13.03.2015 Views

O que resta dos grandes sonhos de um país pequeno - Fonoteca ...

O que resta dos grandes sonhos de um país pequeno - Fonoteca ...

O que resta dos grandes sonhos de um país pequeno - Fonoteca ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Canções, amor<br />

e fantasia<br />

A acompanhar a exibição <strong>de</strong> “Ruínas”, <strong>de</strong> Mozos está “Canção <strong>de</strong> Amor<br />

e Saú<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> João Nicolau. É mais <strong>um</strong>a produção O Som e a Fúria: filmes<br />

marca<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> fantasioso imaginário <strong>que</strong> irrompe pelo quotidiano <strong>dos</strong><br />

protagonistas. Sem aviso nem fricção. Francisco Valente<br />

MIGUEL MANSO<br />

Em “Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>”,<br />

João Nicolau filma o músico<br />

Norberto Lobo como<br />

empregado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a loja <strong>de</strong><br />

chaves n<strong>um</strong> centro comercial.<br />

Os seus dias divi<strong>de</strong>m-se entre<br />

a procura <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo amor e a<br />

tentativa <strong>de</strong> compreensão do<br />

seu mistério<br />

Na sua primeira obra, “Rapace”<br />

(2006) – Gran<strong>de</strong> Prémio do 14º Festival<br />

<strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong> –, João Nicolau<br />

mostrava-nos <strong>um</strong> recém-licenciado<br />

com pouca vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar as<br />

responsabilida<strong>de</strong>s. O filme passava-se<br />

no bairro <strong>de</strong> Telheiras, em Lisboa, e<br />

a personagem preferia refugiar-se em<br />

códigos <strong>de</strong> fantasia e comunicação<br />

nos seus encontros. Nos locais <strong>que</strong><br />

filmou, entre a casa e a rua, Nicolau<br />

abria portas para a intervenção do<br />

imaginário no quotidiano do protagonista,<br />

juntando, por vezes no mesmo<br />

plano, elementos realistas a <strong>um</strong>a<br />

fantasia regressiva, infantil.<br />

Na nova curta, “Canção <strong>de</strong> Amor e<br />

Saú<strong>de</strong>”, <strong>que</strong> acompanha a exibição<br />

<strong>de</strong> “Ruínas”, Nicolau passa a <strong>um</strong>a nova<br />

cida<strong>de</strong>: Porto. Aí, Norberto Lobo<br />

(músico e amigo do realizador) é João,<br />

empregado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a loja <strong>de</strong> chaves<br />

n<strong>um</strong> centro comercial. Os seus dias,<br />

tempera<strong>dos</strong> pela realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> espaço<br />

comercial vazio no centro da<br />

cida<strong>de</strong>, acabam por se dividir entre a<br />

procura <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo amor e a tentativa<br />

<strong>de</strong> compreensão do seu mistério.<br />

Após alguns encontros (reais ou sonha<strong>dos</strong>),<br />

João conhecerá Marta do<br />

Monte, <strong>que</strong> lhe entregará a chave <strong>que</strong><br />

irá abrir a porta do seu imaginário.<br />

Ao contrário <strong>de</strong> “Rapace”, em <strong>que</strong><br />

a personagem tenta fugir a regras <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> comportamento adulto, João Nicolau<br />

concentrou-se, em “Canção <strong>de</strong><br />

“A música é<br />

a associação<br />

<strong>de</strong> acontecimentos<br />

sonoros no tempo<br />

e é também utilizada<br />

em ‘Canção <strong>de</strong> Amor<br />

e Saú<strong>de</strong>’ <strong>de</strong> maneiras<br />

diversas, para<br />

o tempo correr mais<br />

rápido ou para<br />

se criar <strong>um</strong>a bolha,<br />

como na sequência<br />

vermelha do filme,<br />

<strong>que</strong> o dilata”<br />

João Nicolau<br />

Amor e Saú<strong>de</strong>”, na passagem da inocência<br />

para a assunção <strong>dos</strong> sentimentos<br />

e, porventura, na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a vida adulta.<br />

“‘Rapace’ é <strong>um</strong> filme fundado na<br />

impossibilida<strong>de</strong> do encontro amoroso.<br />

‘Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>’ é o contrário:<br />

acaba com <strong>um</strong> beijo. O João é<br />

<strong>um</strong> jovem <strong>que</strong> já trabalha. E, no entanto,<br />

há sempre <strong>um</strong> reduto <strong>de</strong> inocência,<br />

<strong>que</strong> <strong>de</strong>pois possibilita o amor.<br />

O Hugo, no ‘Rapace’, acabou os estu<strong>dos</strong>,<br />

está n<strong>um</strong> momento <strong>de</strong> pausa.<br />

Mas é curioso ver <strong>que</strong> esses redutos<br />

mais íntimos não têm a ver com o<br />

amor ou com o trabalho, mas com<br />

resignação ou, outras vezes, com o<br />

<strong>que</strong>rer romper com o mundo <strong>que</strong> nos<br />

ro<strong>de</strong>ia. O <strong>que</strong> me interessa é o momento<br />

em <strong>que</strong> isso po<strong>de</strong> ser transformado”.<br />

Em “Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>” essa<br />

transformação surge quando João<br />

abre a porta da loja com a chave <strong>de</strong><br />

Marta do Monte. No plano seguinte,<br />

os dois encontram-se n<strong>um</strong> jardim, <strong>um</strong><br />

local aberto para viverem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a fábula. Algo só possível graças à<br />

fantasia <strong>que</strong> o cinema <strong>de</strong> Nicolau conce<strong>de</strong><br />

aos seus lugares, n<strong>um</strong> jogo permanente<br />

entre o físico filmado e o<br />

imaginário <strong>que</strong> este sugere.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 11

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!