liberda<strong>de</strong>, Milton e Rose Friedman (1980) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a<br />
liberda<strong>de</strong> econômica como <strong>uma</strong> condição essencial para a liberda<strong>de</strong> política,<br />
[...] permitindo a indivíduos cooperarem entre si, sem coerção ou<br />
centralização, reduz a área sobre a qual é exercido o po<strong>de</strong>r político. A<br />
combinação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político e econômico nas mesmas mãos<br />
constitui receita certa <strong>de</strong> tirania (FRIEDMAN; FRIEDMAN, p. 16 - 17).<br />
Dando prosseguimento à análise da liberda<strong>de</strong> e da igualda<strong>de</strong>, os<br />
autores <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que essa questão é em si conflituosa, pois, muito antes da<br />
Declaração <strong>de</strong> In<strong>de</strong>pendência, a igualda<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> ―eram duas faces do<br />
mesmo valor básico – que todo o indivíduo <strong>de</strong>veria ser consi<strong>de</strong>rado como um<br />
fim em si mesmo‖ (i<strong>de</strong>m, p.134).<br />
No entanto, na contemporaneida<strong>de</strong>, surgiu um novo significado – a<br />
igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> resultados. Enquanto o i<strong>de</strong>ário socialista <strong>de</strong>fendia que as pessoas<br />
<strong>de</strong>vem ter a mesma condição <strong>de</strong> vida e renda, o casal Friedman consi<strong>de</strong>rava<br />
um equívoco, pois essa situação impe<strong>de</strong> que os indivíduos, como seres<br />
diferentes, atinjam resultados também diferentes. Os autores, na esteira <strong>de</strong><br />
Hayek, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o novo liberalismo, tendo como fundamento o indivíduo e sua<br />
liberda<strong>de</strong>. Vejamos o que eles compreen<strong>de</strong>m por liberda<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong>,<br />
A igualda<strong>de</strong> perante Deus – a igualda<strong>de</strong> pessoal – é importante<br />
precisamente porque as pessoas não são idênticas. Seus diferentes<br />
gostos, valores e capacida<strong>de</strong>s levam-nas a querer <strong>de</strong>sfrutar vidas<br />
diferentes. A igualda<strong>de</strong> pessoal requer respeito pelo direito <strong>de</strong>las <strong>de</strong><br />
assim proce<strong>de</strong>r, e não a imposição a elas dos valores e juízos <strong>de</strong><br />
outrem. Jefferson nenh<strong>uma</strong> dúvida tinha <strong>de</strong> que alguns homens eram<br />
superiores a outros, que havia <strong>uma</strong> elite. Mas isso não lhes dava o<br />
direito <strong>de</strong> governá-los. Se <strong>uma</strong> elite não tinha o direito <strong>de</strong> impor sua<br />
vonta<strong>de</strong> a outrem, tampouco o tinha qualquer grupo, mesmo <strong>uma</strong><br />
maioria. Todas as pessoas <strong>de</strong>viam ser seus próprios governantes –<br />
contanto que não interferissem no direito análogo <strong>de</strong> outras<br />
(FRIEDMAN; FRIEDMAN, 1980, p. 135).<br />
Tudo leva a crer que alg<strong>uma</strong>s pessoas querem limpar as ruas, outras<br />
querem ser intelectuais, outras querem limpar fossas etc.; <strong>de</strong> acordo com suas<br />
capacida<strong>de</strong>s. Os autores rejeitam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que essas ―capacida<strong>de</strong>s naturais<br />
dadas por Deus‖ são muitas vezes <strong>de</strong>terminadas pela condição <strong>de</strong> classe <strong>de</strong><br />
cada ―indivíduo‖ e não pelas escolhas individuais. As adversida<strong>de</strong>s por que<br />
passa <strong>uma</strong> pessoa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> classe economicamente favorecida não se
71<br />
comparam com as que estão alijadas do mínimo para sobreviver. Segundo os<br />
autores, <strong>de</strong>pois que foi abolida a escravidão e com a criação <strong>de</strong> <strong>uma</strong> jurisdição,<br />
surge um novo conceito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> – a <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>.<br />
É impossível, literalmente, a oportunida<strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> ―i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>‖<br />
<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>. Uma criança nasce cega, outra com visão perfeita.<br />
Uma criança tem pais preocupados com seu bem-estar e que lhe dão<br />
um meio formativo <strong>de</strong> cultura e compreensão; à outra cabem pais<br />
dissolutos e <strong>de</strong>sleixados. Uma criança nasce nos Estados Unidos,<br />
outra na Índia, na China ou na Rússia. Evi<strong>de</strong>ntemente, não têm elas<br />
oportunida<strong>de</strong>s idênticas ao nascerem e <strong>de</strong> nenh<strong>uma</strong> maneira suas<br />
chances na vida po<strong>de</strong>m ser iguais. (...) nenhum obstáculo arbitrário<br />
<strong>de</strong>ve impedir pessoas <strong>de</strong> chegarem às posições para as quais as<br />
capacitam seus talentos e que seus valores levam-nas a buscar. Nem<br />
nascimento, nem nacionalida<strong>de</strong>, nem cor, nem religião, nem sexo<br />
nem qualquer outra característica irrelevante <strong>de</strong>ve configurar as<br />
oportunida<strong>de</strong>s abertas à pessoa – apenas sua capacida<strong>de</strong> (i<strong>de</strong>m, p.<br />
137 - 138).<br />
Para os autores, a busca pela igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> resultados <strong>de</strong>fendida<br />
pelos socialistas e pelos <strong>de</strong>fensores do Estado Benfeitor reduz a liberda<strong>de</strong>. O<br />
casal Friedman chega a levantar questionamentos absurdos em <strong>de</strong>fesa da<br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>:<br />
Medidas governamentais que promovam a igualda<strong>de</strong> pessoal ou a<br />
igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s aumentam a liberda<strong>de</strong>; medidas para<br />
―prover quinhões equitativos para todos‖ reduzem-na. Se o que as<br />
pessoas <strong>de</strong>vem conseguir obter precisa ser <strong>de</strong>terminado por<br />
―equida<strong>de</strong>‖ quem <strong>de</strong>cidira o que é equitativo? [...] a ―equida<strong>de</strong>‖ assim<br />
como a ―necessida<strong>de</strong>‖, está no olho <strong>de</strong> quem vê. [...] alguém ou<br />
algum grupo têm que <strong>de</strong>cidir o que são quinhões equitativos – e<br />
precisam ser capazes <strong>de</strong> impor suas <strong>de</strong>cisões aos <strong>de</strong>mais tirando<br />
daqueles que têm mais do que sua parcela equitativa para dar<br />
àqueles que têm menos. [...] Que incentivos haverá para trabalhar e<br />
produzir? Quem <strong>de</strong>cidirá, e como, quem será o médico, o advogado,<br />
o servente, o lixeiro? Quem assegurará que o povo aceitará os papeis<br />
<strong>de</strong>signados e os <strong>de</strong>sempenhará <strong>de</strong> acordo com sua capacida<strong>de</strong>?<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, só a força ou ameaça <strong>de</strong> emprego da força (i<strong>de</strong>m,<br />
1980, p.140).<br />
Esse discurso traz <strong>de</strong> volta o pensamento <strong>de</strong> Durkheim quando<br />
discorda da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fornecer conhecimentos técnicos e especiais,<br />
assim como instrução especial aos trabalhadores:<br />
Foi, por vezes, proposto como remédio dar aos trabalhadores, junto<br />
com seus conhecimentos técnicos e especiais, <strong>uma</strong> instrução geral.<br />
Mas supondo-se que seja possível redimir assim alguns dos efeitos
72<br />
nefastos atribuídos à divisão do trabalho, não é este um meio <strong>de</strong><br />
preveni-los. A divisão do trabalho não muda <strong>de</strong> natureza se fazermos<br />
ser precedida por <strong>uma</strong> cultura geral. Sem dúvida, é bom que o<br />
trabalhador esteja em condições <strong>de</strong> se interessar pelas coisas da<br />
arte, da linguagem, etc.; mas nem por isso <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser ruim ele ser<br />
tratado todo dia como <strong>uma</strong> máquina. Aliás, quem não vê que essas<br />
duas existências são <strong>de</strong>masiadas opostas para serem conciliáveis e<br />
po<strong>de</strong>rem ser vividas pelo mesmo homem? Se nos acost<strong>uma</strong>mos com<br />
vastos horizontes, vastas vistas <strong>de</strong> conjunto, belas generalida<strong>de</strong>s,<br />
não nos <strong>de</strong>ixamos mais confinar, sem impaciência, nos limites<br />
estreitos <strong>de</strong> <strong>uma</strong> tarefa especial. Portanto, tal remédio só tornaria a<br />
especialização inofensiva, tornando-a intolerável e, por conseguinte,<br />
mais ou menos impossível (DURKHEIM, 1999, p. 389).<br />
O ponto <strong>de</strong> vista individual e fragmentado do sociólogo embasa sua<br />
teoria sobre a ―divisão social do trabalho‖ quando discorre sobre solidarieda<strong>de</strong><br />
mecânica e solidarieda<strong>de</strong> orgânica. A primeira está presente nas socieda<strong>de</strong>s<br />
primitivas (embora também ocorra nas socieda<strong>de</strong>s mais complexas), e<br />
fundamenta-se nas semelhanças, diversa da solidarieda<strong>de</strong> orgânica, que está<br />
presente nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas mais complexas, consistindo na integração<br />
a partir da diferenciação, da especialização das funções. Assim, a divisão do<br />
trabalho nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas é fundada na solidarieda<strong>de</strong> orgânica que é<br />
vista como um fator <strong>de</strong> integração social. Cada um fazendo o seu papel.<br />
Com o <strong>de</strong>senvolvimento da divisão do trabalho, surge <strong>uma</strong> nova<br />
forma <strong>de</strong> relacionamento que necessita do outro, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> <strong>de</strong>pendência mútua,<br />
da complementarida<strong>de</strong> que não existe na solidarieda<strong>de</strong> mecânica, na qual há o<br />
isolamento, o indivíduo não se pertence, ocorrendo <strong>uma</strong> homogeneida<strong>de</strong>. Mas,<br />
para que haja <strong>uma</strong> solidarieda<strong>de</strong> orgânica, é preciso que efetivamente ocorram<br />
regulamentações, pois a ausência <strong>de</strong> regras po<strong>de</strong> levar à anomia. O<br />
antagonismo entre capital e trabalho é explicado por ausência <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
harmonia relativa entre patrões e operário com ruptura da solidarieda<strong>de</strong><br />
orgânica, <strong>uma</strong> vez que houve <strong>uma</strong> <strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong>ssa relação, dando lugar<br />
ao conflito.<br />
Retomando Hayek (1990), as instituições sociais foram criadas pelos<br />
homens naturalmente como <strong>uma</strong> árvore, sendo herdadas <strong>de</strong> gerações. Ele<br />
afirma a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer, assim como <strong>de</strong> transformar as<br />
instituições e a socieda<strong>de</strong>. Diante da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecermos a<br />
socieda<strong>de</strong>, resta apenas contemplar <strong>de</strong> forma passiva o <strong>de</strong>senrolar dos fatos,<br />
sem intervir, pois po<strong>de</strong>remos nos enganar com análises não muito fiéis da
73<br />
realida<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> vez que ―os acontecimentos contemporâneos diferem dos<br />
históricos porque <strong>de</strong>sconhecemos os resultados que irão produzir‖ (HAYEK,<br />
1990, p. 31), ou seja, estamos con<strong>de</strong>nados a não transformar a socieda<strong>de</strong>, e<br />
sermos levados n<strong>uma</strong> correnteza e no futuro, os homens e mulheres <strong>de</strong> lá irão<br />
ter condições <strong>de</strong> avaliar o nosso momento histórico. Como mudar, se estamos<br />
sempre atrasados? Mas a retórica é justamente para mostrar que não po<strong>de</strong>mos<br />
fazer nada, pois não temos o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mudar a realida<strong>de</strong> social.<br />
Criticando o socialismo, Hayek assevera mudanças nas i<strong>de</strong>ias que<br />
acabaram produzindo modificações na trajetória que se vinha seguindo:<br />
Passou-se acreditar cada vez mais que não se po<strong>de</strong>ria esperar maior<br />
progresso <strong>de</strong>ntro das velhas diretrizes e da estrutura geral que<br />
permitira avanços anteriores, mas apenas mediante <strong>uma</strong> completa<br />
reestruturação da socieda<strong>de</strong>. Já não se tratava <strong>de</strong> ampliar ou<br />
melhorar o mecanismo existente, mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>scartá-lo e substituí-lo<br />
por outro. E à medida que as esperanças da nova geração se<br />
voltavam para algo inteiramente novo, a compreensão e o interesse<br />
pelo funcionamento da socieda<strong>de</strong> existente sofreram brusco <strong>de</strong>clínio.<br />
Com esse <strong>de</strong>clínio, <strong>de</strong>clinou também a nossa consciência <strong>de</strong> tudo o<br />
que <strong>de</strong>pendia da existência do sistema liberal (HAYEK, 1990, p. 44 -<br />
45).<br />
Esse pensamento parte da perspectiva <strong>de</strong> que os homens e as<br />
mulheres <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m acreditar em <strong>de</strong>terminadas i<strong>de</strong>ias e passam a aplicá-las.<br />
Aqui o autor ignora a existência <strong>de</strong> condições objetivas que geram o palco para<br />
que as i<strong>de</strong>ias surjam, e, como diria Marx, num processo dialético. Já o sistema<br />
liberal, para Hayek, não é fruto <strong>de</strong> pseudoi<strong>de</strong>ias, mas emerge da evolução, dos<br />
ancestrais. Só que esse pensador ―<strong>de</strong>sconhece‖ que aquilo que está nos<br />
registros, na história, nas tradições reflete a dinâmica das relações sociais,<br />
econômicas, culturais, políticas sociais <strong>de</strong> cada contexto e não é fruto apenas<br />
das i<strong>de</strong>ias.<br />
Retomando o quadro teórico <strong>de</strong> Durkheim (1999), a socieda<strong>de</strong> é<br />
comparada a um ser vivo, um sistema <strong>de</strong> órgãos diferentes no qual cada um<br />
tem um papel, <strong>uma</strong> função específica. Para o autor, a socieda<strong>de</strong> é vista como<br />
um organismo on<strong>de</strong> o consenso entre as partes comporta <strong>uma</strong> solidarieda<strong>de</strong><br />
necessária para o bom funcionamento do todo social.
74<br />
Essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Durkheim revela sua posição i<strong>de</strong>ológica, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
a divisão <strong>de</strong> classe, e, nesse todo social, cada trabalhador como máquina <strong>de</strong>ve<br />
exercer sua função cotidianamente sem reclamar para que a socieda<strong>de</strong> siga<br />
seu curso sem conflitos. E o que diria da educação dos trabalhadores? Não é<br />
necessário, pois o conhecimento, assim como os vastos horizontes po<strong>de</strong>m<br />
gerar a impaciência, a intolerância aos dissabores da função <strong>de</strong>finida<br />
socialmente. A perspectiva durkheimiana tece <strong>uma</strong> teia que vai <strong>de</strong> encontro à<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualificação dos jovens filhos <strong>de</strong> trabalhadores, pois po<strong>de</strong><br />
gerar sonhos <strong>de</strong> crescimento. Cada um no seu lugar. Lugar este pre<strong>de</strong>finido<br />
socialmente, muito a gosto <strong>de</strong> Milton Friedman, <strong>de</strong> Hayek e dos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong><br />
um ensino dicotômico.<br />
Porém, a socieda<strong>de</strong> é o palco on<strong>de</strong> processam <strong>uma</strong> gama <strong>de</strong> visões<br />
<strong>de</strong> mundo e que, num movimento contraditório, são gestadas práticas<br />
procurando manter, adaptar ou transformar o que está posto. É nessa arena<br />
que se situa a educação, vista às vezes como re<strong>de</strong>ntora, como reprodutora,<br />
como mediadora <strong>de</strong> transformações no seio da socieda<strong>de</strong>. Para cada olhar, há<br />
um tipo <strong>de</strong> pedagogia que preten<strong>de</strong> resolver os gran<strong>de</strong>s dilemas da<br />
h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>.<br />
O mundo do trabalho, como momento ímpar para a construção do<br />
ser social, se configura num campo <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> interesses, haja vista o<br />
embate político que se materializa em planos e políticas governamentais, que,<br />
na maioria das vezes, vai na contramão dos interesses das classes<br />
trabalhadoras. No cenário da política brasileira, concorrem visões conflitantes<br />
que oscilam entre os extremamente conservadores, aos que preten<strong>de</strong>m pôr em<br />
ação políticas públicas mais <strong>de</strong> acordo com o anseio dos setores menos<br />
favorecidos economicamente. Então, po<strong>de</strong>mos encontrar muitos que<br />
concordam com a visão <strong>de</strong> Durkheim e dos neoliberais, outros que buscam<br />
―h<strong>uma</strong>nizar‖ o capitalismo, outros buscam criar condições para sua superação.<br />
No campo do trabalho, cada vez mais, os representantes do capital<br />
procuram maneiras <strong>de</strong> aumentar a produtivida<strong>de</strong> da empresa. A <strong>de</strong>missão, a<br />
diminuição <strong>de</strong> salários, a perda <strong>de</strong> benefícios são as ações menos inteligentes<br />
e mais efetivas em relação à diminuição dos custos. Contudo, existem soluções
75<br />
―mais criativas‖, e não menos nefastas para os trabalhadores, como, por<br />
exemplo, a <strong>de</strong> sensibilizá-los da sua capital importância para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da empresa, que tem como consequência ganhos para todos,<br />
incluindo a socieda<strong>de</strong>.<br />
O conhecimento da ―alma‖ h<strong>uma</strong>na passa a ser um recurso utilizado<br />
para manipular os trabalhadores da produção, distribuição, circulação,<br />
divulgação e da venda. Técnicas utilizando-se da subjetivida<strong>de</strong> conseguem<br />
manipular os sonhos, <strong>de</strong>sejos, afetos e temores em prol da acumulação, que,<br />
longe <strong>de</strong> beneficiar os trabalhadores, os sugam ao máximo, fornecendo o<br />
mínimo.<br />
Esse arcabouço teórico/i<strong>de</strong>ológico ganha nova configuração na<br />
atualida<strong>de</strong> com repercussões em todo o tecido social. Uma maquiagem que<br />
não consegue escon<strong>de</strong>r o óbvio <strong>de</strong> que a educação centrada no indivíduo (no<br />
capitalismo) sempre foi e continua sendo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mesma matriz i<strong>de</strong>ológica.<br />
Mudam-se terminologias, muitas vezes <strong>de</strong> duplo sentido, que preten<strong>de</strong>m<br />
anunciar um novo mundo, mas, na realida<strong>de</strong>, mantém-se o status quo.<br />
O <strong>de</strong>safio é fazer crer que pela fé em si mesmo, pela força <strong>de</strong><br />
vonta<strong>de</strong>, pela garra interior, os obstáculos são suprimidos, se evaporam. Cada<br />
um cria sua masmorra. Os antagonismos que se consubstanciam na própria<br />
lógica capitalista são expurgados, minimizados.<br />
Em favor da produtivida<strong>de</strong>, diversos estudos foram <strong>de</strong>senvolvidos no<br />
contexto das relações h<strong>uma</strong>nas, evi<strong>de</strong>nciando os fatores que motivam os<br />
trabalhadores. Os fatores motivacionais intrínsecos ao sujeito são mais<br />
valorizados, pois, diga-se <strong>de</strong> passagem, não exigem tanto investimento do<br />
proprietário do capital. Quais são eles? A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser valorizado como<br />
pessoa, <strong>de</strong> ser reconhecido entre os colegas <strong>de</strong> trabalho, a carreira e os<br />
<strong>de</strong>safios do trabalho.<br />
Constantemente, aparecem na mídia pesquisas realizadas com<br />
jovens universitários talentosos acerca dos fatores que os motivam. E, como<br />
não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, o <strong>de</strong>safio, o ambiente do trabalho, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
crescimento <strong>de</strong>ntro da organização fazem parte das expectativas <strong>de</strong>stes
76<br />
jovens. O salário e outros benefícios aparecem como um dos últimos fatores<br />
que os interessam, <strong>de</strong>monstrando que apren<strong>de</strong>ram o que <strong>de</strong>vem dizer para os<br />
diferentes profissionais selecionadores <strong>de</strong> plantão, ou seja, justamente o<br />
pagamento pelo seu trabalho é menosprezado, para <strong>de</strong>leite dos empregadores.<br />
Talvez este fato seja em <strong>de</strong>corrência da estendida moratória recém adquirida<br />
que os mantém sob a ―proteção‖ dos familiares que labutam enquanto eles<br />
apren<strong>de</strong>m a apren<strong>de</strong>r.<br />
A teoria do capital h<strong>uma</strong>no é o arcabouço i<strong>de</strong>ológico que vem dar<br />
sustentação teórica para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valorizar o componente h<strong>uma</strong>no no<br />
trabalho. Para isso, há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investir em educação e foi Shultz<br />
(1976), economista estaduni<strong>de</strong>nse, quem fez a disseminação da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o<br />
conhecimento é <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> capital e por isso exige investimento, pois<br />
[...] a qualida<strong>de</strong> do esforço h<strong>uma</strong>no po<strong>de</strong> ser gran<strong>de</strong>mente ampliada<br />
e melhorada e a sua produtivida<strong>de</strong> incrementada. Sustentarei que um<br />
investimento <strong>de</strong>sta espécie é o responsável pela maior parte do<br />
impressionante crescimento dos rendimentos reais por trabalhador<br />
(SHULTZ, 1976, p. 32).<br />
A importância do trabalhador continua sendo sua capacida<strong>de</strong><br />
produtiva, e, é claro, a educação, a valorização do indivíduo para produzir<br />
ganhos espantosos. O autor chega a criticar o pensamento <strong>de</strong> J.Stuart Mill, que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que as pessoas não po<strong>de</strong>riam ser consi<strong>de</strong>radas como um artefato <strong>de</strong><br />
riqueza; contrariamente, Shultz assinala que<br />
[...] nossos valores e nossas crenças nos inibem <strong>de</strong> olhar para os<br />
seres h<strong>uma</strong>nos como bens <strong>de</strong> capital, à exceção da escravatura, e<br />
abominamos esta realida<strong>de</strong>. [...] Conseqüentemente, tratar os seres<br />
h<strong>uma</strong>nos como riqueza que po<strong>de</strong> ser ampliada por investimento é um<br />
ato contrário a valores fundamentalmente arraigados. Parece que<br />
seria reduzir o homem, mais <strong>uma</strong> vez, a um mero componente<br />
material, a alg<strong>uma</strong> coisa afim a proprieda<strong>de</strong> material. [...] Mas, sem<br />
dúvida, estava errado (i<strong>de</strong>m, p. 33).<br />
Riqueza produzindo riqueza - para poucos. E a riqueza advém ―da<br />
aquisição <strong>de</strong> conhecimentos e <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s [...] responsáveis,<br />
predominantemente, pela superiorida<strong>de</strong> produtiva dos países tecnicamente<br />
avançados‖ (i<strong>de</strong>m, p.35). Essas i<strong>de</strong>ias servem <strong>de</strong> inspiração para todos os<br />
economistas, administradores, consultores, educadores e dos integrantes do
77<br />
Banco Mundial (BM), que <strong>de</strong>finem as regras e acordos para que os governos<br />
dos países subordinados as apliquem nas diferentes dimensões da vida social<br />
e que veem na educação a chave para a solução dos problemas da socieda<strong>de</strong>,<br />
inclusive o <strong>de</strong>semprego da juventu<strong>de</strong>.<br />
1.3 O <strong>de</strong>semprego juvenil num contexto <strong>de</strong> “ressignificação” do mundo<br />
do trabalho<br />
Diversas pesquisas são realizadas para i<strong>de</strong>ntificar a situação do<br />
emprego/<strong>de</strong>semprego no Brasil e no mundo. O relatório da Organização<br />
Internacional do Trabalho – OIT, ―Trabajo Decente y Juventud en América<br />
Latina. Avance - febrero 2010‖, reporta-se ao último relatório ―Panorama do<br />
Trabalho 2009‖ na qual ficou constatado que a juventu<strong>de</strong> na America Latina<br />
constitui a população mais vulnerável ao <strong>de</strong>semprego:<br />
Em el caso <strong>de</strong> Brasil, el <strong>de</strong>sempleo, para el período eneroseptiembre<br />
<strong>de</strong>l 2009 habia llegado al 19.1%, con una tasa <strong>de</strong> 28,9%<br />
para el tramo 15 – 17 años y <strong>de</strong> 18.0% para el tramo 18-24 años. En<br />
Chile la tasa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempleo para el tramo <strong>de</strong> 15 -19 años es <strong>de</strong><br />
30.3%, para el <strong>de</strong> 20- 24 años es 21.2%.En Colombia esta tasa seria<br />
<strong>de</strong> 24.1% para las eda<strong>de</strong>s 14-26 años, para o Ecuador 17,5% para<br />
lãs eda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> 15-24 años. En México, para los 14-24 años la tasa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sempleo es ahora 10.3 ( y fue 5.3% em el año 2000). En el caso<br />
<strong>de</strong> Perú es <strong>de</strong> 16.8% ( 14-24 anos), para Uruguay (14-24 años) es <strong>de</strong><br />
21.5% y para a Venezuela (15-24 años) <strong>de</strong> 16.1% (OIT, 2010, p.6).<br />
O Relatório supracitado assevera a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaborar<br />
estratégias <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> trabalho digno para os jovens, como compromisso<br />
das Nações Unidas e dos <strong>de</strong>mais países em <strong>de</strong>senvolvimento. Faz <strong>uma</strong> breve<br />
retrospectiva dos compromissos assumidos nas 93ª e 98ª Conferências<br />
Internacionais do Trabalho. A primeira conferência citada, realizada em 2005,<br />
―assumiu o objetivo <strong>de</strong> lograr o trabalho <strong>de</strong>cente para os e as jovens como um<br />
elemento crucial para avançar na erradicação da pobreza e para lograr o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável, o crescimento e bem-estar para todos‖ (i<strong>de</strong>m, p.<br />
4). A segunda, em junho <strong>de</strong> 2009, ―a OIT apresentou o Pacto Mundial para o
78<br />
Emprego‖ em resposta à crise internacional que atingiu o emprego formal.<br />
Como proposta <strong>de</strong>sse encontro, propõe<br />
Acelerar a criação <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> trabalho e a recuperação do emprego<br />
e respaldar as empresas; estabelecer sistemas <strong>de</strong> proteção social e<br />
proteção às pessoas; fortalecer o respeito às normas internacionais<br />
do trabalho; impulsionar o diálogo social e negociação coletiva e<br />
i<strong>de</strong>ntificar as priorida<strong>de</strong>s e estimular as ações (2010, p. 4).<br />
No entanto, segundo o mesmo documento, os jovens continuam<br />
com taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego mais elevadas do que os adultos. Os dados em 18<br />
países da América Latina, no ano <strong>de</strong> 2008, revelam que o <strong>de</strong>semprego total<br />
juvenil, tanto da população urbana quanto da rural, correspon<strong>de</strong> a 13.4% da<br />
PEA respectiva frente ao 4,5% dos adultos. Esses dados são parciais, pois<br />
estima-se que a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego entre os jovens será superior a meio<br />
milhão adicional <strong>de</strong> jovens em busca <strong>de</strong> trabalho, po<strong>de</strong>ndo situar-se em cifras<br />
superiores aos 600 mil. Os dados indicam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se investir em<br />
educação e fomentar o emprego <strong>de</strong>cente como forma <strong>de</strong> combater a pobreza.<br />
Segundo os dados da Secretaria Geral da República, no Brasil<br />
existem 48 milhões <strong>de</strong> habitantes entre 15 e 29 anos e na faixa <strong>de</strong> 15 e 24<br />
anos existem 34 milhões. Essa população é atingida pelo <strong>de</strong>semprego, evasão<br />
escolar, mortes por homicídios, drogas, criminalida<strong>de</strong> e ausência <strong>de</strong> formação<br />
profissional. O Governo Fe<strong>de</strong>ral criou a Política Nacional <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong> em<br />
2005 e o Conselho Nacional <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong>, a Secretaria Nacional <strong>de</strong><br />
Juventu<strong>de</strong>, culminando com a criação do Programa Nacional <strong>de</strong> Inclusão <strong>de</strong><br />
Jovens (ProJovem). Essa iniciativa foi importante, <strong>uma</strong> vez que partiu <strong>de</strong><br />
reivindicações dos diferentes movimentos populares. 21<br />
Essa situação revela o quanto é necessário que as instâncias<br />
governamentais, apesar do que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o neoliberalismo, <strong>de</strong>senvolvam<br />
políticas eficazes <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> emprego e renda para essa parcela<br />
significativa da população economicamente ativa.<br />
O que é digno <strong>de</strong> nota é o fato <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>s pesquisas, seguindo as<br />
orientações da OIT, incluírem <strong>de</strong>ntro da População Economicamente Ativa<br />
21 Esses dados estão disponíveis no site http://www.planalto.gov.br/secgeral/frame_juventu<strong>de</strong>.htm,<br />
acessado em 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2011.
79<br />
crianças <strong>de</strong> 10 anos e menores <strong>de</strong> 16 anos, como a população ocupada ou<br />
<strong>de</strong>sempregada; mesmo quando a lei proíbe o trabalho às crianças e<br />
adolescentes, a não ser adolescentes com ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 14 anos na condição <strong>de</strong><br />
aprendiz. Os questionários só <strong>de</strong>veriam incluir essa parcela da população, para<br />
i<strong>de</strong>ntificar a situação irregular das crianças e dos adolescentes que estão no<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />
Emprego (MTE):<br />
Segundo o Manual da Aprendizagem do Ministério do Trabalho e<br />
Ao proibir o trabalho aos menores <strong>de</strong> 16 anos, a Constituição da<br />
República <strong>de</strong> 1988 ressalvou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso no mercado<br />
<strong>de</strong> trabalho na condição <strong>de</strong> aprendiz a partir dos 14 anos. No Brasil,<br />
historicamente, a aprendizagem é regulada pela Consolidação das<br />
Leis do trabalho (CLT) e passou por um processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização<br />
com a promulgação das Leis n°s 10.097, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
2000, 11.180, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005, e 11.788, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong><br />
setembro <strong>de</strong> 2008. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),<br />
aprovado pela Lei nº 8.069, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1990, também prevê,<br />
nos seus Arts. 60 a 69, o direito à aprendizagem, dando-lhe o<br />
tratamento alinhado ao princípio da proteção integral à criança e ao<br />
adolescente. O Decreto nº 5.598, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005, que<br />
motivou a elaboração <strong>de</strong> Manual pelo Ministério do Trabalho e<br />
Emprego, veio estabelecer os parâmetros necessários ao fiel<br />
cumprimento da legislação e, assim, regulamentar a contratação <strong>de</strong><br />
aprendizes nos mol<strong>de</strong>s propostos. (...) Aprendiz é o adolescente ou<br />
jovem entre 14 e 24 anos que esteja matriculado e freqüentando a<br />
escola, caso não haja concluído o ensino médio inscrito em programa<br />
<strong>de</strong> aprendizagem (BRASIL, MTE, 2008, p.11 e 14).<br />
Essa situação mascara as estatísticas e torna-se cúmplice <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
prática que vem perdurando, qual seja: o trabalho infantil, e que o governo<br />
tenta superar, mas, ao mesmo tempo, reconhece essa parcela da população<br />
como formadora <strong>de</strong> um quadro positivo ou negativo, quando as inclui nas suas<br />
pesquisas <strong>de</strong> Emprego e Desemprego no Brasil (PED) 22 . Então, a população<br />
22 Desemprego Aberto: pessoas que procuraram trabalho <strong>de</strong> maneira efetiva nos 30 dias anteriores ao da<br />
entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos 7 (sete) últimos dias.<br />
Desemprego Oculto pelo Trabalho Precário: pessoas que realizaram algum trabalho remunerado eventual<br />
<strong>de</strong> auto-ocupação, sem perspectiva <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> ou em ajudaram nos negócios <strong>de</strong> parentes que<br />
procuraram, ou não, mudar <strong>de</strong> trabalho nos últimos 30 dias ao da entrevista.<br />
Desemprego Oculto pelo Desalento e Outros: pessoas que não possuem trabalho nem procuram nos<br />
últimos 30 dias, por <strong>de</strong>sestímulo do mercado <strong>de</strong> trabalho, mas procuram nos últimos 12 meses. Taxa <strong>de</strong><br />
Desemprego Total: proporção da PEA que se encontra em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego total, aberto e oculto.<br />
Taxa <strong>de</strong> participação: proporção <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> 10 anos e mais incorporadas ao mercado <strong>de</strong> trabalho<br />
como ocupadas ou <strong>de</strong>sempregadas.<br />
Pesquisa <strong>de</strong> Emprego e Desemprego na Região Metropolitana <strong>de</strong> Fortaleza - Março <strong>de</strong> 2010.<br />
. Acessado em 3 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010.
80<br />
economicamente ativa vai compor os ocupados, os <strong>de</strong>sempregados, em<br />
<strong>de</strong>semprego aberto, oculto pelo trabalho precário, oculto pelo <strong>de</strong>salento.<br />
Segundo Cattani (1996),<br />
A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados e sua contagem permanecem como<br />
problemas inextrincáveis. As comparações internacionais são<br />
dificultadas não apenas pelas diferenças <strong>de</strong> fontes e <strong>de</strong><br />
metodologias, mas, sobretudo, pela <strong>de</strong>finição política do que constitui<br />
a população ativa. A quase totalida<strong>de</strong> dos estudos <strong>de</strong> economia e <strong>de</strong><br />
sociologia do trabalho é fundamentada no total <strong>de</strong>purado da<br />
população ativa. (...) Ficam excluídos (...), sobretudo, todos aqueles<br />
que, embora necessitados, tenham <strong>de</strong>sistido <strong>de</strong> entrar ou <strong>de</strong><br />
permanecer no mercado <strong>de</strong> trabalho. É o conceito reconhecido pela<br />
OCDE a partir <strong>de</strong> 1993 <strong>de</strong> ―trabalhadores <strong>de</strong>sencorajados‖<br />
(Perspectives <strong>de</strong> I‘ Emploi, 1994). Caso fossem incluídas essas<br />
pessoas, as taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego seriam nitidamente mais altas. (...)<br />
Através <strong>de</strong> mecanismos diversos, particularmente intensos às<br />
vésperas <strong>de</strong> eleições importantes, o número <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados<br />
aparece como tendo diminuído, pois a política governamental<br />
estimula a realização <strong>de</strong> estágios, <strong>de</strong> cursos complementares, <strong>de</strong><br />
especializações etc., retardando a entrada dos jovens no mercado <strong>de</strong><br />
trabalho (CATANI, 1996, p. 45 - 47).<br />
Eliminam das estatísticas significativas parcelas <strong>de</strong> trabalhadores<br />
que se encontram <strong>de</strong>sempregados. Nas pesquisas recentes, o PED inclui os<br />
<strong>de</strong>salentos, mas somente aqueles que estiveram procurando emprego nos<br />
últimos 12 meses, ficando <strong>de</strong> fora das pesquisas <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pessoas que, <strong>de</strong> tanto procurarem emprego, <strong>de</strong>sistiram nos últimos 12 meses<br />
da data da pesquisa nos domicílios.<br />
Os excluídos são excluídos duplamente <strong>de</strong> <strong>uma</strong> população ativa,<br />
que pela <strong>de</strong>scrença, dificulda<strong>de</strong> e apatia, não estão mais pressionando o<br />
sistema público <strong>de</strong> emprego; permanecem às voltas com ―bicos‖ ou sob<br />
proteção da família para suprir suas necessida<strong>de</strong>s básicas e, muitas vezes,<br />
com <strong>uma</strong> autoestima baixa, pois, na socieda<strong>de</strong> da produção e do consumo,<br />
quem não tem trabalho não tem dignida<strong>de</strong>, pois o trabalho constitui re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
relações e espaço <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, como nos <strong>de</strong>monstra o<br />
compositor e cantor Fagner na sua canção ―Guerreiro Menino (Um homem<br />
também chora)‖ na qual num dos refrões se lê: ―um homem se humilha se<br />
castram seus sonhos/Seu sonho é sua vida e a vida é o trabalho/ E sem o seu<br />
trabalho, um homem não tem honra/E sem a sua honra se morre, se mata /não<br />
dá pra ser feliz /não dá pra ser feliz‖.
81<br />
Associado a tudo isso, os projetos <strong>de</strong> qualificação dos jovens, na<br />
busca <strong>de</strong> cumprir as metas prefixadas <strong>de</strong> inclusão po<strong>de</strong>m usar <strong>de</strong> estratégias e<br />
artimanhas para formar estatísticas, longe dos olhares da socieda<strong>de</strong>, sendo<br />
necessárias urgentemente pesquisas sobre a situação dos jovens, a quem<br />
essas políticas públicas são <strong>de</strong>stinadas, no intuito <strong>de</strong> captar a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les e<br />
verificar se tais políticas correspon<strong>de</strong>m às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sses jovens. A<br />
única forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar a veracida<strong>de</strong> dos fatos consiste em comparar os<br />
dados expostos pelos documentos oficiais e a situação concreta da juventu<strong>de</strong><br />
egressa <strong>de</strong>sses cursos profissionalizantes.<br />
Para efeito das políticas públicas, é consi<strong>de</strong>rado jovem aquele que<br />
se situa na faixa etária compreendida entre 15 a 29 anos. Segundo Aquino<br />
(2009):<br />
Não há consenso em torno dos limites <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>finem a<br />
juventu<strong>de</strong>, pois é <strong>uma</strong> categoria em permanente construção social e<br />
histórica, variando no tempo, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> cultura para outra, e até mesmo<br />
no interior <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mesma socieda<strong>de</strong>. Para operacionalizar o conceito<br />
analiticamente, adotou-se aqui o mesmo recorte etário com que<br />
trabalham a Secretaria Nacional <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong> (SNI) e o Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Juventu<strong>de</strong> (Conjuve) e que é adotado na proposta <strong>de</strong><br />
Estatuto da Juventu<strong>de</strong>, em discussão na Câmara dos Deputados: <strong>de</strong><br />
15 a 29 anos, com os subgrupos <strong>de</strong> 15 a 17 (jovem-adolescente) <strong>de</strong><br />
18 a 24 anos (jovem-jovem) e <strong>de</strong> 25 a 29 anos (jovem-adulto). A<br />
adoção <strong>de</strong>ste recorte etário no âmbito das políticas públicas é<br />
bastante recente. Antes, geralmente era tomada por ―jovem‖ a<br />
população na faixa etária entre 15 e 24 anos. A ampliação para os 29<br />
anos não é <strong>uma</strong> singularida<strong>de</strong> brasileira, configurando-se, na<br />
verda<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> tendência geral dos países que buscam instituir<br />
políticas publicas <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>. Dois argumentos prevalecem na<br />
justificativa <strong>de</strong>sta mudança: maior expectativa <strong>de</strong> vida para a<br />
população em geral e maior dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta geração em ganhar<br />
autonomia em função das mudanças no mundo do trabalho<br />
(AQUINO, 2009, p. 29).<br />
É sintomático que essa faixa do ciclo vital tenha se expandido<br />
justamente no momento em que o <strong>de</strong>semprego torna-se globalizado e<br />
estrutural, atingindo todos os trabalhadores qualificados ou não e, sobretudo,<br />
sofrendo pressão da juventu<strong>de</strong> por empregos. E é nesse contexto que é<br />
propagado pelos interlocutores da dita socieda<strong>de</strong> do conhecimento, da<br />
socieda<strong>de</strong> ―pós-capitalista‖, da socieda<strong>de</strong> ―pós-empregos‖, a retórica do<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo com todas as competências gerenciais, intelectuais,<br />
h<strong>uma</strong>nas, sociais, profissionais, além da reserva financeira e dos
82<br />
relacionamentos. É sob essa perspectiva que se dissemina a pedagogia das<br />
competências, atingindo a educação formal e informal.<br />
O próximo capítulo procura fazer <strong>uma</strong> articulação entre essas<br />
concepções acima discutidas e a pedagogia da competência, cujas diretrizes,<br />
na atualida<strong>de</strong>, integram os programas e projetos <strong>de</strong> qualificação profissional e<br />
que estão materializadas no Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora.
83<br />
2 QUALIFICAÇÃO PARA O EMPREENDEDORISMO:<br />
FORMANDO PARA OS NOVOS TEMPOS<br />
Este capítulo preten<strong>de</strong>, mesmo que sucintamente, recuperar o<br />
<strong>de</strong>bate que vem se processando sobre a importância da educação e,<br />
particularmente, da educação profissional centrada no empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
enquanto exigência do mercado em transformação. Para isso, imbricam-se<br />
diferentes concepções e propostas, que remetem às visões <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong><br />
trabalho e <strong>de</strong> educação construídas historicamente e que, na<br />
contemporaneida<strong>de</strong>, ganham novos matizes em função das mudanças no<br />
mundo do trabalho.<br />
A<strong>de</strong>ntraremos nos postulados da pedagogia das competências que<br />
hoje está nos discursos <strong>de</strong> amplos setores da socieda<strong>de</strong>: patrões, políticos,<br />
profissionais da educação e dos trabalhadores, e, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
ser, nas políticas públicas <strong>de</strong> qualificação profissional, materializadas nos<br />
documentos oficiais e nos seus projetos.<br />
2.1 Educação para a competência na “nova” paisagem capitalista<br />
Nos seus estudos sobre qualificação profissional versus<br />
competência, Hirata (1988) analisa que há <strong>uma</strong> re<strong>de</strong>finição do conceito <strong>de</strong><br />
qualificação para competência no mo<strong>de</strong>lo conhecido como acumulação flexível.<br />
As competências necessárias, segundo a autora, seriam a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pensar, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, <strong>de</strong> ter iniciativa e responsabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> fabricar e consertar,<br />
<strong>de</strong> administrar a produção e a qualida<strong>de</strong>, indicando que cabe ao trabalhador<br />
<strong>de</strong>senvolver tanto as competências sociais, as técnicas quanto as cognitivas<br />
num clima <strong>de</strong> colaboração e <strong>de</strong> engajamento. Na perspectiva <strong>de</strong> Antunes<br />
(2002), esse fenômeno além <strong>de</strong> manter a intensificação do trabalho, acaba por
84<br />
capturar a subjetivida<strong>de</strong> da classe-que-vive-do-trabalho, 23<br />
caráter manipulatório.<br />
assumindo um<br />
Esse discurso <strong>de</strong> valorização da competência surge no contexto da<br />
crise aguda do capital com modificações na produção e nas relações <strong>de</strong><br />
trabalho próprias dos países capitalistas avançados. Contudo, com a<br />
mundialização do capital, essas novas formas conhecidas como acumulação<br />
flexível penetram na maioria dos países, convivendo lado a lado com mo<strong>de</strong>los<br />
tayloristas e fordistas. Harvey (2005) <strong>de</strong>monstra como esse processo <strong>de</strong><br />
controle se manifesta:<br />
A familiarização dos assalariados foi um processo histórico bem<br />
prolongado (e não particularmente feliz) que tem <strong>de</strong> ser renovado<br />
com a incorporação <strong>de</strong> cada nova geração <strong>de</strong> trabalhadores à força<br />
<strong>de</strong> trabalho. A disciplinação da força <strong>de</strong> trabalho para os propósitos<br />
<strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> capital [...]. Ela envolve, em primeiro lugar, alg<strong>uma</strong><br />
mistura <strong>de</strong> repressão, familiarização, cooptação e cooperação,<br />
elementos que têm <strong>de</strong> ser organizados não somente no local <strong>de</strong><br />
trabalho como na socieda<strong>de</strong> como um todo [...]. A educação, o<br />
treinamento, a persuasão, a mobilização <strong>de</strong> certos sentimentos<br />
sociais (a ética do trabalho, a lealda<strong>de</strong> aos companheiros, o orgulho<br />
local e nacional) e propensões psicológicas ( a busca da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
através do trabalho, a iniciativa individual ou solidarieda<strong>de</strong> social)<br />
<strong>de</strong>sempenham um papel e estão claramente presentes na formação<br />
<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias dominantes cultivadas pelos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong><br />
massa, pelas instituições religiosas e educacionais, pelos vários<br />
setores do aparelho do Estado (HARVEY, 2005, p. 119).<br />
Esse processo também é conhecido como toyotismo, ―empresa<br />
enxuta‖ que toma forma no capitalismo monopolista. Surgiu no Japão, <strong>de</strong>pois<br />
da Segunda Guerra Mundial, e com ele toda <strong>uma</strong> reestruturação da produção<br />
com forte teor psicologizante que envolve o trabalhador e ao mesmo tempo,<br />
serve mais para explorá-lo sob novas relações <strong>de</strong> trabalho, com trabalhadores<br />
com emprego temporário, parcial, terceirizados, além do sistema <strong>de</strong> empresas<br />
subcontratadas. Convivem trabalhadores qualificados que dominam o<br />
conhecimento da ―era da informática‖. Estes são mais absorvidos pelas<br />
empresas; no entanto, são mais exigidos executando diversas ativida<strong>de</strong>s,<br />
23 Para Antunes (2002) a classe-que-vive-do-trabalho consiste na classe trabalhadora representada por<br />
homens e mulheres que ven<strong>de</strong>m sua força <strong>de</strong> trabalho, não se restringindo aos chamados proletários que<br />
são aqueles que estão diretamente envolvidos na produção capitalista e geram mais-valia. Incorpora,<br />
nesse conceito, a totalida<strong>de</strong> dos trabalhadores assalariados.
85<br />
enquanto a maioria permanece à espera das necessida<strong>de</strong>s das empresas, para<br />
executar tarefas que exigem menos conhecimento (ANTUNES, 2002).<br />
Zarifian (2001), analisando a introdução do conceito <strong>de</strong> competência<br />
em face do <strong>de</strong>semprego, refere-se a mudanças nos critérios <strong>de</strong> seleção,<br />
conferindo alta seletivida<strong>de</strong> dos trabalhadores, os quais longe <strong>de</strong> incluí-los,<br />
conduziram gran<strong>de</strong>s parcelas dos assalariados ao <strong>de</strong>semprego e à<br />
precarieda<strong>de</strong> na França. Para ele, a lógica das competências integra gran<strong>de</strong>s<br />
ambiguida<strong>de</strong>s. Esse novo paradigma viria superar o mo<strong>de</strong>lo até então utilizado<br />
das qualificações para o posto <strong>de</strong> trabalho. Essa mudança introduziu no<br />
discurso o reconhecimento dos ―recursos h<strong>uma</strong>nos‖, diferenciando-se da<br />
produção taylorista, em que o cerne das preocupações dos gerentes era o<br />
esforço físico, a <strong>de</strong>streza manual e a gestão do trabalho. Assim difundiu-se,<br />
nos meios empresariais, que, na produção flexível, novas competências<br />
<strong>de</strong>veriam ser avaliadas, não somente a competência (no singular) do ―saberfazer<br />
operacional‖ focalizado no cargo.<br />
A avaliação do <strong>de</strong>sempenho dos trabalhadores <strong>de</strong>ve, agora, não<br />
centrar nas habilida<strong>de</strong>s corporais, ou seja, na sua agilida<strong>de</strong> no exercício <strong>de</strong><br />
suas funções; agora, a inteligência do trabalhador é requerida no processo do<br />
trabalho. O autor discorda <strong>de</strong>ssa perspectiva, <strong>uma</strong> vez que, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> maneira<br />
geral, um trabalhador não executa suas ativida<strong>de</strong>s sem seu ―cérebro‖. Para o<br />
autor, apesar do discurso aparentemente inovador, o trabalhador continuou<br />
sendo um recurso a ser investido em função do posto <strong>de</strong> trabalho, e não em<br />
função dos interesses do trabalhador, que permanece alheio às <strong>de</strong>cisões e à<br />
compreensão dos processos produtivos. No contexto <strong>de</strong>ste ―novo referencial‖<br />
os trabalhadores <strong>de</strong>veriam ser, finalmente, valorizados tendo o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cisão no que se refere aos processos produtivos e da evolução da<br />
organização do trabalho, <strong>de</strong>ntre outras ações. Nas palavras do autor:<br />
Antes <strong>de</strong> tudo, no que concerne ao plano conceitual, é preciso notar<br />
que apesar do uso abundante do termo competência, ele continua<br />
muito marcado pelas ferramentas e abordagens dos anos 70, elas<br />
mesmas construídas não em torno da noção <strong>de</strong> ―competência‖, mas<br />
<strong>de</strong> ―qualificação do emprego‖. Por um estranho <strong>de</strong>scompasso<br />
histórico e <strong>uma</strong> curiosa confusão semântica, é um mo<strong>de</strong>lo ―dinâmico‖<br />
e ―amplo‖ do posto <strong>de</strong> trabalho que continua impondo-se, <strong>de</strong> acordo<br />
com os mesmos princípios <strong>de</strong> ajustamento do empregado ao<br />
emprego, apesar <strong>de</strong> intenso esforço para apresentar esse
86<br />
procedimento como algo inovador. [...] <strong>de</strong> sorte que as competências<br />
reconhecidas não são outra coisa senão <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> ajustamento<br />
<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssas pessoas às tarefas que <strong>de</strong>finem o conteúdo<br />
do emprego. Fica-se basicamente, no âmbito do mo<strong>de</strong>lo taylorista,<br />
que presume <strong>uma</strong> passivida<strong>de</strong> total do individuo em relação a<br />
requisitos <strong>de</strong> qualificação que foram pre<strong>de</strong>terminados e objetivados e<br />
aos quais <strong>de</strong>verá adaptar-se para parecer ―competente‖ (ZARIFIAN,<br />
2001, p. 30).<br />
Ainda segundo Zarifian (2001), <strong>de</strong>ntro do referencial das<br />
competências, foram introduzidas as competências ditas sociais: é o ―saberser,‖<br />
que representa a personalida<strong>de</strong> do trabalhador, <strong>de</strong>ntre as quais a<br />
iniciativa, o autocontrole, a li<strong>de</strong>rança, ―[...] cuja conseqüência mais importante<br />
era <strong>de</strong>squalificar os que não exigiam tais traços <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>‖ (ZARIFIAN,<br />
2001, p. 32), que, segundo autor, acaba por avaliar os trabalhadores pelas<br />
suas qualida<strong>de</strong>s pessoais, não escapando da qualificação tradicional que esse<br />
mo<strong>de</strong>lo preten<strong>de</strong> superar. O trabalhador, neste contexto, é ―um portador <strong>de</strong><br />
capacida<strong>de</strong>s‖.<br />
O discurso da competência que ganha importância nas organizações<br />
vem valorizar os talentos dos ―colaboradores‖, o ―capital h<strong>uma</strong>no‖ e mais<br />
recentemente o ―capital intelectual‖. Aqui a competência individual se agrega à<br />
competência organizacional. Minarelli (1995) associa competência a ação, que<br />
se manifesta na biografia do indivíduo, na sua formação e no seu exercício<br />
profissional. Ser competente é dar resultados. O comportamento organizacional<br />
passa a ser um campo <strong>de</strong> estudos, objetivando saber o que fazer para que o<br />
comportamento individual afete positivamente o <strong>de</strong>sempenho das empresas.<br />
O intraempreen<strong>de</strong>dorismo ou empreen<strong>de</strong>dorismo corporativo é o<br />
―colaborador‖ portador <strong>de</strong> todas essas competências, principalmente, pela sua<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inovar, <strong>de</strong> propor soluções, otimizando os resultados<br />
(DOLABELA, 2003). Este empreen<strong>de</strong>dor também corre riscos, já que suas<br />
i<strong>de</strong>ias inovadoras po<strong>de</strong>m não dar resultados esperados como: aceitação da<br />
clientela, solução <strong>de</strong> algum problema e lucrativida<strong>de</strong>. O empreen<strong>de</strong>dor interno<br />
investe seu conhecimento e tempo na execução <strong>de</strong> algum projeto que venha<br />
agregar valor à empresa.<br />
Não é à toa que hoje as organizações vêm se utilizando da chamada<br />
Gestão por Competências, buscando i<strong>de</strong>ntificar as habilida<strong>de</strong>s, conhecimento e
87<br />
atitu<strong>de</strong>s daqueles que já estão na empresa ou preten<strong>de</strong>m concorrer a algum<br />
cargo. Pelos teóricos da organização e da Gestão por Competências, a<br />
―globalização‖ estaria exigindo que se busquem resultados, e quem fornece os<br />
resultados são as pessoas, portanto a riqueza <strong>de</strong> <strong>uma</strong> organização está<br />
diretamente associada ao conhecimento e às habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas equipes<br />
(DAÓLIO, 2004).<br />
Dialogando com Fernan<strong>de</strong>s (2006), <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> saber se o<br />
indivíduo está se <strong>de</strong>senvolvendo é verificar o grau <strong>de</strong> tarefas complexas que<br />
ele atinge no interior da empresa. Para se medir o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />
organizacional do ―colaborador‖, foram formulados inventários <strong>de</strong> competências<br />
para que o recrutamento, a seleção e o treinamento constituam instrumentais<br />
imprescindíveis para auxiliar o processo <strong>de</strong> absorção dos melhores<br />
profissionais.<br />
Ainda segundo o mesmo autor, as competências h<strong>uma</strong>nas<br />
necessárias à organização passam por orientações para resultado, para a<br />
gestão <strong>de</strong> prazos visando à qualida<strong>de</strong>. A competência é permeada por ―duas<br />
dimensões: conhecimentos, habilida<strong>de</strong>s e atitu<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> um lado, e a mobilização<br />
ou aplicação <strong>de</strong>sses num contexto concreto (a entrega)‖ (FERNANDES, 2006,<br />
p.51).<br />
Difun<strong>de</strong>-se o discurso sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais conhecimento,<br />
n<strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> em que o <strong>de</strong>senvolvimento científico e tecnológico supera as<br />
exigências da produção taylorista/fordista pautada no trabalho fragmentado e<br />
que não favorecia o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual. A produção flexível advinda<br />
do toyotismo, promoveria o <strong>de</strong>senvolvimento global <strong>de</strong> todos os trabalhadores.<br />
Entretanto surgem propostas educativas, tanto no âmbito da educação formal<br />
quanto informal, acenando para a <strong>de</strong>svalorização do conhecimento teórico em<br />
prol <strong>de</strong> um saber cotidiano que proporcione ao trabalhador, proveniente das<br />
classes <strong>de</strong>sfavorecidas socioeconomicamente, um conhecimento básico que<br />
lhes permitam apenas manejar e não compreen<strong>de</strong>r a tecnologia aí embutida.<br />
Na contramão <strong>de</strong>ste discurso, as organizações, segundo Fernan<strong>de</strong>s<br />
(2006), estariam <strong>de</strong>mandando dois tipos <strong>de</strong> trabalhadores: profissionais com<br />
maior <strong>de</strong>senvolvimento e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abstração, com ―maior grau <strong>de</strong>
88<br />
sofisticação,‖ recebendo um salário mais diferenciado, assumindo ativida<strong>de</strong>s<br />
mais complexas, e trabalhadores menos <strong>de</strong>senvolvidos, ou seja, aqueles que,<br />
pela sua situação <strong>de</strong> classe, não pu<strong>de</strong>ram ter acesso a esse conhecimento<br />
sofisticado.<br />
Os profissionais com ―maior <strong>de</strong>senvolvimento‖ são os mais<br />
<strong>de</strong>mandados para a execução das ativida<strong>de</strong>s que exigem um conhecimento<br />
complexo advindo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> formação universitária <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Assim, ―A<br />
empresa paga mais porque o indivíduo agrega mais valor à organização;<br />
agrega mais valor porque assume responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong>; e<br />
assume tais atribuições à medida que é mais <strong>de</strong>senvolvido‖ (FERNANDES,<br />
2006, p.56, grifo nosso). Aqui fica claro que a empresa quer profissionais que<br />
dominem um amplo conjunto <strong>de</strong> conhecimentos que pressupõe um grau <strong>de</strong><br />
abstração para ser possível prever as dificulda<strong>de</strong>s, encontrando as soluções<br />
em tempo recor<strong>de</strong>. O profissional que possui todas as competências, com<br />
certeza adquiriu os conhecimentos para propor soluções para os problemas<br />
que se apresentam no cotidiano da empresa/organização.<br />
Do exposto, apesar <strong>de</strong> as empresas estarem na atualida<strong>de</strong><br />
acentuando as competências atitudinais, que são as mesmas que os<br />
empreen<strong>de</strong>dores possuem, não <strong>de</strong>scuidam das competências intelectuais e<br />
técnicas que o cargo exige. Há, portanto, o mapeamento das competências <strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> organização e <strong>de</strong> um cargo i<strong>de</strong>ntificando as habilida<strong>de</strong>s h<strong>uma</strong>nas<br />
requeridas necessárias para execução <strong>de</strong> várias ativida<strong>de</strong>s no interior <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
organização, quais sejam: a capacida<strong>de</strong> (competência) <strong>de</strong> trabalhar com<br />
pessoas, <strong>de</strong> comunicar-se, compreen<strong>de</strong>r o outro, motivar, <strong>de</strong>legar tarefas, ter a<br />
inteligência emocional (competências comportamentais); as habilida<strong>de</strong>s<br />
conceituais (competência), ou seja, a capacida<strong>de</strong> mental para analisar e<br />
diagnosticar situações, tomando <strong>de</strong>cisões com base na i<strong>de</strong>ntificação dos<br />
problemas, propondo soluções, avaliando e interpretando racionalmente as<br />
informações, fundamentada n<strong>uma</strong> educação formal e acadêmica solidificada<br />
e,finalmente, as habilida<strong>de</strong>s técnicas (competências) que englobam a aplicação<br />
<strong>de</strong> conhecimentos.<br />
Possuindo todas essas competências, i<strong>de</strong>ntificadas por ocasião do<br />
recrutamento e da seleção, significa que o profissional tem a chamada
89<br />
―empregabilida<strong>de</strong>‖, pois reúne condições <strong>de</strong> assumir diferentes ativida<strong>de</strong>s na<br />
empresa, <strong>de</strong> forma ―polivalente‖, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do cargo para o qual foi<br />
contratado, ou <strong>de</strong> outra forma, o cargo em si comporta diferentes<br />
responsabilida<strong>de</strong>s e experiências mapeadas na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> cargos, porém o<br />
valor do salário, na maioria das vezes, não acompanha a intensida<strong>de</strong> e nem<br />
sempre, a complexida<strong>de</strong> das ativida<strong>de</strong>s.<br />
Normalmente, as entrevistas e os treinamentos por competências<br />
mapeiam as seguintes competências/habilida<strong>de</strong>s: 1. comunicação (assertiva,<br />
objetiva, equilibrada, clara, convincente, argumentativa), 2. habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar<br />
e tomar <strong>de</strong>cisões com precisão e po<strong>de</strong>r analítico, habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejar e<br />
executar, maximizando os resultados a alcançar; 3. orientação para resultados,<br />
significa que os colaboradores <strong>de</strong>vem ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atingir resultados<br />
otimizando os recursos. 4. dinamismo, implica a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar várias<br />
ativida<strong>de</strong>s com qualida<strong>de</strong>; 5. controle emocional e autoconfiança, pressupõe a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar sob pressão, sem <strong>de</strong>monstrar insatisfação pois confia<br />
em si mesmo, gosta <strong>de</strong> assumir <strong>de</strong>safios; 6. organização, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
otimizar os recursos matérias, h<strong>uma</strong>nos na execução da ativida<strong>de</strong>; 7. trabalhar<br />
em equipe, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se relacionar positivamente com os outros,<br />
aceitando as opiniões diferentes; 8. persuasão, po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> argumentação e<br />
negociação. 9. relacionamento interpessoal, implica ter empatia, manifestar-se<br />
afável; 10. li<strong>de</strong>rança, implica em ser aceito por todos da equipe, dividir<br />
informações, <strong>de</strong>legando responsabilida<strong>de</strong>s, empo<strong>de</strong>rando as pessoas com<br />
objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvê-las; 11. Criativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scobrir novas soluções para os<br />
problemas; 12. flexibilida<strong>de</strong>, implica ce<strong>de</strong>r diante <strong>de</strong> argumentos mais<br />
consistentes, ser maleável, adaptar-se conforme a situação; 13. iniciativa,<br />
aproveita as oportunida<strong>de</strong>s, age rápido e preventivamente; 14. integrida<strong>de</strong>, age<br />
<strong>de</strong> acordo com os princípios e valores moralmente aceitos; 15. Networking, que<br />
tem <strong>uma</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relacionamentos (DAÓLIO, 2004). Portanto, fica evi<strong>de</strong>nte que<br />
o empregador tem condições <strong>de</strong> captar no mercado, o profissional que<br />
contemple a maioria <strong>de</strong>ssas competências. Sobretudo, quando ao seu lado<br />
existe um exército <strong>de</strong> reserva ansioso para ven<strong>de</strong>r sua força <strong>de</strong> trabalho.<br />
Markert (2004), fazendo <strong>uma</strong> análise sobre o advento do conceito <strong>de</strong><br />
competência em substituição ao conceito <strong>de</strong> qualificação ocorridos, na França
90<br />
e Alemanha, a partir nos anos 1980, vem contribuir com o <strong>de</strong>bate, quando<br />
assinala que essa categoria a<strong>de</strong>ntra nas discussões sociológicas em<br />
<strong>de</strong>corrência da transição ―do modo <strong>de</strong> produção taylorista para um mo<strong>de</strong>lo que<br />
favorece o trabalho em grupo e em re<strong>de</strong>‖ (2004, p. 4) e da individualização que<br />
permeia as relações sociais.<br />
O autor concorda que o conceito <strong>de</strong> competência, <strong>de</strong>senvolvido na<br />
Alemanha, po<strong>de</strong>r vir a favorecer o fortalecimento <strong>de</strong> <strong>uma</strong> pedagogia que<br />
promova a participação, implicando que o trabalhador possa ―intervir mais<br />
<strong>de</strong>mocraticamente nas mudanças técnicas e organizacionais no trabalho‖<br />
(i<strong>de</strong>m, p. 133). Este conceito foi introduzido na década <strong>de</strong> 1960, nas escolas<br />
alemãs, por ocasião da reforma básica dos currículos. Os argumentos giravam<br />
em torno das seguintes questões:<br />
1. As mudanças no mundo do trabalho exigem não apenas maior<br />
qualificação dos empregados, mas também <strong>uma</strong> ampliação do<br />
conteúdo <strong>de</strong> suas capacida<strong>de</strong>s profissionais; 2. As futuras exigências<br />
<strong>de</strong> qualificação para o trabalho são cada vez menos prognosticáveis;<br />
3. A didática tradicional orientada pelo treinamento para o posto <strong>de</strong><br />
trabalho precisa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> reforma significativa (MARKERT, 2004, p.<br />
134).<br />
Esse <strong>de</strong>bate se justificava em função das transformações no mundo<br />
do trabalho. A formação escolar e profissional exigia, na época, um profissional<br />
com a ―capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação a situação não-prognosticáveis‖ (MARKERT,<br />
2004, p. 134).<br />
As empresas, na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> competir tanto internamente<br />
quanto externamente, precisam, para existir, <strong>de</strong>senvolver constantemente<br />
novas formas <strong>de</strong> tecnologias e metodologias eficientes para aten<strong>de</strong>r as<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rentabilida<strong>de</strong> do capital sob risco <strong>de</strong> sucumbir. Nessa arena, a<br />
educação funciona como propagadora dos valores que estão sendo gestados<br />
na socieda<strong>de</strong>. Segundo Markert (2004):<br />
Defendia-se, portanto, que os <strong>objetivos</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> aprendizagem para o<br />
futuro <strong>de</strong>veriam ter <strong>uma</strong> relação com as formas interativas <strong>de</strong><br />
comunicação no trabalho e na vida, para que as competências<br />
instrumental e comunicativa tivessem, no futuro, <strong>uma</strong> melhor<br />
interligação com a prática pedagógica. Isso significava para a prática<br />
pedagógica o abandono: a) da predominância do ―ensino‖ do<br />
conhecimento do fato; b) dos planos <strong>de</strong> ensino inflexíveis; c) dos<br />
princípios das matérias e d) da aula frontal (p.135).
91<br />
Para Markert, esses princípios preten<strong>de</strong>m introduzir, no campo<br />
educacional e da vida, <strong>uma</strong> aprendizagem por <strong>de</strong>scobertas pautada na<br />
resolução <strong>de</strong> problemas. Assim, novas qualificações e capacida<strong>de</strong>s<br />
(competências) <strong>de</strong>vem ser problematizadas pela pedagogia. Já na década <strong>de</strong><br />
1980, <strong>uma</strong> corrente dos sociólogos do trabalho introduz ―a tese <strong>de</strong> que a<br />
―qualificação‖ para o trabalho po<strong>de</strong> vir a ser a ―formação da personalida<strong>de</strong>‖<br />
(2004, p. 136). As aspirações individuais, subjetivas po<strong>de</strong>m ser transferidas<br />
para outros setores da vida, como, por exemplo, a empresa. O que estava se<br />
propondo era:<br />
a) Ampla capacida<strong>de</strong> para pensar lógica, analítica, estrutural,<br />
conceitual e criativamente (qualificação <strong>de</strong> base); b) a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
receber, interpretar e trabalhar informações; c) o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
habilida<strong>de</strong>s para além das utilizadas no local <strong>de</strong> trabalho; d) o<br />
conhecimento e as capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> manutenção, assistência e<br />
controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. [...] Nas discussões sobre qualificações-chave<br />
surgiu a proposta <strong>de</strong> substituir a noção pelo conceito <strong>de</strong> competência,<br />
que implica <strong>uma</strong> maneira mais compreensível da relação da<br />
educação com a ação (MARKERT, 2004, p. 137).<br />
Pelo exposto, houve <strong>uma</strong> ampliação das capacida<strong>de</strong>s a serem<br />
transmitidas/trabalhadas com os alunos, tanto no contexto escolar quanto no<br />
<strong>de</strong> profissionalização. Resta saber se efetivamente essa pedagogia cumpriu<br />
com as promessas e até que ponto contribuiu para a <strong>de</strong>mocratização, com<br />
participação e direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão em todos os campos da vida.<br />
A realida<strong>de</strong> econômica e social na qual esse conceito teve sua<br />
gênese difere qualitativamente da realida<strong>de</strong> dos países em <strong>de</strong>senvolvimento ou<br />
sub<strong>de</strong>senvolvidos para on<strong>de</strong> são transpostos esses conceitos. A<strong>de</strong>mais,<br />
mesmo nesses países, esse conceito é questionável. No entanto, a própria<br />
mundialização do capital ou globalização da economia com suas empresas<br />
transnacionalizadas, <strong>de</strong>scentralizadas, rompe com a perspectiva <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>senvolvimento local completamente autônomo.<br />
Mas, discorrendo sobre a novida<strong>de</strong> requerida pela socieda<strong>de</strong> alemã,<br />
percebe-se, no <strong>de</strong>correr das argumentações <strong>de</strong> Markert (2004), o<br />
direcionamento <strong>de</strong>ssa pedagogia para as exigências da organização capitalista<br />
em transformação que atinge todos os setores da vida. O ensino dos
92<br />
conteúdos per<strong>de</strong> o privilégio em função das necessida<strong>de</strong>s que emergem no<br />
cotidiano sendo necessárias resoluções rápidas. Daí vejamos:<br />
Para o planejamento <strong>de</strong>sses novos conceitos fabris <strong>de</strong> formação nas<br />
empresas foram <strong>de</strong>finidos os seguintes critérios:<br />
Apren<strong>de</strong>r e trabalhar em grupo.<br />
Apren<strong>de</strong>r e trabalhar no processo <strong>de</strong> ação profissional.<br />
Apren<strong>de</strong>r em tarefas integrais (projetos, encomendas),<br />
compreen<strong>de</strong>ndo o contexto fabril.<br />
Definir o local <strong>de</strong> trabalho (trabalho qualificante) como local <strong>de</strong><br />
aprendizagem (MARKERT, 2004, p. 142).<br />
Conforme essa nova proposta, segundo o autor, <strong>de</strong>z empresas piloto<br />
foram adotando essas máximas e houve o redirecionamento da formação<br />
profissional nesses conceitos pedagógicos patrocinadas pelo Ministério da<br />
Educação, com apoio dos sindicatos. A questão girava em torno <strong>de</strong> saber como<br />
fazer da competência profissional um processo <strong>de</strong> aprendizagem que responda<br />
à <strong>de</strong>manda da realida<strong>de</strong> do trabalho e que forme o trabalhador para a vida.<br />
Para melhor compreen<strong>de</strong>rmos essas ilhas <strong>de</strong> produção, continuaremos com as<br />
explicações do autor:<br />
A ilha <strong>de</strong> aprendizagem é um local <strong>de</strong>scentralizado não num centro<br />
<strong>de</strong> formação, mas diretamente na produção ou na montagem. Com<br />
isso não é somente <strong>uma</strong> ―reprodução didática‖ da realida<strong>de</strong>, mas<br />
também tem <strong>uma</strong> forte orientação na realida<strong>de</strong> da produção, visto<br />
que possui encomendas reais <strong>de</strong> trabalho. A diferença para a<br />
―realida<strong>de</strong> fabril‖ está no fato <strong>de</strong> que para os participantes –<br />
aprendizes e formadores – ela é um mo<strong>de</strong>lo pedagógico e não sofre<br />
pressão <strong>de</strong> tempo e concorrência. [...] Elas são, portanto, um<br />
importante meio pedagógico que po<strong>de</strong> transmitir o princípio didático<br />
da orientação para a ação, para o <strong>de</strong>senvolvimento da competência<br />
profissional para a ação integral, no sentido da participação<br />
consciente na plena organização das tarefas e estruturas <strong>de</strong> trabalho<br />
(MARKERT, 2004, p. 145).<br />
Para seguir esses pressupostos, urge que a escola forme novos<br />
profissionais, professores e formadores ―o qual po<strong>de</strong> ser adquirido por meio <strong>de</strong><br />
planejamento e acompanhamento consciente <strong>de</strong>sses mo<strong>de</strong>los‖ (MARKERT,<br />
2004, p.146), que, segundo esse autor, conduzirão a <strong>uma</strong> organização<br />
inovadora, então<br />
<strong>uma</strong> educação por competência, as dimensões materiais, sociais,<br />
metódicas e auto-reflexivas do processo educacional <strong>de</strong>vem ser<br />
entendidas como processo integral. Dessa maneira, as categorias
93<br />
básicas indicam o <strong>de</strong>senvolvimento das potencialida<strong>de</strong>s subjetivas<br />
como: conhecimento técnico, compreensão integral, reflexão crítica,<br />
interação comunicativa e participação cooperativa em<br />
planejamentos, <strong>de</strong>cisão e ações profissionais, organizações e sociais<br />
(2004, p. 149).<br />
Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, a escola está sendo chamada a<br />
repensar suas pedagogias e práticas <strong>de</strong> ensino, objetivando formar um novo<br />
homem que possa respon<strong>de</strong>r aos <strong>de</strong>safios contemporâneos da socieda<strong>de</strong><br />
capitalista e do mundo do trabalho.<br />
A educação formal e informal é valorizada como locus para<br />
<strong>de</strong>senvolver as competências <strong>de</strong> seus alunos e prepará-los para o<br />
enfrentamento dos problemas novos <strong>de</strong> forma eficaz e original e, como<br />
consequência, as instituições escolares e as instituições que realizam<br />
educação profissional, a cada dia, inventam mais métodos, técnicas e didáticas<br />
com soluções paliativas que contemplem o viés da competência.<br />
Perrenoud (1999) é um autor importante na discussão sobre<br />
competência no âmbito educacional, principalmente quando essas i<strong>de</strong>ias<br />
ganham corpo, em função das exigências do mercado. O autor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
escola que busque <strong>de</strong>senvolver <strong>uma</strong> pedagogia centrada nas competências,<br />
que não rejeite os conteúdos, criticando os autores que polemizam entre a<br />
primazia dos conteúdos versus os partidários das competências transversais.<br />
Para ele, ambos são importantes e po<strong>de</strong>m englobar interações sociais,<br />
cognitivas, afetivas, culturais e psicomotoras entre o educando e seu contexto<br />
social.<br />
Essas questões ganham relevância, principalmente, quando, na<br />
―socieda<strong>de</strong> do conhecimento,‖ a educação é a tônica consensual como fator<br />
que gera o <strong>de</strong>senvolvimento e que o conhecimento especializado <strong>de</strong> alto nível<br />
promoverá a empregabilida<strong>de</strong>, como bem salienta Drucker:<br />
O ensino universal <strong>de</strong> alto nível é a primeira priorida<strong>de</strong>. Ela é a base.<br />
Sem ele, nenh<strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá esperar ser capaz <strong>de</strong> alto<br />
<strong>de</strong>sempenho no mundo pós-capitalista e em sua socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento. Equipar os estudantes com meios para que eles<br />
realizem, contribuam e sejam empregáveis também é o primeiro<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> qualquer sistema educacional (DRUCKER, 1993, p.154,<br />
grifo nosso).
94<br />
Fica claro que Drucker (1993), assim como Minarelli (1995)<br />
reconhecem que o conhecimento é fundamental na nova paisagem capitalista,<br />
por isso não é à toa que a socieda<strong>de</strong> se <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> ―conhecimento‖, na qual<br />
o capital intelectual é o diferenciador das empresas e ganha inclusive um<br />
patamar <strong>de</strong> quantificação (apesar da dificulda<strong>de</strong> da mensuração contábil),<br />
porém sempre houve e haverá formas <strong>de</strong> avaliar o <strong>de</strong>sempenho dos<br />
―colaboradores‖ e ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> conhecimento que serão agregados ou<br />
<strong>de</strong>scartados pelas empresas, <strong>de</strong> acordo com o domínio das competências.<br />
Então, até que ponto essa ―educação integral‖ por competências<br />
formará realmente os alunos, futuros trabalhadores e construtores <strong>de</strong> novas<br />
tecnologias e <strong>de</strong> <strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> mais justa, quando a esta se dirige mais para<br />
resoluções <strong>de</strong> problemas e por projetos?<br />
Lembrar o que os autores <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m, tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salientar<br />
que a ―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖ propaga na sua retórica, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
formar seres pensantes, criadores, com iniciativa, flexíveis e que tenham um<br />
saber-fazer consequente, eficiente, eficaz, que promova ganhos <strong>de</strong><br />
produtivida<strong>de</strong> para os capitalistas e ficarão nos escassos empregos os<br />
melhores, os mais competentes, os que tiveram <strong>uma</strong> formação universitária. Os<br />
―outros‖ (os trabalhadores manuais) terão que <strong>de</strong>senvolver tais competências e<br />
não somente as características atitudinais se quiserem competir.<br />
De fato, o <strong>de</strong>senvolvimento das novas tecnologias tem liberado a<br />
força física dos trabalhadores que foi repassada para as máquinas e<br />
programas ―pensantes‖, mas que, por sinal, constituem trabalho materializado,<br />
coletivamente <strong>de</strong>senvolvido. Na divisão social do trabalho, no capitalismo,<br />
pensar e criar essas tecnologias fica a cargo da classe dominante. Essa<br />
tecnologia está exigindo dos trabalhadores conhecimentos básicos que os<br />
permitam seguir <strong>de</strong>terminadas sequências, apertar <strong>de</strong>terminadas teclas, alguns<br />
comandos e, adiante, a máquina faz o resto. Não é à toa que cursos e mais<br />
cursos <strong>de</strong> informática são o novo ―abecedário‖. Que conhecimentos são estes?<br />
Quais conteúdos realmente estão sendo repassados nas escolas públicas? e<br />
nos cursos profissionalizantes iniciais e técnicos? Em que medida a pedagogia<br />
das competências vem suprir a falta <strong>de</strong> <strong>uma</strong> educação integral?
95<br />
Contrária a essa pedagogia das competências, Kuenzer (2007)<br />
compreen<strong>de</strong> que a educação cumpre <strong>de</strong>terminadas funções no mundo da<br />
produção, estando a escola responsável pela elaboração <strong>de</strong> propostas a partir<br />
das exigências <strong>de</strong> <strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes. A história do ensino no Brasil<br />
não conseguiu romper com a dualida<strong>de</strong> entre ensino propedêutico e a<br />
formação profissional, apesar <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>s tentativas <strong>de</strong> integração, sem<br />
sucesso, pois, no final, a lógica da divisão social e técnica do trabalho<br />
permaneceu a mesma: educação profissional para os trabalhadores e<br />
educação científica para os filhos das classes abastadas.<br />
autora:<br />
O paradoxo acontece na contextualida<strong>de</strong> quando, nas palavras da<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento científico e tecnológico, quando mais avança,<br />
mais introduz <strong>uma</strong> contradição na relação entre educação do<br />
trabalhador e processo produtivo: quanto mais se simplificam as<br />
ativida<strong>de</strong>s práticas no fazer, mais complexas se tornam no<br />
gerenciamento e na manutenção, em <strong>de</strong>corrência do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento científico que encerram. Ou seja, o trabalho mais se<br />
simplifica enquanto mais se torna complexa a ciência; como<br />
<strong>de</strong>corrência, a se exigir menos qualificação do trabalhador, mais ele<br />
se distancia da compreensão e do domínio das tarefas que executa<br />
(KUENZER, 2007, p. 35).<br />
Por outro lado, o capital está exigindo um homem ―capaz <strong>de</strong> atuar na<br />
prática, trabalhar tecnicamente e ao mesmo tempo intelectualmente‖ (i<strong>de</strong>m, p.<br />
36). O trabalhador tradicional que fazia uso das mãos e da força <strong>de</strong> trabalho<br />
está sendo <strong>de</strong>scartado. Caso queira permanecer no mercado, <strong>de</strong>ve se<br />
apropriar <strong>de</strong>sse conhecimento e adquirir novas competências. Daí, para autora,<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ensino que unifique ―a função intelectual da função<br />
técnica‖. Assim, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um ensino unitário, a autora advoga:<br />
Neste sentido, a escola que se tem hoje já não serve sequer aos<br />
interesses do capitalismo, que busca superar concretamente as<br />
dificulda<strong>de</strong>s que a aplicação rigorosa da divisão técnica do trabalho<br />
impõe ao seu <strong>de</strong>senvolvimento. Hoje, para o capital, ―o gorila<br />
amestrado‖ não tem função a <strong>de</strong>sempenhar. O capital precisa, para<br />
se ampliar, <strong>de</strong> trabalhadores capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar sua parte no<br />
acordo social imposto pelas relações <strong>de</strong> trabalho, pelo cumprimento<br />
dos seus <strong>de</strong>veres e ao mesmo tempo capazes <strong>de</strong> incorporar as<br />
mudanças tecnológicas, sem causar estrangulamento à produção.<br />
Para tanto, a mera educação profissional já não é suficiente. Por isso,<br />
o próprio capital reconhece que os trabalhadores em geral precisam
96<br />
ter acesso à cultura sob todas as suas formas, para o que é<br />
indispensável <strong>uma</strong> sólida educação básica (I<strong>de</strong>m, p. 37).<br />
De fato, esse pensamento até correspon<strong>de</strong> com o discurso dos<br />
teóricos da socieda<strong>de</strong> do conhecimento. No entanto, a autora <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que<br />
esse conhecimento seja difundido para todos, havendo <strong>uma</strong> íntima relação<br />
entre cultura e produção, e não apenas para <strong>uma</strong> parcela da socieda<strong>de</strong>. Já os<br />
teóricos do capital não estão interessados em lutar por <strong>uma</strong> educação <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> para todos, apesar anunciarem sua relevância. A<strong>de</strong>mais, com um<br />
imenso número <strong>de</strong> pessoas qualificadas <strong>de</strong>sempregadas, eles sabem aon<strong>de</strong><br />
buscar seus parceiros, um público específico, ou seja, aqueles que po<strong>de</strong>m ter<br />
esse conhecimento em função <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> classe. As organizações, <strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> maneira geral, ainda precisam <strong>de</strong> profissionais para ocuparem cargos, tais<br />
como os <strong>de</strong> auxiliar administrativo, <strong>de</strong> técnico <strong>de</strong> segurança no trabalho, <strong>de</strong><br />
auxiliar <strong>de</strong> enfermagem, <strong>de</strong>ntre outras profissões, e sabem em que classe vão<br />
recrutar esses profissionais que <strong>de</strong>vem ter introjetado o perfil empreen<strong>de</strong>dor e<br />
o paradigma da flexibilida<strong>de</strong>.<br />
Os teóricos da classe dominante não querem prescindir dos<br />
conhecimentos teóricos produzidos pela h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> que dão condições para<br />
pensar e criar novas tecnologias, conhecimentos para o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
sua produção e da socieda<strong>de</strong>, porém, no contexto <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição das relações<br />
na produção, a pedagogia da competência, quando focaliza em situaçõesproblema<br />
apresentadas pelos alunos, tendo como base suas experiências, não<br />
conseguirá formá-los nem para as <strong>de</strong>mandas do capitalismo, salvo para<br />
aqueles cargos que continuam <strong>de</strong>mandando profissionais com o mínimo <strong>de</strong><br />
conhecimentos.<br />
A classe dominante também não quer prescindir <strong>de</strong> um trabalhador<br />
complacente, maleável, que aceita as novas regras, muitas vezes contrárias<br />
aos interesses do trabalhador. Esse trabalhador <strong>de</strong>ve ser cooperativo,<br />
submisso, que busca sempre apren<strong>de</strong>r, que se doa,comprometendo, inclusive,<br />
seu horário <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso, que sabe resolver problemas, que dá tudo <strong>de</strong> si para<br />
manter-se empregável. A pedagogia das competências parece estar mais
97<br />
preocupada com essas características atitudinais e comportamentais que a<br />
empresa precisa.<br />
Perrenoud (1999), num primeiro momento, nos tranquiliza quanto a<br />
essa questão, quando ventila que os conteúdos não serão minorizados, o que<br />
acrescenta é um olhar para a experiência dos alunos, seu saber, suas<br />
inquietações, fruto <strong>de</strong> um sujeito que está no mundo, atravessado por <strong>de</strong>safios<br />
que estão necessitando <strong>de</strong> novas repostas. Dito isso, vamos a<strong>de</strong>ntrar um<br />
pouco no seu pensamento e i<strong>de</strong>ntificar esses pressupostos que buscam <strong>uma</strong><br />
educação que realmente possa caminhar para o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>.<br />
Primeiramente, o autor acima citado diagnostica que o sistema<br />
escolar não evolui, apesar <strong>de</strong> a procura estar aumentando, questiona até que<br />
ponto a maior escolarida<strong>de</strong> dos jovens o estão tornando ―mais tolerantes, mais<br />
responsáveis e mais capazes do que seus pre<strong>de</strong>cessores para agir e viver em<br />
socieda<strong>de</strong>‖ (PERRENOUD, 1999, p. 14). Para o autor, todos os segmentos da<br />
socieda<strong>de</strong> querem <strong>uma</strong> escola mais eficaz que prepare para a vida e sem ter<br />
muito custo financeiro. Assim,<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento mais metódico <strong>de</strong> competências <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escola<br />
po<strong>de</strong> parecer <strong>uma</strong> via para sair da crise do sistema educacional. [...]<br />
A abordagem dita ― por competências‖ não faz senão acentuar essa<br />
orientação.[...] a evolução do mundo, das fronteiras, das tecnologias,<br />
dos estilos <strong>de</strong> vida requer <strong>uma</strong> flexibilida<strong>de</strong> e criativida<strong>de</strong> crescentes<br />
dos seres h<strong>uma</strong>nos, no trabalho e na cida<strong>de</strong>. [...] a abordagem por<br />
competências não rejeita nem os conteúdos,nem as disciplinas, mas<br />
sim acentua sua implemenação (I<strong>de</strong>m, p. 15).<br />
A escola, como <strong>uma</strong> instituição social, segue os anseios da<br />
socieda<strong>de</strong> como um todo, num palco em que são encenados discursos e<br />
interesses contraditórios que <strong>de</strong>veriam pressupor diálogo com as partes<br />
interessadas e não apenas com um grupo dominante que impõe o que a<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>seja como formação.<br />
Pelo exposto, na França, houve um anseio geral por mudanças,<br />
<strong>de</strong>sclassificando a escola <strong>de</strong> então, em busca <strong>de</strong> <strong>uma</strong> outra mais condizente<br />
com a realida<strong>de</strong>. Uma escola que permita a apreensão da realida<strong>de</strong> como<br />
diriam os integrantes do Grupo Francês <strong>de</strong> Educação Nova, a que Perronoud
98<br />
se reporta. É <strong>de</strong>sses estudiosos que surge a indagação: para que serve ir à<br />
escola, se não se adquire nela os meios para agir no mundo e sobre o mundo?<br />
Daí o autor fala <strong>de</strong> ―<strong>uma</strong> tensão entre os que querem transmitir a cultura e os<br />
conhecimentos por si e os que querem, nem que seja em visões contraditórias,<br />
ligá-los muito rapidamente a práticas sociais” (1999, p. 14). Então, o cenário<br />
comporta um campo heterogêneo composto <strong>de</strong> conservadores, <strong>de</strong>mocratas e<br />
elites. Contudo, para clarear a i<strong>de</strong>ia do autor, a seguinte citação resume seu<br />
pensamento em torno <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate:<br />
Seria muito restritivo fazer do interesse do mundo escolar pelas<br />
competências o simples sinal <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>pendência em relação à<br />
política econômica. Há antes <strong>uma</strong> junção entre um movimento a partir<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e um apelo <strong>de</strong> fora. Um e outro nutrem-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong><br />
dúvida sobre a capacida<strong>de</strong> do sistema educacional para tornar as<br />
novas gerações aptas a enfrentarem o mundo <strong>de</strong> hoje e o <strong>de</strong> amanhã<br />
(PERRENOUD, 1999, p. 14).<br />
Tudo leva a crer que, na França, assim como na Alemanha, a<br />
educação estava passando por <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> crise, na qual seus alunos estavam<br />
saindo da escola, sem conseguir intervir nas soluções dos problemas. A<br />
criativida<strong>de</strong> intelectual estagnou, em função <strong>de</strong> <strong>uma</strong> completa ruptura entre<br />
teoria. Dando sequência às i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Perrenoud, faremos um breve<br />
comentário, <strong>de</strong> acordo com cada ponto explicitado pelo autor.<br />
Entenda-se: não se trata <strong>de</strong> renunciar a qualquer ensino<br />
―organizado‖. Po<strong>de</strong>-se muito bem imaginar a harmoniosa coexistência<br />
das duas lógicas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não se esqueça <strong>de</strong> que, por natureza, a<br />
lógica do ensino é imperialista, que jamais há tempo suficiente <strong>de</strong><br />
expor ―mínimo do que se <strong>de</strong>ve saber antes <strong>de</strong> agir‖. Isso leva os<br />
currículos clássicos <strong>de</strong> medicina a concentrar três anos <strong>de</strong> teorias –<br />
física, química, biologia, anatomia, fisiologia, farmacologia, etc. –<br />
antes <strong>de</strong> ser iniciada a primeira experiência clínica. Para manter-se<br />
um improvável equilíbrio, é sensato inscrevê-lo no dispositivo e, em<br />
um certo sentido, impô-lo a cada professor, para ajudar este último a<br />
lutar contra a tentação <strong>de</strong> voltar para a <strong>uma</strong> pedagogia da ilustração<br />
da teoria com alguns casos concretos no fim do percurso. (...)<br />
trabalhar para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> competências não se limita a<br />
torná-las <strong>de</strong>sejáveis, propondo <strong>uma</strong> imagem convincente <strong>de</strong> seu<br />
possível uso, nem eliminando a teoria, <strong>de</strong>ixando entrever sua<br />
colocação em prática. Trata-se <strong>de</strong> ―apren<strong>de</strong>r, fazendo, o que não se<br />
sabe fazer‖ (PERRENOUD, 1999, p.55, grifo do autor).
99<br />
Diante <strong>de</strong>ssa citação tão esclarecedora, é completamente<br />
incompreensível como o autor vem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a articulação entre os<br />
conteúdos e a prática, e dá <strong>uma</strong> <strong>de</strong>claração absurda sobre o ensino, sobre as<br />
teorias e ainda culmina sua colocação com a frase ―apren<strong>de</strong>r, fazendo, o que<br />
não se sabe fazer‖. E, para fechar com ―chave <strong>de</strong> ouro,‖ vamos expor <strong>uma</strong><br />
pérola <strong>de</strong> Perrenoud, quando diz que falta tempo para que se trabalhe com<br />
competências e conteúdos:<br />
A escola está, portanto, diante <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro dilema: para<br />
construir competências, esta precisa <strong>de</strong> tempo, que é parte do tempo<br />
necessário para distribuir o conhecimento profundo. [...] Tal<br />
treinamento é possível se o sujeito tiver o tempo <strong>de</strong> viver as<br />
experiências e analisá-las. Por essa razão é impossível, em um<br />
número limitado <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, cobrir programas pletórios<br />
<strong>de</strong> conhecimentos, senão abrindo mão, em gran<strong>de</strong> medida, da<br />
construção <strong>de</strong> competências. Afinal <strong>de</strong> contas, conhecimentos e<br />
competências são estreitamente complementares, mas po<strong>de</strong> haver<br />
entre eles um conflito <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>, em particular na divisão do<br />
tempo <strong>de</strong> trabalho na aula (IDEM, 1999, p. 7 e 10).<br />
Desta forma, fica evi<strong>de</strong>nte, no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua explanação, que essa<br />
pedagogia vai levar a <strong>uma</strong> completa <strong>de</strong>scaracterização do ensino, pois é<br />
ambígua. Há momentos em que competência inclui conteúdos e teorias<br />
(integrando conhecimentos, habilida<strong>de</strong>s, características pessoais e<br />
interpessoais, para fazer frente às necessida<strong>de</strong>s postas pelo mundo e às<br />
necessida<strong>de</strong>s dos alunos); e outros, em que nega os conhecimentos. Desta<br />
forma, suspeitamos que essa pedagogia não levará à socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento que os teóricos anunciam.<br />
A pedagogia das competências se propõe a formar para o trabalho e<br />
para a vida. E aqui fica claro o engodo <strong>de</strong>ssa abordagem. Indagamos: como<br />
um médico ou qualquer profissional po<strong>de</strong> realizar seus procedimentos sem<br />
saber o que está fazendo? Apren<strong>de</strong>ndo na hora, apren<strong>de</strong>ndo errando?<br />
Apren<strong>de</strong>ndo fazendo?<br />
A abordagem por competências convida, ―firmemente‖, os<br />
professores a:<br />
―Consi<strong>de</strong>rar os conhecimentos com recursos a serem<br />
mobilizados‖: aqui o autor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o conhecimento erudito não tem valor
100<br />
quando não consegue, no momento certo, ser um recurso para i<strong>de</strong>ntificar<br />
problemas e propor soluções, estando mais centrados n<strong>uma</strong> ação pensada,<br />
ditada pelo conhecimento e pela razão. Para esclarecer melhor: ―A formação<br />
<strong>de</strong> competências exige <strong>uma</strong> pequena ―revolução cultural‖ para passar <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
lógica <strong>de</strong> ensino para <strong>uma</strong> lógica do treinamento (coaching)‖ (PERRENOUD,<br />
1999, p. 54)<br />
―Trabalhar regularmente por problemas‖: implica trabalhar por<br />
situações–problema estimulantes em grupos para aprendizados específicos<br />
objetivando a superação <strong>de</strong> obstáculos previamente i<strong>de</strong>ntificados.<br />
“Criar ou utilizar outros meios <strong>de</strong> ensino”: não há necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>rno e ativida<strong>de</strong>s prontas, mas situações apaixonantes.<br />
“Negociar e conduzir projetos com seus alunos”: ouvir as<br />
sugestões dos alunos <strong>de</strong> forma que a aprendizagem seja significativa.<br />
“Adotar um planejamento flexível e indicativo e improvisar”:<br />
o novo conteúdo vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do nível e da implicação do aluno, ou seja,<br />
―trata-se <strong>de</strong> empreendimento com resultado <strong>de</strong>sconhecido, que ninguém, nem<br />
sequer o professor, jamais viveu em condições exatamente iguais‖.<br />
Anteriormente, o autor salienta [...] que, ao ser concluído um projeto, segue<br />
outra aventura (i<strong>de</strong>m, p. 63). Assim, a pedagogia da competência necessita <strong>de</strong><br />
um planejamento didático flexível.<br />
“Implementar e explicitar um novo contrato didático”: nesse<br />
novo contrato, busca-se a aceitação dos erros como fonte <strong>de</strong> aprendizagem,<br />
valoriza-se a cooperação, ouvem-se os alunos, o professor se coloca no<br />
mesmo patamar do aluno, sendo ambos interlocutores, torna-se um igual.<br />
“Praticar <strong>uma</strong> avaliação formadora em situação <strong>de</strong> trabalho‖,<br />
através <strong>de</strong> ―<strong>uma</strong> observação individualizada <strong>de</strong> <strong>uma</strong> prática, em relação a <strong>uma</strong><br />
tarefa‖ (i<strong>de</strong>m, p. 66), pautada na autoavaliação e avaliação mútua.<br />
“Dirigir-se para <strong>uma</strong> menor compartimentação disciplinar‖:<br />
essa orientação pressupõe integrar nos programas e ativida<strong>de</strong>s didáticas,
101<br />
práticas transversais sendo necessário que os professores integrassem<br />
durante ―parte <strong>de</strong> sua carreira ou horário <strong>de</strong> trabalho, funções menos centradas<br />
na disciplina‖. Desta forma, os programas e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem promover a<br />
―estimulação <strong>de</strong> projetos coletivos, gestão da escola, acompanhamento <strong>de</strong><br />
projetos pessoais‖ (PERRENOUD, 1999, p. 68).<br />
Depois <strong>de</strong>ssa exposição, fica evi<strong>de</strong>nte que o ensino escolar<br />
metódico e sistematizado está realmente em segundo plano, e Perrenoud,<br />
apesar <strong>de</strong> vir tentando fazer, supostamente, a síntese <strong>de</strong> <strong>uma</strong> pedagogia que<br />
prime pelo conteúdo e pela experiência dos alunos, acaba centrando nos<br />
postulados da Escola Nova, acentuando a experiência, a vivência do aluno<br />
n<strong>uma</strong> <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> que a transmissão <strong>de</strong> conteúdo configura algo mecânico e<br />
não-criativo, negando a liberda<strong>de</strong>, a espontaneida<strong>de</strong> do aluno, que nos faz<br />
recordar Saviani (2008), quando vem criticar o escolanovismo e, para isso,<br />
reporta-se aos postulados da Pedagogia Histórico-Crítica, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o<br />
caráter intencional da educação e advoga:<br />
A educação é entendida como ato <strong>de</strong> produzir, direta e<br />
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> que é<br />
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Em<br />
outros termos, isso significa que a educação é entendida como<br />
mediação no seio da prática social global. [...] Daí <strong>de</strong>corre um método<br />
pedagógico que parte da pratica social em que o professor e aluno se<br />
encontram igualmente inseridos, ocupando, porém, posições<br />
distintas, condição para que travem <strong>uma</strong> relação fecunda na<br />
compreensão e no encaminhamento da solução dos problemas<br />
postos pela prática social. Aos momentos intermediários do método<br />
cabe i<strong>de</strong>ntificar as questões suscitadas pela prática social<br />
(problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para<br />
sua compreensão e solução (instrumentalização) e viabilizar sua<br />
incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos<br />
(catarse) (2008, p. 421- 2).<br />
Essa pedagogia, longe <strong>de</strong> centralizar-se na transmissão mecânica<br />
dos conteúdos, encerra princípios que advogam a <strong>de</strong>mocratização do ensino e<br />
da aprendizagem. Não centra no treinamento (coaching) que a pedagogia das<br />
competências vem recuperar, inclusive das pedagogias tecnicistas. Valoriza o<br />
ensino para que todos possam se apropriar do conhecimento, ou seja, a cultura<br />
produzida historicamente nas relações sociais, relações essas que estão em<br />
constante transformação. Daí a necessida<strong>de</strong> da problematização da realida<strong>de</strong><br />
como fenômeno não aparente em vez <strong>de</strong> ficar apenas com a situação-
102<br />
problema posta pelo cotidiano empírico dos alunos e do trabalho, ―n<strong>uma</strong><br />
aventura inovadora‖. Per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o saber do professor representa negar um<br />
processo duramente conquistado <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong> conhecimentos<br />
perpassados pela prática coletiva.<br />
Essa proposta está muito além da pedagogia das competências e<br />
também não constitui novida<strong>de</strong>. Todavia, por interesses políticos e i<strong>de</strong>ológicos<br />
(apesar das lutas em busca <strong>de</strong> <strong>uma</strong> educação integral que venha a incorporar<br />
o conceito <strong>de</strong> trabalho como princípio educativo), está longe <strong>de</strong> ser<br />
concretizada, pois na hora ―H‖ surgem retalhos que, inclusive, fazem com que a<br />
escola seja taxada <strong>de</strong> inoperante, distante da realida<strong>de</strong>, autoritária, imperadora,<br />
e <strong>de</strong> tantos outros adjetivos que não contribuem para a construção <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
escola, em que pesem todas as suas contradições, como um espaço <strong>de</strong><br />
produção <strong>de</strong> conhecimentos e saberes, enfim, que forneça os instrumentos<br />
teóricos e práticos que necessitam ser apropriados por todos.<br />
Concordamos com Duarte (2008) quando afirma:<br />
Não discordo da afirmação <strong>de</strong> que a educação escolar <strong>de</strong>va<br />
<strong>de</strong>senvolver no indivíduo a autonomia intelectual, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pensamento e <strong>de</strong> expressão, a capacida<strong>de</strong> e a iniciativa <strong>de</strong> buscar<br />
por si mesmo novos conhecimentos. Mas o que estou aqui<br />
procurando analisar é outra coisa: trata-se do fato <strong>de</strong> que as<br />
pedagogias do ―apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r‖ estabelecem <strong>uma</strong> hierarquia<br />
valorativa, na qual apren<strong>de</strong>r sozinho situa-se em um nível mais<br />
elevado do que o da aprendizagem resultante da transmissão <strong>de</strong><br />
conhecimentos por alguém. [...] entendo ser possível postular <strong>uma</strong><br />
educação que fomente a autonomia intelectual e moral por meio da<br />
transmissão das formas mais elevadas e <strong>de</strong>senvolvidas do<br />
conhecimento socialmente existente (DUARTE, 2008, p. 8).<br />
Na pedagogia das competências, há <strong>uma</strong> preocupação muito mais<br />
com a metodologia em sala, da relação professor e aluno, das avaliações, das<br />
relações interpessoais, da comunicação, da iniciativa, da mobilização <strong>de</strong><br />
conhecimentos do cotidiano, fatos esses que são constantemente<br />
questionados por educadores que, há muito tempo, vêm criticando os métodos<br />
da pedagogia tradicional, porém, sem querer <strong>de</strong>sprestigiar os conteúdos, ao<br />
contrário, lutam por um ensino <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, juntamente com metodologias que<br />
facilitem a aprendizagem. Então, a pedagogia das competências, não<br />
conseguirá formar alunos mais capazes intelectualmente, logo ―funcionais‖ para
103<br />
a socieda<strong>de</strong> ou para o capital ou para que Drucker (1993) chama <strong>de</strong><br />
―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖, sobretudo quando <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o fornecimento <strong>de</strong><br />
mínimos conhecimentos, técnicas simples centradas em quem apren<strong>de</strong>,<br />
re<strong>de</strong>finindo o conceito <strong>de</strong> ensino-aprendizagem.<br />
Partindo da análise <strong>de</strong> Kuenzer (2007), po<strong>de</strong>mos inferir que essa<br />
acepção estaria na contramão até das <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> expansão do capitalismo,<br />
que, contraditoriamente, estariam exigindo novos princípios pedagógicos,<br />
principalmente em função do <strong>de</strong>senvolvimento da ciência, da tecnologia, mas,<br />
na prática, permanecem dois projetos pedagógicos: um para formar<br />
trabalhadores intelectuais e outro para formar trabalhadores instrumentais.<br />
Nesse contexto, a educação ganha prepon<strong>de</strong>rância no <strong>de</strong>bate em<br />
todas as esferas, mas o que observamos na prática são escolas públicas,<br />
universida<strong>de</strong>s públicas capitaneadas pela lógica do mercado,<br />
sendo<br />
sucateadas e sem investimentos. Os professores ―correm‖ em busca <strong>de</strong><br />
financiamento para seus projetos, tendo que produzir <strong>de</strong>senfreadamente para<br />
atingirem percentuais exigidos por instituições externas.<br />
Pensando na realida<strong>de</strong> brasileira e mais especificamente na<br />
cearense, esse ensino universal <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> está longe <strong>de</strong> acontecer, assim<br />
como o fim da socieda<strong>de</strong> do trabalho. Concordamos com Frigotto (1995)<br />
quando assinala que<br />
A crescente literatura que <strong>de</strong>senvolve as teses do surgimento <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
socieda<strong>de</strong> do conhecimento sem classes, fundada não mais sobre os<br />
processos exclu<strong>de</strong>ntes característicos <strong>de</strong> um processo produtivo<br />
transformador da natureza e consumidor <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong> energia não<br />
renovável, mas <strong>de</strong> <strong>uma</strong> economia global on<strong>de</strong> o principal recurso é o<br />
conhecimento, o qual não teria limites e estaria ao alcance <strong>de</strong> todos,<br />
opera <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um nível profundamente i<strong>de</strong>ológico e apologético<br />
(FRIGOTTO, 1995, p. 37).<br />
E é na perspectiva <strong>de</strong> que há um conhecimento ao alcance <strong>de</strong> todos,<br />
cabendo ao indivíduo manter-se sempre estudando, se qualificando, para não<br />
per<strong>de</strong>r sua empregabilida<strong>de</strong>, ou seja, sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguir e<br />
permanecer empregado, é que se sustentam, <strong>de</strong> acordo com Minarelli (1995),<br />
os seis pilares da empregabilida<strong>de</strong>: a<strong>de</strong>quação da profissão à vocação;<br />
idoneida<strong>de</strong>; competências; saú<strong>de</strong> física e mental; reserva financeira e,<br />
finalmente, relacionamentos interpessoais.
104<br />
Também se faz necessário ser justo com Minarelli, que, na sua<br />
leitura da realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixa claro que na ―nova socieda<strong>de</strong> sem empregos‖,<br />
somente aqueles que têm <strong>uma</strong> profissão, competências, dinheiro para se<br />
qualificar constantemente po<strong>de</strong>m manter-se nos empregos, pois cumprem os<br />
requisitos para, pelo menos, serem consi<strong>de</strong>rados aptos para as vagas que<br />
surgirem, ou então buscarem ser eles mesmos seus próprios patrões, com<br />
todas as habilida<strong>de</strong>s que construíram no seu processo <strong>de</strong> formação<br />
profissional. Mas, aqui também, ele está se referindo a <strong>uma</strong> <strong>de</strong>terminada<br />
classe social, pois como pensar que os pobres <strong>de</strong>stituídos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>spojados sem boa alimentação, sem dinheiro, vítimas <strong>de</strong> fome<br />
real e simbólica privados da maioria dos seis pilares da empregabilida<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>m competir? Partindo da avaliação <strong>de</strong> Drucker (1993), aqueles que<br />
ganham seu sustento com o trabalhado manual não po<strong>de</strong>rão competir com os<br />
trabalhadores do conhecimento, pois esses novos técnicos<br />
[...] necessitam não só <strong>de</strong> um alto nível <strong>de</strong> aptidão, mas também <strong>de</strong><br />
um alto grau <strong>de</strong> conhecimento formal e, acima <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> alta<br />
capacida<strong>de</strong> para apren<strong>de</strong>r e adquirir conhecimento adicional. Os<br />
técnicos não são os sucessores dos operários <strong>de</strong> ontem. Eles são<br />
basicamente os sucessores dos trabalhadores altamente qualificados,<br />
ou melhor, eles são trabalhadores altamente qualificados que<br />
também possuem gran<strong>de</strong> conhecimento e educação formais e a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r continuamente (DRUCKER, 1993, p. 47).<br />
É diante <strong>de</strong>sse quadro que se <strong>de</strong>para a gran<strong>de</strong> maioria dos<br />
trabalhadores que estão longe do acesso a <strong>uma</strong> educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Mudar<br />
essa realida<strong>de</strong> significa negar a dualida<strong>de</strong> educacional na socieda<strong>de</strong><br />
capitalista. Partindo do pressuposto <strong>de</strong> que no campo social, econômico e<br />
cultural nada é fatalístico, po<strong>de</strong>mos, portanto, transformar a realida<strong>de</strong> que<br />
parece imutável. Para fazer frente a esse fatalismo, criticamos Morin (2007)<br />
que parece estar <strong>de</strong>scrente na construção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> na qual os<br />
homens possam usufruir dos bens espirituais e materiais:<br />
Nada é mais difícil <strong>de</strong> realizar <strong>uma</strong> civilização melhor. Esse sonho da<br />
expansão pessoal <strong>de</strong> cada um, da supressão <strong>de</strong> qualquer forma <strong>de</strong><br />
exploração e dominação, da justa divisão dos bens, da solidarieda<strong>de</strong><br />
efetiva entre todos, da felicida<strong>de</strong> generalizada, levou aqueles que<br />
quiseram impô-la ao uso <strong>de</strong> meios bárbaros que arruinaram sua<br />
empresa civilizadora. Qualquer <strong>de</strong>cisão que vise suprimir conflitos e<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns, estabelecer harmonia e transparência conduz a seu<br />
contrário, e as conseqüências <strong>de</strong>sastrosas se encontram à vista.
105<br />
Como mostra a história do século XX e as ativida<strong>de</strong>s do terrorismo<br />
fanático do início do século XXI, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> instaurar a salvação na<br />
terra termina instalando o inferno. Não seria necessário cair <strong>uma</strong> vez<br />
mais no sonho da salvação terrestre. Querer um mundo melhor,<br />
nossa finalida<strong>de</strong> principal, não é querer o melhor dos mundos<br />
(MORIN, 2007, p.109- 110).<br />
Essa <strong>de</strong>scrença significa acomodar-se com as injustiças e<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um sistema. Significa aceitar a impotência dos trabalhadores<br />
que sofrem com todo tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e que nada mais é possível fazer.<br />
Não po<strong>de</strong>mos compactuar com esse absurdo da inativida<strong>de</strong> e passivida<strong>de</strong><br />
diante <strong>de</strong> um mundo que está aí, que foi construído pelas mulheres e homens<br />
nas suas relações sociais e por isso po<strong>de</strong>m também ser transformadas.<br />
Enten<strong>de</strong>-se que o <strong>de</strong>senvolvimento econômico dos países centrais<br />
tem <strong>uma</strong> longa história que adveio <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sigual, relegando<br />
aos países periféricos o ônus por um padrão que permitiu que a classe<br />
dominante, sob a pressão dos sindicatos, pu<strong>de</strong>sse fornecer melhores salários e<br />
benefícios aos seus trabalhadores, que mais conscientes, impuseram suas<br />
<strong>de</strong>mandas. Hoje, apesar <strong>de</strong> esses países concentrarem alta tecnologia e<br />
capital, encontram-se também com altos índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, colaborando<br />
para o exacerbamento da ―exclusão‖.<br />
Dito isso, é simplório o discurso <strong>de</strong> que, com o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
econômico, mais empregos serão produzidos, levando-nos a crer existir um<br />
país on<strong>de</strong> tudo é ―cor <strong>de</strong> rosa‖, porque há mais educação, mais participação,<br />
mais cidadania. Também é simplório negar que a educação, a qualificação<br />
não potencializem as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> o indivíduo galgar espaços no tecido<br />
social, mas difundir que o problema é falta <strong>de</strong> qualificação e <strong>de</strong> educação é<br />
escamotear <strong>uma</strong> exclusão que a cada momento cresce atingindo a população<br />
em escala planetária, principalmente quando o capital está concentrado em<br />
poucas corporações internacionais que chegam a não ter pátria, fragilizando o<br />
papel do Estado-nação.<br />
Nesse contexto, o Brasil vem <strong>de</strong>senvolvendo programas e projetos<br />
visando qualificar os trabalhadores e seus filhos para esse novo mundo do
106<br />
trabalho, e o Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação (PNQ) contêm as diretrizes para<br />
orientar a execução da política <strong>de</strong> qualificação profissional.<br />
2.2 Os Princípios e Diretrizes do Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação- PNQ<br />
O Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação – PNQ busca <strong>uma</strong> integração<br />
entre a Política <strong>de</strong> Qualificação, a Política <strong>de</strong> Trabalho, Emprego e Renda, a<br />
Política <strong>de</strong> Educação e a Política <strong>de</strong> Desenvolvimento que apresenta os<br />
seguintes princípios:<br />
I. Articulação entre Trabalho, Educação e Desenvolvimento;<br />
II. Qualificação como Direito e Política Pública;<br />
III. Diálogo e Controle Social, Tripartismo e Negociação Coletiva;<br />
IV. Respeito ao pacto fe<strong>de</strong>rativo, com a não superposição <strong>de</strong> ações<br />
entre estados, municípios e com outros ministérios e o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> critérios <strong>objetivos</strong> <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>s e recursos;<br />
V. A<strong>de</strong>quação entre as <strong>de</strong>mandas do mundo do trabalho e da<br />
socieda<strong>de</strong> e a oferta <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> qualificação, consi<strong>de</strong>radas as<br />
especificida<strong>de</strong>s do território do setor produtivo;<br />
VI. Trabalho como Princípio Educativo;<br />
VII. Reconhecimento dos saberes acumulados na vida e no trabalho,<br />
por meio da certificação e da orientação profissional;<br />
VIII. Efetivida<strong>de</strong> social e na Qualida<strong>de</strong> Pedagógica das ações (PNQ,<br />
2008, p.1).<br />
É importante <strong>de</strong>stacar que esses princípios estão contidos no<br />
PNQ/2008 que acompanha a Resolução nº 575/2008 do Conselho Deliberativo<br />
do Fundo do Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, que se propõe fundamentar<br />
n<strong>uma</strong> perspectiva <strong>de</strong> controle social, <strong>de</strong> diálogo e negociação coletiva, assim<br />
como na <strong>de</strong>scentralização administrativa como um canal <strong>de</strong> institucionalização<br />
da participação dos envolvidos, sustentadas n<strong>uma</strong> concertação social com a<br />
política pública. Contudo, na realida<strong>de</strong>, o que ocorre é a transferência<br />
progressiva das obrigações do Estado para a esfera privada que recebe
107<br />
recursos públicos para realizar o que <strong>de</strong>veria ser <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do<br />
Estado, acarretando o progressivo <strong>de</strong>smonte dos sindicatos e o esfacelamento<br />
dos movimentos sociais que, longe <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidirem as políticas públicas, apenas<br />
compõem, <strong>de</strong> fachada, o que o governo chama controle social.<br />
O PLANTEQ/2009, como instrumento do Sistema Nacional <strong>de</strong><br />
Emprego – SINE, incorporou, através do seu Plano Plurianual (PPE), as<br />
diretrizes do PNQ que preten<strong>de</strong> superar os entraves do Plano Nacional <strong>de</strong><br />
Formação Profissional (PLANFOR) do governo Fernando Henrique Cardoso<br />
que não teria conseguido articular a educação profissional às outras políticas<br />
públicas <strong>de</strong> trabalho/ renda, educação e <strong>de</strong>senvolvimento. Essas ações são<br />
executadas no Ceará, pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social –<br />
STDS em sintonia com as ações do Sistema Público <strong>de</strong> Emprego, Trabalho e<br />
Renda – SPETR.<br />
As ações <strong>de</strong> Qualificação Social e Profissional (QSP) <strong>de</strong>vem ser<br />
realizadas nos municípios com mais <strong>de</strong> 200 mil habitantes. Visam à inserção e<br />
atuação cidadã do trabalhador no mundo do trabalho. Os <strong>objetivos</strong> do<br />
PLANTEQ são os mesmos do PNQ, quais sejam:<br />
I. Formação intelectual, técnica e cultural do trabalhador brasileiro;<br />
II. Elevação da escolarida<strong>de</strong> do trabalhador, por meio da articulação<br />
com as políticas públicas <strong>de</strong> educação, em particular, com a<br />
educação <strong>de</strong> jovens e adultos e a educação profissional e<br />
tecnológica;<br />
III. Inclusão social do trabalhador, redução da pobreza, combate à<br />
discriminação e à vulnerabilida<strong>de</strong> das populações;<br />
IV. Obtenção do emprego e trabalho <strong>de</strong>cente e da participação em<br />
processos <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho e renda, ou<br />
seja, a inserção no mundo do trabalho, reduzindo os níveis <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>semprego e subemprego;<br />
V. Permanência no mercado <strong>de</strong> trabalho, reduzindo os riscos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>missão e as taxas <strong>de</strong> rotativida<strong>de</strong>;<br />
VI. Êxito no empreendimento individual ou coletivo, na perspectiva da<br />
economia popular solidária;
108<br />
VII.<br />
VIII.<br />
IX.<br />
Elevação da produtivida<strong>de</strong>, da competitivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> renda.<br />
Articulação com as ações <strong>de</strong> caráter macroeconômico e com<br />
micro e pequenos empreendimentos, para permitir o<br />
aproveitamento das oportunida<strong>de</strong>s geradas pelo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento local e regional;<br />
Articulação com as <strong>de</strong>mais ações do Sistema Público <strong>de</strong><br />
Emprego, Trabalho e Renda, inclusive com os beneficiários do<br />
seguro <strong>de</strong>semprego.<br />
O PLANTEQ é financiado com recursos do Fundo <strong>de</strong> Amparo ao<br />
Trabalhador – FAT/ Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e pelo Governo<br />
do Estado do Ceará, e<br />
em consonância com o Programa Estadual Trabalho Competitivo<br />
Alcançando a Empregabilida<strong>de</strong>, ―contribuindo, <strong>de</strong>cisivamente, para a<br />
empregabilida<strong>de</strong> do trabalhador, aumentando as suas possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> inserção e <strong>de</strong> permanência no mercado <strong>de</strong> trabalho, reduzindo os<br />
níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e subemprego e, conseqüentemente, a<br />
pobreza da população‖ (PLANTEQ, 2009, p. 2, grifo do documento).<br />
Dentro do referencial da empregabilida<strong>de</strong>, fica evi<strong>de</strong>nte que, <strong>de</strong><br />
início, o governo estadual parte do pressuposto <strong>de</strong> que as ações <strong>de</strong><br />
qualificação <strong>de</strong>vem estar centradas no indivíduo no sentido <strong>de</strong> fortalecer suas<br />
capacida<strong>de</strong>s, suas competências para po<strong>de</strong>r aumentar ou mesmo favorecer a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua inserção no mundo do trabalho. Com a ausência <strong>de</strong><br />
empregos, é preciso formar o trabalhador para as intempéries sociais e<br />
econômicas, mas, por outro lado, <strong>de</strong> forma ambígua, nos seus <strong>objetivos</strong>, e em<br />
sintonia com o PNQ, contempla a proposta <strong>de</strong> inclusão com obtenção do<br />
emprego e trabalho <strong>de</strong>cente com permanência no mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />
Vejamos outra citação esclarecedora:<br />
O Plano Territorial <strong>de</strong> Qualificação - PLANTEQ/CE -2009 será<br />
executado sob a premissa da ―empregabilida<strong>de</strong>‖ que pressupõe<br />
ações <strong>de</strong> educação social e profissional envolvendo <strong>de</strong> forma<br />
integrada conteúdos <strong>de</strong>vidamente aplicados à realida<strong>de</strong> local, às<br />
necessida<strong>de</strong>s dos/das trabalhadores/as, ao <strong>de</strong>senvolvimento do
109<br />
território, ao mercado <strong>de</strong> trabalho e ao perfil da população a ser<br />
atendida (i<strong>de</strong>m, p. 9).<br />
Para a efetivida<strong>de</strong> das ações da qualificação Social e Profissional –<br />
QSP, <strong>de</strong>vem-se estabelecer metas <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong>finidas pela comissão <strong>de</strong><br />
concertação 24 do setor produtivo, <strong>de</strong> acordo com a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada território<br />
ou setor, dos mapas ocupacionais e através do estudo do emprego formal<br />
realizado por instituições <strong>de</strong> pesquisas (PNQ, 2009, p. 4). Isto posto, fica<br />
evi<strong>de</strong>nte que a <strong>de</strong>finição das qualificações que serão fornecidas pelo Estado<br />
está em estreita relação com as <strong>de</strong>mandas do setor produtivo e não<br />
necessariamente com as necessida<strong>de</strong>s dos trabalhadores e da juventu<strong>de</strong>.<br />
Como no interior do estado do Ceará, não há absorção da força <strong>de</strong> trabalho<br />
qualificada, resta incentivar a criação <strong>de</strong> empreendimentos individual ou<br />
coletivo na perspectiva da economia solidaria, do associativismo, do<br />
cooperativismo. Daí o foco no empreen<strong>de</strong>dorismo e na empregabilida<strong>de</strong>.<br />
Ramos (2006), criticando a falta <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> no emprego e a<br />
política centrada na empregabilida<strong>de</strong>, supondo favorecer a integração no<br />
mercado, afirma:<br />
A busca pela integração transforma-se num processo relativamente<br />
autônomo. Os processos educativos atuam na elaboração do projeto<br />
pessoal dos indivíduos tornando-o maleável o suficiente para<br />
transformar-se em projeto possível no confronto com o mundo do<br />
trabalho. Este confronto não mais inclui, necessariamente, a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguir emprego e <strong>de</strong>senhar <strong>uma</strong> carreira, mas<br />
outras tantas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência e realização, tais como<br />
o auto-emprego e o emprego temporário. Isto se constitui, em última<br />
análise, no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>uma</strong> personalida<strong>de</strong> autônoma e<br />
flexível. Associado a saberes culturais e profissionais tem-se o novo<br />
saber-ser, a<strong>de</strong>quado às circunstâncias da empregabilida<strong>de</strong> (RAMOS,<br />
2006, p.249).<br />
Então, a permanência não trabalho perpassa pelo interesse do<br />
trabalhador. Seu sucesso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do seu próprio investimento na carreira<br />
objetivando a realização profissional e supõe mudar a sua mentalida<strong>de</strong>. O PNQ<br />
<strong>de</strong>termina que seja realizada <strong>uma</strong> orientação profissional para que, <strong>de</strong>ntre<br />
tantas ocupações, o trabalhador ―escolha‖ aquela que mais condiz com suas<br />
24 A comissão <strong>de</strong> concertação é baseada n<strong>uma</strong> gestão tripartite: formada pelo governo, empresários e<br />
trabalhadores que tem por função <strong>de</strong>bater a proposta <strong>de</strong> qualificação com base na <strong>de</strong>manda apresentada,<br />
elaborar projeto final <strong>de</strong> qualificação <strong>de</strong> acordo com a Resolução nº 575/08 e acompanhar o processo <strong>de</strong><br />
execução das ações <strong>de</strong> qualificação.
110<br />
inclinações profissionais. Mas <strong>uma</strong> orientação profissional pressupõe<br />
interesses do indivíduo, suas possibilida<strong>de</strong>s atuais e o conhecimento das<br />
diferentes profissões do mercado <strong>de</strong> trabalho. Não no sentido inverso, ou seja,<br />
o mercado <strong>de</strong>fine o que quer e o estado qualifica, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando as<br />
necessida<strong>de</strong>s subjetivas. Nesse contexto, a orientação profissional é<br />
<strong>de</strong>snecessária, pois tudo já está previamente <strong>de</strong>finido.<br />
O Estado, na perspectiva da qualificação profissional como <strong>uma</strong><br />
construção social, preten<strong>de</strong> ser um parceiro nesse processo <strong>de</strong> inclusão. De<br />
fato, o trabalhador que está com seus conhecimentos <strong>de</strong>fasados ou não tem<br />
profissão precisa contar com o apoio do governo para se qualificar ou<br />
requalificar. E, na ―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖, a educação profissional e a<br />
escolar financiadas com recursos públicos ganham <strong>uma</strong> importância para a<br />
maioria da população que não po<strong>de</strong> arcar com sua formação<br />
educacional/profissional, principalmente quando as conquistas <strong>de</strong>mocráticas<br />
ainda são incipientes.<br />
As instâncias governamentais <strong>de</strong>vem realizar, com transparência, o<br />
controle, a avaliação e o monitoramento que integra as <strong>de</strong>terminações do PNQ<br />
e do PLANTEQ, para que as ações realmente tenham qualida<strong>de</strong> pedagógica e<br />
técnica com vistas à inserção, pelo trabalho, dos egressos dos cursos<br />
financiados com recursos públicos a diferentes entida<strong>de</strong>s privadas.<br />
Essa tarefa <strong>de</strong>ve ser realizada pelo Estado com competência e<br />
cumprindo os seguintes <strong>objetivos</strong> proclamados: inclusão social do trabalhador,<br />
redução da pobreza, combate à discriminação e à vulnerabilida<strong>de</strong> das<br />
populações, obtenção do emprego e trabalho <strong>de</strong>cente e da participação em<br />
processos <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho e renda, com a inserção<br />
no mundo do trabalho, reduzindo os níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e subemprego e,<br />
finalmente, permanência no mercado <strong>de</strong> trabalho, reduzindo os riscos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>missão e as taxas <strong>de</strong> rotativida<strong>de</strong>.
111<br />
Segundo Andra<strong>de</strong> (2010),<br />
As mudanças no mundo do trabalho e seus efeitos sobre a formação<br />
do trabalhador, bem como as competências e habilida<strong>de</strong>s<br />
profissionais <strong>de</strong>mandadas pelas empresas reestruturadas levam à<br />
i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova postura empresarial sobre a concepção <strong>de</strong><br />
profissional qualificado que provocou um repensar nas políticas <strong>de</strong><br />
educação profissional no país, consequentemente, no estado do<br />
Ceará. Com relação à qualificação do trabalhador atual, indicou-se<br />
que lhe será exigido não apenas conhecimento técnico, mas também<br />
sociocomunicativo e metodológico, visto que a complexida<strong>de</strong> das<br />
ativida<strong>de</strong>s realizadas nos novos processos produtivos passa a exigir<br />
conhecimento amplo e habilida<strong>de</strong>s generalistas. Esse fato impulsiona<br />
a reformulação das políticas <strong>de</strong> educação e formação profissional,<br />
voltadas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> condições que favoreçam a<br />
obtenção <strong>de</strong> novas capacida<strong>de</strong>s e saberes por parte dos<br />
trabalhadores. [...] As principais preocupações voltam para: a<br />
discrepância entre a geração <strong>de</strong> empregos formais na região<br />
metropolitana <strong>de</strong> Fortaleza e o reduzido investimento em ativida<strong>de</strong>s<br />
econômicas no interior do Estado, o que po<strong>de</strong>rá provocar a falência<br />
da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolas estaduais <strong>de</strong> educação profissional por motivos<br />
óbvios <strong>de</strong> não inserção do jovem no mercado <strong>de</strong> trabalho do<br />
município ou região; a frágil vinculação entre a política <strong>de</strong> educação<br />
profissional <strong>de</strong>senvolvida pela Secretaria <strong>de</strong> Educação e as políticas<br />
<strong>de</strong> emprego e renda <strong>de</strong>senvolvidas atualmente no Ceará (ANDRADE,<br />
2010, p. 61 - 62).<br />
A autora parte do pressuposto <strong>de</strong> que o trabalhador ou o jovem<br />
proveniente das classes <strong>de</strong>sfavorecidas socioeconomicamente terão <strong>de</strong> ter<br />
<strong>uma</strong> formação escolar e profissional <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> para po<strong>de</strong>r competir. Há<br />
também a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um mercado que absorva esses jovens, situação<br />
inexistente, principalmente, no interior do Estado do Ceará. Em termos dos<br />
<strong>objetivos</strong> proclamados pelo PNQ e PLANTEQ po<strong>de</strong>-se supor que os<br />
trabalhadores não <strong>de</strong>vem se preocupar com sua empregabilida<strong>de</strong> porque terão<br />
garantido <strong>uma</strong> formação intelectual, técnica e cultural que os possibilitará a<br />
permanência nos empregos, tendo por base <strong>uma</strong> educação que tenha o<br />
trabalho como princípio educativo. Tudo isso acarretará a redução do risco do<br />
<strong>de</strong>semprego e subemprego, das taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão e rotativida<strong>de</strong> que vem<br />
ocorrendo no Brasil.<br />
O PNQ e PLANTEQ preten<strong>de</strong>m realizar essa façanha a favor do<br />
trabalhador brasileiro na socieda<strong>de</strong> sem empregos, que atinge inclusive os<br />
países centrais. Porém, o discurso torna-se ambivalente, pois <strong>uma</strong> vez que<br />
acena com políticas que possam favorecer a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inserção no<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho, ao mesmo tempo objetiva a inclusão com obtenção <strong>de</strong>
112<br />
emprego e permanência no mesmo universo dos chamados grupos<br />
prioritários. 25<br />
Os operadores (entida<strong>de</strong>s privadas sem fins lucrativos) habilitados<br />
para executar as ações <strong>de</strong> qualificação social e profissional <strong>de</strong>vem ter a<br />
competência para realizar tais <strong>objetivos</strong> <strong>de</strong>ntro da sua área <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>. Essas ações <strong>de</strong>vem estar fundamentadas num projeto<br />
pedagógico consistente, levando-se em conta serão executadas n<strong>uma</strong> re<strong>de</strong><br />
articulada com as <strong>de</strong>mais ações do Sistema Público <strong>de</strong> Emprego, Trabalho e<br />
Renda. Ações que, segundo o PNQ, o antigo Plano <strong>de</strong> Qualificação –<br />
PLANFOR <strong>de</strong>senvolvido no governo <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso, não<br />
conseguiu pôr em prática em função da <strong>de</strong>sarticulação <strong>de</strong> suas ações.<br />
A articulação entre trabalho, educação e <strong>de</strong>senvolvimento passa a<br />
ser o novo mote do governo fe<strong>de</strong>ral. Como o PNQ a<strong>de</strong>ntra no campo<br />
educacional mais amplo, abordaremos, na nossa análise, autores que vêm<br />
discutindo a relação entre trabalho e educação. Esse percurso torna-se<br />
relevante, para efeito <strong>de</strong> nossa análise, porque com o Decreto n: 5.154/2004, 26<br />
o governo Lula renovou as esperanças dos setores mais comprometidos com a<br />
educação da classe trabalhadora, no sentido <strong>de</strong> revisar o Decreto 2.208/97,<br />
sobretudo no que se refere à integração entre educação profissional e ensino<br />
médio.<br />
Frigotto, Ciavatta e Ramos, (2005) asseveram que o Decreto n.<br />
5.154/2004, longe <strong>de</strong> corrigir distorções, na realida<strong>de</strong> se configurou como<br />
25 De acordo com o art. 4° da Resolução <strong>de</strong> nº 575/2008, são consi<strong>de</strong>rados públicos prioritários: I–<br />
beneficiários do Programa do Seguro –Desemprego; II- Trabalhadoras/es domésticas/as; III.<br />
Trabalhadores/as em empresas afetadas por processos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização tecnológica e outras formas <strong>de</strong><br />
reestruturação produtiva IV. Pessoas beneficiárias <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> inclusão social;inclusive do programa<br />
Bolsa Família, <strong>de</strong> ações afirmativas <strong>de</strong> controle à discriminação; <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> integração e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento regional e local; V. Trabalhadores/as internos do sistema penal e jovens submetidos a<br />
medidas sócio-educativas; Trabalhadores /as libertados/as <strong>de</strong> regime <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>gradante e <strong>de</strong><br />
familiares <strong>de</strong> egressos do trabalho infantil; VII. Trabalhadores/as <strong>de</strong> empresas incluídas em arranjos<br />
produtivos locais; VIII. Trabalhadores <strong>de</strong> setores consi<strong>de</strong>rados estratégicos da economia, segundo a<br />
perspectiva sustentável e da geração <strong>de</strong> emprego e renda; IX – Trabalhadores do setor artístico, cultural e<br />
<strong>de</strong> artesanato; X- Trabalhadores autônomos, por conta própria, cooperativados, em condição associativa<br />
ou autogestionada; XI – Trabalhadores/as <strong>de</strong> micro e pequenas empresas; XII– Estagiários; XIII.<br />
Trabalhadores rurais e da pesca; XIV- Pessoas com <strong>de</strong>ficiência.<br />
26<br />
Disponível em: http://www.cefetsp.br/edu/eso/lutasindical/<strong>de</strong>creto5154.html, acessado em 15 <strong>de</strong><br />
agosto/2010.
113<br />
programas focais: programas como Escola <strong>de</strong> Fábrica, Integração da Educação<br />
Profissional ao Ensino Médio na Modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos<br />
(PROEJA) e Inclusão <strong>de</strong> jovens (PROJOVEM). Por conseguinte, as<br />
expectativas dos setores mais progressistas da socieda<strong>de</strong> ruíram na busca por<br />
<strong>uma</strong> escola unitária, com articulação entre o ensino médio (educação básica) e<br />
o politécnico (educação profissional), na qual a ciência, o trabalho e a cultura<br />
comporiam um todo pautado num currículo integrado entre os conhecimentos<br />
gerais historicamente construídos e os específicos que envolvem o trabalho,<br />
pois aqui parte-se do pressuposto do trabalho como princípio educativo, não<br />
havendo dissociação entre ambos. 27<br />
Os autores citados, questionando a política <strong>de</strong> educação profissional<br />
do governo Lula, no período <strong>de</strong> 2003 a 2005, afirmam que não houve<br />
mudanças na concepção política e pedagógica da educação, apesar <strong>de</strong> o<br />
Parecer n° 39/2004 28<br />
do Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação (CNE) indicar a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implantar a articulação entre educação profissional e ensino<br />
médio, que, para os autores, pressupõe que ―<strong>de</strong>va ser oferecida<br />
simultaneamente e ao longo do ensino médio‖ (2005, p. 1094, grifo dos<br />
autores).<br />
Em 2005, foi criada a Resolução n° 01/2005 do CNE que <strong>de</strong>screve<br />
as formas <strong>de</strong> ―integração‖ entre educação profissional técnica <strong>de</strong> nível médio<br />
com o próprio ensino médio, mas manteve-se o princípio da in<strong>de</strong>pendência<br />
entre os cursos. Segundo os autores,<br />
Apesar <strong>de</strong> reconhecer a forma integrada como um curso único, com<br />
matrícula e conclusão únicas, o parecer consi<strong>de</strong>ra que os conteúdos<br />
do ensino médio e os da educação profissional <strong>de</strong> nível técnico são<br />
<strong>de</strong> ―naturezas diversas‖. Re-estabelece-se, assim, internamente ao<br />
currículo, <strong>uma</strong> dicotomia entre concepções educacionais <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
formação para a cidadania e outra para o mundo do trabalho, ou <strong>de</strong><br />
um tipo <strong>de</strong> formação para o trabalho intelectual e <strong>de</strong> outro tipo para o<br />
trabalho técnico e profissional (2005, p. 1095).<br />
27 O PNQ estabelece o trabalho como princípio educativo <strong>de</strong>monstrando a <strong>de</strong>sarticulação entre seus<br />
princípios e a prática.<br />
28 Disponível em:<br />
http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/tecnico/legisla_tecnico_parecer392004.pdf.<br />
Acessado em 10/11/2010.
114<br />
Dando continuida<strong>de</strong>, os autores acentuam que essa <strong>de</strong>sarticulação<br />
acabou por manter a política do governo anterior sob a égi<strong>de</strong> do<br />
neoliberalismo, aten<strong>de</strong>ndo os interesses conservadores. Assim,<br />
[...] após a edição do novo <strong>de</strong>creto, dá continuida<strong>de</strong> à política<br />
curricular do governo anterior, marcada pela ênfase no individualismo<br />
e na formação por competências voltadas à empregabilida<strong>de</strong>.<br />
Reforça-se, ainda, o viés a<strong>de</strong>quacionista da educação aos princípios<br />
neoliberais. (I<strong>de</strong>m, p. 1095).<br />
E é <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse viés que os cursos básicos <strong>de</strong> formação inicial e<br />
continuada para a população <strong>de</strong> baixa renda incorporam essa dicotomia.<br />
Assim, tanto o ProJovem (Projovem Urbano, ProJovem Trabalhador) quanto o<br />
JUVEMP são <strong>de</strong>stinados aos pobres, que, na hierarquia social, continuam<br />
recebendo a ―parte que lhe cabe no latifúndio‖ – enquanto a fatia melhor, que<br />
exige mais conhecimento e po<strong>de</strong>r, fica para a minoria que pô<strong>de</strong> seguir seus<br />
estudos e ingressar no ensino superior. É essa minoria que, na ―socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento,‖ irá competir pelos empregos ou trabalhos mais bem<br />
remunerados e po<strong>de</strong>rá ―doar‖ para as diferentes organizações suas diferentes<br />
competências, incluindo as atitudinais, pois todos, igualitariamente, salvo os<br />
protegidos por laços familiares e <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s, precisam <strong>de</strong>senvolver o perfil<br />
empreen<strong>de</strong>dor.<br />
Assim, levando em consi<strong>de</strong>ração que um dos princípios do PNQ e<br />
PLANTEQ é a compreensão do trabalho como um princípio educativo,<br />
percebe-se que consiste apenas em retórica. Desse modo, introduziremos<br />
Kuenzer (1988) no <strong>de</strong>bate para esclarecer como o ensino médio vem<br />
<strong>de</strong>sarticulado do trabalho, permanecendo a dicotomia trabalho intelectual<br />
versus trabalho manual, que está na base da divisão social e técnica do<br />
trabalho no sistema capitalista:<br />
Consi<strong>de</strong>rando que o ―fazer‖ o trabalhador apren<strong>de</strong> no interior do<br />
processo produtivo, o qual, por se caracterizar pela divisão entre<br />
trabalho intelectual e manual, não lhe permite a apropriação da teoria<br />
que explica esse ―fazer‖ aprendido na prática cotidiana, seria <strong>de</strong> se<br />
esperar que a escola se constituísse no espaço em que a apropriação<br />
dos princípios teórico-metodológicos fosse possível. Esta constatação<br />
exige <strong>uma</strong> proposta <strong>de</strong> escola <strong>de</strong> 2º grau que permita ao aluno<br />
trabalhador ter acesso ao saber científico e tecnológico que<br />
fundamenta o trabalho e que possibilita a participação na vida social e<br />
política, consi<strong>de</strong>rando a realida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong>, do trabalho e o
115<br />
saber do trabalhador, negando as relações oriundas da divisão social<br />
e técnica do trabalho através da reunificação entre teoria e prática.<br />
Como isto será possível em <strong>uma</strong> escola que é a própria expressão do<br />
trabalho dividido, é a gran<strong>de</strong> questão (KUENZER, 1988, p. 105- 6).<br />
Colocar como um dos princípios do PNQ o trabalho como princípio<br />
educativo <strong>de</strong>monstra o quanto os conceitos são esvaziados do seu significado<br />
e introduzidos na política governamental para dar <strong>uma</strong> suposta visão <strong>de</strong> que<br />
seus gestores estão comungados com <strong>uma</strong> proposta <strong>de</strong> emancipação h<strong>uma</strong>na.<br />
Quando ocorre a separação entre formação para o trabalho e<br />
formação propedêutica, os pobres, como precisam trabalhar, encerram sua<br />
vida escolar mais cedo e, por isso, lhes são <strong>de</strong>stinados os cursos iniciais (para<br />
os excluídos dos excluídos do cadastro único) e técnicos (para os excluídos),<br />
aligeirados e voltados para o mercado <strong>de</strong> trabalho, percebe-se que há <strong>uma</strong><br />
dissonância entre os que proclamam os teóricos da socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento e o que é oferecido pelas instâncias governamentais para a<br />
população <strong>de</strong>sfavorecida socioeconomicamente. Os cursos profissionalizantes<br />
direcionados para esse público não conseguirão integrá-los na socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento, pois não dão acesso ao saber científico e tecnológico que tanto<br />
insistem os seus teóricos.<br />
Goes e Carvalho (2010) em artigo sobre a formação/qualificação<br />
profissional da juventu<strong>de</strong> trabalhadora no contexto do <strong>de</strong>semprego estrutural,<br />
enfatizam o quanto o discurso contra a universida<strong>de</strong> e a favor dos cursos<br />
iniciais <strong>de</strong> curta duração, os cursos <strong>de</strong> aprendizagem e os técnicos <strong>de</strong> ensino<br />
médio, estão na or<strong>de</strong>m do dia, inclusive nos países como os EUA. Nas suas<br />
palavras:<br />
[...] o noticiário do dia 18 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2010, no New York Times<br />
intitulado Plano B: esqueça a faculda<strong>de</strong>. A notícia divulga alg<strong>uma</strong>s<br />
recomendações mais recentes da aca<strong>de</strong>mia norte-americana para a<br />
qual seria necessário ―...<strong>de</strong>senvolver alternativas para alunos que não<br />
serão bem-sucedidos em um curso <strong>de</strong> graduação‖. Acadêmicos da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ohio, da Universida<strong>de</strong> Americana e da Universida<strong>de</strong><br />
Northwestern, Richard Ved<strong>de</strong>r, Robert Lerman, James Rosenbaum e<br />
Charles Murray estariam <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientar<br />
alguns estudantes para cursos intensivos <strong>de</strong> curta duração e<br />
treinamento profissional, por meio da expansão <strong>de</strong> cursos técnicos <strong>de</strong><br />
ensino médio e programas para formar aprendizes. A recomendação<br />
seria justificada haja vista a ausência <strong>de</strong> mercado para absorção <strong>de</strong><br />
profissionais com cursos superiores. Ainda <strong>de</strong> acordo com o Jornal, o<br />
Prof. Richard Ved<strong>de</strong>r, teria enfatizado que alguns <strong>de</strong>sses alunos
116<br />
―...po<strong>de</strong>riam ter comprado <strong>uma</strong> casa com o dinheiro que gastaram em<br />
educação" (ANAIS, 2010, p.4).<br />
Essa constatação está em sintonia com a retórica do fim dos<br />
empregos e é <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> restringir a aspiração da população pelos cursos<br />
do ensino superior. Todavia os membros das classes privilegiadas certamente<br />
continuarão tendo a universida<strong>de</strong> como meta, apesar da escassez <strong>de</strong><br />
empregos. Em consonância com esses pressupostos, o Banco Mundial<br />
recomenda que os países em <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>vam investir no<br />
conhecimento que gere produtivida<strong>de</strong> econômica e competitivida<strong>de</strong>, sempre<br />
focalizado n<strong>uma</strong> educação básica e profissional,<br />
El alfabetismo y los conocimientos básicos <strong>de</strong> matemática no son las<br />
únicas aptitu<strong>de</strong>s que se requieren en el mercado <strong>de</strong>l trabajo. Por este<br />
motivo, el Banco ayuda a los países a entregar educación que genere<br />
una masa laboral productiva y calificada que se traduzca en<br />
productividad económica y competitividad, generación <strong>de</strong><br />
conocimientos y mayor capacidad <strong>de</strong> obtención <strong>de</strong> ingresos. Por otra<br />
parte, trabaja con las naciones para crear vínculos entre la política<br />
educacional y los resultados <strong>de</strong>l mercado laboral y en satisfacer la<br />
<strong>de</strong>manda, en rápido aumento, <strong>de</strong> educación secundaria, terciaria y<br />
técnico profesional en la medida en que más personas requieren<br />
capacida<strong>de</strong>s para competir en la economía mundial (BANCO<br />
MUNDIAL, 2010).<br />
Desta forma, o PNQ, em sintonia com esses postulados, direciona<br />
suas ações para a população <strong>de</strong> baixa renda, ou seja, não consiste n<strong>uma</strong><br />
política universal para todos, mesmo porque as classes mais abastadas não<br />
têm interesse nos cursos direcionados para esses setores.<br />
No livro ―Educação: um tesouro a <strong>de</strong>scobrir‖ (2006), <strong>uma</strong> publicação<br />
da UNESCO, <strong>de</strong>nominada ―Relatório Jacques Delors‖, há um artigo intitulado<br />
―Educação e excelência: investir no talento, <strong>de</strong> In‘am Al-Mufti, que é <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
clareza sem igual na <strong>de</strong>monstração das i<strong>de</strong>ias conservadoras e elitistas sobre<br />
a educação para o século XXI. São recomendações em que as instâncias<br />
governamentais se fundamentam para implantar suas políticas públicas na<br />
área da educação e da educação profissional. Para Al-Mufti (2006):<br />
Estamos num momento histórico em que o mundo é palco <strong>de</strong><br />
inovações científicas e tecnológicas fundamentais. [...] estas<br />
alterações que irão, com certeza, acelerar-se no futuro criam tensões<br />
enormes, em especial no campo da educação, a qual terá <strong>de</strong> dar
117<br />
respostas a necessida<strong>de</strong>s crescentes e enfrentar novos <strong>de</strong>safios <strong>de</strong><br />
um mundo que muda rapidamente. [...] para dar respostas a esta<br />
situação os planos nacionais ou internacionais <strong>de</strong> reforma da<br />
educação não <strong>de</strong>vem se contentar com <strong>uma</strong> boa planificação ou<br />
aplicação racional dos recursos financeiros. Em matéria <strong>de</strong> educação<br />
as políticas <strong>de</strong> reforma <strong>de</strong>vem ter como objetivo a excelência (Al-<br />
Mufti, 2006, p.13)<br />
Então fica claro que a excelência em matéria <strong>de</strong> educação não<br />
passa por mais recursos financeiros. No primeiro capítulo do relatório da<br />
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -<br />
UNESCO, há a constatação <strong>de</strong> que, nas socieda<strong>de</strong>s assalariadas do século<br />
XX, houve progressivamente a substituição do trabalho h<strong>uma</strong>no pelas<br />
máquinas tornando-o mais ―imaterial‖, acentuando o caráter cognitivo das<br />
tarefas na indústria e nos serviços. Assim, o futuro das economias industriais<br />
ocorre no momento em que os conhecimentos são transformados em<br />
inovações que possam gerar empregos, daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não formar o<br />
indivíduo apenas para <strong>uma</strong> tarefa <strong>de</strong>terminada e para fabricar algo. O apren<strong>de</strong>r<br />
a fazer, especialmente para os operadores e os técnicos, torna ―arcaica a<br />
noção <strong>de</strong> qualificação profissional‖ (UNESCO, 2006) em <strong>de</strong>trimento da<br />
competência pessoal:<br />
O progresso técnico modifica, inevitavelmente, as qualificações<br />
exigidas pelos novos processos <strong>de</strong> produção, as tarefas puramente<br />
físicas são substituídas por tarefas <strong>de</strong> produção mais intelectuais<br />
mais mentais, como o comando <strong>de</strong> máquinas, a sua manutenção e<br />
vigilância, ou por tarefas <strong>de</strong> concepção, <strong>de</strong> estudo, <strong>de</strong> organização à<br />
medida que as maquinas se tornam, também, mais ―inteligentes‖ e<br />
que o trabalho se ―<strong>de</strong>smaterializa‖. [...] No que diz respeito ao pessoal<br />
<strong>de</strong> execução, a justaposição <strong>de</strong> trabalhos prescritos e parcelados <strong>de</strong>u<br />
lugar à organização em ―coletivos <strong>de</strong> trabalho‖ ou ―grupos <strong>de</strong> projeto‖<br />
[...] os empregadores substituem, cada vez mais, a exigência <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
qualificação ainda ligada, a seu ver, à idéia <strong>de</strong> competência material,<br />
pela exigência <strong>de</strong> <strong>uma</strong> competência que se apresenta como <strong>uma</strong><br />
espécie <strong>de</strong> coquetel individual, combinando a qualificação, em<br />
sentido estrito, adquirida da formação técnica e profissional, o<br />
comportamento social, aptidão para o trabalho em equipe, a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa, o gosto pelo risco (RELATÓRIO UNESCO,<br />
p. 94).<br />
O comportamento social é valorizado, estando no campo do ―saberser‖<br />
espaço da subjetivida<strong>de</strong> que, associado ao saber-fazer, <strong>de</strong>monstra os<br />
diversos aspectos que a aprendizagem do século XXI necessita <strong>de</strong>senvolver no<br />
âmbito educacional. ―Qualida<strong>de</strong>s como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicar, <strong>de</strong>
118<br />
trabalhar com os outros, <strong>de</strong> gerir e <strong>de</strong> resolver conflitos tornam-se cada vez<br />
mais importantes‖ (I<strong>de</strong>m, p.94). O conhecimento intelectual é enaltecido para<br />
que os trabalhadores saibam ―comandar‖ as máquinas.<br />
Até o presente momento, em termos <strong>de</strong> discurso, há <strong>uma</strong><br />
consonância entre as recomendações da UNESCO e o pensamento dos<br />
teóricos da ―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖ acerca da importância <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
educação que <strong>de</strong>senvolva o intelecto e as atitu<strong>de</strong>s comportamentais. Mas o<br />
paradoxo, sobretudo, aparece <strong>de</strong> forma mais evi<strong>de</strong>nte logo em seguida,<br />
quando priorizam a formação <strong>de</strong> competências comportamentais. Vejamos:<br />
Finalmente, é provável que nas organizações ultratecnicistas do<br />
futuro os déficits relacionais possam criar graves disfunções exigindo<br />
qualificações <strong>de</strong> novo tipo, com base mais comportamental do que<br />
intelectual. O que po<strong>de</strong> ser <strong>uma</strong> oportunida<strong>de</strong> para os não<br />
diplomados, ou com <strong>de</strong>ficiente preparação em nível superior. A<br />
intuição, o jeito, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter<br />
unida <strong>uma</strong> equipe não são <strong>de</strong> fato qualida<strong>de</strong>s, necessariamente,<br />
reservadas a pessoas <strong>de</strong> altos estudos. Como e on<strong>de</strong> ensinar<br />
estas qualida<strong>de</strong>s mais ou menos inatas? (I<strong>de</strong>m, p.9, grifo nosso).<br />
A escola e os diferentes locais que fornecem cursos <strong>de</strong> qualificação<br />
profissional pelas instâncias governamentais e não governamentais constituirão<br />
os espaços em que os trabalhadores e a juventu<strong>de</strong> excluída terá oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> adquirir essas competências comportamentais. Isto porque, apesar <strong>de</strong> suas<br />
―carências,‖ parece que elas até po<strong>de</strong>m apren<strong>de</strong>r, <strong>uma</strong> vez que essas<br />
características po<strong>de</strong>m ser ensinadas.<br />
A comissão da UNESCO tem um discurso dúbio que serve para<br />
mascarar o óbvio. A escola pública <strong>de</strong>ve formar trabalhadores com alto senso<br />
<strong>de</strong> equipe, iniciativa para dar conta das necessida<strong>de</strong>s do capital. Conhecimento<br />
mínimo necessário, mesmo porque as máquinas resolvem tudo com os<br />
programas criados pelos profissionais que cursaram as universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> os conteúdos, com certeza, foram maximizados, dotando-os<br />
<strong>de</strong> um saber comportamental e intelectual que os fazem criar e dominar a<br />
tecnologia.<br />
A palavra conflito inexiste nessa nova paisagem; ela foi substituída<br />
pelo termo negociação. Em substituição ao sindicato combativo, erige-se o
119<br />
sindicato cooperativo, para, inclusive, ajudar no processo inevitável daquilo que<br />
o capitalista quer mascarar: o conflito entre capital e trabalho.<br />
Até aqui se observa a importância que a educação ganha nesse<br />
contexto, mas a ―excelência‖, estranhamente, não passa por mais recursos<br />
financeiros e nem por conhecimentos intelectuais. Então, vamos enten<strong>de</strong>r que<br />
excelência é essa. Novamente é In‘am Al-Mufti (2006) quem <strong>de</strong>screve:<br />
Os países em <strong>de</strong>senvolvimento pretendiam, assim, atingir o objetivo<br />
da ―educação para todos‖ fixado pela UNESCO. [...] Daí escolas<br />
superlotadas, métodos <strong>de</strong> ensinos ultrapassados, à base <strong>de</strong><br />
aprendizagens memorizadas, e professores incapazes <strong>de</strong> se<br />
adaptarem a métodos mais mo<strong>de</strong>rnos, como a participação<br />
<strong>de</strong>mocrática na sala <strong>de</strong> aula, a aprendizagem cooperativa e a<br />
resolução <strong>de</strong> problemas, fazendo apelo à imaginação. [...] A ambição<br />
prioritária <strong>de</strong> garantir educação a todos fez com que se<br />
negligenciassem as necessida<strong>de</strong>s dos alunos mais dotados e se lhes<br />
aplicasse um tratamento idêntico ao dos alunos com aptidões<br />
diferentes. [...] Quaisquer que sejam as boas intenções das<br />
políticas tradicionais, privar os alunos mais dotados <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong>s a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> educação é privar a socieda<strong>de</strong> dos<br />
recursos h<strong>uma</strong>nos mais preciosos que ela possui para chegar a<br />
um <strong>de</strong>senvolvimento real e eficaz. No limiar do século XXI, os<br />
países em <strong>de</strong>senvolvimento vêem-se diante <strong>de</strong> múltiplos <strong>de</strong>safios na<br />
sua conquista do <strong>de</strong>senvolvimento. Têm necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dirigentes<br />
convenientemente formados e preparados, capazes <strong>de</strong> fazer face às<br />
necessida<strong>de</strong>s sócio-econômicas. É preciso reconhecer e dar<br />
respostas às necessida<strong>de</strong>s específicas dos alunos mais<br />
dotados, os “dirigentes <strong>de</strong> amanhã” (2006, p. 213, grifos nossos).<br />
Po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r que o problema da educação dos países em<br />
<strong>de</strong>senvolvimento ou periférico foi a ausência <strong>de</strong> participação <strong>de</strong>mocrática em<br />
sala, um ensino que não utiliza métodos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> problemas e <strong>uma</strong><br />
proposta <strong>de</strong> educação (mesmo que no papel) igual para todos. A solução para<br />
a educação do século XXI é usar a imaginação dos educandos, daqueles<br />
superdotados que serão os dirigentes <strong>de</strong> amanhã; os ―não dotados,‖ sem<br />
imaginação, criativida<strong>de</strong>, estão sendo responsabilizados pelo tempo perdido na<br />
sua suposta educação que acabou por prejudicar os alunos mais dotados.<br />
E, para concluir o disparate <strong>de</strong>ste autor,<br />
<strong>uma</strong> das gran<strong>de</strong>s priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> qualquer escola <strong>de</strong>veria ser<br />
elaborar e <strong>de</strong>senvolver programas estimulantes que ofereçam um<br />
vasto campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagens muito avançadas,<br />
<strong>de</strong> modo a respon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s dos alunos mais dotados.<br />
Esta tarefa reveste-se <strong>de</strong> maior importância para a formação dos<br />
futuros dirigentes que presidirão a caminhada em direção a um
120<br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentável. É preciso aperfeiçoar o programa<br />
normal <strong>de</strong> modo a oferecer aos alunos brilhantes a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
darem o melhor <strong>de</strong> si mesmos (IN`AM AL-MUFTI, 2006,p. 214, grifo<br />
nosso).<br />
No processo ora em trânsito na nova or<strong>de</strong>m capitalista, a educação<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social está na moda, porém, para a<br />
maioria, é <strong>uma</strong> educação escolar menos avançada, apesar <strong>de</strong> o discurso <strong>de</strong><br />
educação figurar como atriz principal. Contudo, tendo em vista os capitalistas<br />
não conseguirem ―dividir o bolo‖; ao contrário, concentram para si e para seus<br />
convidados ―as melhores fatias‖, restam para a maioria as sobras, que são<br />
ocupações que não exigem conhecimentos complexos tão caros à socieda<strong>de</strong><br />
do conhecimento.<br />
Então, a labuta continua entre os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> <strong>uma</strong> educação<br />
escolar integral, tendo o trabalho como princípio educativo, buscando romper a<br />
dicotomia entre educação para o trabalho (classe trabalhadora) e educação<br />
para a formação intelectual (classe dominante). Mas, os capitalistas e políticos<br />
conservadores que atrelam-se aos interesses dos <strong>de</strong>tentores do capital<br />
acabam, no embate político, a ter seus interesses prevalecidos, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />
<strong>uma</strong> educação dissociada entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. O<br />
primeiro continua direcionado para os setores mais abaixo da pirâmi<strong>de</strong> social.<br />
Há incoerência entre o que os teóricos do conhecimento e do<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo apregoam em relação aos postulados do Relatório<br />
supracitado, o que, diante <strong>de</strong> inovações tecnológicas, estaria exigindo um<br />
trabalhador mais intelectualizado e com competências comportamentais. Mas<br />
contraditoriamente, o mesmo documento passa a valorizar e privilegiar a<br />
formação profissional com base na esfera comportamental, recuperando a<br />
dimensão subjetiva do trabalho. Trabalhador mais motivado, supostamente<br />
mais respeitado em sua subjetivida<strong>de</strong>, nas suas diferenças, porém não menos<br />
explorado, não menos inseguro no emprego, não menos cobrado e não menos<br />
estressado, mas apren<strong>de</strong>u que, além do seu saber técnico, da sua força física,<br />
está esperando também atitu<strong>de</strong>s afáveis n<strong>uma</strong> atmosfera <strong>de</strong> inflexibilida<strong>de</strong><br />
diante das falhas e da improdutivida<strong>de</strong>.
121<br />
Da mesma forma, o Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem Industrial -<br />
SENAI realiza, com custos financeiros para os educandos, cursos iniciais,<br />
técnicos ou <strong>de</strong> aperfeiçoamento, <strong>de</strong> carga horária variável para <strong>de</strong>terminados<br />
setores da socieda<strong>de</strong> que, na hierarquia social, querem seguir o ramo<br />
industrial, tais como: Automação, Construção, Design, Eletroeletrônica, Gestão,<br />
Meio Ambiente, Metalmecânica, Segurança no trabalho, Refrigeração e<br />
Climatização, Couro e Calçados Têxtil e Vestuário, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
Para aqueles que encontram como alternativas ativida<strong>de</strong>s no<br />
comércio e <strong>de</strong> serviços há os cursos oferecidos pelo Serviço Nacional <strong>de</strong><br />
Aprendizagem Comercial – SENAC, 29 também com custos financeiros, assim<br />
como cursos gratuitos, 30<br />
tais como: Comércio e Gestão, Comunicação,<br />
Hotelaria, Imagem Pessoal, Meio Ambiente, Saú<strong>de</strong> e Estética, Turismo,<br />
Desenvolvimento Social etc. No caso do SENAC, a proposta pedagógica tem<br />
por objetivo:<br />
Capacitar profissionais através do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
conhecimentos, habilida<strong>de</strong>s e atitu<strong>de</strong>s que permitam <strong>uma</strong> atuação<br />
competente no mercado <strong>de</strong> trabalho. Os cursos são planejados com<br />
foco em competências gerais e específicas, relacionadas às áreas <strong>de</strong><br />
formação e aos perfis profissionais <strong>de</strong> conclusão, incluindo temas que<br />
contribuem para o exercício da ética e da cidadania. A metodologia<br />
<strong>de</strong> ensino utilizada pelo Senac privilegia a articulação entre teoria e<br />
prática, através <strong>de</strong> estratégias pedagógicas que buscam<br />
assegurar o saber, o saber fazer e o saber ser. Os alunos dispõem<br />
<strong>de</strong> recursos didáticos diversificados, incluindo apostilas, livros,<br />
periódicos, fitas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o e softwares, além <strong>de</strong> ambientes<br />
educacionais como biblioteca, sala <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, laboratórios e salasambiente.<br />
A avaliação é um processo contínuo que visa acompanhar<br />
o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> cada aluno, voltando-se para a construção <strong>de</strong> sua<br />
aprendizagem (SENAC, 2010, grifo nosso) 31 .<br />
Alguns cursos são semelhantes aos cursos dos Arcos Ocupacionais<br />
que integram o ProJovem nas suas diferentes modalida<strong>de</strong>s e dos cursos<br />
escolhidos pelo integrantes do JUVEMP para curto prazo (cursos <strong>de</strong> carga<br />
29 Ver:<br />
http://www.ce.senac.br/content/aplicacao/SENAC/programacao_fortaleza/gerados/programacao_fortaleza.<br />
asp> acessado em 23/10/2010<br />
30 Existe o Programa Senac <strong>de</strong> Gratuida<strong>de</strong> em parceria com o Governo Fe<strong>de</strong>ral, através do <strong>de</strong>creto<br />
6633/2008 que oferece cursos gratuitos <strong>de</strong> formação inicial e continuada ao nível técnico <strong>de</strong> nível médio<br />
gratuitos para pessoas <strong>de</strong> baixa renda. Disponível em: http://www.senac.br/psg/in<strong>de</strong>x.shtml. Acessado<br />
em 4 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2011.<br />
31 Disponível em:<br />
http://www.ce.senac.br/content/aplicacao/SENAC/conheca_senac/gerados/proposta_pedagogica.asp.<br />
Acessado em 4/11/2010.
122<br />
horária variável, no caso do JUVEMP, cursos <strong>de</strong> 60 horas/a). Observando os<br />
cursos iniciais e <strong>de</strong> aperfeiçoamento, tanto do SENAI quanto do SENAC,<br />
verificamos que o público-alvo dos projetos <strong>de</strong> qualificação social e profissional,<br />
na sua maioria, não po<strong>de</strong> pagar pelos cursos pagos oferecidos por essas<br />
instituições, ou seja, jovens <strong>de</strong> baixa renda provenientes <strong>de</strong> famílias com renda<br />
per capita <strong>de</strong> até meio salário mínimo. Este público necessita esperar contar<br />
com as vagas nos cursos gratuitos que são oferecidos.<br />
Os ―não diplomados‖ quando muito, terão acesso a <strong>uma</strong> educação<br />
profissional com <strong>uma</strong> parte ―social‖ com conteúdos <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo,<br />
cidadania e com conteúdos mais direcionados à capacitação específica, <strong>de</strong><br />
acordo com as necessida<strong>de</strong>s do mercado e para a empregabilida<strong>de</strong>. Fica claro<br />
que, na divisão social e técnica do trabalho na socieda<strong>de</strong> capitalista, a<br />
formação profissional dos trabalhadores, necessariamente, <strong>de</strong>ve seguir essa<br />
lógica, apesar do discurso da educação para todos como medida <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento social e econômico.<br />
Retomaremos as análises <strong>de</strong> Kuenzer (1988) sobre a relação<br />
trabalho e educação:<br />
Se a divisão social e técnica do trabalho é condição indispensável<br />
para a constituição do modo capitalista <strong>de</strong> produção, à medida que<br />
prepara diferentemente os homens para que atuem em posições<br />
hierárquica e tecnicamente diferenciadas no sistema produtivo, <strong>de</strong>vese<br />
admitir como <strong>de</strong>corrência natural <strong>de</strong>ste princípio a constituição <strong>de</strong><br />
sistemas <strong>de</strong> educação marcados pela dualida<strong>de</strong> estrutural. [...] Des<strong>de</strong><br />
o momento que surge, a educação diretamente articulada ao trabalho<br />
se estrutura como um sistema diferenciado e paralelo ao sistema <strong>de</strong><br />
ensino regular marcado por finalida<strong>de</strong> bem específica: a preparação<br />
dos pobres, marginalizados e <strong>de</strong>svalidos da sorte para atuarem no<br />
sistema produtivo nas funções técnicas localizadas nos níveis baixo e<br />
médio da hierarquia ocupacional. Sem condições <strong>de</strong> acesso ao<br />
sistema regular <strong>de</strong> ensino, esses futuros trabalhadores seriam a<br />
clientela, por excelência, <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> qualificação profissional <strong>de</strong><br />
duração e intensida<strong>de</strong> variáveis, que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os cursos <strong>de</strong><br />
aprendizagem aos cursos técnicos (KUENZER, 1988, p. 12).<br />
Isto posto, compreen<strong>de</strong>-se o porquê <strong>de</strong> um ensino diferenciado,<br />
mesmo num contexto em que se propaga a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais<br />
conhecimentos para acompanhar as transformações em curso. Para esse<br />
público dos projetos governamentais, só restam os cursos oferecidos pelo<br />
Estado ou aqueles com parceria com instituições privadas. Dito isso, os jovens
123<br />
das classes média/alta dificilmente escolherão fazer cursos <strong>de</strong> Imagem<br />
Pessoal, Construção, Doces e Salgados etc. e não serão esses jovens que<br />
competirão por estes empregos/trabalhos. Caso eles se interessem por<br />
Construção, Eletricida<strong>de</strong> e Mecânica, farão as Engenharia Civil, Eletrônica,<br />
Mecânica, Aeroespacial; caso seja Informática, farão Engenharia <strong>de</strong><br />
Computação; caso o interesse seja em Gestão, farão Administração <strong>de</strong><br />
Empresas nas universida<strong>de</strong>s e em gran<strong>de</strong>s institutos tecnológicos como o<br />
Instituto Tecnológico da Aeronáutica - ITA, e, assim, mantêm-se as<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe e, consequentemente <strong>de</strong> acesso aos bens materiais e<br />
simbólicos.<br />
2.3 Educação Profissional: diferentes propostas para diferentes<br />
sujeitos<br />
A mídia, constantemente, veicula a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualificar os<br />
jovens ou requalificar os trabalhadores que estariam <strong>de</strong>fasados, levando-nos a<br />
crer, que diante das tecnologias <strong>de</strong> informação, urge profissionais com maior<br />
compreensão do processo produtivo e da tecnologia embutida. No entanto,<br />
vimos sustentando que, apesar da complexida<strong>de</strong> tecnológica no campo<br />
produtivo, os trabalhadores continuam alienados do processo <strong>de</strong> elaboração<br />
<strong>de</strong>ssas tecnologias e precisam apenas saber manejar teclas num movimento<br />
repetitivo ou são formados para cursos básicos <strong>de</strong> formação inicial e<br />
continuada <strong>de</strong> trabalhadores, que não exigem conhecimento mais complexo.<br />
O Relatório da UNESCO, que traz as diretrizes para a educação no<br />
século XXI, já comentado, consi<strong>de</strong>ra que à ―educação cabe fornecer, <strong>de</strong> algum<br />
modo, os mapas <strong>de</strong> um mundo complexo e constantemente agitado e, ao<br />
mesmo tempo, a bússola que permita navegar através <strong>de</strong>le‖ (2006, p. 89). Para<br />
a educação dar conta das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste momento histórico, faz-se<br />
necessário sustentá-la em 4 pilares: apren<strong>de</strong>r a conhecer, apren<strong>de</strong>r a fazer,<br />
apren<strong>de</strong>r a viver juntos e apren<strong>de</strong>r a ser e o anúncio do quinto pilar pela<br />
UNESCO: o apren<strong>de</strong>r a empreen<strong>de</strong>r.
124<br />
Na perspectiva da UNESCO, o ensino formal esteve centrado no<br />
conhecer e, em menor escala, no fazer. A comissão propõe que os quatro<br />
pilares sejam igualmente incluídos na educação, para revelar o tesouro que<br />
existe <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada indivíduo. Mas, ao contrário do que propaga acerca dos<br />
po<strong>de</strong>res da educação, o relatório consi<strong>de</strong>ra que o conhecer não passa pela<br />
aquisição dos saberes codificados, mas que o aluno possa compreen<strong>de</strong>r o<br />
mundo a sua volta.<br />
[...] pelo menos na medida em que lhe é necessário para viver<br />
dignamente, para <strong>de</strong>senvolver as suas capacida<strong>de</strong>s profissionais,<br />
para comunicar [...] e para isso é preciso apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r, mas o<br />
apren<strong>de</strong>r a conhecer e apren<strong>de</strong>r a fazer são, em larga medida,<br />
indissociáveis. Mas a segunda aprendizagem está mais<br />
estritamente ligada à questão da formação profissional (i<strong>de</strong>m,<br />
pp.91,93, grifo nosso).<br />
Agora ficou mais evi<strong>de</strong>nte que o ensino profissional direcionado para<br />
os trabalhadores do chão da fábrica <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>senvolver as capacida<strong>de</strong>s ligadas<br />
às atitu<strong>de</strong>s e ao fazer (como sempre foi) e o tão propagado conhecimento é<br />
relegado ao segundo plano (como também sempre foi). E o maior <strong>de</strong>safio<br />
<strong>de</strong>ssa nova aprendizagem é apren<strong>de</strong>r a viver juntos. Resolver <strong>de</strong> maneira<br />
pacífica os problemas, num cenário <strong>de</strong> tantos conflitos, daí a escola oportunizar<br />
um local para ensinar a todos os trabalhadores a empatia, proativida<strong>de</strong>,<br />
abertura à alterida<strong>de</strong>, ao diálogo, a fim <strong>de</strong> evitar as tensões entre pessoas,<br />
grupos e nações.<br />
Nesse sentido, a educação é antes <strong>de</strong> mais nada <strong>uma</strong> viagem<br />
interior, cujas etapas correspon<strong>de</strong>m às da maturação contínua da<br />
personalida<strong>de</strong>. Na hipótese <strong>de</strong> <strong>uma</strong> experiência profissional <strong>de</strong><br />
sucesso, a educação como meio para <strong>uma</strong> tal realização é, ao<br />
mesmo tempo, um processo individualizado e <strong>uma</strong> construção<br />
interativa. (UNESCO, 2006, p.101).<br />
Segundo a UNESCO, as socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas estão passando por<br />
gran<strong>de</strong>s transformações que afetam a educação no sentido mais amplo, não<br />
somente na escola formal. Multiplicam-se as ―as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r<br />
oferecidas pela socieda<strong>de</strong> exterior à escola‖. (i<strong>de</strong>m, p. 103, grifo nosso).<br />
Essa afirmação confirma nossa argumentação sobre o que significa<br />
a educação na sociabilida<strong>de</strong> capitalista, sob o discurso <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento para todos: <strong>uma</strong> escola que reduza sua atuação à formação <strong>de</strong>
125<br />
pessoas dóceis e adaptadas ao sistema, que ensine os alunos a apren<strong>de</strong>r a se<br />
relacionar entre os iguais e diferentes:<br />
Além disso, <strong>uma</strong> certa ilusão racionalista, segundo a qual a escola<br />
podia, por si só, prover a todas as necessida<strong>de</strong>s educativas da vida<br />
h<strong>uma</strong>na, acabou por ser <strong>de</strong>struída pelas alterações da vida social e<br />
pelos progressos da ciência e da tecnologia e suas conseqüências<br />
sobre o trabalho e o meio em que vivem as pessoas. As<br />
necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> adaptação, <strong>de</strong> reciclagem, que se fizeram sentir no<br />
campo profissional das socieda<strong>de</strong>s industriais invadiram, pouco a<br />
pouco, os outros países e as outras áreas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>. Contesta-se a<br />
pertinência dos sistemas educativos criados ao longo dos anos –<br />
tanto formais como informais - sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação é posta<br />
em dúvida. Estes sistemas, apesar do extraordinário <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da escolarização mostram-se, por natureza, pouco flexíveis e estão à<br />
mercê do mínimo erro <strong>de</strong> antecipação, sobretudo quando se trata <strong>de</strong><br />
preparar competências futuras (I<strong>de</strong>m, p. 107).<br />
Não sabemos como, seguindo esses parâmetros, a escola ou a<br />
comunida<strong>de</strong> formará os trabalhadores para a ciência e a tecnologia. No<br />
Relatório, cada parágrafo <strong>de</strong>ixa perplexos aqueles que lutam por um ensino<br />
integral que tenha o trabalho como princípio educativo, que, paradoxalmente,<br />
integra os princípios do PNQ e do PLANTEQ em cujos programas e projetos<br />
seguem essas recomendações, apesar do discurso dúbio, cheio <strong>de</strong> idas e<br />
vindas, justamente para confundir. Porém, como o critério da verda<strong>de</strong> é a<br />
prática, essa retórica é <strong>de</strong>svelada quando vemos o caos da escola pública, o<br />
avanço das escolas e universida<strong>de</strong>s particulares <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> também<br />
questionável e os cursos profissionalizantes para a população <strong>de</strong> baixa renda<br />
que formam, quando muito, para a informalida<strong>de</strong> e possível empregabilida<strong>de</strong>.<br />
Assim, a pedagogia das competências, o apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r<br />
integram a mesma perspectiva e é Saviani (2008) que, em relação à educação<br />
centrada na perspectiva do ―apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r,‖ vem acentuar seu caráter<br />
i<strong>de</strong>ológico neoliberal que serve ao projeto político da classe dominante no<br />
sentido <strong>de</strong> se a<strong>de</strong>quar à reestruturação por que passa o sistema capitalista no<br />
final do século XX:<br />
O lema ―apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r‖, tão difundido na atualida<strong>de</strong>, remete ao<br />
núcleo das idéias pedagógicas escolanovistas. Com efeito,<br />
<strong>de</strong>slocando o eixo do processo educativo do aspecto lógico para o<br />
psicológico; dos conteúdos para os métodos; do professor para o<br />
aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a<br />
espontaneida<strong>de</strong>, configurou-se <strong>uma</strong> teoria pedagógica em que o mais<br />
importante não é ensinar e nem mesmo apren<strong>de</strong>r algo, isto é,
126<br />
assimilar <strong>de</strong>terminados conhecimentos. O importante é apren<strong>de</strong>r a<br />
apren<strong>de</strong>r, isto é, apren<strong>de</strong>r a estudar, a buscar conhecimentos, a lidar<br />
com situações novas. E o papel do professor <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser o daquele<br />
o que ensina para ser o <strong>de</strong> auxiliar o aluno em seu próprio processo<br />
<strong>de</strong> aprendizagem (SAVIANI, 2008, p. 431).<br />
Esse i<strong>de</strong>ário estaria articulado com a i<strong>de</strong>ologia centrada na livre<br />
iniciativa, retirando do Estado e, em particular, da escola, o papel que tinha, na<br />
socieda<strong>de</strong> regida sob a economia keynesiana, que era <strong>de</strong> formar a mão <strong>de</strong><br />
obra para ser incorporada ao mercado em expansão. Nesse contexto a escola<br />
<strong>de</strong>veria formar para os postos <strong>de</strong> trabalho. Contudo, como o discurso acentua<br />
que nas últimas décadas os empregos estariam ‗escassos‘ tanto nos países<br />
centrais quanto nos periféricos resta que cada trabalhador <strong>de</strong>senvolva<br />
continuamente sua empregabilida<strong>de</strong> e a escola necessita re<strong>de</strong>finir seu papel:<br />
E o que ele po<strong>de</strong> esperar das oportunida<strong>de</strong>s escolares já não é o<br />
acesso ao emprego, mas apenas a conquista do status <strong>de</strong><br />
empregabilida<strong>de</strong>. A educação passa a ser entendida como um<br />
investimento em capital h<strong>uma</strong>no individual que habilita as pessoas<br />
para a competição pelos empregos disponíveis. O acesso a<br />
diferentes graus <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, não lhe garante emprego, pelo<br />
simples fato <strong>de</strong> que, na forma atual do <strong>de</strong>senvolvimento capitalista,<br />
não há empregos pra todos: a economia po<strong>de</strong> crescer convivendo<br />
com altas taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e com gran<strong>de</strong>s contingentes<br />
populacionais excluídos do processo. É o crescimento exclu<strong>de</strong>nte, em<br />
lugar do <strong>de</strong>senvolvimento inclusivo que se busca atingir no período<br />
keynesiano (I<strong>de</strong>m, p. 430).<br />
As pedagogias centradas no lema apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r retiram da<br />
escola a tarefa <strong>de</strong> transmissão do conhecimento objetivo, a tarefa <strong>de</strong><br />
possibilitar aos educandos o acesso ao saber elaborado e sistematizado:<br />
A educação ao longo <strong>de</strong> toda a vida é <strong>uma</strong> construção contínua da<br />
pessoa h<strong>uma</strong>na, do seu saber e das suas aptidões, mas também da<br />
sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discernir e agir. Deve levá-la a tomar consciência<br />
<strong>de</strong> si própria e do meio que a envolve e a <strong>de</strong>sempenhar o papel social<br />
que lhe cabe no mundo do trabalho e na comunida<strong>de</strong>. O saber, o<br />
saber-fazer, o saber viver juntos e o saber-ser constituem quatro<br />
aspectos, intimamente ligados, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mesma realida<strong>de</strong>. Experiência<br />
vivida no quotidiano, e assinalada por momentos <strong>de</strong> intenso esforço<br />
<strong>de</strong> compreensão <strong>de</strong> dados e <strong>de</strong> fatos complexos, a educação ao<br />
longo <strong>de</strong> toda vida é o produto <strong>de</strong> <strong>uma</strong> dialética com várias<br />
dimensões (UNESCO, p.106- 107).<br />
A proposta ambivalente da UNESCO fica translúcida na citação<br />
abaixo, cujo conteúdo representa a aceitação da realida<strong>de</strong> do fim dos<br />
empregos e da <strong>de</strong>sregulamentação do trabalho, que trará como benefício um<br />
―tempo livre‖ que po<strong>de</strong>rá ser utilizado pelos trabalhadores para estudar:
127<br />
Alem disso, é possível que, por não se conseguir o pleno emprego,<br />
se comece a caminhar para <strong>uma</strong> multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estatutos e <strong>de</strong><br />
contratos <strong>de</strong> trabalho: trabalho em tempo parcial, trabalho com<br />
duração limitada ou precária, trabalho com duração in<strong>de</strong>terminada,<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do auto-emprego. Em qualquer dos casos, o<br />
aumento do tempo livre <strong>de</strong>ve ser acompanhado por um aumento do<br />
tempo consagrado à educação, quer se trate <strong>de</strong> educação inicial ou<br />
<strong>de</strong> educação <strong>de</strong> adultos. Deste modo, a responsabilida<strong>de</strong> da<br />
socieda<strong>de</strong> no domínio da educação é tanto maior quanto esta<br />
constitui, a partir <strong>de</strong> agora, um processo pluridimensional que<br />
não se limita à aquisição <strong>de</strong> conhecimentos nem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>,<br />
unicamente, <strong>de</strong> sistemas educativos. O ambiente educativo<br />
diversifica-se e a educação abandona os sistemas formais para se<br />
enriquecer com a contribuição <strong>de</strong> outros atores sociais (UNESCO,<br />
p.109 - 110, grifo nosso).<br />
As recomendações não passam pela insistência por um ensino <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> para os novos tempos que proporcione condições para que todos<br />
possam saber lidar com as novas tecnologias contemporâneas, mas, sim, pela<br />
valorização <strong>de</strong> <strong>uma</strong> educação básica, ou mesmo <strong>uma</strong> educação ocorrida no<br />
cotidiano, nos diferentes grupos sociais (igreja, família, comunida<strong>de</strong> etc.),<br />
espaços em que ocorre a transmissão da cultura partilhada, e as cida<strong>de</strong>s<br />
tornam-se o foco central, constituindo verda<strong>de</strong>iras ―cida<strong>de</strong>s educadoras‖,<br />
visando ao bem-comum, à coesão social, à participação cidadã, à<br />
solidarieda<strong>de</strong> local e global, já que a escola formal não cumpriu com seus<br />
<strong>objetivos</strong> e nem conseguirá cumprir. Aqui, a educação torna-se um ―fator<br />
<strong>de</strong>cisivo para a socieda<strong>de</strong> do conhecimento e da cultura, como elemento para<br />
construir comunida<strong>de</strong>, como fator básico na igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e na<br />
coesão social e como chave <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e da sustentabilida<strong>de</strong><br />
(VINDRÒ, 2003, p. 46).<br />
Seguindo esses pressupostos, as ações <strong>de</strong> Qualificação Social e<br />
Profissional – QSP propostas pelo PLANTEQ incluem, na sua carga horária<br />
média <strong>de</strong> 200 horas/aula, conteúdos específicos <strong>de</strong> cada ocupação e<br />
conteúdos básicos com duração não superior a 20% da carga horária total,<br />
iniciando pelos conteúdos básicos e <strong>de</strong>pois os específicos. Os cursos <strong>de</strong>verão<br />
constar na Classificação Brasileira <strong>de</strong> Ocupações – CBO e <strong>de</strong>verão conter<br />
conteúdos com os seguintes temas:<br />
Comunicação verbal e escrita, leitura e compreensão <strong>de</strong> textos,<br />
raciocínio lógico-matemático – conteúdos básicos;
128<br />
Saú<strong>de</strong> e segurança no trabalho, informação e orientação<br />
profissional – conteúdos básicos obrigatórios;<br />
Conteúdos específicos das ocupações: processos, métodos,<br />
técnicas, normas, regulamentações, materiais, equipamentos e<br />
outros – conteúdos específicos;<br />
Empo<strong>de</strong>ramento, gestão, autogestão, associativismo,<br />
cooperativismo, melhoria da qualida<strong>de</strong> e da produtivida<strong>de</strong> –<br />
conteúdos específicos (PLANTEQ, 2009, p.5).<br />
Assim, os cursos profissionalizantes iniciais para a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
baixa renda, necessariamente, <strong>de</strong>vem ter temáticas que possam gerar o<br />
empo<strong>de</strong>ramento dos jovens por intermédio do <strong>de</strong>senvolvimento da autoestima,<br />
cidadania e ética e do sentimento <strong>de</strong> coletivida<strong>de</strong>, tendo como fundamento o<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo.<br />
Dentro dos Arcos Ocupacionais e <strong>de</strong> acordo com o Catálogo<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Profissões 32 - CBO, os jovens da classe trabalhadora do século<br />
XXI estão sendo formados nas seguintes ocupações: as profissões no campo<br />
da Administração concentram as ocupações <strong>de</strong> Arquivista/arquivador,<br />
Almoxarife, Auxiliar <strong>de</strong> escritório/Administrativo, Contínuo/Office boy, Office<br />
girl); no campo Agroextrativista - Segurança alimentar, Promoção da qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vida no campo; Promoção dos saberes indígena e popular; Criador <strong>de</strong><br />
pequenos animais (apicultura ou avicultura <strong>de</strong> corte ou avicultura <strong>de</strong> postura),<br />
Trabalhador em Cultivo regional (fruticultura, olericultura); Extrativista florestal<br />
<strong>de</strong> produtos regionais (ma<strong>de</strong>ira, alimentos silvestres); Artesão regional<br />
(cerâmica, bordados, ma<strong>de</strong>ira, palha e materiais orgânicos). Alimentação –<br />
Chapista, Repositor <strong>de</strong> mercadorias (em supermercados) Cozinheiro auxiliar,<br />
Ven<strong>de</strong>dor ambulante (alimentação); Beleza e estética – Cabeleireiro/escovista,<br />
Manicure/pedicure, Maquiador,<strong>de</strong>pilador e no <strong>de</strong> Construção e reparo –<br />
Ladrilheiro, Pintor, Gesseiro, Trabalhador <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong> edificações<br />
(instalações elétricas e <strong>de</strong> telecomunicações, <strong>de</strong>ntre outros cursos iniciais, que<br />
com certeza, não os integrarão na ―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖ tão<br />
proclamada.<br />
32 Ver todas as ocupações em:< http://www.projovemurbano.gov.br>. Acessado em 6/10/2010.
129<br />
O Governo Cid Gomes, em função <strong>de</strong> sua reeleição, terá mais 4<br />
anos para pôr em prática o que está escrito no documento supracitado. Muita<br />
coisa precisa ser feita para que haja <strong>de</strong> forma efetiva a inclusão social do<br />
trabalhador no mercado <strong>de</strong> trabalho, por intermédio da educação profissional,<br />
mesmo nas profissões que lhes estão <strong>de</strong>terminadas na divisão social e técnica<br />
do trabalho. Caso contrário, torna-se letra morta, mas, ao mesmo tempo, um<br />
discurso i<strong>de</strong>ológico que mascara a realida<strong>de</strong>, qual seja: <strong>de</strong>semprego estrutural,<br />
escola sem qualida<strong>de</strong>, pobreza, miséria <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da população.<br />
Po<strong>de</strong>mos supor que os diferentes arcos ocupacionais que estão<br />
sendo oferecidos aos jovens estão em consonância com as suas necessida<strong>de</strong>s<br />
e da região em busca do ―<strong>de</strong>senvolvimento local‖, pois, segundo o PNQ, ―Os<br />
cursos <strong>de</strong> QSP <strong>de</strong>verão oferecer obrigatoriamente conteúdos, <strong>de</strong>vidamente<br />
aplicados à realida<strong>de</strong> local, às necessida<strong>de</strong>s do/a trabalhador/a e ao mercado<br />
<strong>de</strong> trabalho‖ (RESOLUÇÃO Nº 575/2008).<br />
Sabemos, no entanto, que os jovens não têm po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolha, eles<br />
aceitam qualquer curso que apareça, salvo alg<strong>uma</strong>s exceções que tiveram a<br />
sorte <strong>de</strong> serem agraciados com o curso que <strong>de</strong>sejavam, quando seu <strong>de</strong>sejo<br />
coinci<strong>de</strong> com o curso selecionado pelas autorida<strong>de</strong>s. Mas o governo quer<br />
resultados, existem metas <strong>de</strong> inserção, ou seja, ―Os executores dos PlanTeQ<br />
[...] <strong>de</strong>verão cumprir meta <strong>de</strong> inserção dos beneficiários no mundo do trabalho<br />
equivalente a, no mínimo, vinte por cento da meta prevista nas ações <strong>de</strong><br />
qualificação profissional‖ (RESOLUÇÃO nº 575/2008).<br />
A proposta é que as capacitações específicas reflitam as<br />
necessida<strong>de</strong>s econômicas dos municípios. Porém, nem sempre isso ocorre,<br />
existindo um <strong>de</strong>sacordo entre a vocação econômica do município e os cursos<br />
que são oferecidos. Além do mais, muitas vezes o jovem se inscreve num<br />
curso na esperança <strong>de</strong> arranjar um emprego ou trabalho e não<br />
necessariamente em sintonia com suas aspirações. O mercado não absorve a<br />
maioria dos egressos <strong>de</strong>stes cursos, então parte-se para o segundo plano:<br />
formar empreen<strong>de</strong>dores informais.
130<br />
De qualquer forma, sendo ou não sendo as aspirações profissionais<br />
dos filhos dos trabalhadores pobres, as empresas querem profissionais<br />
qualificados para as novas exigências em face das transformações<br />
tecnológicas; elas não estão querendo profissionais com conhecimentos<br />
mínimos, salvo para permanecerem nas ativida<strong>de</strong>s manuais que não<br />
necessitam <strong>de</strong> conhecimentos mais complexos, <strong>uma</strong> vez, que esse parco saber<br />
não vai gerar capital intelectual. Esses arcos ocupacionais, na realida<strong>de</strong> irão,<br />
quando muito, formar para os subempregos, portando, aumentando em vez <strong>de</strong><br />
diminuir o subemprego, como o PNQ diz tentar minimizar.<br />
Então, no que se refere ao PNQ e PLANTEQ, nos seus princípios e<br />
<strong>objetivos</strong>, quais sejam: obtenção do emprego e trabalho <strong>de</strong>cente para os<br />
―excluídos‖, reduzindo os riscos <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão, rotativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>semprego e<br />
subemprego, torna-se <strong>uma</strong> façanha num mundo com poucos empregos e on<strong>de</strong><br />
impera a economia informal. A solução encontrada é estimular o<br />
empreendimento individual ou coletivo, na perspectiva da economia popular<br />
solidária.<br />
Os Arcos Ocupacionais Alimentos (Chapeiro, Cozinheiro Auxiliar,<br />
Ven<strong>de</strong>dor ambulante); Serviços pessoais (Manicure, Cabeleireira Depilador<br />
etc.); Agroextrativismo ( criador <strong>de</strong> pequenos animais , Artesão regional etc.),<br />
<strong>de</strong>ntre outros arcos, po<strong>de</strong>m contribuir para a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os jovens<br />
tornaram-se empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> negócios, sendo autônomos, trabalhadores<br />
por conta própria. E nessa hora as características empreen<strong>de</strong>doras <strong>de</strong>vem fluir<br />
para agradar a clientela. A força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, a iniciativa, persistência <strong>de</strong>vem,<br />
necessariamente, compor as características psicológicas do egresso <strong>de</strong>sses<br />
cursos.<br />
Nesse cenário, a primeira coisa que esses jovens <strong>de</strong>vem fazer ao<br />
concluir o curso é pedir ajuda a seus familiares, mas, justamente por serem <strong>de</strong><br />
baixa renda, a ajuda torna-se inviável. Sua ―moratória‖ é encurtada, a fome<br />
ensina que precisam trabalhar o quanto antes. As classes média/alta po<strong>de</strong>m<br />
esperar, não é à toa que a ida<strong>de</strong> referente à juventu<strong>de</strong> ampliou para 29 anos,<br />
<strong>de</strong> forma a mantê-los sob a guarda das famílias e não forçarem o mercado <strong>de</strong><br />
trabalho que não absorve seus pais, muito menos os filhos. Os pais das<br />
classes mais abastadas <strong>de</strong>vem continuar arcando com cursos diversos para
131<br />
seus filhos, com a esperança que um dia eles consigam <strong>uma</strong> colocação<br />
melhor. Para os pobres, a solução é levar o tempo fazendo cursos e mais<br />
cursos, recebendo R$ 100,00 33 , como bolsa <strong>de</strong> estudo (já que os pais não<br />
po<strong>de</strong>m arcar com essa moratória estendida) e ir levando a vida, fazendo um<br />
―bico‖ aqui outro acolá, mas com um currículo cheio qualificações, plantando<br />
esperanças, logo, procurando conter as revoltas <strong>de</strong>sta gran<strong>de</strong> parcela da<br />
população.<br />
Esta incursão no PNQ e PLANTEQ foi para voltar a atenção para o<br />
Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora, como política que vem para profissionalizar<br />
a juventu<strong>de</strong> para esse ‗novo‖ mundo do trabalho que tanto po<strong>de</strong> ser<br />
direcionado para a empregabilida<strong>de</strong> nas organizações, quanto para a criação<br />
do seu próprio negócio, mas ambos centrando nos jovens a solução para seu<br />
<strong>de</strong>semprego, estando em consonância com a retórica que centra no indivíduo<br />
sua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superação das adversida<strong>de</strong>s naturais do mundo da vida.<br />
Tanto o PNQ quanto o PLANTEQ acenam com palavras soltas no sentido da<br />
suposta inclusão, mas se comprometem apenas com 20% dos capacitados,<br />
mesmo que seja para as ocupações que lhes estão <strong>de</strong>stinadas pela sua<br />
condição <strong>de</strong> classe.<br />
Quando se fala em socieda<strong>de</strong> do conhecimento, não é o<br />
―conhecimento‖ advindo <strong>de</strong>ssas ocupações a que os anteriormente aludidos<br />
teóricos se referem; todavia, eles nos advertem <strong>de</strong> que, na ―socieda<strong>de</strong> póscapitalista‖,<br />
infelizmente, muitos permanecerão à margem, então po<strong>de</strong>mos<br />
concluir que essa cruzada i<strong>de</strong>ológica consiste <strong>de</strong> artifícios insidiosos da classe<br />
dominante para manter o status quo. E aqui retomamos Leite (2002), um dos<br />
teóricos do empreen<strong>de</strong>dorismo, quando acentua a importância <strong>de</strong> um<br />
empreen<strong>de</strong>dor eficaz, <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> um saber universal, na socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento:<br />
Ele precisa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> base no conhecimento <strong>de</strong> pesquisa sistemática<br />
que chamamos ciência – seus métodos, sua história, suas hipóteses<br />
fundamentais e suas teorias. Precisa <strong>de</strong> um mínimo <strong>de</strong> competência<br />
no uso <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imaginar, analisar, formular, interpretar e<br />
33 Referimo-nos ao Programa Nacional <strong>de</strong> Inclusão <strong>de</strong> Jovens (ProJovem) que oferece formação no<br />
ensino fundamental, curso <strong>de</strong> iniciação profissional, aulas <strong>de</strong> informática e <strong>uma</strong> bolsa <strong>de</strong> R$100,00 por<br />
mês.<br />
.
132<br />
transmitir aquilo que chamamos <strong>de</strong> linguagem [...]. Para ser eficaz,<br />
ele <strong>de</strong>ve, por conseguinte, ter <strong>uma</strong> base <strong>de</strong> cultura geral e ser capaz<br />
<strong>de</strong> manejar os instrumentos do pensamento e da experiência que são<br />
universais em vez <strong>de</strong> especializados. [...] o que interessa à empresa<br />
não é o trabalho, mas resultados (LEITE, 2002, p. 118 - 119).<br />
Vislumbramos qual é a qualificação direcionada aos jovens<br />
<strong>de</strong>sfavorecidos social e economicamente e aos filhos das classes médias e<br />
altas, <strong>de</strong>monstrando que a diferença está na base. Entra e sai governo e a<br />
famosa educação integral fica apenas em sonho, nas mentes do que <strong>de</strong> alguns<br />
visionários utópicos que ―teimam‖ em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>uma</strong> escola única para todos.<br />
Estivemos discutindo os pressupostos, a política <strong>de</strong> qualificação<br />
profissional da juventu<strong>de</strong> centrada no empreen<strong>de</strong>dorismo, salientando que a<br />
teoria que o embasa condiz com todo o i<strong>de</strong>ário da sociabilida<strong>de</strong> capitalista, e o<br />
Projeto JUVEMP é a materialização <strong>de</strong>sses pressupostos. No próximo capítulo,<br />
centraremos nossa análise no período <strong>de</strong> 2008/2009, momento em que<br />
participamos da equipe <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação, <strong>de</strong>senvolvendo o programa<br />
pedagógico-metodológico, os nivelamentos dos facilitadores e o<br />
acompanhamento das ações com os jovens, a comunida<strong>de</strong> e os profissionais<br />
envolvidos.<br />
Na nossa análise, alg<strong>uma</strong>s dificulda<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m ser superadas e<br />
preten<strong>de</strong>mos contribuir com alg<strong>uma</strong>s sugestões, <strong>uma</strong> vez que a equipe,<br />
incluindo gestores, coor<strong>de</strong>nação, monitores, facilitadores, durante todo o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do Projeto, mantiveram <strong>uma</strong> postura <strong>de</strong> comprometimento,<br />
acreditando na mudança e pensando estratégias para a superação dos<br />
entraves que foram surgindo no percurso. Os entraves teórico-i<strong>de</strong>ológicos já<br />
foram <strong>de</strong>marcados nos capítulos anteriores, agora iremos i<strong>de</strong>ntificar quais<br />
dificulda<strong>de</strong>s passam pela própria inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> este projeto atingir suas<br />
metas <strong>de</strong> inclusão social pelo empreen<strong>de</strong>dorismo e daqueles que po<strong>de</strong>m ser<br />
removidos, caso haja interesse político para tal.
133<br />
3 PROJETO JUVENTUDE EMPREENDEDORA:<br />
CONTRADIÇÕES ENTRE OS FUNDAMENTOS TEÓRICO-<br />
METODOLÓGICOS E A REALIDADE SÓCIO-HiSTÓRICA<br />
OBJETIVA<br />
Neste capítulo, iremos apresentar o Projeto Juventu<strong>de</strong><br />
Empreen<strong>de</strong>dora, i<strong>de</strong>ntificando seus <strong>objetivos</strong>, metas e sua articulação com os<br />
fundamentos basilares que o permeiam, no contexto da crise <strong>de</strong> empregos que<br />
assola a todos n<strong>uma</strong> escala planetária. Procuramos apresentar os entraves e<br />
os <strong>de</strong>safios que este Projeto apresenta na sua operacionalização, associando<br />
seus conceitos e princípios à política pública centrada no empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
para a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixa renda.<br />
Como vimos nos capítulos anteriores, os pressupostos da política <strong>de</strong><br />
qualificação profissional da juventu<strong>de</strong> centrada no empreen<strong>de</strong>dorismo se apóia<br />
no i<strong>de</strong>ário da sociabilida<strong>de</strong> capitalista. O Projeto JUVEMP, na sua lógica<br />
contraditória, é a materialização <strong>de</strong>sses pressupostos. Queremos dizer com<br />
isso que, apesar <strong>de</strong> seus fundamentos se orientarem na tentativa do capital <strong>de</strong><br />
recompor-se <strong>de</strong> sua crise, em face do <strong>de</strong>semprego estrutural, sua efetivação<br />
tem possibilitado aos profissionais e aos sujeitos atendidos o embate diário<br />
entre os <strong>objetivos</strong> do Projeto e a realida<strong>de</strong> concreta. Esses embates <strong>de</strong>correm<br />
do comprometimento dos gestores, da coor<strong>de</strong>nação, dos monitores, dos<br />
facilitadores, com o objetivo maior proclamado pelo Projeto, qual seja: a<br />
inclusão social e econômica da juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfavorecida socioeconomica e<br />
educacionalmente do Estado do Ceará.<br />
Ao longo do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste estudo, no entanto, já<br />
<strong>de</strong>marcamos os obstáculos teórico-práticos à sua concretização. Agora iremos<br />
<strong>de</strong>monstrar as dificulda<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>correm da própria inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> este<br />
projeto atingir suas metas <strong>de</strong> inclusão social pelo empreen<strong>de</strong>dorismo para<br />
jovens <strong>de</strong> baixa renda e com baixa escolarida<strong>de</strong> e aqueles impasses que<br />
po<strong>de</strong>m ser removidos, caso haja interesse político para tal.
134<br />
3.1 O Projeto JUVEMP<br />
Nas últimas décadas, conceitos como inclusão social, cidadania,<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo, empregabilida<strong>de</strong>, empo<strong>de</strong>ramento têm sido incorporados<br />
nas agendas <strong>de</strong> diversas instituições sociais, sejam nacionais ou<br />
internacionais, públicas ou privadas num aparente consenso mundial sobre as<br />
saídas possíveis para o <strong>de</strong>semprego estrutural. No Brasil, esses conceitos são<br />
induzidos nas mais diferentes políticas e programas sociais, especificamente<br />
no PNQ, que baliza o Projeto JUVEMP.<br />
O Projeto é <strong>de</strong>senvolvido em três etapas, as quais são realizadas<br />
em sala <strong>de</strong> aula com intervenções na comunida<strong>de</strong> e <strong>uma</strong> quarta etapa voltada<br />
para a inserção dos jovens no mercado <strong>de</strong> trabalho, como também o<br />
assessoramento para a criação <strong>de</strong> negócios individuais e coletivos, 34 que,<br />
segundo sua própria <strong>de</strong>finição, está pautada<br />
[...] num processo <strong>de</strong> aprendizagem teórico-vivencial tornando o<br />
educando, num contexto <strong>de</strong> trabalho em grupo, apto ao exercício <strong>de</strong><br />
suas competências e habilida<strong>de</strong>s, bem como <strong>de</strong> aplicar<br />
conhecimentos multidisciplinares assimilados (PROJETO JUVEMP,<br />
2008).<br />
As etapas estão assim organizadas:<br />
horas/aula)<br />
1 ª Etapa - Formação para o Empreen<strong>de</strong>dorismo Social (120<br />
I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e interação social – i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, família, auto-estima,<br />
cidadania, direitos h<strong>uma</strong>nos, ética e política e empreen<strong>de</strong>dorismo social;<br />
Processos sociais integradores;<br />
Empreen<strong>de</strong>dorismo social na comunida<strong>de</strong> - seminários, oficinas,<br />
campanhas comunitárias e visitas aos empreendimentos sociais (ONGS,<br />
associações etc.);<br />
34 As versões subseqüentes sofreram modificações em relação à seqüência das ativida<strong>de</strong>s.
135<br />
Educação financeira;<br />
Práticas Interventivas – a partir da i<strong>de</strong>ntificação da problemática<br />
do município, os participantes realizaram práticas na comunida<strong>de</strong>.<br />
2 ª Etapa - Elaboração do projeto <strong>de</strong> vida profissional (76<br />
horas/aula) - realizado por psicólogo (a), através <strong>de</strong> <strong>uma</strong> orientação<br />
profissional.<br />
Pesquisa das vocações econômicas e potencialida<strong>de</strong>s locais,<br />
através <strong>de</strong> um grupo focal com 10 atores sociais do município na qual<br />
expuseram a vocação econômica, potencialida<strong>de</strong>s do município e ocupações<br />
existentes e necessárias;<br />
Ativida<strong>de</strong>s como dinâmicas <strong>de</strong> grupo, entrevistas aos diferentes<br />
profissionais nos locais <strong>de</strong> trabalho, culminando com a elaboração do projeto<br />
<strong>de</strong> vida profissional <strong>de</strong> curto e longo prazo.<br />
3 ª Etapa – Capacitação para o trabalho (300 horas/aula)<br />
Cultura empreen<strong>de</strong>dora;<br />
Capacitação em gestão <strong>de</strong> empreendimentos associativos e nãoassociativos;<br />
Oficinas <strong>de</strong> matemática, informática, escrita e leitura, saú<strong>de</strong> e<br />
segurança no trabalho e <strong>de</strong> orientação para o trabalho;<br />
Cursos <strong>de</strong> capacitações específicas <strong>de</strong> acordo com as<br />
potencialida<strong>de</strong>s do município e com o projeto <strong>de</strong> vida profissional dos jovens<br />
(60h/a).<br />
4 ª Etapa – Encaminhamento para o mercado <strong>de</strong> trabalho e<br />
incentivo à criação <strong>de</strong> negócios individuais e coletivos.<br />
A intermediação junto às empresas dos jovens capacitados é<br />
realizada através das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Atendimento do IDT, na busca <strong>de</strong> inseri-los
136<br />
conforme os cursos escolhidos. A supervisão dos prováveis negócios <strong>de</strong>ve ser<br />
realizada pelos técnicos do IDT.<br />
Antes <strong>de</strong> iniciar as aulas, ocorre um encontro em Fortaleza, com a<br />
presença <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s da STDS, prefeitos, <strong>de</strong>mais representantes dos<br />
municípios contemplados, coor<strong>de</strong>nação do Projeto e técnicos do IDT. Por<br />
ocasião <strong>de</strong>ste encontro, é apresentado o Projeto e assinado o contrato <strong>de</strong><br />
gestão entre as partes envolvidas.<br />
Como passo seguinte, é <strong>de</strong>finida <strong>uma</strong> agenda <strong>de</strong> apresentação do<br />
Projeto para a comunida<strong>de</strong> local, com a presença <strong>de</strong> diversos integrantes da<br />
socieda<strong>de</strong> civil e do po<strong>de</strong>r público. Nesta reunião, juntamente com a<br />
coor<strong>de</strong>nação do JUVEMP, são escolhidos os integrantes que comporão um<br />
grupo <strong>de</strong> seis pessoas (<strong>uma</strong> da STDS, <strong>uma</strong> da coor<strong>de</strong>nação, <strong>uma</strong> do po<strong>de</strong>r<br />
local, o monitor, e mais duas pessoas da comunida<strong>de</strong>), que farão a pré-seleção<br />
dos jovens que integrarão o Projeto, observando os critérios já evi<strong>de</strong>nciados na<br />
introdução.<br />
Posteriormente, os jovens pré-selecionados participam <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
seleção <strong>de</strong>finitiva com membros da coor<strong>de</strong>nação e STDS. No caso do<br />
JUVEMP/2008, diante da ausência <strong>de</strong> jovens com a escolarida<strong>de</strong> exigida, foi<br />
aberto exceção para aqueles que haviam concluído o ensino médio. A seleção<br />
é realizada com <strong>uma</strong> dinâmica <strong>de</strong> grupo, ocasião em que é i<strong>de</strong>ntificado o<br />
interesse e as expectativas do jovem em participar do curso.<br />
Na versão 2008/2009 houve dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> compor o grupo por<br />
ausência <strong>de</strong> jovens no perfil pre<strong>de</strong>finido, ou seja, jovens que estivessem<br />
cursando o 9º ano do Ensino Fundamental, que estivessem no Ensino Médio,<br />
com a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 17 e 24 anos e com renda per capital menor ou igual a meio<br />
salário-mínimo e, finalmente, jovens que possuíssem as características<br />
comportamentais dos empreen<strong>de</strong>dores: jovens com iniciativa, li<strong>de</strong>rança, boa<br />
comunicação, características i<strong>de</strong>ntificadas n<strong>uma</strong> minoria <strong>de</strong>les. Os jovens<br />
também não podiam estar participando <strong>de</strong> outros projetos governamentais Em<br />
alguns municípios, foram realizadas até três seleções.
137<br />
3.2 Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora: <strong>de</strong>senvolvendo as competências<br />
atitudinais do indivíduo do século XXI<br />
Como já vimos anteriormente, a concepção que norteia o<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo parte do pressuposto <strong>de</strong> que, na ausência <strong>de</strong> empregos, o<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo aparece como solução para os trabalhadores<br />
<strong>de</strong>sempregados, precarizados e até para os que estão empregados. Aparece<br />
também como incentivo ao <strong>de</strong>senvolvimento econômico <strong>uma</strong> vez que cria<br />
novos empregos e movimenta a economia. A chave do sucesso é o espírito<br />
empreen<strong>de</strong>dor que consiste em <strong>uma</strong> soma <strong>de</strong> características que têm como<br />
suporte <strong>uma</strong> mobilização individual <strong>de</strong> inovar e assumir riscos.<br />
O Projeto busca trabalhar a subjetivida<strong>de</strong>, os valores pessoais na<br />
formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do indivíduo. Trabalha a importância dos grupos<br />
sociais, enfatizando o papel da família e da comunida<strong>de</strong>. Discute a ética como<br />
aspecto essencial no exercício da cidadania. Trata sobre o conceito, as<br />
habilida<strong>de</strong>s e características dos empreen<strong>de</strong>dores. Esses temas são<br />
<strong>de</strong>senvolvidos em módulos que compõem a etapa ―Empreen<strong>de</strong>dorismo Social‖.<br />
As temáticas são trabalhadas <strong>de</strong> forma vivenciada, ou seja, através <strong>de</strong><br />
dinâmicas e <strong>de</strong> jogos estruturados com objetivo <strong>de</strong> aprendizado grupal.<br />
Também são utilizados vitalizadores 35 que conseguem envolver os jovens nas<br />
ativida<strong>de</strong>s e integrá-los. Vale <strong>de</strong>stacar que os envolvidos no Projeto<br />
(facilitadores, monitores) vivenciam a metodologia por ocasião dos<br />
nivelamentos e, posteriormente, os facilitadores a reproduzem juntos aos<br />
educandos.<br />
A proposta pedagógica e metodológica se propõe a estimular o<br />
potencial do indivíduo aspirante a empreen<strong>de</strong>dor através do treinamento, além<br />
<strong>de</strong> apresentar os aspectos gerenciais inerentes aos negócios. Quem tem as<br />
características dos empreen<strong>de</strong>dores, já explicitadas nos capítulos anteriores,<br />
possuem maiores chances <strong>de</strong> ter sucesso nos negócios; no entanto, essas<br />
35 Os vitalizadores são dinâmicas <strong>de</strong> grupo que são realizadas no início <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ativida<strong>de</strong> objetivando<br />
mobilizar, aquecer, (ou mesmo relaxar, caso estejam muito excitados) os integrantes <strong>de</strong> um grupo,<br />
elevando a motivação, preparando-os para as ativida<strong>de</strong>s seguintes.
138<br />
características, segundo os teóricos do empreen<strong>de</strong>dorismo, po<strong>de</strong>m ser<br />
ensinadas. A metodologia utilizada no Projeto parte <strong>de</strong> situação-problema que<br />
leva o grupo a pensar soluções para <strong>uma</strong> <strong>de</strong>terminada problemática, sempre<br />
se apoiando no conhecimento preliminar do grupo – a chamada construção<br />
coletiva.<br />
A metodologia fundamenta-se no Círculo <strong>de</strong> Aprendizagem Vivencial<br />
– CAV, proposto pelo psicólogo americano David Kolb e realiza-se através <strong>de</strong><br />
vivenciais grupais (GRAMIGNA, 1995). A aprendizagem é baseada em ação,<br />
por meio do qual o grupo coloca em evidência suas habilida<strong>de</strong>s objetivando<br />
facilitar o envolvimento <strong>de</strong> todos. O CAV possui cinco fases: vivência (através<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> ativida<strong>de</strong> – o fazer); o relato (expressão compartilhada dos<br />
sentimentos); processamento (análise do <strong>de</strong>sempenho e dos padrões <strong>de</strong><br />
comportamento); generalizações (referência a situações do cotidiano) e<br />
aplicação (quando a experiência é traduzida em ações, mudanças <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s,<br />
planejamento).<br />
Os temas (empreen<strong>de</strong>dorismo, gestão, li<strong>de</strong>rança, marketing,<br />
mercado etc.) são apresentados sempre através <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vivência. O facilitador<br />
propõe a tarefa e estimula a participação. Ao final, ele fecha o momento<br />
introduzindo um poema, um sli<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> música, um texto que sintetize o que foi<br />
discutido por ocasião da dinâmica.<br />
Por exemplo, se a temática é sobre li<strong>de</strong>rança 36 , realiza-se <strong>uma</strong><br />
vivência 37 durante a qual os participantes possam interagir na execução da<br />
tarefa. O facilitador observa o comportamento dos participantes, os papéis no<br />
grupo, os interesses, as inibições, os medos, a maneira como as tarefas são<br />
divididas entre os integrantes, a comunicação, a argumentação, o<br />
autoritarismo, a <strong>de</strong>mocracia, a iniciativa, a criativida<strong>de</strong>.<br />
36 O tema li<strong>de</strong>rança foi trabalhado no último modulo: Gestão <strong>de</strong> Empreendimentos Associativos e Não –<br />
Associativos.<br />
37 Existem vários livros com dinâmicas <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança, negociação, trabalho em equipe, criativida<strong>de</strong>,<br />
percepção, raciocínio rápido, comunicação, motivação, autoconhecimento, planejamento, conhecimento<br />
interpessoal, equilíbrio emocional afetivida<strong>de</strong>, integração, auto-reflexão.
139<br />
Terminada a tarefa, segue o relato dos sentimentos, o que facilita ou<br />
dificulta a execução da tarefa. É o momento, em que todos se expressam,<br />
expondo suas percepções, angústias e contentamento. O facilitador realiza o<br />
processamento <strong>de</strong> tudo o que foi dito pelos integrantes, administrando conflitos,<br />
caso surjam. Segue a generalização, refletindo sobre o comportamento<br />
esperado <strong>de</strong> um lí<strong>de</strong>r no mundo do trabalho, nas organizações e na vida e<br />
como o que foi aprendido po<strong>de</strong>rá ser colocado em prática (aplicação).<br />
Essa explanação teve sua gênese na situação gerada no grupo,<br />
sempre se referindo ao que foi dito e observado pelos participantes (i<strong>de</strong>ias,<br />
sentimentos, percepções). O facilitador faz, brevemente, o fechamento do<br />
momento, salientando que a li<strong>de</strong>rança é <strong>uma</strong> das características da<br />
personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um empreen<strong>de</strong>dor, assim como sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar<br />
em equipe, coor<strong>de</strong>nar pessoas, <strong>de</strong> motivar, <strong>de</strong> mudar, <strong>de</strong> criar, <strong>de</strong> vencer<br />
barreiras, superar adversida<strong>de</strong>s, ser otimista, acreditar em si mesmo, enfim,<br />
condutas importantes num lí<strong>de</strong>r. Po<strong>de</strong>rá também fechar expondo um painel,<br />
com os tipos <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança e as características <strong>de</strong> um lí<strong>de</strong>r, como também<br />
apresentar <strong>uma</strong> música, um texto. Essa vivência po<strong>de</strong>rá ser também realizada<br />
através <strong>de</strong> um filme que contenha o tema li<strong>de</strong>rança. Contanto que todas as<br />
fases do CAV sejam trabalhadas na sala <strong>de</strong> aula.<br />
A metodologia adotada pelo Projeto conseguiu atingir os <strong>objetivos</strong><br />
propostos no que se refere à melhoria da comunicação, da iniciativa, da<br />
participação, da <strong>de</strong>senvoltura, ou seja, das atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alguns jovens diante do<br />
grupo e das situações propostas em sala <strong>de</strong> aula e nas ativida<strong>de</strong>s que<br />
envolviam a comunida<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>nciadas pela equipe técnica da coor<strong>de</strong>nação do<br />
Projeto, incluindo os facilitadores.<br />
Houve mudanças significativas <strong>de</strong> comportamento <strong>de</strong>monstrando<br />
que é possível, num ambiente facilitador da aprendizagem, que os alunos se<br />
posicionem e tornem-se mais participativos, aqui compreendido como<br />
envolvimento no conjunto das ativida<strong>de</strong>s.<br />
Moscovici (2003), psicóloga e consultora <strong>de</strong> empresas, atuando na<br />
área <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento interpessoal, expõe as diretrizes e os procedimentos
140<br />
do que ela chama <strong>de</strong> aprendizagem vivencial, que é <strong>uma</strong> adaptação do CAV,<br />
que tem sua ênfase nas emoções e sentimentos, que segundo a autora, <strong>de</strong><br />
acessórios na pedagogia dita tradicional passam a ser enaltecidos nessa nova<br />
pedagogia. A autora apresenta a metodologia da seguinte forma:<br />
A aprendizagem vivencial compreen<strong>de</strong> um ciclo <strong>de</strong> quatro fases<br />
seqüenciais e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes: ativida<strong>de</strong>, análise, conceituação,<br />
conexão. A primeira etapa consiste na vivencia <strong>de</strong> <strong>uma</strong> situação<br />
através <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s em que o participante se empenha, tais como<br />
resolução <strong>de</strong> um problema, simulação comportamental,<br />
dramatização, jogo, processo <strong>de</strong>cisório, comunicação, exercícios<br />
verbais e não-verbais. A etapa <strong>de</strong> análise segue a vivencia.<br />
Consiste no exame e na discussão ampla das ativida<strong>de</strong>s realizadas,<br />
na critica dos resultados e do processo <strong>de</strong> alcançá-los – o como<br />
passa a ser mais importante do que o resultado em si. É <strong>uma</strong> fase<br />
muito mobilizadora <strong>de</strong> energia emocional, pois cada participante <strong>de</strong>ve<br />
expor seus sentimentos, idéias e opiniões livremente. [...] Para que<br />
possa apren<strong>de</strong>r com a experiência, torna-se necessário organizar<br />
esta experiência e buscar-lhe o significado, com ajuda <strong>de</strong> conceitos<br />
esclarecedores. Cabe, então <strong>uma</strong> etapa <strong>de</strong> insumos cognitivos,<br />
informações e fundamentos teóricos que permitam sistematização e<br />
elaboração <strong>de</strong> ―mapas cognitivos‖ individuais. [...] complementados<br />
por leituras individuais e <strong>de</strong>bates, permite a conscientização <strong>de</strong><br />
aspectos pessoais e, interpessoais e grupais [...] passa-se a etapa <strong>de</strong><br />
conexão, em que se fazem correlações com o real, comparando-se<br />
aspectos teóricos com situações práticas <strong>de</strong> trabalho e vida em geral<br />
(p. 12 - 13, grifo nosso).<br />
O alcance do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> competências atitudinais exige um<br />
tempo significativo, situação que foi i<strong>de</strong>ntificado na prática, principalmente na<br />
utilização <strong>de</strong> vivências em que a escuta individual é o diferencial. Os<br />
profissionais do Projeto souberam aproveitar bem o tempo para trabalhar a<br />
expressão compartilhada dos sentimentos. Na nossa leitura, o problema que se<br />
coloca para os profissionais envolvidos com o Projeto é a garantia da<br />
introdução dos conteúdos requeridos à formação do empreen<strong>de</strong>dor (marketing,<br />
gestão, li<strong>de</strong>rança, plano <strong>de</strong> negócios, etc.) em <strong>uma</strong> metodologia que valoriza,<br />
fundamentalmente, a aprendizagem vivencial. Um outro problema, é a<br />
formação básica dos jovens do Projeto no contexto <strong>de</strong> reformulação dos<br />
currículos e programas escolares que são a<strong>de</strong>quados ao currículos por<br />
competência, focalizados no ―apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r‖, relegando o ensino ao<br />
segundo plano.<br />
Em relação à articulação entre conhecimento e vivência, <strong>de</strong> fato, o<br />
CAV mobilizou os ‗saberes do cotidiano dos jovens‘ como recurso para<br />
i<strong>de</strong>ntificar os problemas locais e propor soluções. Foram criadas situações-
141<br />
problema estimulando os jovens a pensar as possíveis soluções, implicando<br />
todos no processo, buscando a cooperação n<strong>uma</strong> atitu<strong>de</strong> em que o facilitador,<br />
aqui não é o transmissor do conhecimento adquirido, mas apenas um<br />
―facilitador‖ da aprendizagem, um potencializador, n<strong>uma</strong> ―observação<br />
individualizada <strong>de</strong> <strong>uma</strong> prática, em relação a <strong>uma</strong> tarefa‖ (PERRENOUD, 1999,<br />
p. 66). Aqui se valoriza a aprendizagem significativa pautada nos interesses do<br />
educando. Objetiva-se trabalhar os saberes previamente adquiridos dos jovens;<br />
dotá-los <strong>de</strong> mais informações para solucionar os problemas cotidianos e locais<br />
à semelhança das diretrizes dos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio<br />
– PCNs que se apoia no Relatório Jacques Delors:<br />
É sintomático que, diante do <strong>de</strong>safio que representam essas<br />
aprendizagens, se assista a <strong>uma</strong> revalorização das teorias que<br />
valorizam os afetos e da criativida<strong>de</strong> no ato <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r [...]. Diante<br />
da violência, do <strong>de</strong>semprego e da vertiginosa substituição<br />
tecnológica, revigoram-se as aspirações <strong>de</strong> que a escola,<br />
especialmente a média, contribua para a aprendizagem <strong>de</strong><br />
competências <strong>de</strong> caráter geral, visando a constituição <strong>de</strong> pessoas<br />
mais aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas<br />
escolhas, mais solidárias, que acolham e respeitem as diferenças,<br />
pratiquem a solidarieda<strong>de</strong> e superem a segmentação social (PCN,<br />
p.59).<br />
Em contraposição aos postulados subjacentes, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que<br />
<strong>uma</strong> ma educação escolar que prime pelos ―saberes‖ do aluno, que prime pelo<br />
apren<strong>de</strong>r a ser e a conviver, sendo o professor um mero facilitador <strong>de</strong>ste saber,<br />
não dará subsídios teóricos para que o aluno domine o conhecimento, nem a<br />
tecnologia, tampouco dará condições para que eles solucionem, com<br />
criativida<strong>de</strong>, os problemas que emergem no cotidiano das organizações para o<br />
qual o Projeto também está direcionado.<br />
Quando o CAV é aplicado nos treinamentos ou reuniões das<br />
organizações, parte-se do pressuposto <strong>de</strong> que os profissionais possuem<br />
competência técnico-profissional para a função para a qual foram contratados e<br />
po<strong>de</strong>m contribuir para propor soluções que a organização <strong>de</strong>manda. A<br />
metodologia, nessa situação, busca criar um clima grupal que permita a livre<br />
expressão dos sentimentos e idéias, objetivando a resolução do problema ou<br />
tarefa. Serve também para que os gestores i<strong>de</strong>ntifiquem quem está mais se<br />
―doando‖, quem é mais comprometido, quem ―veste a camisa da empresa‖,
142<br />
enfim, i<strong>de</strong>ntificar a motivação, participação dos ―colaboradores‖, tendo como<br />
meta extrair do trabalhador, resultados e competitivida<strong>de</strong>. Esse clima<br />
―facilitador‖ po<strong>de</strong> até gerar um sentimento <strong>de</strong> pertencimento e, caso surjam<br />
conflitos, favorecer um espaço para administrá-los.<br />
Todavia Moscovici (2003), quando apresenta sua visão <strong>de</strong><br />
aprendizagem, esta se assemelha aos pressupostos da pedagogia das<br />
competências. Para ela a pedagogia tradicional privilegiou o cognitivo. Já a<br />
aprendizagem vivencial (a <strong>de</strong> laboratório) valoriza o emocional e as práticas<br />
centradas na experiência direta e imediata do aprendiz e no apren<strong>de</strong>r a<br />
apren<strong>de</strong>r on<strong>de</strong> os conteúdos são <strong>de</strong>svalorizados:<br />
Apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r, apren<strong>de</strong>r a dar ajuda e participação eficiente<br />
em grupo são meta-<strong>objetivos</strong> essenciais da educação <strong>de</strong> laboratório.<br />
Estas meta-<strong>objetivos</strong> expressam valores <strong>de</strong> pressupostos filosóficos<br />
que consi<strong>de</strong>ram o homem como um ser que se <strong>de</strong>senvolve,<br />
continuamente, em busca <strong>de</strong> realização e felicida<strong>de</strong>. (...) Apren<strong>de</strong>r a<br />
apren<strong>de</strong>r significa a aprendizagem „que fica‟ para toda a vida,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do conteúdo. É um processo <strong>de</strong> buscar e<br />
conseguir informações e recursos para solucionar seus<br />
problemas, com e através da experiência <strong>de</strong> outras pessoas,<br />
conjugadas à sua própria (2003, p. 7- 8, grifo nosso).<br />
O JUVEMP procurou investir, por intermédio <strong>de</strong> sua metodologia,<br />
na formação <strong>de</strong> jovens com as características atitudinais (saber inovar, criar,<br />
ter li<strong>de</strong>rança, ser flexível, ter perseverança, comprometimento, autoconfiança,<br />
autocontrole, persuasão, po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> negociação, saber trabalhar em equipe etc.)<br />
<strong>de</strong>sejáveis na ―nova or<strong>de</strong>m‖ capitalista, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos i<strong>de</strong>ais que<br />
movimentam os seus gestores e executores. Dito isso, o Projeto atingiu seus<br />
<strong>objetivos</strong> quando <strong>de</strong>senvolveu <strong>uma</strong> metodologia centrada nas características<br />
<strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> necessárias para o empreen<strong>de</strong>dor, principalmente o<br />
corporativo ou intraempreen<strong>de</strong>dorismo, características <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> que<br />
condizem com o novo perfil <strong>de</strong> colaborador nas empresas. 38<br />
38 Para a secretária da STDS da gestão anterior, Fátima Catunda, o Projeto JUVEMP consiste em<br />
oportunida<strong>de</strong> a mais para o ingresso dos jovens no mercado <strong>de</strong> trabalho. "Essas iniciativas trabalham no<br />
sentido <strong>de</strong> inserir o estudante, o jovem trabalhador, no contexto do trabalho <strong>de</strong> grupo, tornando-o apto ao<br />
exercício das competências que são exigidas pelo mercado profissional". Ver:<br />
.<br />
Acessado em 21/10/2010.
143<br />
Isto posto, argumentamos que, partindo do pressuposto <strong>de</strong> que a<br />
―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖ e, mais precisamente, a esfera da produção,<br />
estaria a <strong>de</strong>mandar um profissional com amplas competências, incluindo o<br />
conhecimento intelectual, significa dizer que a simples resolução <strong>de</strong> problemas,<br />
a comunicação, o trabalho em equipe etc., proposto pela pedagogia da<br />
competência e vivenciado pelos projetos, não formará o profissional que o<br />
―novo mundo do trabalho‖ precisa. Mesmo porque, como foi salientado por<br />
Drucker (1993), Stewart (1998), Minarelli (1995), Leite (2002), o conhecimento<br />
intelectual, o capital h<strong>uma</strong>no, que integra o capital intelectual e é apropriado<br />
pela organização, é o que os proprietários do capital mais valorizam. Isso<br />
requereria, como nós já anunciamos, um profissional com formação <strong>de</strong> cultura<br />
geral e com competência e habilida<strong>de</strong>s capazes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r às exigências<br />
das transformações técnico-científicos do setor produtivo.<br />
educação universal promoverá o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> fornecer ―<strong>uma</strong><br />
compreensão básica <strong>de</strong> ciência e da dinâmica da tecnologia;<br />
conhecimento <strong>de</strong> línguas estrangeiras. Também será necessário<br />
apren<strong>de</strong>r a ser eficaz como membro <strong>de</strong> <strong>uma</strong> organização, como<br />
empregado (DRUCKER, 1993, p.155).<br />
Drucker adverte que a escola <strong>de</strong>ve preparar seus alunos para essa<br />
socieda<strong>de</strong> do conhecimento pois a socieda<strong>de</strong> pós-capitalista precisa <strong>de</strong> mais<br />
pessoas com diploma do ensino avançado para assumir ―cargos <strong>de</strong><br />
conhecimento ―para explorar o conhecimento universalmente disponível‖<br />
(DRUCKER, 1993, p. 149).<br />
No entanto, os ―alunos menos dotados‖, no qual se refere o<br />
documento da UNESCO, que na leitura <strong>de</strong> In`am Al-Mufti (2006), po<strong>de</strong>mos<br />
incluir os jovens do JUVEMP, irão, caso consigam um emprego/trabalho,<br />
manejar alg<strong>uma</strong>s máquinas e tecnologias <strong>de</strong> informação que, apesar <strong>de</strong><br />
complexas, não exigem muito conhecimento dos profissionais que continuam<br />
sem compreen<strong>de</strong>r a tecnologia embutida, apertando teclas que acionam<br />
programas que contêm trabalho materializado pelos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong>ste saber.<br />
Saber esse que somente alguns dominam, ou seja, aqueles que tiveram<br />
integrado ―as competências‖ como um todo: conhecimentos, habilida<strong>de</strong>s e<br />
técnica, advindas <strong>de</strong> <strong>uma</strong> formação científica, própria <strong>de</strong> um ensino superior <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong>, incluindo tanto as áreas tecnológicas quanto as áreas h<strong>uma</strong>nas.
144<br />
O ensino profissionalizante reflete esse sistema dual que, nos seus<br />
conteúdos e métodos <strong>de</strong> aprendizagem, valoriza a ativida<strong>de</strong> manual em<br />
<strong>de</strong>trimento da intelectual, mesmo num contexto histórico em que proliferam<br />
abordagens discursivas <strong>de</strong> que estaríamos vivendo profundas transformações<br />
no âmbito do trabalho, em função da organização flexível, exigindo um<br />
profissional com amplas competências, polivalentes dominando todas as<br />
esferas do saber, necessitando, portanto, <strong>uma</strong> re<strong>de</strong>finição do papel social da<br />
escola, mais a<strong>de</strong>quada à ―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖ que teria ―superado‖,<br />
principalmente nos países capitalistas avançados, a organização tayloristafordista.<br />
No Brasil, esse discurso ganha corpo, contraditoriamente, na Lei<br />
9394/96 – Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, especificamente,<br />
nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs para o Ensino Médio para os<br />
quais o eixo dos currículos e programas é a pedagogia das competências,<br />
focalizados no apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r.<br />
No âmbito da escola formal ou informal, como salienta Perrenoud<br />
(1999), a pedagogia das competências requer um tempo <strong>de</strong>masiado,<br />
comprometendo os conteúdos. Fica a escolha: <strong>uma</strong> ação mais centrada na<br />
subjetivida<strong>de</strong> que favorecerá a escuta individualizada, atingido a todos, ou um<br />
ensino voltado para a transmissão dos conteúdos, que ten<strong>de</strong> a aumentar<br />
justamente em função da gama <strong>de</strong> conhecimentos acumulados pela<br />
h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>.<br />
A pedagogia das competências parte do pressuposto <strong>de</strong> que o<br />
ensino direcionado para resoluções <strong>de</strong> problemas é suficiente, ao lado <strong>de</strong><br />
práticas mais participativas promovendo <strong>uma</strong> aprendizagem mais significativa e<br />
mais efetiva, com respostas rápidas tão ao gosto das empresas capitalistas,<br />
pois tempo é dinheiro. Porém na realida<strong>de</strong> o objetivo é formar trabalhadores<br />
adaptados, cooperativos, que saibam conviver, <strong>de</strong> forma a acatar<br />
<strong>de</strong>terminações da gerência para executar suas tarefas rotineiras, assim como,<br />
a manutenção dos equipamentos, limpeza do ambiente <strong>de</strong> trabalho, controle <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> dos serviços/produção e propor soluções à administração, através<br />
dos conhecidos Círculos <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong> – CCQ, on<strong>de</strong><br />
periodicamente os trabalhadores são reunidos e através <strong>de</strong> metodologias
145<br />
participativas, a administração colhe sugestões para a melhoria da<br />
produtivida<strong>de</strong> e, consequentemente, da extração do sobretrabalho dos<br />
trabalhadores que <strong>de</strong>vem estar sempre ―<strong>de</strong>terminados, otimistas, motivados e<br />
empreen<strong>de</strong>dores‘.<br />
A articulação entre teoria e prática proclamada pelos teóricos da dita<br />
―socieda<strong>de</strong> do conhecimento‖ como fundamentais para o novo tipo <strong>de</strong><br />
profissional, <strong>de</strong>ntre os quais o empreen<strong>de</strong>dor, não evi<strong>de</strong>nciamos no JUVEMP 39 .<br />
Observamos que a metodologia prima pela vivência do aluno, e o<br />
conhecimento mais sistematizado fica em segundo plano. A articulação teórica<br />
se cons<strong>uma</strong>va mais na própria ativida<strong>de</strong>. A leitura do assunto era composta <strong>de</strong><br />
noções, conceitos um tanto superficiais, po<strong>de</strong>ndo ser utilizados pequenos<br />
textos da apostila, músicas que serviam como síntese do que foi discutido em<br />
sala <strong>de</strong> aula, <strong>de</strong>ntre outros recursos.<br />
Os jovens tiveram a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vivenciar situações que<br />
<strong>de</strong>senvolveram <strong>uma</strong> performance do ―colaborador‖ empreen<strong>de</strong>dor em busca <strong>de</strong><br />
manter/conquistar sua empregabilida<strong>de</strong>. Dito <strong>de</strong> outra forma, as características<br />
empreen<strong>de</strong>doras que são exigidas no contexto das empresas, o<br />
intraempreen<strong>de</strong>dorismo, foi cotidianamente estimulado, no que se refere às<br />
atitu<strong>de</strong>s comportamentais, todavia ficou a lacuna em relação aos conteúdos<br />
que os teóricos do empreen<strong>de</strong>dorismo afirmam que <strong>de</strong>ve servir <strong>de</strong> alicerce<br />
para os empreendimentos. Durante a execução do Projeto foram percebidas,<br />
segundo relatos dos jovens, dos facilitadores, monitores e familiares,<br />
mudanças comportamentais dos jovens, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> mais envolvimento com as<br />
ativida<strong>de</strong>s escolares, quanto com as ações internas ao Projeto. Por<br />
conseguinte, a introjeção <strong>de</strong>ssas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> forma mais duradoura na sua vida<br />
pessoal e laboral, como <strong>de</strong>monstraram nas ativida<strong>de</strong>s coletivas em sala <strong>de</strong><br />
aula e na comunida<strong>de</strong>, é um fato a ser verificado a posteriori.<br />
Por intermédio das dinâmicas <strong>de</strong> grupo a metodologia favoreceu o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento das habilida<strong>de</strong>s comportamentais. Os jovens compartilharam<br />
39 No Brasil, Dolabela vem difundindo a pedagogia empreen<strong>de</strong>dora, fundamentada no apren<strong>de</strong>r a<br />
apren<strong>de</strong>r. Segundo ele, o empreen<strong>de</strong>dorismo na Educação Básica formará, através <strong>de</strong> metodologias<br />
inovadoras, ―o capital social para o afloramento do espírito empreen<strong>de</strong>dor e para a ação empreen<strong>de</strong>dora‖.<br />
Ver site < http://www.icesi.edu.co/ciela/anteriores/Papers/e<strong>de</strong>m/7.pdf> acessado em 12 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />
2011.
146<br />
sentimentos e pensamentos para melhor compreen<strong>de</strong>rem a si próprios e ao<br />
outro. Nas dinâmicas i<strong>de</strong>ntificam-se as forças e fraquezas dos envolvidos e<br />
busca-se, em grupo, favorecer as habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação, li<strong>de</strong>rança,<br />
negociação, cooperação, flexibilida<strong>de</strong>, motivação, culminando com <strong>uma</strong> maior<br />
integração entre os envolvidos. Todos esses componentes foram mobilizados,<br />
resultando em <strong>de</strong>sempenhos individuais/grupais progressivamente mais<br />
atuantes.<br />
Do exposto acima, notamos que o JUVEMP, mesmo quando tenta<br />
incorporar nas ativida<strong>de</strong>s vivenciais todas as dimensões das competências<br />
requeridas para o empreen<strong>de</strong>dorismo, se <strong>de</strong>para com obstáculos inerentes à<br />
própria lógica exclu<strong>de</strong>nte da sociabilida<strong>de</strong> capitalista que se apresenta, <strong>de</strong>ntre<br />
outro aspectos, na baixa qualida<strong>de</strong> educacional oferecida à juventu<strong>de</strong><br />
trabalhadora e no pouco tempo <strong>de</strong>stinado aos conteúdos. A escola pública<br />
brasileira é historicamente marcada pelo dualismo educacional. De um lado,<br />
temos a escola para formação dos ―futuros dirigentes‖, dos ―alunos brilhantes‖<br />
dos ―mais bem dotados‖, e <strong>de</strong> outro, a escola para a formação da força <strong>de</strong><br />
trabalho que a economia <strong>de</strong> mercado requer, e o JUVEMP preten<strong>de</strong> formar<br />
justamente esses excluídos através <strong>de</strong> <strong>uma</strong> carga horária <strong>de</strong> 60h/a nos cursos<br />
básicos, única escolha possível em função da condição <strong>de</strong> classe<br />
<strong>de</strong>sfavorecida <strong>de</strong>sses jovens.<br />
Salientamos, aqui, a contradição dos fundamentos da chamada<br />
socieda<strong>de</strong> do conhecimento e das bases programáticas indicadas pela<br />
pedagogia das competências para a formação dos educandos no âmbito da<br />
escola. No campo i<strong>de</strong>ológico, temos o discurso que enfatiza a necessida<strong>de</strong> da<br />
formação intelectual com um conjunto <strong>de</strong> competências e habilida<strong>de</strong>s, porém,<br />
na prática, é reduzido aos conhecimentos <strong>de</strong> cultura geral a partir dos<br />
pressupostos da pedagogia das competências. O resultado <strong>de</strong>sse fenômeno,<br />
como pu<strong>de</strong>mos evi<strong>de</strong>nciar, aparece no JUVEMP quando faltam aos jovens os<br />
conteúdos básicos que lhes permitam apreen<strong>de</strong>r os conhecimentos<br />
necessários para um ―empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> sucesso‖.
147<br />
3.3 Competências empreen<strong>de</strong>doras para o bem-estar coletivo:<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo social<br />
Os programas e projetos voltados para o empren<strong>de</strong>dorismo,<br />
<strong>de</strong>ntre os quais se insere o JUVEMP, enfatizam que os empreen<strong>de</strong>dores<br />
po<strong>de</strong>m direcionar suas competências para ativida<strong>de</strong>s que têm como meta o<br />
bem-comum. É o chamado ―empreen<strong>de</strong>dorismo social‖. Sua missão é fazer<br />
ações que possuem um alto grau <strong>de</strong> retorno positivo para a socieda<strong>de</strong>. O foco<br />
não é o lucro, mas o impacto social objetivando promover mudanças<br />
significativas para a comunida<strong>de</strong>. Remete ao local, ao regional, à comunida<strong>de</strong>,<br />
aos microproblemas, possíveis <strong>de</strong> serem minorados.<br />
No âmbito do JUVEMP, o módulo empreen<strong>de</strong>dorismo social<br />
a<strong>de</strong>ntrou nas vicissitu<strong>de</strong>s do empreen<strong>de</strong>dorismo social nos seus pressupostos<br />
e prática vinculada. Os jovens entraram em contato com o conceito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento sustentado, economia solidária, cidadania, direitos h<strong>uma</strong>nos,<br />
ética e participação política e educação financeira, sempre através <strong>de</strong> vivências<br />
grupais.<br />
Na etapa ―Formação para o Empreen<strong>de</strong>dorismo Social‖, os<br />
facilitadores apresentaram a temática em questão. A metodologia segue os<br />
seguintes passos: O facilitador solicita que os jovens, em subgrupos, criem um<br />
produto/serviço (a tarefa, a situação-problema) que seja importante para o<br />
município e promova benefícios para todos. Os jovens criam vários produtos<br />
e/ou serviços (com cartolinas, com material reciclável etc.) Em seguida,<br />
apresentam sua produção para o grupo através <strong>de</strong> cartazes, painéis<br />
ilustrativos, <strong>de</strong>ntre outras formas. O facilitador os instiga a exporem,<br />
individualmente, os sentimentos que afluíram durante a execução da ativida<strong>de</strong>,<br />
os aspectos facilitadores ou dificultadores da ação em grupo (relato, expressão<br />
compartilhada dos sentimentos, i<strong>de</strong>ias e pensamentos). Todos passam a<br />
avaliar o produto/serviço criado, assim como a importância e viabilida<strong>de</strong> dos<br />
<strong>de</strong>ste, analisam o comportamento grupal, i<strong>de</strong>ntificando os pontos fortes e<br />
fracos (processamento). Por último, busca-se relacionar tudo o que foi discutido<br />
fazendo <strong>uma</strong> ponte com a realida<strong>de</strong> do município.
148<br />
O facilitador evi<strong>de</strong>ncia o comportamento expressado, articula com<br />
outras situações nas quais os jovens tenham se manifestado <strong>de</strong> forma<br />
semelhante (generalização) e quais as atitu<strong>de</strong>s que cada um trará para sua<br />
vida cotidiana, tanto na família, no trabalho, na comunida<strong>de</strong> (aplicação).<br />
Diversas dificulda<strong>de</strong>s são apresentadas na perspectiva dos jovens, tais como:<br />
timi<strong>de</strong>z, medo, insegurança, baixa autoestima, colegas autoritários, dificulda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> trabalhar em grupo etc. O facilitador fecha a discussão, introduzindo as<br />
características da personalida<strong>de</strong> dos empreen<strong>de</strong>dores e o que a empresa está<br />
exigindo em termos <strong>de</strong> características atitudinais. Conclui-se com a exposição<br />
do conceito <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo social.<br />
Neste módulo, os jovens fizeram um diagnóstico da situação do<br />
município, elaboraram <strong>uma</strong> agenda das ações para a realização das práticas<br />
interventivas. Essas práticas consistiram <strong>de</strong> ações educativas, como<br />
caminhada contra as drogas, pela <strong>de</strong>fesa do meio ambiente, peças teatrais<br />
com diferentes temáticas (doenças sexualmente transmissíveis, drogas, meio<br />
ambiente) ativida<strong>de</strong>s lúdicas com crianças <strong>de</strong> creche, limpeza das ruas, praças,<br />
coleta <strong>de</strong> alimentos para doação, coleta <strong>de</strong> material reciclável. Essa ação<br />
culminou com a realização <strong>de</strong> seminários para a comunida<strong>de</strong> em que<br />
expuseram o que foi realizado, contando com o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> pessoas da<br />
localida<strong>de</strong> que foram beneficiadas, salientando a relevância da iniciativa dos<br />
jovens.<br />
De acordo com os relatos dos jovens e facilitadores, as práticas<br />
interventivas tornaram-se momentos em que os jovens mais gostaram, pois<br />
conheceram e contribuíram com ações junto à comunida<strong>de</strong>, exercendo a<br />
solidarieda<strong>de</strong>, e foram tocados com o ―sonho do empreen<strong>de</strong>dor social‖: <strong>uma</strong><br />
socieda<strong>de</strong> ―menos <strong>de</strong>sigual e mais h<strong>uma</strong>na‖.<br />
Esse tema tem um alto po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sensibilizar os envolvidos porque<br />
trata <strong>de</strong> questões que já fazem parte das inquietações religiosas: um mundo <strong>de</strong><br />
―paz e amor‖. Ricos doando um pouco do muito que têm para os<br />
―necessitados‖, os ―<strong>de</strong>svalidos da sorte‖, do ―pecado‖, ―dos pequeninos‖, enfim,<br />
um discurso que toca aqueles que sofrem com a dor alheia, que são<br />
―caridosos‖ e têm compaixão. A<strong>de</strong>mais, dá a sensação <strong>de</strong> que algo está sendo
149<br />
feito, para minimizar as injustiças sociais. Nesse tocante, chamamos a atenção<br />
sobre a <strong>de</strong>sresponsabilização do po<strong>de</strong>r público em executar as ações sociais,<br />
transferindo para a iniciativa privada e para a comunida<strong>de</strong> a responsabilida<strong>de</strong><br />
pela ações públicas.<br />
No módulo empreen<strong>de</strong>dorismo social, também fazem visitas a<br />
equipamentos públicos, como Secretaria <strong>de</strong> Ação Social, Saú<strong>de</strong>, Cultura,<br />
Conselho Tutelar, Delegacias 40 , Associações <strong>de</strong> Trabalhadores Rurais, Centro<br />
<strong>de</strong> Atenção Psicossocial (CAPS), Centro <strong>de</strong> Referência e Assistência Social<br />
(CRAS), sempre com as entrevistas previamente agendadas e o roteiro da<br />
entrevista elaborado em sala. Ao retornar das visitas, os subgrupos<br />
apresentam para a classe o resultado da pesquisa, através <strong>de</strong> cartazes,<br />
momento ímpar em que partilham a experiência. Segundo relato dos<br />
facilitadores, muitos chegam a afirmar que <strong>de</strong>sconheciam as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssas<br />
diferentes instituições. Tiveram municípios em que os jovens participaram <strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> sessão na Câmara dos Vereadores e outro on<strong>de</strong> os membros do<br />
Conselho Tutelar visitaram os alunos e apresentaram o que o Conselho se<br />
propõe e forma <strong>de</strong> eleição.<br />
Apesar <strong>de</strong> percebermos o empreen<strong>de</strong>dorismo social como <strong>uma</strong><br />
proposta que não questiona o status quo, são inegáveis os momentos <strong>de</strong><br />
riqueza e aprendizagem ocorridos nessa etapa em que os jovens pu<strong>de</strong>ram<br />
conhecer espaços públicos nos quais as políticas públicas são implementadas<br />
e gestadas, ―espaços <strong>de</strong> cidadania‖ que <strong>de</strong>vem ser apropriados<br />
<strong>de</strong>mocraticamente por todos, possibilitando o controle social, constituindo um<br />
momento para criar um ambiente favorável e <strong>uma</strong> reflexão crítica das<br />
problemáticas que assolam o País e o mundo.<br />
Indubitavelmente, esse Projeto tem um forte envolvimento na<br />
comunida<strong>de</strong> que chamou a atenção da comunida<strong>de</strong> local. Ao término <strong>de</strong> cada<br />
módulo os jovens realizam <strong>uma</strong> avaliação <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sempenho, do grupo, do<br />
facilitador e do Projeto como um todo. É i<strong>de</strong>ntificado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a li<strong>de</strong>rança<br />
40 Em Fortaleza, os jovens visitaram e entrevistaram a <strong>de</strong>legada da Delegacia da Criança e do<br />
Adolescente, buscando saber o número <strong>de</strong> jovens envolvidos em atos infracionais e quais as infrações<br />
mais cometidas. No interior do estado, pela ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>legacias especializadas, foram nas <strong>de</strong>legacias<br />
comuns.
150<br />
autocrática, <strong>de</strong>mocrática, os jovens <strong>de</strong>scomprometidos, os interessados,<br />
gerando reflexões em torno da ação, com promessas <strong>de</strong> modificação dos<br />
impasses individuais impeditivos <strong>de</strong> um maior envolvimento.<br />
De <strong>uma</strong> maneira geral essas avaliações foram positivas. Os<br />
facilitadores também preenchem um instrumental <strong>de</strong> avaliação dos jovens<br />
acerca do <strong>de</strong>sempenho nas ativida<strong>de</strong>s grupais, observando o processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento individual <strong>de</strong> cada jovem, evi<strong>de</strong>nciando a motivação,<br />
li<strong>de</strong>rança, enfim, as variáveis psicoemocionais.<br />
À medida que as ativida<strong>de</strong>s se <strong>de</strong>senvolvem, os jovens<br />
progressivamente se sentem mais confiantes em si mesmos e no grupo. A<br />
comunicação foi melhorando, a participação, a iniciativa, e a li<strong>de</strong>rança, a<br />
integração, o trabalho em equipe, a <strong>de</strong>senvoltura e o senso <strong>de</strong> pertencimento à<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Vê-se que, pelas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas pelo Projeto, o<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo social assenta-se no discurso ―regenerador‖ concebível<br />
num contexto econômico e político em que a socieda<strong>de</strong> civil passa a ter a<br />
atribuição <strong>de</strong> realizar reformas no capitalismo, minimizando as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e<br />
a pobreza, através <strong>de</strong> ações voluntárias, solidárias, sem entrar em<br />
consi<strong>de</strong>rações sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superação do modo <strong>de</strong> produção<br />
capitalista. Assim, legitima-se a redução do Estado através da <strong>de</strong>scentralização<br />
compartilhada que,contraditoriamente não compartilha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão das<br />
políticas.<br />
Nunca se ouviu na mídia qualquer menção contra os i<strong>de</strong>ários dos<br />
empreen<strong>de</strong>dores sociais, <strong>uma</strong> vez que suas propostas não geram nenh<strong>uma</strong><br />
transformação do status quo. Na fala dos empreen<strong>de</strong>dores sociais,<br />
cost<strong>uma</strong>mos ouvir a famosa frase <strong>de</strong> difícil compreensão: tratar ―<strong>de</strong>sigualmente<br />
os <strong>de</strong>siguais‖, assim como i<strong>de</strong>ntificamos nas entrelinhas que o problema da<br />
fome e miséria está na <strong>de</strong>gradação moral dos homens e não na lógica societal<br />
do capitalismo.<br />
É compreensível a a<strong>de</strong>são ao empreen<strong>de</strong>dorismo social e aos seus<br />
conceitos basilares. Termos como inclusão, participação, cidadania fazem
151<br />
parte <strong>de</strong> antigas aspirações da maioria dos trabalhadores e jovens excluídos<br />
das conquistas alcançadas na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna. Porém esses conceitos,<br />
<strong>uma</strong> vez ressignificados, mascaram o seu caráter manipulatório, como bem<br />
<strong>de</strong>staca Dagnino:<br />
Em primeiro lugar, <strong>de</strong> novo, eles reduzem o significado coletivo da<br />
re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cidadania anteriormente empreendida pelos<br />
movimentos sociais a um entendimento estritamente individualista<br />
<strong>de</strong>ssa noção. Segundo, se estabelece <strong>uma</strong> integração individual ao<br />
mercado, como consumidor e como produtor. Esse parece ser o<br />
principio subjacente a um enorme numero <strong>de</strong> programas para ajudar<br />
as pessoas a ―adquirir cidadania‖, isto é, apren<strong>de</strong>r como iniciar<br />
microempresas, tornar-se qualificado para os poucos empregos ainda<br />
disponíveis, etc. Num contexto on<strong>de</strong> o Estado se isenta<br />
progressivamente <strong>de</strong> seu papel <strong>de</strong> garantidor <strong>de</strong> direitos, o mercado é<br />
oferecido como <strong>uma</strong> instância substituta para a cidadania. [...] A<br />
cidadania é i<strong>de</strong>ntificada com e reduzida à solidarieda<strong>de</strong> para com os<br />
pobres, por sua vez, entendida no mais das vezes como mera<br />
carida<strong>de</strong> (DAGNINO, 2004, p. 106 - 107).<br />
De fato, no lugar do Estado provedor, a comunida<strong>de</strong> assume a<br />
mudança. O envolvimento manipulatório, por sua vez, aparece no discurso <strong>de</strong><br />
que é necessário fugir do conformismo, ―arregaçar as mangas‖ e ―partir para a<br />
luta‖. O indivíduo é chamado a integrar-se no mundo tomando para si a<br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar sua contribuição para mudar o quadro <strong>de</strong> miséria<br />
reinante. Nesse sentido, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m Melo Neto e Froes, quanto às tarefas das<br />
comunida<strong>de</strong>s locais nessa nova re<strong>de</strong>finição da relação indivíduo-socieda<strong>de</strong> na<br />
perspectiva do empreen<strong>de</strong>dorismo social, afirmam que:<br />
A comunida<strong>de</strong> assume a mudança. É ela que protagoniza as<br />
verda<strong>de</strong>iras ações transformadoras. Para fazê-lo, a comunida<strong>de</strong><br />
organiza-se n<strong>uma</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dores sociais que são os<br />
verda<strong>de</strong>iros agentes <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong>ste novo mo<strong>de</strong>lo. A comunida<strong>de</strong><br />
é ao mesmo tempo protagonista e beneficiária <strong>de</strong>ssas ações, em<br />
especial as comunida<strong>de</strong>s menos privilegiadas. [...] Todo o processo<br />
<strong>de</strong> transformação é centrado na adoção e prática <strong>de</strong> estratégias e<br />
formas <strong>de</strong> ―empo<strong>de</strong>ramento‖ <strong>de</strong>stas comunida<strong>de</strong>s-objeto das ações<br />
transformadoras. [...] O arcabouço institucional adotado é o do<br />
―empreen<strong>de</strong>dorismo social‖ e do ―<strong>de</strong>senvolvimento sustentável‖, on<strong>de</strong><br />
cidadãos tornam-se empreen<strong>de</strong>dores, comunida<strong>de</strong>s assumem a<br />
forma <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cooperação e <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. Governo e<br />
empresas incorporam-se como ―parceiros‖ e não como gestores<br />
(MELO NETO: FROES, 2002, p.16- 17).
152<br />
O fundamental sob essa ótica consiste em mudar a visão<br />
individualista que não percebe o outro, que não se preocupa com o sofrimento<br />
alheio. As contradições e conflitos que emergem da estrutura social fundada na<br />
exploração e na opressão tornam-se, nessa perspectiva, um problema do<br />
âmbito do indivíduo que po<strong>de</strong> ser superado pela introjeção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova<br />
consciência moral. Assim os jovens egressos <strong>de</strong> formação para o<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong>vem apreen<strong>de</strong>r novos valores em busca da coesão<br />
social. Como diz a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe –<br />
CEPAL,<br />
Uma primeira noção aproximada <strong>de</strong> coesão social é a <strong>de</strong> capital<br />
social, entendido como a capacida<strong>de</strong> que pessoas e grupos sociais<br />
têm <strong>de</strong> pautar-se por normas coletivas, construir e preservar re<strong>de</strong>s e<br />
laços <strong>de</strong> confiança, reforçar a acão coletiva e assentar bases <strong>de</strong><br />
reciprocida<strong>de</strong> no tratamento que se esten<strong>de</strong>m progressivamente ao<br />
conjunto da socieda<strong>de</strong>. Uma segunda noção aproximada é a <strong>de</strong><br />
integração social entendida como o processo que permite às pessoas<br />
usufruir pelo menos no nível mínimo <strong>de</strong> bem-estar <strong>de</strong> acordo com o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento alcançado em <strong>de</strong>terminado país. [...] Por sua vez a<br />
noção <strong>de</strong> ética social alu<strong>de</strong> a outra dimensão imprescindível da<br />
coesão social (CEPAL, 2007, p. 24 - 25).<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente introjetar novos valores sem propor a ruptura com a<br />
sociabilida<strong>de</strong> geradora das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e da exclusão social não é tarefa<br />
fácil. As Organizações não governamentais (ONGs), as Organizações Sociais<br />
(OS) e o próprio Estado assumem essa tarefa. Neste contexto, proliferam<br />
diferentes instituições sociais voltadas para os indivíduos que se encontram<br />
n<strong>uma</strong> situação <strong>de</strong> riscos naturais, <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, do próprio ciclo <strong>de</strong> vida, assim<br />
como dos riscos sociais associados à criminalida<strong>de</strong>, a violência doméstica.<br />
Seres vulneráveis em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua pobreza.<br />
Alg<strong>uma</strong>s ONGs <strong>de</strong>senvolvem trabalhos focalizados na temática do<br />
meio ambiente, dos direitos h<strong>uma</strong>nos; outras servem apenas <strong>de</strong> abrigo para<br />
diversos profissionais <strong>de</strong>sempregados que fazem projetos educativos em que<br />
<strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> parte dos recursos financeiros é para pagamento <strong>de</strong> pessoal,<br />
restando algum dinheiro para cursos aligeirados que, na gran<strong>de</strong> maioria,<br />
concentram-se nas mesmas temáticas: cidadania, gênero, raça, direitos<br />
h<strong>uma</strong>nos, arte-educação, <strong>de</strong>ntre outros, sem nenh<strong>uma</strong> ação política n<strong>uma</strong><br />
perspectiva mais ampla. A palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m é o trabalho voluntário ou noutra
153<br />
perspectiva, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> potencialida<strong>de</strong>s individuais criadoras<br />
capazes <strong>de</strong> buscar soluções para seus problemas econômicos e sociais, assim<br />
como da coletivida<strong>de</strong>. É a criação <strong>de</strong> um ―novo contrato‖ entre todos os<br />
indivíduos integrantes <strong>de</strong> <strong>uma</strong> dada socieda<strong>de</strong>.<br />
As políticas <strong>de</strong> longo prazo <strong>de</strong>stinadas a igualar oportunida<strong>de</strong>s<br />
requerem um contrato social que lhes dê força e continuida<strong>de</strong>, e um<br />
contrato <strong>de</strong> tal natureza supõe o apoio <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vasta gama <strong>de</strong> atores<br />
dispostos a negociar e alcançar amplos acordos. Com essa<br />
finalida<strong>de</strong>, os atores <strong>de</strong>vem sentir-se parte do todo e dispostos a<br />
ce<strong>de</strong>r em seus interesses pessoais em benefício do conjunto. A maior<br />
disposição dos cidadãos <strong>de</strong> apoiar a <strong>de</strong>mocracia, participar em<br />
assuntos políticos e espaços <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação e confiar nas instituições,<br />
bem como o maior sentido <strong>de</strong> pertencimento à comunida<strong>de</strong> e<br />
solidarieda<strong>de</strong> com os grupos excluídos e vulneráveis facilitam a<br />
celebração dos pactos ou contratos sociais necessários para<br />
respaldar políticas orientadas para a consecução da equida<strong>de</strong> e da<br />
inclusão (CEPAL, 2007, p. 260)<br />
Nesse sentido, o empreen<strong>de</strong>dorismo social difun<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias como<br />
pertencimento, voluntariado, integração entre todos, empo<strong>de</strong>ramento das<br />
comunida<strong>de</strong>s. Como exemplo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> instituição pioneira em<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo social, citamos a Ashoka, organização existente em vários<br />
países fundada por Bill Drayton 41 , que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r do indivíduo na<br />
resolução dos problemas, acreditando que mudanças sociais são realizadas<br />
por pessoas <strong>de</strong>terminadas com capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança, criativida<strong>de</strong> e<br />
capazes <strong>de</strong> resolverem os problemas sociais tanto no âmbito local quanto<br />
global (OLIVEIRA, 2008).<br />
Essas entida<strong>de</strong>s planetárias, como <strong>de</strong>nomina Morin (2007), iriam<br />
assumir os problemas fundamentais <strong>de</strong> dimensão global em <strong>de</strong>fesa da paz, do<br />
meio ambiente. Exemplo disso temos o Greenpeace, que segundo anuncia o<br />
autor, se propõe a criticar as práticas antiecológicas e contra os direitos<br />
h<strong>uma</strong>nos. Não se percebem críticas ao sistema capitalista e sim à h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>.<br />
Morin afirma que ―para além dos erros, fracassos e frustrações‖, o planeta<br />
possui, graças à tecnologia <strong>de</strong> comunicação, condições <strong>de</strong> criar essa<br />
41 Em 1981, Drayton funda na Índia a Ashoca, com objetivo <strong>de</strong> apoiar indivíduos com i<strong>de</strong>ias inovadoras<br />
que pu<strong>de</strong>ssem provocar mudanças sociais. Sua se<strong>de</strong> encontra-se na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arlington, Washington –<br />
DC, Estados Unidos, estando suas filiais em 40 países, tendo o reconhecimento dos organismos<br />
internacionais.
154<br />
consciência universal que tanto po<strong>de</strong> disseminar o que ele chama <strong>de</strong> hélice da<br />
primeira mundialização: ciência, técnica, indústria e lucro, como po<strong>de</strong>m servir<br />
<strong>de</strong> condutor da segunda mundialização que é a internalização dos movimentos<br />
sociais e <strong>de</strong> sua mensagem <strong>de</strong> amor e solidarieda<strong>de</strong>,<br />
[...] dos microtecidos da socieda<strong>de</strong> civil emergem perspectivas <strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> economia evi<strong>de</strong>ntemente herética para os economistas, a<br />
economia da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e da convivência. Foram-se<br />
multiplicando as iniciativas <strong>de</strong> indivíduos, associações ou<br />
cooperativas, para criar empregos <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços, <strong>de</strong> auxílio para necessida<strong>de</strong>s pessoais, <strong>de</strong><br />
empregados em domicílio, <strong>de</strong> reinstalações <strong>de</strong> padarias, artesanais<br />
ou <strong>de</strong> exploração, nas populações. Desse modo, todos trabalham<br />
pela qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e pela regeneração em nossa civilização.<br />
Emerge, assim, <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> concreta e<br />
viva, <strong>de</strong> pessoa a pessoa, <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> indivíduos a pessoas, <strong>de</strong><br />
pessoas concretas a grupos. Uma solidarieda<strong>de</strong> que não <strong>de</strong>penda <strong>de</strong><br />
leis nem <strong>de</strong>cretos, que seja profundamente sentida. A solidarieda<strong>de</strong><br />
não se po<strong>de</strong> promulgar per se, mas po<strong>de</strong>m ser criadas condições <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong> para libertar a força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> juntas pessoas e<br />
favorecer as ações <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. Moralizar, conviver, ressurgir:<br />
em torno <strong>de</strong>sses três verbos se estruturam os possíveis<br />
<strong>de</strong>senvolvimentos da solidarieda<strong>de</strong> e da pertença a um <strong>de</strong>stino<br />
comum (MORIN, 2007, p. 86).<br />
Morin não se refere em nenhum momento ao sistema capitalista<br />
injusto, <strong>de</strong>sigual, que concentra a proprieda<strong>de</strong> dos meios <strong>de</strong> produção nas<br />
mãos <strong>de</strong> poucos, <strong>de</strong>ixando a maioria à <strong>de</strong>riva. A transformação da<br />
sociabilida<strong>de</strong> capitalista, no nosso enten<strong>de</strong>r, não passa pela união fraterna <strong>de</strong><br />
todos, mas pela maioria que está excluída dos meios <strong>de</strong> produção. Dagnino<br />
ressalta que essas instituições têm vínculo estreitos com o pensamente<br />
neoliberal e, como efeito, as exigências dos ajustes estruturais do capitalismo.<br />
Com suas palavras:<br />
[...] com o crescente abandono <strong>de</strong> vínculos orgânicos com os<br />
movimentos sociais que as caracterizava em períodos anteriores, a<br />
autonomização políticas das ONG cria <strong>uma</strong> situação peculiar on<strong>de</strong><br />
essas organizações são responsáveis perante as agencias<br />
internacionais que as financiam e o Estado que as contrata como<br />
prestadoras <strong>de</strong> serviços, mas não perante a socieda<strong>de</strong> civil, da qual<br />
se intitulam representantes, nem tampouco perante os setores sociais<br />
<strong>de</strong> cujos interesses são portadoras, ou perante qualquer outra<br />
instância <strong>de</strong> caráter propriamente público. Por mais bem intencionas<br />
que sejam, sua atuação traduz fundamentalmente os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> suas<br />
equipes diretivas (DAGNINO, 2004, p.101).
155<br />
O Estado, cada vez mais, está fazendo parcerias com essas<br />
organizações da socieda<strong>de</strong> civil para execução <strong>de</strong> seus projetos sociais,<br />
exigindo <strong>de</strong>las mesmas contrapartidas que promovem verda<strong>de</strong>iros<br />
malabarismos para arcar com os compromissos assumidos. Criam-se projetos<br />
para infraestrutura, outros para gastos administrativos etc., e a fiscalização<br />
<strong>de</strong>sses recursos <strong>de</strong>ixa a <strong>de</strong>sejar. Os projetos geralmente duram 1 (um) ano,<br />
sendo, antecipadamente, necessário elaborar outro projeto social para<br />
concorrer nas seleções oferecidas pelo governo ou pelas entida<strong>de</strong>s privadas;<br />
caso contrário, todas as ativida<strong>de</strong>s são paralisadas, e, nesse momento, quem<br />
está à frente <strong>de</strong>ssas instituições fica mendigando recursos, e, ao mesmo<br />
tempo, respon<strong>de</strong>ndo com <strong>de</strong>sculpas as <strong>de</strong>mandas não satisfeitas da<br />
comunida<strong>de</strong> sob olhos das instâncias governamentais que, <strong>de</strong>sobrigadas,<br />
acham que contribuíram ao financiar alg<strong>uma</strong>s ações, cabendo a essas<br />
entida<strong>de</strong>s cumprir com sua responsabilida<strong>de</strong> social que tanto <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m.<br />
No que se refere aos trabalhadores <strong>de</strong>stas instituições, na gran<strong>de</strong><br />
maioria, imperam relações <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>sregulamentado, permeadas por<br />
laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, os quais, pelo amor à causa, muitas vezes, trabalham sem<br />
salários, doando o que têm e o que não têm, sentindo-se responsáveis pelo<br />
barco que vive à <strong>de</strong>riva. É nessa áurea da solidarieda<strong>de</strong> e do voluntariado que<br />
ações trabalhistas parecem não fazer parte das inquietações dos profissionais<br />
envolvidos, pelo fato <strong>de</strong> não terem vínculo empregatício com o Estado, apesar<br />
<strong>de</strong> executarem suas políticas sociais. Sentem-se fazendo parte <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong><br />
pessoas solidárias, comprometidas n<strong>uma</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajuda h<strong>uma</strong>nitária.<br />
É nesse cenário que <strong>de</strong>vem se inserir os jovens empreen<strong>de</strong>dores<br />
sociais egressos do JUVEMP. Lembramos, contudo, que o sucesso nessa<br />
inserção, pressupõe, antes <strong>de</strong> tudo, o <strong>de</strong>senvolvimento das características<br />
atitudinais voltadas para o empreen<strong>de</strong>dorismo social, haja vista que as causas<br />
da pobreza, no i<strong>de</strong>ário do empreen<strong>de</strong>dorismo, estariam na ausência <strong>de</strong>ssas<br />
características na maioria da população.<br />
Sob essa ótica, a exclusão social seria justificada pela ausência<br />
<strong>de</strong>ssas qualida<strong>de</strong>s, sendo, portanto, <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> dos empreen<strong>de</strong>dores<br />
sociais favorecerem o processo <strong>de</strong> inclusão <strong>de</strong>sses setores excluídos.
156<br />
Percebe-se que os empreen<strong>de</strong>dores sociais egressos do JUVEMP serão<br />
agentes multiplicadores da inclusão social. Ou, como prefere Oliveira,<br />
...um indutor <strong>de</strong> auto-organização social para o enfrentamento da<br />
pobreza, da exclusão social por meio do fomento da solidarieda<strong>de</strong> e<br />
emancipação social, do <strong>de</strong>senvolvimento h<strong>uma</strong>no, do<br />
empo<strong>de</strong>ramento dos cidadãos, do capital social, com vistas ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento local integrado e sustentável (2008, p. 170).<br />
Do exposto até aqui, o empreen<strong>de</strong>dorismo social se coloca como um<br />
―novo paradigma‖, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> superação do individualismo dominante <strong>de</strong><br />
nossa época. Uma proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento ―inclu<strong>de</strong>nte‖ que se proclama<br />
<strong>de</strong>fensora da h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>, da socieda<strong>de</strong> como todo, lutando pela<br />
sustentabilida<strong>de</strong>, arregimentando, integrando todos os atores sociais:<br />
comunida<strong>de</strong>s, as empresas, as organizações sociais e o Estado. Para Morin<br />
pressupõe a construção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> nova civilização planetária que estaria a<br />
requerer ―[...] re<strong>de</strong>s associativas que criem e alimentem <strong>uma</strong> consciência cívica<br />
planetária que, por sua vez, alimente a inter-relação e a recursivida<strong>de</strong> entre o<br />
contexto local, o indivíduo e o contexto planetário‖ (MORIN, 2007, p. 110).<br />
Percebe-se que essa visão preten<strong>de</strong> integrar todos n<strong>uma</strong> gran<strong>de</strong><br />
teia da vida, na qual os problemas coletivos <strong>de</strong>vem ser solucionados <strong>de</strong> mãos<br />
dadas, <strong>de</strong> forma fraterna, per<strong>de</strong>ndo-se <strong>de</strong> vista a lógica societal capitalista que<br />
se funda na apropriação privada dos meios <strong>de</strong> produção. Concordando com<br />
Saviani, vivemos num contexto em que as conquistas produzidas pela<br />
h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong> não se traduzem em benefícios <strong>de</strong>ssa h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>, mantendo-se<br />
a contradição que marca o capitalismo. Em suas palavras:<br />
[...] o <strong>de</strong>senvolvimento das forças produtivas h<strong>uma</strong>nas, em lugar <strong>de</strong><br />
beneficiar o conjunto da h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>, redunda em benefício daquela<br />
parcela que <strong>de</strong>tém a proprieda<strong>de</strong> dos meios <strong>de</strong> produção. O<br />
panorama atual é, pois, atravessado por essa contradição: estão já<br />
disponíveis as condições tecnológicas capazes <strong>de</strong> produzir os bens<br />
necessários para manter todos os homens num nível <strong>de</strong> vida<br />
altamente confortável; no entanto, o incremento da produtivida<strong>de</strong><br />
produz o efeito contrário, provocando exclusão e lançando na miséria<br />
um número crescente <strong>de</strong> seres h<strong>uma</strong>nos. [...] para o que se foi<br />
instituído, a nível político, <strong>uma</strong> nova relação Estado-socieda<strong>de</strong><br />
traduzida na orientação <strong>de</strong>nominada neoliberal (2008, p. 234).
157<br />
Nessa direção, o problema das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais não é <strong>uma</strong><br />
questão moral, mas estrutural, logo não po<strong>de</strong> ser resolvido nos limites dos<br />
―microtecidos da socieda<strong>de</strong> civil‖, nem tampouco por <strong>uma</strong> revolução das<br />
consciências, como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Morin, na sua crença <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong><br />
regeneração civilizatória fundada na multiplicação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s planetárias<br />
solidárias. Insiste o autor:<br />
Para tal fim, a educação terá <strong>de</strong> reforçar as atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aptidões que<br />
permitam superar os obstáculos produzidos pelas estruturas<br />
burocráticas e pelas institucionalizações das políticas<br />
unidimensionais. A participação e a construção das re<strong>de</strong>s<br />
associativas ultrapassaram o mo<strong>de</strong>lo hegemônico masculino, adulto,<br />
técnico oci<strong>de</strong>ntal, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revelar e <strong>de</strong>spertar os<br />
fermentos civilizatórios femininas juvenis, senis, multiéticos e<br />
multiculturais do patrimônio h<strong>uma</strong>no (I<strong>de</strong>m, 2007, p. 110).<br />
Essa concepção vem orientando os projetos visando ao<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo social. É, sobretudo, mobilizadora das consciências<br />
individuais que <strong>de</strong>vem correspon<strong>de</strong>r à mentalida<strong>de</strong> dos novos empreen<strong>de</strong>dores<br />
<strong>de</strong> negócios com o viés da responsabilida<strong>de</strong> social. No caso específico do<br />
JUVEMP, a metodologia vivencial utilizada parte do pressuposto <strong>de</strong> que o novo<br />
empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong>ve assumir na sua prática a dimensão social e <strong>de</strong> negócios.<br />
3.4 Competências empreen<strong>de</strong>doras: formando o empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong><br />
negócios<br />
O empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong> negócios que norteia o conteúdo<br />
programático e metodológico do JUVEMP consiste no estímulo à criação <strong>de</strong><br />
negócios individual e/ou coletivo visando ao lucro. No caso específico dos<br />
empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> negócios coletivos, a ênfase é na união <strong>de</strong> forças. Os<br />
empreen<strong>de</strong>dores po<strong>de</strong>m se associar em grupos, criando re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
produção/distribuição <strong>de</strong> produtos (cooperativas, arranjos produtivos,<br />
consórcios). Buscam assim, aumentar o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha nas compras,<br />
redução dos custos <strong>de</strong> acesso à linha <strong>de</strong> crédito, especialização nas ativida<strong>de</strong>s<br />
etc.
158<br />
A terceira etapa do JUVEMP, <strong>de</strong>nominada ―Capacitação para o<br />
Trabalho‖, tinha num dos módulos a ―Cultura Empreen<strong>de</strong>dora‖. A segunda<br />
etapa foi a elaboração do Projeto <strong>de</strong> Vida Profissional, se que falaremos<br />
oportunamente. Os jovens conheceram o histórico do empreen<strong>de</strong>dorismo, o<br />
conceito <strong>de</strong> empreendimentos individuais e coletivos e suas diferentes<br />
modalida<strong>de</strong>s e sobre economia solidária. Leram textos da apostila acerca das<br />
experiências dos empreendimentos coletivos e individuais que existem no<br />
Brasil e no Ceará.<br />
Por ocasião do término <strong>de</strong>ste módulo, os jovens, juntamente com o<br />
monitor e facilitador, prepararam <strong>uma</strong> Feira do Empreen<strong>de</strong>dor. Fizeram a<br />
divulgação do evento nas rádios, escolas e convidaram os empreen<strong>de</strong>dores do<br />
município para exporem e ven<strong>de</strong>rem seus produtos/serviços. Montaram palco,<br />
fizeram shows, com diversas atrações (danças folclóricas, teatros, capoeira,<br />
show, apresentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiles) tanto realizadas pelos jovens do projeto<br />
quanto pelos grupos teatrais da região, além da venda dos produtos dos<br />
empreen<strong>de</strong>dores na feira.<br />
Todas as ativida<strong>de</strong>s tiveram a participação ativa dos jovens, dos<br />
facilitadores e monitores e contou com a presença da coor<strong>de</strong>nação do Projeto<br />
e da STDS, assim como das autorida<strong>de</strong>s locais e do público em geral. Alguns<br />
jovens fizeram doces e comidas para ven<strong>de</strong>r na feira e aqueles que já ven<strong>de</strong>m<br />
produtos <strong>de</strong> beleza também ofereceram seus produtos nas barracas cedidas<br />
pela prefeitura. Estavam mais comunicativos, integrados entre si e confiantes<br />
na sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejamento e mobilização. Num módulo <strong>de</strong> 40 h/a, o<br />
tempo para o aprofundamento das questões ficou comprometido, tendo em<br />
vista os jovens terem <strong>de</strong> planejar a feira do empreen<strong>de</strong>dor.<br />
Em seguida, veio o curso Introdução à informática (60 horas/a),<br />
leitura e discussão do livro ―A ponte mágica‖, <strong>de</strong> Dolabela, ocasião em que os<br />
jovens apresentaram para a comunida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong>s <strong>uma</strong> peça sobre o livro.<br />
Posteriormente, realizaram a oficina <strong>de</strong> matemática aplicada aos negócios<br />
(20horas/a), Oficina <strong>de</strong> Leitura e Escrita (20h/a) que, embora estivesse nessa<br />
etapa, foi dividida ao longo dos módulos. Palestra sobre saú<strong>de</strong> e segurança no
159<br />
trabalho (4h/a) e a capacitação específica (60h/a), finalizando com o módulo<br />
gestão <strong>de</strong> empreendimentos associativos e não associativos.<br />
O ultimo módulo foi o <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Empreendimentos Associativos<br />
e Não Associativos (20h/a). No Projeto Inicial (2006/2007), o módulo tinha<br />
como <strong>de</strong>nominação Gestão <strong>de</strong> Empreendimentos Cooperativos e Não<br />
Cooperativos, contudo foi modificado porque <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um prazo curto, era<br />
possível falar e vivenciar a temática do cooperativismo, que pressupõe<br />
recuperar a história, seus princípios, diferentes ramos (saú<strong>de</strong>, trabalho,<br />
produção, habitacional, educacional, transporte, agropecuário, crédito etc.),<br />
estrutura administrativa, legislação e, finalmente, os passos para a constituição<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> cooperativa, além dos conceitos <strong>de</strong> gestão.<br />
O objetivo <strong>de</strong>ste estudo não é o <strong>de</strong> problematizar as contradições e<br />
dificulda<strong>de</strong>s que atravessam esses empreendimentos coletivos, sobretudo<br />
aqueles estimulados pelas políticas públicas estatais no Brasil. Interessa-nos,<br />
contudo, <strong>de</strong>stacar que o Projeto JUVEMP projeta o futuro profissional<br />
empreen<strong>de</strong>dor, sem levar em conta a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses empreendimentos<br />
associativistas.<br />
Na impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação da carga horária e levando em<br />
consi<strong>de</strong>ração que ainda neste módulo os jovens iriam conhecer sobre gestão,<br />
li<strong>de</strong>rança, marketing, 4Ps (produto, promoção, preço e praça), mercado plano<br />
<strong>de</strong> negócios, optou-se por fornecer <strong>uma</strong> visão panorâmica dos diferentes<br />
modos <strong>de</strong> associativismo e vivenciaram os princípios do cooperativismo<br />
através dos jogos cooperativos 42 , tendo muito aceitação do grupo.<br />
O tempo exíguo <strong>de</strong> 20 horas/a impediu a exploração <strong>de</strong> todos os<br />
conteúdos essenciais para o processo empreen<strong>de</strong>dor. Levando-se em<br />
consi<strong>de</strong>ração que o CAV teria <strong>de</strong> ser aplicado (privilegiando os aspectos<br />
comportamentais) não houve tempo suficiente para trabalhar esses conteúdos<br />
significativos, comprometendo a transmissão da teoria do empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
que, sua ausência, é apontada pelos seus teóricos com <strong>uma</strong> das causas da<br />
quebra dos negócios. Os ―conteúdos‖ forma ―vivenciados‖ em sala <strong>de</strong> aula<br />
42<br />
Segundo Brotto (2002), os jogos cooperativos baseiam–se na cooperação, as ações são<br />
compartilhadas e o resultado beneficia a todos os envolvidos. O enfoque é na interação, na confiança e<br />
não na competição.
160<br />
através <strong>de</strong> um minimercado em que criaram (com E.V.A, com sucatas,<br />
materiais <strong>de</strong>scartáveis) produtos/serviços. Trouxeram pipocas, bombons e<br />
simularam a venda, utilizando estratégias <strong>de</strong> marketing e negociação.<br />
Os jovens foram divididos em subgrupos e realizaram <strong>uma</strong> pesquisa<br />
nos diferentes bairros para saber quais os produtos/serviços que a comunida<strong>de</strong><br />
estava consumindo, o que comprar e on<strong>de</strong> adquirir as mercadorias e o que não<br />
era produzido no município, enfim, momento necessário para fazer o<br />
diagnóstico e i<strong>de</strong>ntificar as necessida<strong>de</strong>s locais, dando subsídios para pensar<br />
em que ramo <strong>de</strong> negócios esses jovens po<strong>de</strong>riam atuar com maiores<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sucesso. Tabularam os dados e apresentaram em classe; em<br />
seguida, criaram um plano <strong>de</strong> negócios em subgrupos. Como a maioria dos<br />
jovens não <strong>de</strong>sejou montar negócios, mostrou-se <strong>de</strong>sinteressada. Esse<br />
momento que <strong>de</strong>veria representar a culminância do empreen<strong>de</strong>dorismo e do<br />
Projeto foi, na realida<strong>de</strong>, a fase <strong>de</strong> menor envolvimento dos participantes.<br />
A execução do plano <strong>de</strong> negócios seria a coroação do projeto,<br />
quando, ―finalmente‖, teríamos formado empreen<strong>de</strong>dores que iriam pensar num<br />
negócio individual ou coletivo e gerir seus empreendimentos.<br />
A quarta e última etapa consistiu, justamente, na inserção no mundo<br />
do trabalho. Essa inserção constitui <strong>uma</strong> das obrigações do IDT, que, pelo<br />
Decreto nº 25.019, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998, passou a realizar as ações do<br />
Sistema Nacional <strong>de</strong> Emprego (SINE), mediante contrato <strong>de</strong> gestão firmado<br />
com o Governo do Estado do Ceará.<br />
A última etapa do Projeto está<br />
[...] centrada nas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção dos jovens ao mercado<br />
<strong>de</strong> trabalho, bem como do assessoramento para a concessão <strong>de</strong><br />
crédito favorável à criação <strong>de</strong> negócios empresariais<br />
individuais/coletivos. Consi<strong>de</strong>ra-se aqui, igualmente, o período <strong>de</strong><br />
acompanhamento da implantação dos negócios e consultoria<br />
gerencial (JUVEMP, p. 3).<br />
Dentre as ações do IDT, consta a intermediação <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra <strong>de</strong><br />
acordo com o perfil <strong>de</strong>mandado pelo mercado, tendo <strong>uma</strong> meta a ser cumprida<br />
em termos <strong>de</strong> encaminhamentos <strong>de</strong> profissionais que se inscrevem em suas
161<br />
unida<strong>de</strong>s existentes no estado do Ceará. Enquanto integrante do serviço<br />
público <strong>de</strong> intermediação <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra, o IDT preten<strong>de</strong> qualificar ou (re)<br />
qualificar os trabalhadores visando sua inserção pelo trabalho. Em função da<br />
baixa escolarização e qualificação profissional, essa inserção fica<br />
comprometida, sendo agravada pela ausência <strong>de</strong> empregos.<br />
em<br />
De acordo com o Decreto nº 76.403/07, a função do SINE consiste<br />
[...] organizar um sistema <strong>de</strong> informações e pesquisas sobre mercado<br />
<strong>de</strong> trabalho, capaz <strong>de</strong> subsidiar a operacionalização da política <strong>de</strong><br />
emprego, em nível local, regional e nacional; implantar serviços e<br />
agências <strong>de</strong> colocação em todo o país, necessários à organização do<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho; i<strong>de</strong>ntificar o trabalhador por meio da carteira <strong>de</strong><br />
trabalho e previdência social; propiciar informação e orientação ao<br />
trabalhador quanto à escolha <strong>de</strong> emprego; prestar informações sobre<br />
o mercado consumidor <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra sobre a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
recursos h<strong>uma</strong>nos; fornecer subsídios ao sistema educacional e ao<br />
sistema <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra para a elaboração <strong>de</strong> suas<br />
programações e; estabelecer condições para a a<strong>de</strong>quação entre a<br />
<strong>de</strong>manda do mercado <strong>de</strong> trabalho e a força <strong>de</strong> trabalho em todos os<br />
níveis <strong>de</strong> capacitação (BRASIL, 2007).<br />
A formação profissional não gera empregos, contudo está inserida<br />
<strong>de</strong>ntro das políticas ativas <strong>de</strong> emprego, em <strong>de</strong>corrência da Convenção 88 da<br />
Organização Internacional do Trabalho (OIT), assim como a intermediação.<br />
Desta forma, o IDT tem essas ativida<strong>de</strong>s como sua tarefa e o JUVEMP,<br />
enquanto projeto financiado pelo Estado, é a materialização <strong>de</strong> <strong>uma</strong> política,<br />
portanto a execução da intermediação dos jovens junto ao mercado é <strong>uma</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta instituição, <strong>uma</strong> vez que essa responsabilida<strong>de</strong> foi<br />
transferida pelo Estado, <strong>de</strong>sobrigando-o <strong>de</strong> suas funções.<br />
Na maioria dos municípios, não foram realizadas os<br />
encaminhamentos para empresas, mesmo porque não existiam empresas na<br />
maioria dos locais, e os técnicos do IDT tiveram <strong>de</strong> iniciar rapidamente outro<br />
JUVEMP em outras localida<strong>de</strong>s. Contudo, a meta <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong> 20% dos<br />
jovens foi cumprida (100 jovens inseridos no mercado formal e informal). Não<br />
se sabe se eles foram incluídos nas profissões escolhidas em curto prazo para<br />
as quais foram capacitados. A maioria que continuou excluída, provavelmente
162<br />
seguindo o referencial da empregabilida<strong>de</strong>, ainda está se capacitando<br />
in<strong>de</strong>finidamente.<br />
O Projeto resultou, portanto, em 449 jovens qualificados num<br />
mundo sem empregos e como empreen<strong>de</strong>dores, aptos a buscar sua<br />
empregabilida<strong>de</strong>, com um certificado que inclui noções <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo,<br />
gestão <strong>de</strong> negócios e <strong>uma</strong> capacitação específica. Nenhum negócio foi<br />
montado, logo nenh<strong>uma</strong> supervisão e monitoramento dos novos<br />
empreendimentos, em consequência nenhum <strong>de</strong>senvolvimento local, porém<br />
―esperanças na força empreen<strong>de</strong>dora‖ <strong>de</strong> cada um ―num mundo <strong>de</strong> incertezas‖.<br />
O Projeto seguiu as orientações do PLANTEQ no que diz respeito à<br />
oferta <strong>de</strong> conteúdos <strong>de</strong> raciocínio lógico-matemático, assim como noções <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong> e segurança no trabalho, informática e a orientação profissional<br />
(conteúdos básicos obrigatórios), assim como os conteúdos específicos das<br />
ocupações. E, finalmente, noções <strong>de</strong> gestão, autogestão, associativismo,<br />
cooperativismo. (PLANTEQ, p.5).<br />
A obtenção do emprego e trabalho <strong>de</strong>cente foi comprometida para a<br />
maioria, como também a participação em processos <strong>de</strong> geração <strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho e renda através do empreendimento individual ou<br />
coletivo, tendo em vista a inserção no mundo do trabalho, reduzindo, com isso,<br />
os níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e subemprego.<br />
No percurso do projeto, diversos problemas foram i<strong>de</strong>ntificados pela<br />
coor<strong>de</strong>nação do JUVEMP: os jovens não apresentam os requisitos necessários<br />
para serem empreen<strong>de</strong>dores; dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> financiamento; mercado sem<br />
condições <strong>de</strong> absorção dos egressos <strong>de</strong>ste projeto e, finalmente, os jovens não<br />
aspiram ser empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> negócios e, sim, <strong>de</strong>sejam um emprego.<br />
Em relação aos requisitos necessários para serem empreen<strong>de</strong>dores,<br />
Dolabela (2006), fundamentando-se na pesquisa do Serviço Brasileiro <strong>de</strong> Apoio<br />
às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) acerca dos riscos para quem quer<br />
entrar neste ramo, aponta as dificulda<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ntificadas nos empreendimentos<br />
já estabelecidos no mercado:
163<br />
Porte da empresa: quanto menor o empreendimento, maior o risco<br />
<strong>de</strong> extinção. Das extintas, 71% tinham até 2 empregados e 10%, mais<br />
<strong>de</strong> 5 funcionários; Ida<strong>de</strong> das empresas: 36% das pequenas empresas<br />
morrem antes do primeiro ano; 49% antes do segundo ano <strong>de</strong> vida.<br />
Escolarida<strong>de</strong> dos sócios: quanto maior a escolarida<strong>de</strong> dos<br />
empreen<strong>de</strong>dores, maior chance <strong>de</strong> sucesso. Em 35% das firmas<br />
extintas, os sócios tinham, no máximo, o primeiro grau. Em 63% das<br />
empresas <strong>de</strong> sucesso, os proprietários tinham curso superior<br />
completo. Experiência prévia: 60% dos empresários <strong>de</strong> sucesso<br />
tinham experiência anterior em algum negócio (DOLABELA, 2006,<br />
p.126)<br />
Importamos <strong>de</strong>stacar que os jovens <strong>de</strong> baixa renda do JUVEMP não<br />
condizem com as mínimas condições para perfazerem o perfil do<br />
empreen<strong>de</strong>dor. Os prováveis ―empreendimentos‖ com certeza serão informais,<br />
portanto, com maior risco <strong>de</strong> extinção. À luz do empreen<strong>de</strong>dorismo, as<br />
empresas <strong>de</strong> base tecnológica estão mais adaptadas à socieda<strong>de</strong> do século<br />
XXI. Os Jovens do JUVEMP, em termos da escolarida<strong>de</strong>, não possuem o<br />
ensino superior, outra situação que já os <strong>de</strong>ixam em <strong>de</strong>svantagem. Alguns<br />
estavam ainda no 9° ano do ensino fundamental e a maioria no ensino médio,<br />
com muitos prejuízos na escrita, na leitura, na matemática e nos<br />
conhecimentos requeridos para o seu nível <strong>de</strong> ensino.<br />
Em relação à experiência prévia acumulada no negócio escolhido<br />
(tendo em vista um empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> sucesso não po<strong>de</strong>r iniciar um negócio<br />
sem conhecê-lo), os jovens do JUVEMP não têm experiência em algum<br />
negócio, que, segundo Dolabela (2006), <strong>de</strong>ve girar em torno <strong>de</strong> 8 a 10 anos,<br />
momento em que os empreen<strong>de</strong>dores se sentem conhecedores do ramo do<br />
negócio e ―têm boa formação; têm larga experiência tanto em produção quanto<br />
em mercados; tem experiência administrativa; em geral, criam empresas<br />
quando têm cerca <strong>de</strong> 30 anos; tem alto grau <strong>de</strong> satisfação‖ (DOLABELA, 2006,<br />
p. 65). Dito isso, os jovens criarão ―negócios‖ pela necessida<strong>de</strong> e não pela<br />
oportunida<strong>de</strong>.<br />
Somam-se a essas dificulda<strong>de</strong>s a ida<strong>de</strong> dos jovens que, na sua<br />
maioria, gira em torno <strong>de</strong> 17 a 19 anos, sendo, portanto, muito jovens e<br />
imaturos para suportar as adversida<strong>de</strong>s inerentes ao processo empreen<strong>de</strong>dor.<br />
Associados a isso, <strong>de</strong>sconhecem os fatores que afetam a oportunida<strong>de</strong> na<br />
criação <strong>de</strong> empresas que incluem: a situação econômica do país, controle
164<br />
governamental, disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos insumos e o ciclo <strong>de</strong> vida do<br />
setor escolhido (estagnado, em expansão ou retração). Vamos a outros fatores<br />
fornecidos por Dolabela:<br />
Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae, 805 das empresas<br />
nascentes <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> existir em um ano. O fator <strong>de</strong> insucesso é a<br />
falta <strong>de</strong> planejamento e o <strong>de</strong>spreparo na implantação do negócio.<br />
Para as empresas que se <strong>de</strong>senvolvem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>uma</strong> incubadora e<br />
foram graduadas, essa porcentagem <strong>de</strong> fracasso é <strong>de</strong> 20%. [...] Uma<br />
incubadora <strong>de</strong> empresas po<strong>de</strong> ser chamada <strong>de</strong> ―fábrica <strong>de</strong><br />
empresas‖. Tem sido o instrumento mais eficiente <strong>de</strong> suporte à<br />
pessoas que querem transformar seus projetos em produtos e<br />
serviços e um negócios, nos seus dois primeiros anos <strong>de</strong> vida. [...]<br />
cada incubadora tem seu regulamento. Mas em termos genéricos,<br />
elas atuam a partir <strong>de</strong> alguns princípios comuns. [...] precisam <strong>de</strong> um<br />
projeto com potencial <strong>de</strong> mercado e <strong>de</strong> sucesso (DOLABELA, 2006,<br />
p. 201- 202).<br />
Os jovens do JUVEMP provenientes <strong>de</strong> famílias com renda per<br />
capita menor ou igual a meio salário-mínimo estão na corrida em busca dos<br />
caminhos das pedras em ―pé <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>‖ com os jovens universitários<br />
aspirantes a empreen<strong>de</strong>dor, que estão mais preparados, com os requisitos<br />
intelectuais, técnicos, gerenciais, além <strong>de</strong> conhecimentos atualizados. Esses<br />
jovens universitários, ainda contanto com o fator sorte, po<strong>de</strong>m angariar<br />
recursos financeiros junto aos bancos e familiares e criar um negócio, estando<br />
também sem garantia <strong>de</strong> sucesso.<br />
Então fica evi<strong>de</strong>nte que o ensino do empreen<strong>de</strong>dorismo está<br />
direcionado a <strong>uma</strong> parcela da população que po<strong>de</strong> investir e ampliar seus<br />
negócios, pois, como i<strong>de</strong>ntificou Santiago (2008), na sua pesquisa junto à<br />
população <strong>de</strong> baixa renda da Granja Portugal, a maioria encontra-se totalmente<br />
à margem dos conhecimentos necessários para abrir negócios e,<br />
principalmente, acesso ao sistema financeiro e suas exigências, restando à<br />
quebra <strong>de</strong>stes empreendimentos.<br />
Quando se vê o cenário geral dos pequenos negócios informais do<br />
bairro Granja Portugal, fica evi<strong>de</strong>nte que o gran<strong>de</strong> vetor que os<br />
caracteriza, em geral, é não alcançarem o nível da acumulação <strong>de</strong><br />
capital simples, permanecendo na condição <strong>de</strong> sobrevivência, com<br />
marcas da improvisação e, <strong>de</strong> certa forma, com a cara e o tamanho<br />
da situação socioeconômica <strong>de</strong>sse território. É expressiva a<br />
existência dos microcomércios, aqui entendidos como ativida<strong>de</strong>s<br />
comerciais muito precárias, que não ultrapassam rendimentos médios<br />
em torno do salário mínimo, a começar pelas mo<strong>de</strong>stíssimas<br />
instalações físicas, mal sinalizadas, com o mínimo sortimento <strong>de</strong>
165<br />
mercadorias Tais unida<strong>de</strong>s comerciais se resumem à venda <strong>de</strong><br />
cachaças e frango ou, simplesmente, <strong>de</strong> xilitos, ovos e refrigerantes.<br />
É muito comum, também, pequenas vendas <strong>de</strong> frutas, juntamente<br />
com comercialização <strong>de</strong> cartões telefônicos e do ―Totolec‖( bingos<br />
eletrônicos da Loteria Estadual do Ceará ), pequenos bares<br />
especializados na venda <strong>de</strong> bebidas, tira gosto e jogo-do-bicho,<br />
venda <strong>de</strong> ferro velho e <strong>de</strong> sucata <strong>de</strong> eletrodomésticos, <strong>de</strong>ntre outros<br />
(SANTIAGO, 2008, p. 141).<br />
Esses ―empreen<strong>de</strong>dores‖ que, Santiago se reporta, não tinham<br />
condições <strong>de</strong> ampliar seus negócios e contavam com a família para ajudá-los a<br />
―gerenciar‖ o negócio sem remuneração. Este é o ―bom‖ prognóstico para os<br />
jovens que são formados na perspectiva da qualificação centrada no<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo. Além <strong>de</strong>ssas dificulda<strong>de</strong>s, somam-se outros infortúnios<br />
que Dolabela postula no livro, ―O Segredo <strong>de</strong> Luísa, como essencial para quem<br />
quer auferir resultados no âmbito do empreen<strong>de</strong>dorismo, quais sejam:<br />
Mudanças na vida pessoal do empreen<strong>de</strong>dor<br />
Deve apren<strong>de</strong>r a trabalhar sob terrível pressão. Os prazos são<br />
fatais.<br />
O pequeno empreen<strong>de</strong>dor tem que fazer <strong>de</strong> tudo. Mesmo coisas<br />
que <strong>de</strong>testa ou nunca fez.<br />
Deve submeter-se a horários prolongados e variáveis. Não tem<br />
mais controle sobre seu tempo.<br />
O empreen<strong>de</strong>dor tem maior autonomia para <strong>de</strong>cidir a sua vida. Mas<br />
tem que saber lidar com ela.<br />
Assume maior responsabilida<strong>de</strong>, já que tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>le. Não há<br />
terceiros aos quais possam atribuir fracassos ou sucessos.<br />
Assume riscos financeiros, às vezes envolvendo o patrimônio da<br />
família.<br />
É submetido a um fluxo irregular <strong>de</strong> remuneração. Tem que<br />
conviver com a incerteza quanto ao próprio negócio. Seu horizonte<br />
<strong>de</strong> segurança é baixo.<br />
É obrigado a tomar <strong>de</strong>cisões, já que é a última instância e não<br />
po<strong>de</strong> ―passar a bola‖ para ninguém.<br />
Tem que li<strong>de</strong>rar e gerenciar pessoas e seus conflitos <strong>de</strong><br />
relacionamento.
166<br />
Precisa, quase sempre, adotar novo estilo <strong>de</strong> vida; cost<strong>uma</strong><br />
experimentar mudanças nas relações familiares.<br />
Sua vida pessoal é totalmente integrada com a da empresa. Não é<br />
mais possível ter dupla personalida<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> em casa e outra na<br />
empresa, como acontece com alguns empregados, porque o<br />
empreen<strong>de</strong>dor é <strong>uma</strong> só pessoa, em casa e na empresa, que exige<br />
doação integral.<br />
A jovem Luísa, personagem fictícia <strong>de</strong> seu livro, <strong>de</strong> 20 anos,<br />
estudante <strong>de</strong> odontologia, e que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança pensa em montar <strong>uma</strong><br />
empresa, seguindo os passos da tia, é completamente diferente do perfil dos<br />
jovens do Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora, por exemplo. Estes se<br />
encontram entre 17 a 21 anos (recentemente ampliaram para 24 anos), muitos<br />
em torno dos 18 e 19 anos, com déficits escolares, sem dinheiro, integrantes<br />
da bolsa família. Dolabela, quando <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a difusão do empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
nas escolas públicas, acaba por negar os pressupostos necessários para que<br />
um negócio tenha sucesso. Caso contrário, está indo <strong>de</strong> encontro as suas<br />
análises da causa <strong>de</strong> tanta mortalida<strong>de</strong> dos negócios emergentes, <strong>de</strong>ntre elas,<br />
a pouca escolarização, imaturida<strong>de</strong> em função da ida<strong>de</strong>, ausência <strong>de</strong><br />
experiência, <strong>de</strong> capital e conhecimentos.<br />
Enfim, difícil tarefa ser empreen<strong>de</strong>dor, ainda mais nas condições dos<br />
jovens do Projeto Juventu<strong>de</strong> Empreen<strong>de</strong>dora, os quais, além <strong>de</strong> todas as<br />
adversida<strong>de</strong>s impostas por sua condição social, ainda têm <strong>de</strong> competir num<br />
mercado em que várias ―Luísas‖ encontram-se também em busca <strong>de</strong> seus<br />
sonhos ou <strong>de</strong> um trabalho, porém com muito mais possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucesso.<br />
Fica realmente difícil transformar sonhos em realida<strong>de</strong> com tantos sacrifícios<br />
acima elencados, ainda mais para jovens que convivem diariamente com<br />
exíguas condições materiais. Não possuem nem patrimônio para arriscar,<br />
portanto não têm contrapartida para oferecer aos investidos. Não po<strong>de</strong>m<br />
esperar acumular dinheiro da venda dos produtos/serviços para reinvestir.<br />
Todo dia é <strong>uma</strong> luta pela sobrevivência.
167<br />
Decorre que o JUVEMP, enquanto política pública <strong>de</strong> qualificação da<br />
juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixa renda, torna-se inviável como estratégia focalizada no<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo, contudo, está em sintonia com a i<strong>de</strong>ologia que acentua as<br />
características empreen<strong>de</strong>doras individuais e com o i<strong>de</strong>ário neoliberal. Há <strong>uma</strong><br />
apropriação <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias tanto pelo o empresariado quanto pelo o governo.<br />
I<strong>de</strong>ias que estão na or<strong>de</strong>m do dia na proclamada socieda<strong>de</strong>, sem empregos.<br />
Em termos da viabilida<strong>de</strong>, se se seguissem os pressupostos dos teóricos da<br />
área, os jovens <strong>de</strong> baixa renda estariam excluídos <strong>de</strong>vido a sua própria<br />
condição <strong>de</strong> classe. Daí enten<strong>de</strong>mos que o ensino do empreen<strong>de</strong>dorismo po<strong>de</strong><br />
ter eficácia (em termos estratégicos) somente no plano politico-i<strong>de</strong>ológico, pois,<br />
em termos práticos, não respon<strong>de</strong> as perguntas ―para quê‖ e ―para quem‖.<br />
Na primeira versão do Projeto (2006/2007), havia <strong>uma</strong> linha <strong>de</strong><br />
financiamento do Estado que era <strong>de</strong>stinado aos jovens do JUVEMP. O valor<br />
estava vinculado ao tipo <strong>de</strong> negócio (teto máximo <strong>de</strong> R$1.500,00). Poucos<br />
jovens quiseram montar negócios, porém quem fez seu plano <strong>de</strong> negócios<br />
conseguiu o financiamento 43 . As parcelas foram divididas em 10 (<strong>de</strong>z) meses,<br />
sem juros, e em alguns casos, com carência <strong>de</strong> 2 (dois) meses. Contudo, as<br />
versões seguintes ficaram <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong>sses recursos, dificultando, assim, o<br />
acesso ao crédito para aqueles poucos que <strong>de</strong>sejaram criar algum negócio<br />
(vendas <strong>de</strong> bijuteria, roupas, produtos <strong>de</strong> beleza etc.). A formação dos<br />
negócios representaria a culminância dos <strong>objetivos</strong> do Projeto JUVEMP: formar<br />
empreen<strong>de</strong>dores e integrá-los no mercado.<br />
A coor<strong>de</strong>nação buscou como alternativa o Banco do Nor<strong>de</strong>ste do<br />
Brasil - BNB, através do Crediamigo, 44 que é um Programa <strong>de</strong> Microcrédito<br />
Produtivo Orientado que atua sem burocracia (o crédito varia em torno <strong>de</strong> R$<br />
100,00 a 6.000,00, <strong>de</strong> acordo com a necessida<strong>de</strong> e o porte do negócio,<br />
po<strong>de</strong>ndo ser renovado, chegando até R$ 15.000,00,<strong>de</strong> acordo com a evolução<br />
dos negócios) . É liberado <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vez <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sete dias, facilitando o crédito<br />
aos empreen<strong>de</strong>dores do mercado formal e informal, quais sejam:<br />
43 Na primeira versão, o estado forneceu <strong>uma</strong> linha <strong>de</strong> crédito para os poucos jovens que quiseram<br />
montar negócios. Na segunda versão, a coor<strong>de</strong>nação do Projeto entrou em contato com o Banco do<br />
Nor<strong>de</strong>ste, a fim <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as linhas <strong>de</strong> crédito mais condizentes com o perfil econômico dos jovens.<br />
44 Ver no site do BNB<br />
Acessado em 6 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010.
168<br />
microempresas enquadradas como Microempreen<strong>de</strong>dor Individual, Autônomo<br />
ou Socieda<strong>de</strong> Empresária, além <strong>de</strong> fornecerem o acompanhamento. Tem<br />
como requisito para o fornecimento do crédito: ser maior <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, ter ou iniciar<br />
<strong>uma</strong> ativida<strong>de</strong> comercial, reunir um grupo <strong>de</strong> amigos empreen<strong>de</strong>dores que<br />
confiem uns nos outros, grupo esse que fornece um ―aval solidário‖ que<br />
garantirá o pagamento das prestações. Para o fornecimento do crédito, no<br />
grupo <strong>de</strong>vem existir pessoas que já realizem algum tipo <strong>de</strong> negócio, essas irão<br />
dar subsídios aos outros iniciantes, em função da sua experiência.<br />
Segundo Santiago:<br />
[...] suspeito <strong>de</strong> que o composto microcrédito/empreen<strong>de</strong>dorismo,<br />
entendido como estratégia <strong>de</strong> emancipação <strong>de</strong> trabalhadores da<br />
pequena produção, rumo ao status <strong>de</strong> empresário, impacta muito<br />
menos do que os discursos apologéticos anunciam, É provável que<br />
isso seja mais microfinanciamento <strong>de</strong>stinado a pequenos negócios<br />
nos âmbito da sobrevivência e da acumulação simples, que refletem,<br />
em última instancia, a marca da estratégia <strong>de</strong> sobrevivência diante da<br />
crescente dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar emprego formal (SANTIAGO,<br />
2008, p.88).<br />
A exigência <strong>de</strong> um relacionamento próximo, em que todos tenham<br />
afinida<strong>de</strong> e conheçam o caráter <strong>de</strong> cada integrante, como fator <strong>de</strong>terminante<br />
para o fornecimento do empréstimo, constituiu um entrave para os poucos que<br />
a<strong>de</strong>riram à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> montar negócios. Além disso, no grupo, alguns integrantes<br />
precisam ter experiência <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong> negócio informal. Isto gerou a<br />
<strong>de</strong>sistência dos jovens em tentar o financiamento, principalmente, porque os<br />
pagamentos das parcelas ficam atrelados ao pagamento <strong>de</strong> cada integrante do<br />
grupo, apesar <strong>de</strong> os negócios serem diferentes. Caso um dos componentes do<br />
grupo caso não pague a parcela, o banco não recebe o pagamento dos outros,<br />
ficando inadimplentes. Ao ser questionado acerca da viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse sistema<br />
<strong>de</strong> financiamento, os técnicos do banco afirmaram o sucesso com retorno dos<br />
investimentos, porém foi-nos informado que, caso o grupo solidário não arque<br />
com as prestações, o funcionário responsável pelo grupo gestado sob<br />
orientação pagará o débito! Com certeza, o banco não terá prejuízos, mas não<br />
significa com isso que os empreendimentos gestados tiveram sucesso.
169<br />
Apesar disso, foi acionado o responsável pelos agentes do banco<br />
que fazem toda a explanação sobre o Crediamigo, assim como o<br />
acompanhamento dos negócios aos empreen<strong>de</strong>dores; no entanto, o processo<br />
não teve prosseguimento por ausência <strong>de</strong> tempo e pessoal para dar<br />
continuida<strong>de</strong> a essa ação que representava a culminância <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> 8<br />
(oito) meses. O único município que contou com a presença do agente foi o <strong>de</strong><br />
Eusébio, mas, neste caso, nenhum empreendimento foi iniciado.<br />
Em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008, foi criado pelo governo fe<strong>de</strong>ral o<br />
Microempreen<strong>de</strong>dor Individual – MEI, por intermédio da Lei Complementar nº<br />
128. Nesta Lei, ficou <strong>de</strong>finido que os microempreen<strong>de</strong>dores po<strong>de</strong>rão optar pelo<br />
recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional<br />
em valores fixos mensais. Esses contribuintes ficarão sujeitos apenas à<br />
Contribuição Previ<strong>de</strong>nciária, ao ISS e ao ICMS. Para efeito <strong>de</strong>sta Lei,<br />
Microempreen<strong>de</strong>dor Individual é o empresário individual a que se refere o art.<br />
966 da Lei nº 10.406, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002 - Código Civil, que tenha<br />
auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, <strong>de</strong> até R$ 36.000,00 (trinta e<br />
seis mil reais), optante pelo Simples Nacional. Ele só po<strong>de</strong>rá contratar um<br />
empregado que receba exclusivamente 1 (um) salário mínimo ou o piso salarial<br />
da categoria profissional. O recolhimento mensal será <strong>de</strong>, no máximo, R$<br />
51,65. Isso se for contribuinte <strong>de</strong> ambos os impostos (ISS e ICMS), não<br />
estando sujeito ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ (2010,<br />
Sebrae) 45 . Há quem apresente os avanços nesses programas <strong>de</strong> financiamento<br />
para o pequeno produtor ou empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> negócios, <strong>de</strong>ntre os quais a<br />
<strong>de</strong>sburocratização do processo <strong>de</strong> legalização.<br />
A Lei que criou o Microempreen<strong>de</strong>dor individual (MEI) preten<strong>de</strong>u<br />
facilitar a formalização dos ―pequenos empreen<strong>de</strong>dores‖ que trabalhavam na<br />
informalida<strong>de</strong> como costureiras, sapateiros, jardineiros, mecânicos etc. Com<br />
isso, recebem os benefícios da nova legislação, <strong>de</strong>ntre os quais a cobertura<br />
previ<strong>de</strong>nciária e <strong>de</strong> sua família, auxílio-doença, aposentadoria por ida<strong>de</strong> após<br />
carência, salário-maternida<strong>de</strong>, pensão e auxílio exclusão.<br />
45 Ver site: . Acessado em 30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2011.
170<br />
Para receber os financiamentos do governo fe<strong>de</strong>ral, os jovens<br />
egressos do JUVEMP <strong>de</strong>vem formalizar seus negócios. O problema é que os<br />
jovens não têm capital para começar um negócio. Como formalizar algo que<br />
ainda nem existe? Pressupõe que eles já tivessem algum negócio informal<br />
(venda <strong>de</strong> picolé, venda <strong>de</strong> bolo, <strong>de</strong> marmita etc.) e, querendo ampliar, buscam<br />
recursos financeiros do governo, tão logo se formalizem. A realida<strong>de</strong> dos<br />
jovens do JUVEMP está aquém <strong>de</strong>ssas condições.<br />
Existe ainda o Programa <strong>de</strong> Geração <strong>de</strong> Emprego e Renda do FAT-<br />
PROGER 46 . No site do Ministério do Trabalho e Emprego, encontramos as<br />
seguintes informações:<br />
Os programas <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> emprego e renda do FAT – PROGER<br />
compõem-se <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> linhas <strong>de</strong> crédito disponíveis para<br />
interessados em investir no crescimento ou mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong> seu<br />
negócio ou obter recursos para o custeio <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>. Enfatizam<br />
o apoio a setores intensivos em mão-<strong>de</strong>-obra e prioritários das<br />
políticas governamentais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, além dos programas<br />
<strong>de</strong>stinados a aten<strong>de</strong>r necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> investimento em setores<br />
específicos, objetivando aumentar a oferta <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> trabalho e a<br />
geração e manutenção da renda do trabalhador. Dentre seus<br />
<strong>objetivos</strong> <strong>de</strong>stacam-se o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> infra-estrutura que<br />
propicie aumento da competitivida<strong>de</strong> do País ou melhoria das<br />
condições <strong>de</strong> vida dos trabalhadores, em especial os <strong>de</strong> baixa renda,<br />
o estímulo às exportações do País, o estímulo ao a<strong>de</strong>nsamento das<br />
ca<strong>de</strong>ias produtivas e a participação ativa na <strong>de</strong>mocratização do<br />
crédito produtivo popular (MTE, 2011)<br />
Porém não contempla os jovens <strong>de</strong> baixa renda do JUVEMP, pois o<br />
público prioritário do Programa consiste <strong>de</strong> micro e pequenas empresas que<br />
apresentam ―expressiva participação no total <strong>de</strong> empregos existentes na<br />
economia, enorme potencial <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> emprego e renda, as cooperativas<br />
e associações <strong>de</strong> produção‖ (i<strong>de</strong>m, 2011). Há também recursos para ―pessoas<br />
físicas <strong>de</strong> baixa renda, que formam um dos grupos mais atingidos pelo<br />
<strong>de</strong>semprego e com gran<strong>de</strong> potencial <strong>de</strong> se tornarem empreen<strong>de</strong>dores‖( i<strong>de</strong>m<br />
2011).<br />
Aqui po<strong>de</strong>riam estar situados os jovens do JUVEMP, porém não fica<br />
claro o que significa gran<strong>de</strong> potencial <strong>de</strong> se tornarem empreen<strong>de</strong>dores. Mas,<br />
diante do que os teóricos do empreen<strong>de</strong>dorismo vêm <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo, po<strong>de</strong>mos<br />
inferir que são todos os requisitos que vimos analisando, além <strong>de</strong> um fiador,<br />
46 Ver site do MTE < http://proger.mte.gov.br/portalproger/pages/sobreproger. Acessado em 1/01/2011.
171<br />
para arcar com o prejuízo, pois o acesso ao crédito requer a elaboração <strong>de</strong> um<br />
projeto <strong>de</strong> investimento, a documentação necessária para habilitação ao<br />
crédito, a proposta <strong>de</strong> crédito e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento com as garantias<br />
oferecidas (MTE, 2011).<br />
No caso do Proger Urbano, como foi salientado no capítulo dois, as<br />
linhas <strong>de</strong> crédito oferecidas são <strong>de</strong>stinadas para as micro e pequenas<br />
empresas industriais, comerciais e <strong>de</strong> serviços com faturamento bruto anual <strong>de</strong><br />
até R$ 5 milhões 47 . Existem linhas <strong>de</strong> crédito para as medias e gran<strong>de</strong>s<br />
empresas nacionais ou estrangeiras (empresas instaladas e com se<strong>de</strong> no<br />
Brasil) tanto para a implantação, ampliação, quanto para recuperação e<br />
mo<strong>de</strong>rnização. Porém, os bancos operadores do programa cost<strong>uma</strong>m<br />
estabelecer como requisitos: apresentar cadastros satisfatórios do tomador,<br />
sócios e avalistas, sem restrições em órgãos <strong>de</strong> proteção ao crédito (SERASA,<br />
SPC); apresentar capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento; atendimento das garantias<br />
exigidas pela instituição financeira, que analisa o risco, conferindo a qualida<strong>de</strong><br />
e a liqui<strong>de</strong>z da garantia que receberá; comprovar a contrapartida <strong>de</strong> recursos<br />
próprios para complementar o investimento pretendido, se for o caso 48 . Bem se<br />
vê que essas condições estão além das possibilida<strong>de</strong>s da juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixa<br />
renda integrantes do JUVEMP. E novamente, é Leite que nos lembra: ―Os<br />
instrumentos econômicos do empreen<strong>de</strong>dor são o capital, o crédito e o lucro<br />
empresarial (LEITE, 2002, p.44).<br />
Além <strong>de</strong> tudo isso e nos limites do estado capitalista, faltam linhas<br />
<strong>de</strong> crédito para que aqueles que querem montar negócios, pois sem<br />
financiamento fica impossível criar negócios e gerir. Mas antes disso, é<br />
imprescindível fazer um diagnóstico junto aos jovens a que são <strong>de</strong>stinados os<br />
projetos, objetivando saber se eles mesmos estão interessados no<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong> negócio, evi<strong>de</strong>nciando as dificulda<strong>de</strong>s inerentes à<br />
47 Segundo Chiavenato, as empresas são classificadas pelo Sebrae <strong>de</strong> acordo com o número <strong>de</strong><br />
empregados, assim as pequenas empresas, no âmbito da indústria, possuem <strong>de</strong> 20 a 99 empregados, no<br />
âmbito do comércio e serviços 10 a 49 empregados. A média empresa 100 a 499 empregados, na<br />
indústria e 50 a 99 no comércio e serviços situação que permite vislumbrar o porte da empresa a FM <strong>de</strong><br />
facilitar o acesso ao crédito, apoio técnico e isenções (CHIAVENATO, 2007, p. 47).<br />
48 Extraído do site do MTE http://proger.mte.gov.br/portalproger/pages/sobreproger.xhtml> acessado em<br />
9/10/2010
172<br />
criação <strong>de</strong> negócios, salientando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r todos os<br />
conhecimentos necessários para o processo empreen<strong>de</strong>dor. Além do mais, fazse<br />
necessário o acompanhamento dos empreendimentos, porém o que<br />
observamos no JUVEMP é que, tão logo finaliza o Projeto, a equipe do IDT<br />
necessita iniciar em outros municípios, sem tempo nem equipe que dê suporte<br />
aos jovens egressos.<br />
Outro aspecto relevante é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os jovens egressos<br />
po<strong>de</strong>rem contar com a intermediação sistemática do IDT junto às empresas, no<br />
sentido <strong>de</strong> incluir os jovens egressos dos cursos <strong>de</strong> qualificação oferecidos,<br />
auxiliando-os na inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho, não apenas os 20% que<br />
constam na resolução do CODEFAT, acompanhando o processo, servindo<br />
como retroalimentação da sua qualificação.<br />
Chamamos a atenção para o fato <strong>de</strong> que os programas até então<br />
implementados pelas instâncias governamentais não contemplam a realida<strong>de</strong><br />
do jovem do JUVEMP, tornando, por isso mesmo, mais um <strong>de</strong>sestímulo para<br />
que ingresse no empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong> negócios. Acrescente-se a isso, o fato<br />
i<strong>de</strong>ntificado através dos Projetos <strong>de</strong> Vida Profissional dos jovens que,<br />
majoritariamente, não manifestaram interesse em ser empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong><br />
negócios individuais ou coletivos, objetivo precípuo do projeto.<br />
3.5 As aspirações profissionais dos jovens do JUVEMP<br />
No <strong>de</strong>correr da exposição dos resultados <strong>de</strong> nossa pesquisa,<br />
procuramos <strong>de</strong>stacar os fundamentos sobre os quais são <strong>de</strong>finidas as políticas<br />
públicas no Brasil voltadas para o empreen<strong>de</strong>dorismo. No entanto, que tais<br />
políticas, mesmo associadas ao projeto neoliberal, não teriam importância<br />
histórica se não se efetivasse em ações. Neste capítulo, evi<strong>de</strong>nciamos o<br />
caráter prático das políticas neoliberalizantes no Brasil e suas contradições<br />
com as necessida<strong>de</strong>s imediatas e mediatas da juventu<strong>de</strong> social e<br />
economicamente excluída. Essa constatação po<strong>de</strong> ser confirmada quando
173<br />
i<strong>de</strong>ntificamos a distância entre os <strong>objetivos</strong> e metas do Projeto JUVEMP e as<br />
aspirações profissionais dos jovens.<br />
Na análise dos 449 (51 jovens <strong>de</strong>ixaram o projeto) Projetos <strong>de</strong> Vida<br />
Profissional dos jovens, verificamos que em relação às suas aspirações<br />
profissionais, majoritariamente, (98%) querem, em curto prazo, outras<br />
profissões não relacionadas à criação <strong>de</strong> negócios, 49 e apenas 2%<br />
manifestaram o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> serem empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> negócios. Os cursos<br />
mais escolhidos em curto prazo foram: Atendimento ao cliente, Auxiliar<br />
administrativo, Manutenção <strong>de</strong> Computadores, Básico em Eletrônica,<br />
Hardware, Informática, Informática avançada, Instrutor <strong>de</strong> informática,<br />
Recepcionista, Básico em secretária, Vendas, Telemarketing, Atendimento ao<br />
Cliente, Auxiliar Administrativo, Corte-Costura, Cabeleireiro, Técnico <strong>de</strong><br />
informática, Técnico Agrícola e Técnico <strong>de</strong> Enfermagem. Esses cinco últimos<br />
cursos não foram ofertados, por terem <strong>uma</strong> carga horária que exce<strong>de</strong> as 60<br />
horas <strong>de</strong>terminadas para a capacitação especifica, constituindo cursos para<br />
longo prazo.<br />
Em relação aos cursos <strong>de</strong> longo prazo, a situação não se mostrou<br />
diferente, 74% manifestaram o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> cursar o ensino superior, 4% aspiram<br />
ter seu próprio negócio e 22% querem outras profissões.<br />
Dentre alguns cursos do ensino superior escolhidos em longo prazo,<br />
po<strong>de</strong>mos citar: Administração <strong>de</strong> Empresas, Engenharia Elétrica, Psicologia,<br />
Serviço Social, Direito, Pedagogia, Medicina, Técnico <strong>de</strong> Enfermagem; Do nível<br />
técnico: Técnico em Segurança no Trabalho, Técnico em Informática, Técnico<br />
em Contabilida<strong>de</strong>, Designer, assim como cursos básicos <strong>de</strong> Eletricista,<br />
Cabeleireiro, Mecânico <strong>de</strong> Automóveis, Hardware, Informática Avançada,<br />
<strong>de</strong>ntre outros. Porém, tanto a curto quanto em longo prazo a maioria dos<br />
jovens não quer ser empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> negócios e, em longo prazo quer<br />
ingressar no ensino superior, como se po<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar nos Gráficos 1 e 2:<br />
49 No Instrumental: Projeto <strong>de</strong> Vida Profissional os jovens <strong>de</strong>veriam colocar o que <strong>de</strong>sejavam em termos<br />
profissionais, em curto prazo. Informações que indicariam quais as capacitações específicas que seriam<br />
fornecidas pelo Projeto nos municípios; Em longo prazo, seriam as aspirações profissionais que po<strong>de</strong>riam<br />
ou não correspon<strong>de</strong>r com as aspirações <strong>de</strong> curto prazo.
174<br />
GRÁFICOS 1 E 2 – ASPIRAÇÕES DA JUVENTUDE DO PROJETO JUVEMP<br />
CURTO E A LONGO PRAZO<br />
Os empreendimentos que os jovens preten<strong>de</strong>m montar giram em<br />
torno <strong>de</strong> vendas <strong>de</strong> roupas, acessórios e produtos alimentícios. Alguns já<br />
ven<strong>de</strong>m produtos <strong>de</strong> beleza (Avon) e querem ampliar suas vendas.<br />
Aqui evi<strong>de</strong>nciamos que o planejamento traçado – formar<br />
empreen<strong>de</strong>dores - não atingiu o fim <strong>de</strong>sejado. O i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> fomentar nos jovens o<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> criarem seus próprios negócios não condiz com os anseios da<br />
juventu<strong>de</strong>. Esse resultado confirmou as intenções dos jovens, por ocasião da<br />
seleção para ingressar no projeto, quando na apresentação grupal, a maioria<br />
manifestou, no instrumental oferecido, seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ingressar na educação<br />
superior. É interessante ressaltar que o projeto iniciou-se em outubro <strong>de</strong> 2008,<br />
a orientação Profissional foi realizada <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008 a janeiro <strong>de</strong> 2009,<br />
mas, ao término do projeto, em junho <strong>de</strong> 2009, a situação não se reverteu.<br />
É importante salientar que os cursos partiram dos <strong>de</strong>sejos dos<br />
jovens, através da orientação profissional realizada por psicólogos, na qual foi<br />
proporcionado um momento <strong>de</strong> reflexão acerca da importância <strong>de</strong> pensar no<br />
estabelecimento <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> vida profissional. Foram escolhidos aqueles<br />
cursos que tiveram maior <strong>de</strong>manda entre os jovens 50 . Aqueles que não foram<br />
50 Se n<strong>uma</strong> turma <strong>de</strong> vinte e cinco alunos, <strong>de</strong>z querem fazer curso <strong>de</strong> Manutenção <strong>de</strong> Computadores, sete<br />
querem curso <strong>de</strong> Marketing e oito querem curso <strong>de</strong> Auxiliar <strong>de</strong> Escritório, os cursos que serão oferecidos<br />
no município serão os que contaram com maior número <strong>de</strong> jovens.
175<br />
contemplados com os cursos da sua escolha, a partir da orientação<br />
profissional, ingressaram nos cursos escolhidos pela maioria. Não foi dada pelo<br />
IDT a opção <strong>de</strong> abster-se, porque muitos jovens iriam ficar três semanas sem o<br />
curso, assim eles mesmos se interessaram em participar, tendo em vista<br />
gostarem do projeto e acharem importante absorverem mais conhecimento.<br />
Todos os jovens, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terem feito o projeto <strong>de</strong> vida profissional,<br />
tiveram aulas <strong>de</strong> introdução à informática, realizada pelo Instituto Centro <strong>de</strong><br />
Ensino Tecnológico - CENTEC, que foi contratado pelo IDT para ministrar os<br />
cursos nos municípios, com carga horária <strong>de</strong> 60h/a.<br />
A orientação profissional (OP) foi um diferencial neste projeto, pois<br />
permitiu a criação <strong>de</strong> um momento <strong>de</strong> reflexão acerca da importância <strong>de</strong><br />
pensar no estabelecimento <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> vida profissional e <strong>de</strong> traçar metas<br />
para atingir seus <strong>objetivos</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> revendo o tempo <strong>de</strong>stinado aos estudos, o<br />
conhecimento das profissões, as dificulda<strong>de</strong>s e exigências do mercado <strong>de</strong><br />
trabalho, as expectativas familiares e sociais e, principalmente, um momento<br />
<strong>de</strong> interiorização, <strong>de</strong> autoconhecimento dos interesses que vão se constituindo<br />
no contato com as pessoas e suas ativida<strong>de</strong>s profissionais.<br />
Neste módulo, os jovens tiveram oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrevistar os<br />
profissionais que existem no seu município, incluindo os empreen<strong>de</strong>dores mais<br />
recentes e os mais antigos no ramo <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>. Muitos jovens concluíram<br />
que teriam <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong>, caso quisessem concretizar seus sonhos em<br />
função da ausência dos cursos locais e <strong>de</strong> mercado para as profissões<br />
escolhidas. Não manifestaram o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> serem agricultores como os pais,<br />
alegando <strong>de</strong>sinteresse, vida sofrida e baixos rendimentos. Nas reuniões com<br />
os genitores, o discurso foi o mesmo: ―queremos coisa melhor para nossos<br />
filhos‖.<br />
Durante a execução do Projeto, foi realizada <strong>uma</strong> pesquisa junto aos<br />
9 (nove) municípios contemplados (Fortaleza não foi incluída). Os técnicos do<br />
IDT realizaram um grupo focal com 10 integrantes da comunida<strong>de</strong> local, com o<br />
objetivo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar a economia <strong>de</strong> cada município, as ocupações existentes,
176<br />
as dificulda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios, bem como as tendências do mercado <strong>de</strong> trabalho no<br />
sentido <strong>de</strong> incluir os jovens por ocasião do término do Projeto.<br />
O diagnóstico foi <strong>de</strong>sestimulante. A maioria dos municípios<br />
pesquisados não tinha condições <strong>de</strong> absorver os jovens no mercado em função<br />
da ausência <strong>de</strong> postos <strong>de</strong> trabalho, compostos basicamente dos órgãos<br />
municipais e <strong>de</strong> pequenas mercearias. Os entrevistados acenarem para a<br />
possibilida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento econômico local, caso houvesse interesse da<br />
iniciativa pública e privada <strong>de</strong> investir no turismo, na agricultura, no artesanato<br />
<strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>s localida<strong>de</strong>s. Diante <strong>de</strong>sse quadro, a coor<strong>de</strong>nação do IDT e os<br />
técnicos ficaram diante <strong>de</strong> <strong>uma</strong> problemática <strong>de</strong> difícil resolução: como incluir<br />
esses jovens num mercado inexistente? Esse diagnóstico tornou mais evi<strong>de</strong>nte<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que os próprios jovens viessem a criar seus próprios<br />
negócios e se tornarem empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> negócio individual ou coletivo,<br />
ação que não se concretizou, como já salientado.<br />
O resultado do trabalho junto aos integrantes da comunida<strong>de</strong> foi<br />
recuperado pelos psicólogos por ocasião da OP. Neste momento os jovens<br />
pu<strong>de</strong>ram conhecer <strong>de</strong> forma mais profunda a realida<strong>de</strong> local, até para que, na<br />
escolha da profissão, tivessem claras as (im) possibilida<strong>de</strong>s oferecidas pelo<br />
seu município, <strong>de</strong>scortinando os entraves e <strong>de</strong>safios que <strong>de</strong>veriam transpor. No<br />
Projeto <strong>de</strong> Vida Profissional estabeleceram suas metas a atingir para a<br />
consecução <strong>de</strong> seus <strong>objetivos</strong> a curto e longo prazo.<br />
O Projeto JUVEMP contribuiu para que os jovens discutissem sobre<br />
a realida<strong>de</strong> local, ampliou suas perspectivas, valorizou as individualida<strong>de</strong>s,<br />
promoveu momentos <strong>de</strong> integração intergrupal e comunitária <strong>de</strong> difícil<br />
mensuração. Aqui a orientação profissional constituiu um momento <strong>de</strong><br />
fundamental relevância para o jovem. A escolha <strong>de</strong> <strong>uma</strong> profissão é <strong>uma</strong><br />
tarefa complexa porque envolvem sonhos, expectativas familiares e<br />
socioculturais que interferem nessa escolha. Falar <strong>de</strong> escolhas significa partir<br />
da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que todos po<strong>de</strong>m escolher <strong>de</strong>ntre tantas alternativas, porém não é<br />
apenas o <strong>de</strong>sejo que leva à consecução das metas individuais, nem a clareza<br />
sobre seu interesse profissional, mas, sobretudo, <strong>uma</strong> série <strong>de</strong> fatores que se
177<br />
interpõem entre o <strong>de</strong>sejo e o alvo final, sobretudo n<strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> dividida em<br />
classes sociais antagônicas com interesses contraditórios.<br />
Dito <strong>de</strong> outra maneira, <strong>uma</strong> coisa é o jovem <strong>de</strong>sejar ser um médico,<br />
outra coisa, são as condições objetivas e subjetivas que a socieda<strong>de</strong> capitalista<br />
fornece para o alcance <strong>de</strong>ssa aspiração. O sistema educacional dual que<br />
marca a história educacional brasileira <strong>de</strong> partida já <strong>de</strong>ixa esses jovens em<br />
<strong>de</strong>svantagem em relação ao lugar que <strong>de</strong>verão ocupar no mundo cada vez<br />
mais competitivo ou com poucos empregos disponíveis. No ponto <strong>de</strong> chegada,<br />
<strong>de</strong>para-se com a realida<strong>de</strong> socioeconômica marcada pelo <strong>de</strong>semprego,<br />
restando-lhe a opção do trabalho informal ou precarizado.<br />
O jovem do JUVEMP também <strong>de</strong>seja <strong>uma</strong> profissão que contemple,<br />
seus interesses e um estilo <strong>de</strong> vida. Esse <strong>de</strong>sejo, remonta à história <strong>de</strong> vida, a<br />
papéis sociais, a expectativas e, para os jovens em questão, adversida<strong>de</strong>s que<br />
exigem mais do que força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>. Exigem políticas educacionais sérias<br />
que proporcionem igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições para que esses jovens possam<br />
competir na concretização <strong>de</strong> suas metas, que pressupõe <strong>uma</strong> fundamentação<br />
teórica sólida e <strong>uma</strong> política pública que assegure emprego e renda 51 . Não se<br />
trata <strong>de</strong> cursos profissionalizantes para os pobres e ensino superior para os<br />
setores mais abastados, e sim <strong>de</strong> cursos profissionalizantes e universitários <strong>de</strong><br />
acordo com a <strong>de</strong>manda individual <strong>de</strong> cada cidadão. Mas não é isso que ocorre.<br />
As escolhas para esse público são restritas, não partem dos seus interesses.<br />
Nos Projetos <strong>de</strong> Vida Profissional, muitos disseram que teriam <strong>de</strong><br />
procurar municípios vizinhos para tentar trabalho, naquilo que foram<br />
qualificados. E como a maioria quer em longo prazo cursar o ensino superior,<br />
sair do município torna-se a solução para alguns que contam com apoio da<br />
família. Contudo, apenas <strong>uma</strong> minoria acenou com essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair<br />
do município, os outros têm a esperança <strong>de</strong> que algo possa acontecer que os<br />
permita realizar o sonho <strong>de</strong> fazer o curso escolhido e permanecer junto aos<br />
51 Como foi salientado, o PLANTEQ, através da qualificação profissional e social, tem por objetivo a<br />
obtenção do emprego, trabalho <strong>de</strong>cente, participação em processos <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
trabalho e renda, a inserção no mundo do trabalho, reduzindo os níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e subemprego; a<br />
permanência no mercado <strong>de</strong> trabalho, reduzindo os riscos <strong>de</strong> <strong>de</strong>missão e as taxas <strong>de</strong> rotativida<strong>de</strong>.
178<br />
familiares. Sair do município vai na contramão dos <strong>objetivos</strong> do governo que<br />
preten<strong>de</strong> qualificar jovens para o <strong>de</strong>senvolvimento local e não para provocar a<br />
migração para os municípios mais <strong>de</strong>senvolvidos. Formar empreendimentos<br />
que <strong>de</strong>senvolvam a região <strong>de</strong> forma sustentável torna-se o objetivo do governo.<br />
Os programas <strong>de</strong> qualificação e a orientação profissional não po<strong>de</strong>m<br />
servir como <strong>uma</strong> compensação à ausência <strong>de</strong> políticas sociais e econômicas<br />
mais amplas. Na nossa leitura, não po<strong>de</strong>mos passar para os jovens e para<br />
todos aqueles trabalhadores que procuram por qualificação e requalificação a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que essas iniciativas po<strong>de</strong>m resolver por si sós os problemas sociais e<br />
econômicos da sociabilida<strong>de</strong> capitalista.<br />
Falar sobre empreendorismo, empregabilida<strong>de</strong> para os integrantes<br />
dos setores sociais economicamente favorecidos po<strong>de</strong> até ter algum efeito,<br />
pois eles po<strong>de</strong>m tentar reverter sua situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e exclusão<br />
temporária, caso possuam algum capital, fruto do fundo <strong>de</strong> garantia ou por<br />
empréstimo <strong>de</strong> familiares, situação completamente diferente da dos jovens<br />
inscritos no Cadastro Único (CADUNICO).<br />
Contudo, caso o Estado continue apostando na qualificação<br />
profissional para os filhos <strong>de</strong> trabalhadores <strong>de</strong> baixa renda, faz-se necessário<br />
<strong>de</strong> partida:<br />
1. Ouvir os jovens, saber suas necessida<strong>de</strong>s, que <strong>de</strong>ve compor o<br />
diagnóstico do município, antes da implementação <strong>de</strong> qualquer ação,<br />
acompanhado <strong>de</strong> <strong>uma</strong> política <strong>de</strong> emprego e renda;<br />
2. Garantir <strong>uma</strong> educação escolar <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> que assegure a<br />
formação integral da pessoa h<strong>uma</strong>na, ou seja, <strong>uma</strong> formação <strong>de</strong> cultura geral e<br />
profissional que propicie o domínio <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong> produção para o qual<br />
se dirige.<br />
Isso pressupõe o fim do dualismo educacional e, portanto, a revisão<br />
dos fundamentos e <strong>objetivos</strong> dos programas <strong>de</strong> qualificação.
179<br />
A tentativa <strong>de</strong> colocar nas instituições sociais e nos seus programas<br />
a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> salvar a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas mazelas já foi <strong>de</strong>svelada em<br />
seu caráter i<strong>de</strong>ológico, basta lembrar-nos das teorias tradicionais da educação<br />
que buscaram dar à escola um caráter re<strong>de</strong>ntor da socieda<strong>de</strong>. Na atualida<strong>de</strong>,<br />
além <strong>de</strong> ser reanimada com <strong>uma</strong> nova roupagem, nessa tendência reforça-se o<br />
discurso manipulatório e i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong> que, através <strong>de</strong> inúmeros cursos <strong>de</strong><br />
qualificação, o trabalhador estaria apto a concorrer aos poucos empregos. A<br />
i<strong>de</strong>ologia que os representantes do capital historicamente insistem em introjetar<br />
na classe trabalhadora faz lembrar a inglória <strong>de</strong> Sífisio, quando tentou enganar<br />
Heros, o Deus da Morte, tendo como castigo carregar <strong>uma</strong> pedra pesada até o<br />
cume da montanha e, ao atingir seu objetivo, a pedra volta a ruir, necessitando<br />
refazer o percurso novamente.
180<br />
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
As análises levadas a efeito evi<strong>de</strong>nciam que a política pública <strong>de</strong><br />
educação profissional centrada no empreen<strong>de</strong>dorismo para a juventu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sfavorecida socioeconomicamente <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong> concepções que centram no<br />
indivíduo a responsabilida<strong>de</strong> pela sua inserção. O planejamento <strong>de</strong>ssa política<br />
está intimamente relacionado à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong>.<br />
Quando o governo vem estimular a cultura empreen<strong>de</strong>dora como<br />
solução para o <strong>de</strong>semprego, escamoteia a realida<strong>de</strong> da maioria da população<br />
brasileira, que não tem condições financeiras para montar negócios e nem <strong>uma</strong><br />
educação <strong>de</strong> cultura geral <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, principalmente, a juventu<strong>de</strong> em<br />
vulnerabilida<strong>de</strong> social e pessoal, inscrita no Cadastro Único, para quem essas<br />
políticas focalizadas são pensadas e, sendo, portanto, inviáveis.<br />
Os teóricos do empreen<strong>de</strong>dorismo, tais como Dolabela (2006),<br />
Dornelas (2008), Manuel Leite (2002), Drucker (1993), advogam que as<br />
adversida<strong>de</strong>s do ―novo tempo‖ <strong>de</strong>vem ser suplantadas pela força interior<br />
manifesta nos empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> sucesso. Essa força presente na espécie<br />
h<strong>uma</strong>na estaria embotada na maioria da população <strong>de</strong>scrente do seu ―potencial<br />
<strong>de</strong> transformador da sua vida‖, por isso a <strong>de</strong>fesa da difusão do<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo nas instituições <strong>de</strong> ensino e nas que operacionalizam a<br />
educação profissional: é o apren<strong>de</strong>r a empreen<strong>de</strong>r.<br />
Esses teóricos constatam que estamos num mundo sem empregos e<br />
só os melhores terão condições <strong>de</strong> competir. As competências atitudinais serão<br />
o combustível para adquirir as outras competências também necessárias para<br />
sobreviver e conviver nesta nova paisagem ―estimulante‖, quais sejam, o<br />
conhecimento, a técnica e as habilida<strong>de</strong>s.<br />
O engodo i<strong>de</strong>ológico visa propagar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que todos têm as<br />
mesmas oportunida<strong>de</strong>s, per<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> vista a existência <strong>de</strong> classes sociais. Os<br />
jovens do JUVEMP <strong>de</strong> partida já estão em <strong>de</strong>svantagem. O discurso
181<br />
homogêneo serve para mascarar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> inerente ao sistema<br />
capitalista.<br />
Se for verda<strong>de</strong> que estamos ingressando na ―socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento‖ e que nela também haverá exclusão da maioria dos<br />
trabalhadores, não restam dúvidas <strong>de</strong> que o Estado <strong>de</strong>ve fornecer <strong>uma</strong><br />
educação escolar e profissionalizante <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve ser compartilhada<br />
por todos e que contemplem os conhecimentos produzidos pela h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> maneira que todos possam pelo menos competir em iguais condições.<br />
Os jovens do JUVEMP, na sua condição <strong>de</strong> classe, acabam por não<br />
conseguirem espaços neste mundo do trabalho, principalmente na qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> sucesso. O discurso e a prática do empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
calham bem com <strong>de</strong>terminados setores da socieda<strong>de</strong> que têm condições para<br />
adquirir o ―kit empreen<strong>de</strong>dor‖ que dará condições para esses competirem pelos<br />
escassos empregos ou criar negócios individuais e coletivos.<br />
As competências atitudinais em si são importantes para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento pessoal e social do ser h<strong>uma</strong>no, a questão é quando a<br />
i<strong>de</strong>ologia dominante acentua que a ―ausência‖ <strong>de</strong>ssas competências é a causa<br />
da não inserção e permanência no emprego, incutindo a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o sujeito<br />
é o único responsável por sua condição. A causa do insucesso <strong>de</strong>riva do<br />
indivíduo, por não ter estudado, não ter se qualificado, não ter <strong>de</strong>terminação,<br />
enfim, não ter o perfil do empreen<strong>de</strong>dor.<br />
Na contramão do que se propaga sobre a urgência <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
educação escolar e profissional que prime por profissionais com domínio <strong>de</strong><br />
competências intelectuais, técnica e atitudinais que possam dar conta das<br />
exigências das transformações tecnológicas do século XXI, evi<strong>de</strong>nciamos na<br />
nossa análise, que os programas e projetos governamentais fundamentam sua<br />
política <strong>de</strong> educação e particularmente da educação profissional no sentido <strong>de</strong><br />
qualificar a juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixa renda e com baixa escolarida<strong>de</strong> em cursos<br />
obsoletos que, diante <strong>de</strong>ssas transformações científicas e tecnológicas, não os<br />
prepararão para os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong>mandados.
182<br />
Vale <strong>de</strong>stacar que o projeto JUVEMP não tem condições <strong>de</strong> suprir<br />
as lacunas intelectuais <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong>sses jovens <strong>de</strong> baixa renda. Há<br />
<strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>fasagem intelectual <strong>de</strong>sses jovens e os Programas <strong>de</strong> formação<br />
profissional não po<strong>de</strong>m solucionar tal problema, e, justamente por isso,<br />
afirmamos a incongruência <strong>de</strong> tal política.<br />
Na realida<strong>de</strong>, permanece centrada na <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, pois ―os mais<br />
bem dotados‖, como bem sinalizou o Relatório da UNESCO, precisam <strong>de</strong><br />
educação mais intelectualizada e os ―menos dotados‖ – a classe trabalhadora,<br />
<strong>uma</strong> educação direcionada para as competências atitudinais, bem ao gosto das<br />
organizações capitalistas e dos organismos multilaterais que querem um<br />
―colaborador‖ que seja colaborador, ou seja, dinâmico, criativo, flexível, porém<br />
adaptado.<br />
Por isso a relevância <strong>de</strong>, num cenário <strong>de</strong> tantos <strong>de</strong>safios, <strong>uma</strong> ―nova<br />
pedagogia‖ (das competências) que direcione a juventu<strong>de</strong> das classes menos<br />
favorecidas para o apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r, apren<strong>de</strong>r a conviver e apren<strong>de</strong>r a ser,<br />
apren<strong>de</strong>r a estar juntos e, finalmente, apren<strong>de</strong>r a empreen<strong>de</strong>r. Contudo,<br />
paradoxalmente o aprendizado intelectual, tão valorizado na dita ―socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento,‖ não é valorizado na pedagogia das competências que propõe<br />
formar os educandos para os novos tempos.<br />
Os teóricos do empreen<strong>de</strong>dorismo citados são unânimes em<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que a quebra dos empreendimentos está no <strong>de</strong>sconhecimento do<br />
processo empreen<strong>de</strong>dor. Dolabela (2006), contraditoriamente, está buscando<br />
<strong>uma</strong> adaptação do empreen<strong>de</strong>dorismo para os setores <strong>de</strong> baixa renda, através<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> educação empreen<strong>de</strong>dora e <strong>de</strong> políticas públicas com esse viés. Mas<br />
torna-se difícil casar conceitos para <strong>uma</strong> realida<strong>de</strong> tão discrepante. Por isso,<br />
a<strong>de</strong>ntrando nas suas produções teóricas, é fácil <strong>de</strong>sconstruir o artifício,<br />
principalmente, quando ele fala do ―empresariamento‖, que abrange a expertise<br />
nas áreas <strong>de</strong> planejamento, finanças, pessoal, marketing, propaganda,<br />
embalagem. Áreas que representam os principais suportes a serem oferecidos<br />
aos empreen<strong>de</strong>dores emergentes, ao lado <strong>de</strong> conhecimentos sobre a realida<strong>de</strong><br />
socioeconômica do país e do mundo, experiência na área escolhida, um plano<br />
<strong>de</strong> negócio bem sistematizado que, na sua elaboração, já indica que o
183<br />
empreen<strong>de</strong>dor domina <strong>de</strong>terminadas competências que po<strong>de</strong>rão proporcionar,<br />
sem <strong>de</strong>scartar a sorte, retorno do investimento no seu negócio, além também<br />
do retorno daqueles que investiram financeiramente no empreendimento. Caso<br />
contrário, terão que permanecer <strong>de</strong>terminados na luta por um lugar ao sol,<br />
tendo em vista que sua característica principal é não <strong>de</strong>sistir diante das<br />
adversida<strong>de</strong>s e incertezas.<br />
As instâncias governamentais passam a valorizar <strong>uma</strong> qualificação<br />
profissional baseadas em arcos ocupacionais, que, longe <strong>de</strong> exigirem<br />
conhecimentos mais complexos (científicos) dos educandos, consistem em<br />
cursos básicos <strong>de</strong> curta duração que, no máximo, po<strong>de</strong>rão favorecer à<br />
juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfavorecida econômica e educacionalmente trabalhos eventuais,<br />
precarizados e na informalida<strong>de</strong>. As competências atitudinais po<strong>de</strong>m fazer a<br />
diferença e aumentar sua competitivida<strong>de</strong> na hora <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r doces, salgados,<br />
picolé, roupas.<br />
Em termos operacionais, o projeto JUVEMP, através da sua<br />
metodologia e dos instrumentais utilizados, mobilizou os jovens, favoreceu a<br />
participação intragrupal e comunitária, criou um ambiente facilitador para que<br />
os jovens se expressassem, vivenciando situações <strong>de</strong> aprendizagens num<br />
clima <strong>de</strong> abertura e confiança, favorecendo o <strong>de</strong>senvolvimento das<br />
competências comportamentais empreen<strong>de</strong>doras necessárias tanto para quem<br />
quer ser empreen<strong>de</strong>dor social ou <strong>de</strong> negócios, quanto para quem quer<br />
conseguir um emprego.<br />
Então, po<strong>de</strong>mos concluir que a juventu<strong>de</strong> em questão não está<br />
sendo formada para os ―novos tempos‖, para a ―socieda<strong>de</strong> pós-capitalista‖ <strong>de</strong><br />
Drucker (1993) e nem mesmo para ter empregabilida<strong>de</strong>, pois o próprio Minarelli<br />
(1998) refere-se ao conhecimento e as condições financeiras para adquiri-lo<br />
in<strong>de</strong>finidamente.<br />
Esses jovens estão sendo formados para o que sempre foram: para<br />
realizarem trabalhos com menos complexida<strong>de</strong>, mais manuais, mesmo que<br />
seja para apertar automaticamente teclas <strong>de</strong> computador. Para isso, basta <strong>uma</strong><br />
qualificação básica, não tecnológica e nem universitária que lhes permitam
184<br />
manejar a tecnologia que ―os mais bem dotados‖ dominam. Por isso, ofertamse<br />
cursos básicos que incluem noções <strong>de</strong> informática.<br />
Em termos dos princípios e <strong>objetivos</strong>, o JUVEMP, com sua<br />
metodologia, acaba por fundamentar-se nesses pressupostos quando preten<strong>de</strong><br />
fomentar nos jovens a cultura empreen<strong>de</strong>dora, objetivando inseri-los no mundo<br />
do trabalho como empreen<strong>de</strong>dores. Em termos <strong>de</strong> sua capacitação específica,<br />
apesar <strong>de</strong> o Projeto ter oferecido aos jovens a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolherem<br />
seus cursos <strong>de</strong> curto prazo, levando em consi<strong>de</strong>ração o anseio dos jovens,<br />
contudo, pela própria limitação <strong>de</strong> um Projeto <strong>de</strong> qualificação <strong>de</strong> curta duração,<br />
acaba formando em profissões que não os prepararão para a ―socieda<strong>de</strong> do<br />
conhecimento‖, mas os formará para serem trabalhadores comunicativos, que<br />
sabem trabalhar em equipe, nos mol<strong>de</strong>s esperados pelo mercado.<br />
Na contramão do que se espera n<strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> do conhecimento,<br />
a qualificação social é mais priorizada do que a qualificação profissional para<br />
ajudar esses jovens a serem incluídos n<strong>uma</strong> ―socieda<strong>de</strong> globalizada‖ <strong>de</strong> alta<br />
tecnologia. Então se enten<strong>de</strong> que a qualificação para os países<br />
sub<strong>de</strong>senvolvidos e em <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ve formar para o setor informal, e,<br />
nesse ponto, os projetos governamentais estão cumprindo com essas<br />
diretrizes. As qualificações estão direcionadas para ocupações que po<strong>de</strong>rão<br />
conduzir o jovem trabalhador com pouca instrução, quando muito, para<br />
ativida<strong>de</strong>s informais, ajudando-os, na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inclusão, caso tenham<br />
<strong>de</strong>senvolvido as competências comportamentais e sociais necessárias para<br />
sua sobrevivência no mundo sem empregos.<br />
As diversas instâncias governamentais incorporam nos projetos <strong>de</strong><br />
qualificação da juventu<strong>de</strong> em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> esse i<strong>de</strong>ário, sem<br />
fornecer todas as competências necessárias para formar este empreen<strong>de</strong>dor,<br />
incluindo o apoio financeiro. Pensa-se a política e parece ―esquecer‖ a quem<br />
estão <strong>de</strong>stinando. As ocupações <strong>de</strong> manicure, pintor <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>, garçom, longe<br />
<strong>de</strong> exigirem muitos conhecimentos intelectuais, continuarão mantendo esses<br />
jovens à margem do sistema produtivo ―pós-capitalista‖, que continuará<br />
recrutando profissionais egressos das melhores universida<strong>de</strong>s para ―doarem‖<br />
seu capital intelectual, a fim <strong>de</strong> que as empresas possam produzir mais com
185<br />
menos custos, n<strong>uma</strong> economia globalizada, em que, no meio da concorrência<br />
planetária, vencem os melhores na busca por mercados. A competência<br />
comportamental também é valorizada para incutir em todos os que precisam<br />
ven<strong>de</strong>r sua força <strong>de</strong> trabalho que <strong>de</strong>vem dar o máximo <strong>de</strong> si num clima <strong>de</strong><br />
harmonia e cooperação.<br />
Como salientamos na introdução <strong>de</strong>ste trabalho, integramos a<br />
equipe <strong>de</strong> profissionais responsável pela execução do Projeto JUVEMP no<br />
Ceará. Esta pesquisa tornou-se para nós muito menos do que <strong>uma</strong> crítica ao<br />
Projeto, e mais <strong>uma</strong> reflexão sobre a nossa prática, como profissionais que,<br />
como tantos outros do Projeto JUVEMP, <strong>de</strong>sejam honestamente ajudar na<br />
construção <strong>de</strong> <strong>uma</strong> socieda<strong>de</strong> mais justa e que garanta direitos iguais para<br />
todos.<br />
No entanto, foi no processo <strong>de</strong> aprofundamento teórico e através da<br />
prática na operacionalização do JUVEMP que constatamos as contradições<br />
presentes na política <strong>de</strong> educação profissional focalizadas no<br />
empreen<strong>de</strong>dorismo. Concluímos que essa proposta <strong>de</strong> qualificação profissional<br />
centrada no empreen<strong>de</strong>dorismo não consegue incluir a juventu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sfavorecida socioeconomicamente e, como consequência, torna-se inviável<br />
para ser disseminada para os trabalhadores excluídos do sistema capitalista<br />
em face do <strong>de</strong>semprego estrutural, integrando um arsenal i<strong>de</strong>ológico para<br />
responsabilizar o trabalhador e seus filhos pela sua exclusão.
186<br />
REFERÊNCIAS<br />
ANDRADE, Francisca Rejane Bezerra. Mercado <strong>de</strong> trabalho e formação<br />
profissional do jovem trabalhador no Estado do Ceará. In: SOUSA, Antônia <strong>de</strong><br />
Abreu; OLIVEIRA, Elenilce Gomes <strong>de</strong> (Orgs). Trabalho, Educação e Arte:<br />
Encontros, Desencontros e Realida<strong>de</strong>s Fortaleza: Edições UFC, 2010.<br />
ANTUNES, Ricardo. A<strong>de</strong>us ao trabalho: Ensaio sobre as Metamorfoses e a<br />
Centralida<strong>de</strong> do Mundo do Trabalho. 8. Ed. São Paulo: Cortez; Campinas, SP:<br />
Editora da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas, 2002.<br />
BANCO MUNDIAL. Educación. Panorama Generale. Disponível em:<br />
http://go.workbank.org/LIR9FBLHR1. Acessado em 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010.<br />
BROTTO, Fábio Otuzi. Jogos Cooperativos: o jogo e o esporte como<br />
exercício <strong>de</strong> convivência. Santos, SP: Projeto Cooperação, 2001.<br />
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria <strong>de</strong> Políticas Públicas <strong>de</strong><br />
Emprego. Departamento <strong>de</strong> Qualificação Profissional. Guia <strong>de</strong> avaliação:<br />
planos estaduais <strong>de</strong> qualificação: parcerias regionais/nacionais. Brasília,<br />
2000. (Série Referenciais <strong>de</strong> Planejamento).<br />
_____. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CNE). Parecer n. 39, <strong>de</strong> 8<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2004. Aplicação do Decreto n. 5.154/2004 na Educação<br />
Profissional Técnica <strong>de</strong> nível médio e no Ensino Médio. Brasília, DF, 2004.<br />
Disponível em: http://www.mec.gov./setec. Acesso em 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010.<br />
_____. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CNE). Resolução n. 1, <strong>de</strong> 3<br />
<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais Definidas pelo<br />
Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação para o Ensino Médio e para a Educação<br />
Profissional Técnica <strong>de</strong> nível médio às disposições do <strong>de</strong>creto 5.154/2004.<br />
Diário Oficial da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, Brasília, DF, 11 mar. 2010.<br />
_____. Manual <strong>de</strong> aprendizagem: o que é preciso saber para contratar jovem<br />
aprendiz. Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria <strong>de</strong> Inspeção do<br />
Trabalho. – Brasília: MTE, Assessoria <strong>de</strong> Comunicação, 2008. Disponível em<br />
http://www.fiepr.org.br Acessado em 14 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2010.<br />
_____. Ministério do Trabalho e Emprego. Resolução nº 575 e Termo <strong>de</strong><br />
Referência com o Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação - PNQ. De 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />
2008. Estabelece diretrizes para transferências <strong>de</strong> recursos do Fundo <strong>de</strong><br />
Amparo ao Trabalhador – FAT, aos estados, municípios, organizações<br />
governamentais, não governamentais ou intergovernamentais, com vistas à<br />
execução do Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação – PNQ, como parte integrada do
187<br />
Sistema Nacional <strong>de</strong> Emprego – SINE, no âmbito do Programa do Seguro-<br />
Desemprego. Brasília, 2008. Disponível em<br />
http://www.mte.gov.br/legislacao/resolucoes/2008/r_20080428_575b.pdf<br />
acessado em 17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2010.<br />
_____. Ministério da Administração Fe<strong>de</strong>ral e Reforma do Estado. Secretaria<br />
da Reforma do Estado. Organizações Sociais. 5ª Ed. Brasília, DF: Ministério<br />
da Administração e Reforma do Estado, 1998. 74p. (Ca<strong>de</strong>rnos MARE da<br />
reforma do estado; v.2).<br />
BRIDGES, William. Um Mundo Sem Empregos. São Paulo: Makron Books,<br />
1995.<br />
CATTANI, Antônio David. Trabalho e autonomia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />
Vozes. 1996.<br />
CEARÁ, Governo do Estado. Diretrizes para o Programa <strong>de</strong> Governo. 2006.<br />
Disponível em: www.ceara.gov.br/.../governo-apresenta-projetos-sociais-paragestores.<br />
Acessado em 09 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2010.<br />
CEPAL. Coesão social: inclusão e sentido <strong>de</strong> pertencer na América latina<br />
e no Caribe. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, Agência<br />
Espanhola <strong>de</strong> Cooperação Internacional, Secretaria Geral Iberoamericana.<br />
LC/G.2334/REV.1. Nações Unidas • Impresso em Santiago do Chile, Maio <strong>de</strong><br />
2007. Disponível em<br />
http://www.eclac.org/publicaciones/xml/4/29354/CohesionPortugues.pdf<br />
Acessado em 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010.<br />
CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. São Paulo: Xamã, 1996.<br />
CHIAVENATO, Idalberto. Empreen<strong>de</strong>dorismo: Dando Asas ao Espírito<br />
Empreen<strong>de</strong>dor – empreen<strong>de</strong>dorismo e viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas empresas: um guia<br />
eficiente para iniciar e tocar seu próprio negócio.. 2ed. rev. e atualizada. São<br />
Paulo: Saraiva, 2007.<br />
CORIAT, Benjamin. Pensar pelo Avesso: O Mo<strong>de</strong>lo Japonês <strong>de</strong> Trabalho e<br />
Organização. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Revan: UFRJ, 1994.<br />
DAÒLIO, Luís Carlos. Perfis & Competências: Retrato dos Executivos,<br />
Gerentes e Técnicos. 1.ed. São Paulo: Érica, 2004.<br />
DAGNINO, Evelina. Socieda<strong>de</strong> civil, participação e cidadania: <strong>de</strong> que estamos<br />
falando? In: Mato Daniel (coord). Políticas <strong>de</strong> cindadania y sociedadad civil<br />
em tiempos <strong>de</strong> globalización: Caracas: FACES, Universidad Central <strong>de</strong><br />
Venezuela, 2004, pp.95-110.<br />
DELORS, Jacques. Educação: Um tesouro a <strong>de</strong>scobrir. 10.ed. São Paulo:<br />
Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2006.
188<br />
DOLABELA, Fernando Celso. O Segredo <strong>de</strong> Luísa. 30 ed. rev. e atual. São<br />
Paulo: Cultura Editores Associados. 2006.<br />
DORNELAS, José Carlos Assis. Transformando idéias em negócios. 2. ed.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Elsevier, 2005.<br />
DRUCKER, Peter. A socieda<strong>de</strong> pós-capitalista. São Paulo: Pioneira, 1993<br />
DUARTE, Newton. Socieda<strong>de</strong> do conhecimento ou socieda<strong>de</strong> das<br />
ilusões?: quatro ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. 1 ed. –<br />
Campinas, SP.: Autores Associados, 2008., - Coleção polêmicas <strong>de</strong> nosso<br />
tempo, 86).<br />
DURKHEIM, Émile, Da divisão do trabalho social. 2ª edição. São Paulo:<br />
Martins Fontes, 1999.<br />
FERNANDES, Bruno Henrique Rocha. Competências e Desempenho<br />
Organizacional - O que Há Além do Balanced Scorecard. São Paulo: Ed.<br />
Saraiva, 2006.<br />
FRIEDMAN, Milton e FRIEDMAN, Rose. Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher. Rio <strong>de</strong><br />
janeiro: Record, 1980.<br />
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e formação h<strong>uma</strong>na: ajuste neoconservador<br />
e alternativa <strong>de</strong>mocrática. In: GENTILLI, Pablo A. A.; SILVA, Tomás Ta<strong>de</strong>u da.<br />
Neoliberalismo, qualida<strong>de</strong> total e educação: visões críticas. 2ª edição.<br />
Petrópolis: Vozes, 1995.<br />
FRIGOTTO, Gaudêncio. CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. A política se<br />
educação profissional no Governo Lula. Educação Socieda<strong>de</strong>. Campinas,<br />
vol.26, n.92, p1087 – 1113, Especial – Out. 2005. Disponível em:<br />
. Acessado em 22 set. 2010.<br />
GOES, Glória Maria Vasconcelos; CARVALHO, Lêda Vasconcelos. A<br />
Formação/qualificação profissional da juventu<strong>de</strong> trabalhadora no contexto <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>semprego estrutural. In: III FÓRUM INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA –<br />
FIPED, 2010. Quixadá-Ceará – Brasil. Anais...<br />
GRAMIGNA, Maria Rita Miranda. Jogos <strong>de</strong> empresas e Técnicas vivenciais.<br />
São Paulo: Makron Books, 1995.<br />
HAYEK, Friedrich August von. O Caminho da Servidão. 5ª Ed. - Rio <strong>de</strong><br />
janeiro: Instituto Liberal, 1990.<br />
HARVEY, David. Condição Pós-mo<strong>de</strong>rna. 15ª Edição, São Paulo: Edições<br />
Loyola, 2006.<br />
HIRATA, Helena. Competências e divisão social do trabalho no contexto <strong>de</strong><br />
novos paradigmas produtivos. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL EDUCAÇÃO
189<br />
PROFISSIONAL, TRABALHO E COMPETÊNCIAS, 1998, Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Anais... Rio <strong>de</strong> Janeiro: CIET/SENAI, 1998. p. 53-62.<br />
IDT/CE. Projeto <strong>de</strong> Vida Profissional. In: Projeto juventu<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dora.<br />
Instituto <strong>de</strong> Desenvolvimento do Trabalho/ Secretaria do Trabalho e<br />
Desenvolvimento Social (STDS). Fortaleza, Ceará, 2008-2009.<br />
KOCH, Richard; GODDEN, Ian. Gerenciar Sem Gerência: um manifesto pósgerencial<br />
para simplificar os negócios. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rocco, 2000.<br />
KUENZER, Acácia Z. Ensino médio e profissional: as políticas do Estado<br />
neoliberal. $a Ed. – São Paulo: Cortez, 2007. (Coleção Questões da Nossa<br />
época; v. 63).<br />
______. Ensino <strong>de</strong> 2.º Grau: O trabalho como princípio educativo. São Paulo:<br />
Cortez, 1988.<br />
LEFEBVRE, Henri. Lógica formal/ lógica dialética. 3ª edição. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
civilização brasileira, 1983.<br />
LEITE, Emanuel. O fenômeno do empreen<strong>de</strong>dorismo. 3ª edição – Recife:<br />
Bagaço, 2002.<br />
MATOS, Kelma Socorro Lopes <strong>de</strong>; VIEIRA, Sofia Lerche. Pesquisa<br />
educacional: o prazer <strong>de</strong> conhecer. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha,<br />
UECE, 2001.<br />
MARX, Karl, Manuscritos Econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo<br />
Editorial, 2006.<br />
MARKERT, Werner. Trabalho, comunicação e competência: contribuições<br />
para a construção crítica <strong>de</strong> um conceito e para a formação do profissional<br />
transformativo. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. (Coleção educação<br />
contemporânea).<br />
MELO NETO, Francisco Paulo <strong>de</strong>; FROES, César. Empreen<strong>de</strong>dorismo<br />
Social, a transição para a socieda<strong>de</strong> sustentável. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Qualitymark, 2002.<br />
MTE. Ministério do Trabalho e Emprego. Resolução nº 575, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />
2008.Disponívelem: Acessado em 7 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2010.<br />
MTE. Ministério do Trabalho e Emprego. Plano Nacional <strong>de</strong> Qualificação:<br />
Termo <strong>de</strong> Referência. Brasília, 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008. Disponível em <<br />
http://WWW.mte.gov.br/legislação/resoluções/2008/r_20080428_575b.pdf<br />
acessado em 7 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2010.<br />
MÉSZÁROS, István. A crise estrutura do capital. São Paulo: Boitempo, 2009.
190<br />
MINARELLI, José Augusto. Empregabilida<strong>de</strong>: O caminho das pedras. São<br />
Paulo: Editora Gente, 1995.<br />
MORIN, Edgar; CIURAMA Emílio Roger; MOTTA, Raúl Domindo. Educar na<br />
era planetária: o pensamento complexo como método <strong>de</strong> aprendizagem no<br />
erro e na incerteza h<strong>uma</strong>na. 2ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO,<br />
2007.<br />
MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal. 13ª edição. Rio <strong>de</strong><br />
janeiro: Editora José Olympio, 2003.<br />
NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: <strong>uma</strong> introdução<br />
crítica. São Paulo: Cortez Editora, 2006.<br />
OIT. Organización Internacional <strong>de</strong>l Trabajo. Trabajo Decente y Juventud en<br />
América Latina. Lima:OIT/ Oficina Regional Pra América Latina y el Caribe.<br />
Avance – Febrero, 2010.<br />
OLIVEIRA, Edson Marques. Empreen<strong>de</strong>dorismo Social: da teoria à pratica, do<br />
sonho à realida<strong>de</strong>. 3ª ed.: Rio <strong>de</strong> Janeiro: Quaitymark Editora, 2008.<br />
PERRENOUD, Philippe. Construir competências <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escola. Porto<br />
Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.<br />
PIRES, Val<strong>de</strong>mar. Economia da educação: para além do capital h<strong>uma</strong>no. São<br />
Paulo: Cortez, 2005.<br />
POCHMANN, Márcio. A nova política <strong>de</strong> inclusão socioeconômica. In:<br />
NOLETO, Marlova Jovchelovitch; WERTHEIN, Jorge (Orgs). Pobreza e<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> no Brasil: traçando caminhos para a inclusão social. Brasília:<br />
UNESCO, 2004.<br />
RAMOS, Marise Nogueira. A Pedagogia das competências: autonomia ou<br />
adaptação? 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2006.<br />
RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o <strong>de</strong>clínio dos níveis dos empregos e a<br />
redução da fora global <strong>de</strong> trabalho. São Paulo: Makron Books, 1995.<br />
ROSSO, Sadi Dali. Mais trabalho!: a intensida<strong>de</strong> do labor na socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.<br />
RUIZ-LÓPEZ, Osvaldo. Os executivos das transnacionais e o espírito do<br />
capitalismo: capital h<strong>uma</strong>no e empreen<strong>de</strong>dorismo como valores sociais. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Azougue Editorial, 2007.<br />
SANTIAGO, Eduardo Girão. Empreen<strong>de</strong>r para sobreviver: ação econômica<br />
dos empreen<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> pequeno porte. Fortaleza: Banco do Nor<strong>de</strong>ste do<br />
Brasil, 2008.
191<br />
SAVIANI, Dermeval. História das Idéias Pedagógicas no Brasil. – 2.ed. rev.<br />
e ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.<br />
SCULTZ, Theodore W. O Capital H<strong>uma</strong>no: Investimentos em Educação e<br />
pesquisa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar Editores, 1973.<br />
SEBRAE. Responsabilida<strong>de</strong> Social Empresarial para Micro e Pequenas<br />
Empresas – Passo a Passo. São Paulo: Instituto Ethos, 2003.<br />
STEWART, Thomas A. Capital Intelectual: a nova vantagem competitiva das<br />
empresas. 14ed. Rio <strong>de</strong> janeiro: Elsevier, 1998.<br />
TONET, Ivo. Democracia ou liberda<strong>de</strong>. 2. ed. Maceió: EDUFAL, 2004.<br />
UNESCO. A UNESCO e a Educação na América Latina e Caribe 1987 -<br />
1997. Santiago: UNESCO,1998. Disponível em<br />
. Acessado<br />
em 21/abril/2011.<br />
VINTRÒ, Eulàlia. Educação, escola, cida<strong>de</strong>: o Projeto educativo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Barcelona. In; GÓMEZ-GRANELL Carmen; VILA, Ignacio. (Orgs). A cida<strong>de</strong><br />
como projeto educativo. Porto Alegre: Artmed, 2003.<br />
WALTON, Richard E. Tecnologia <strong>de</strong> informação: uso <strong>de</strong> TI pelas empresas<br />
que obtêm vantagem competitiva. São Paulo: Atlas, 1993.<br />
ZARIFIAN, Philippe. Objetivo competência: por <strong>uma</strong> nova lógica. São Paulo:<br />
Atlas, 2001.