O que resta dos grandes sonhos de um paÃs pequeno - Fonoteca ...
O que resta dos grandes sonhos de um paÃs pequeno - Fonoteca ...
O que resta dos grandes sonhos de um paÃs pequeno - Fonoteca ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Sexta-feira<br />
2 Abril 2010<br />
www.ipsilon.pt<br />
Pedro Costa Clarice Lispector Field Music Manuel Alegre Tiago Bettencourt<br />
NUNO FERREIRA SANTOS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7302 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
O <strong>que</strong> <strong>resta</strong> <strong>dos</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> <strong>sonhos</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> país pe<strong>que</strong>no<br />
Com“Ruínas” Manuel Mozos faz <strong>um</strong> belíssimo filme-ensaio sobre Portugal
Flash<br />
S<strong>um</strong>ário<br />
Manuel Mozos 6<br />
Filma, em “Ruínas”, <strong>um</strong><br />
Portugal mais <strong>de</strong> misérias do<br />
<strong>que</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zas<br />
O som e a fúria 11<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a geração<br />
Jens Lapidus 16<br />
Um advogado <strong>que</strong> escreve na<br />
pele do criminoso<br />
Manuel Alegre 18<br />
Uma escrita <strong>que</strong> puxa pela<br />
memória<br />
Clarice Lispector 20<br />
Chegou a hora da estrela<br />
Field Music 22<br />
São ingleses, gostam <strong>de</strong><br />
futebol e fizeram <strong>um</strong> gran<strong>de</strong><br />
disco duplo<br />
Tiago Bettencourt 26<br />
A música <strong>que</strong> faz não<br />
é a música <strong>que</strong> ouve<br />
Ficha Técnica<br />
Directora Bárbara Reis<br />
Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />
(adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho, Carla<br />
Noronha, Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografia Miguel<br />
Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
Anda mal<br />
o casamento<br />
<strong>de</strong> Julianne Moore<br />
“Chloe”, o novo filme <strong>de</strong> Atom<br />
Egoyan, é <strong>um</strong>a análise à instituição<br />
casamento. Conta a história <strong>de</strong><br />
Catherine Stewart, <strong>um</strong>a médica<br />
( Julianne Moore) <strong>que</strong> se sente<br />
infeliz com o casamento. Quando<br />
suspeita da traição <strong>de</strong> David, o<br />
marido (Liam Neeson), <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />
contratar Chloe, acompanhante<br />
<strong>de</strong> luxo (Amanda Seyfried). O<br />
combinado era <strong>que</strong> Chloe revelasse<br />
a Catherine os pormenores <strong>dos</strong><br />
encontros com David, mas Chloe<br />
parece ter os seus próprios planos,<br />
<strong>que</strong> po<strong>de</strong>rão mesmo <strong>de</strong>struir a<br />
família <strong>de</strong> Catherine. “Este filme é<br />
sobre <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong>sencantada<br />
com o seu casamento. Começa<br />
a sentir <strong>que</strong> já não é a mesma,<br />
mas escolhe <strong>um</strong>a maneira muito<br />
particular para tentar compreen<strong>de</strong>r<br />
o marido”, disse Julianne Moore ao<br />
“The Washington Post”.<br />
A MTV e as Spice<br />
Girls mataram a<br />
fúria feminina<br />
A pergunta é colocada do ponto <strong>de</strong><br />
vista <strong>de</strong> <strong>que</strong>m se recorda <strong>de</strong> Joan<br />
Jett, do punk <strong>de</strong> Siouxsie Sioux e do<br />
“riot grrrl” das Bikini Kill, <strong>de</strong> <strong>que</strong>m<br />
se vê agora n<strong>um</strong> cenário on<strong>de</strong><br />
figuras femininas estão no topo das<br />
tabelas e concentram atenção<br />
mediática como nunca antes. Dessa<br />
posição, surgiu no “Guardian” a<br />
pergunta: “O <strong>que</strong> aconteceu às<br />
estrelas femininas furiosas?”<br />
“Nos últimos vinte anos – aponta<br />
Tahita Bulmer, vocalista <strong>dos</strong> New<br />
Young Pony Club, ao diário<br />
britânico –, as mulheres jovens<br />
aceitaram <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada<br />
‘persona’. Há a i<strong>de</strong>ia <strong>que</strong> tens <strong>de</strong> ser<br />
obcecada pela fama, e parecer<br />
convencional ou sensual”. A culpa,<br />
arg<strong>um</strong>enta-se no artigo, tem dois<br />
nomes. MTV e Spice Girls. A<br />
primeira, escreve-se, transformou a<br />
cultura popular, <strong>de</strong>ixando para trás<br />
bandas punk feministas como Slits<br />
ou Raincoats: “A imagem tornou-se<br />
o mais importante, e mulheres<br />
zangadas <strong>que</strong> não <strong>que</strong>riam saber<br />
<strong>de</strong>la não se enquadravam nesse<br />
cenário”. Já as segundas,<br />
apropriaram-se do vocabulário das<br />
“riot grrrls” e proclamaram “girl<br />
power”, mas, arg<strong>um</strong>enta Ju<strong>de</strong><br />
Rogers, a autora do artigo, fizeramno<br />
seguindo o “mo<strong>de</strong>lo<br />
convencional <strong>de</strong> banda pop<br />
fabricada por homens para<br />
mulheres adolescentes”.<br />
Cazz Balse, co-autora do livro<br />
“Riot Grrrl: Revolution Girl Style<br />
Now!”, assinala <strong>que</strong>, n<strong>um</strong> mundo<br />
<strong>de</strong> X-Factors e Ídolos, arriscar é<br />
perigoso. “Perseguindo a música<br />
Julianne Moore em “Chloe”<br />
Charlotte Rampling interpreta<br />
Yourcenar no Festival <strong>de</strong> Almada<br />
A actriz inglesa Charlotte<br />
Rampling vai estar na<br />
próxima edição do Festival<br />
<strong>de</strong> Teatro Almada, em Julho,<br />
com “Yourcenar/Cavafy”,<br />
<strong>um</strong> diálogo ficcionado entre<br />
a autora <strong>de</strong> “Memórias <strong>de</strong><br />
Adriano” e o poeta grego <strong>de</strong><br />
Alexandria, interpretado<br />
pelo actor Polydoros<br />
Vogiatzis. O espectáculo,<br />
concebido por Jean-Clau<strong>de</strong><br />
Feugnet a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
cenografia <strong>de</strong> Lambert<br />
Wilson, será apresentado no<br />
Teatro Nacional <strong>de</strong> S. João,<br />
no Porto (16 <strong>de</strong> Julho), e na<br />
sala Garrett do Teatro<br />
Nacional D. Maria II (dias 17 e<br />
18).<br />
Mais conhecida pelos seus<br />
papéis no cinema – ao longo<br />
<strong>de</strong> quase meio século <strong>de</strong><br />
carreira, trabalhou com<br />
Roger Corman, Luchino<br />
Visconti, Liliana Cavani,<br />
Woody Allen, Sidney L<strong>um</strong>et,<br />
Nagisa Oshima, Clau<strong>de</strong><br />
Lelouch ou, mais<br />
recentemente, te, François<br />
Ozon e Todd d Solondz –,<br />
Rampling nunca<br />
<strong>de</strong>ixou inteiramente<br />
o palco, ao qual<br />
agora regressa sa com<br />
este “Yourcenar/<br />
Cavafy”, <strong>que</strong> tem<br />
itinerado por vários<br />
países da Europa.<br />
Cruzando<br />
excertos <strong>de</strong><br />
romances e<br />
ensaios <strong>de</strong><br />
Marguerite<br />
Yourcenar<br />
(1903-1987),<br />
como<br />
“Memórias <strong>de</strong><br />
Adriano”, “A<br />
Obra ao Negro”<br />
ou “Fogos”, e<br />
poemas <strong>de</strong><br />
Konstandinos os<br />
Kavafis (1863-<br />
1933), esta<br />
espécie <strong>de</strong><br />
conversa<br />
literária<br />
imagina <strong>um</strong><br />
encontro <strong>que</strong> nunca existiu a<br />
três dimensões. Yourcenar<br />
passou o Verão <strong>de</strong> 1936 em<br />
Atenas e foi nessa ocasião<br />
<strong>que</strong> conheceu a poesia <strong>de</strong><br />
Kavafis, através <strong>de</strong><br />
Konstandinos Dimaras. O<br />
poeta tinha morrido três<br />
anos antes, <strong>de</strong> cancro na<br />
laringe, e a primeira edição<br />
reunida <strong>dos</strong> seus poemas<br />
fora post<strong>um</strong>amente<br />
publicada em 1935.<br />
A romancista rapidamente<br />
se apercebeu <strong>de</strong> <strong>que</strong> tinha<br />
bastante em com<strong>um</strong> com o<br />
esteta <strong>de</strong> Alexandria.<br />
Homossexual, hedonista,<br />
fascinado pela História,<br />
Kavafis viveu em Inglaterra,<br />
durante a sua infância e<br />
adolescência, mas, <strong>de</strong> resto,<br />
salvo alg<strong>um</strong>as breves<br />
viagens, raramente saiu <strong>de</strong><br />
Alexandria, on<strong>de</strong> era<br />
corretor da Bolsa. Escreveu<br />
pouco mais <strong>de</strong><br />
centena ena e<br />
meia <strong>de</strong><br />
poemas,<br />
muitos <strong>de</strong>les<br />
relaciona<strong>dos</strong><br />
com<br />
temas da<br />
história<br />
grega e<br />
romana,<br />
outros <strong>de</strong> teor<br />
homoerótico,<br />
apresenta<strong>dos</strong> como<br />
rememorações da<br />
juventu<strong>de</strong>.<br />
Yourcenar começou a<br />
traduzi-lo nos anos<br />
quarenta, mas só em 1958<br />
saiu na Gallimard a sua<br />
tradução integral <strong>dos</strong><br />
poemas <strong>de</strong> Kavafis, coassinada<br />
com Dimaras, <strong>que</strong><br />
contestou muitas das<br />
soluções propostas pela<br />
romancista, mas <strong>que</strong><br />
raramente a terá conseguido<br />
persuadir <strong>dos</strong> seus pontos<br />
<strong>de</strong> vista. Dimaras veio<br />
mesmo a dizer, mais tar<strong>de</strong>,<br />
<strong>que</strong> Yourcenar não captou<br />
“o clima particular da poesia<br />
<strong>de</strong> Kavafis” e <strong>que</strong> a sua<br />
tradução é, sobretudo, “a<br />
obra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> estilista<br />
francesa”. O próprio<br />
executor literário <strong>de</strong> Kavafis,<br />
Alexandros Singopoulos,<br />
não apreciou o trabalho <strong>de</strong><br />
Yourcenar, cuja publicação<br />
terá procurado impedir, e<br />
apadrinhou a tradução<br />
francesa <strong>de</strong> G. A.<br />
Papoutsakis, editada no<br />
mesmo ano.<br />
Em Portugal, o primeiro<br />
tradutor <strong>de</strong> Kavafis foi Jorge<br />
<strong>de</strong> Sena, <strong>que</strong> publicou em<br />
1970, na editora Inova,<br />
“Constantino Cavafy: 90 e<br />
Mais<br />
Quatro Poemas”. As<br />
suas<br />
versões foram<br />
altamente elogiadas pela<br />
própria Yourcenar, n<strong>um</strong>a<br />
extensa carta <strong>que</strong> esta lhe<br />
enviou.<br />
No final <strong>dos</strong> anos 80, o poeta<br />
e ensaísta Joaquim Manuel<br />
Magalhães e Nikos Pratsinis<br />
começaram a traduzir e a<br />
publicar poemas e prosas <strong>de</strong><br />
Kavafis, tendo finalmente<br />
saído, em 2005, na Relógio<br />
d’Água, a tradução integral<br />
<strong>dos</strong> 154 poemas <strong>que</strong> o<br />
poeta, antes <strong>de</strong> morrer,<br />
consi<strong>de</strong>rara termina<strong>dos</strong>.<br />
Luís Miguel Queirós<br />
Rampling é Yourcenar n<strong>um</strong> espectáculo<br />
<strong>que</strong> ficciona <strong>um</strong> diálogo entre a autora<br />
<strong>de</strong> “Memórias <strong>de</strong> Adriano” e o poeta<br />
grego Konstandinos Kavafis
Flash<br />
Concertos<br />
Gala Drop<br />
e Manuel<br />
Mota farão<br />
a primeira<br />
parte <strong>dos</strong><br />
concertos <strong>dos</strong><br />
Sonic Youth<br />
em Lisboa. Não foi escolha ao<br />
acaso, antes pedido expresso<br />
<strong>dos</strong> nova-iorquinos. Dia 22 <strong>de</strong><br />
Abril, no Coliseu <strong>de</strong> Lisboa,<br />
estará a banda <strong>de</strong> Nélson Gomes,<br />
Tiago Miranda, Afonso Simões e<br />
Guilherme<br />
Gonçalves, com<br />
disco homónimo reeditado<br />
(<strong>um</strong> <strong>dos</strong> <strong>de</strong>sta<strong>que</strong>s <strong>de</strong> 2008) e<br />
semanas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> abrir para<br />
outro histórico, o ex-Can Holger<br />
Czukai (9 <strong>de</strong> Abril, Lux). Dia 23,<br />
no Coliseu do Porto, chegado <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a digressão pela Bélgica e<br />
por França, a vez do guitarrista<br />
Manuel Mota.<br />
MARTA PINA<br />
como o equivalente a <strong>um</strong><br />
emprego das nove às cinco, e<br />
<strong>que</strong>rendo tê-lo durante muitos<br />
anos, é do seu interesse não agitar<br />
as águas.” Estaremos então<br />
resigna<strong>dos</strong> a esta formatação do<br />
feminino na música popular<br />
urbana, on<strong>de</strong> artistas como<br />
Florence And The Machine –<br />
consi<strong>de</strong>ra Tahita Bulmer – são<br />
quase “<strong>um</strong> regresso à i<strong>de</strong>ia<br />
vitoriana da mulher histérica”?<br />
Não necessariamente. A<br />
reportagem aponta brechas.<br />
Refere <strong>que</strong>, actualmente, as<br />
formas <strong>de</strong> expressar essa “fúria<br />
feminina” são diversas do<br />
passado.<br />
Surgem <strong>de</strong> forma discreta em<br />
cantoras como Laura Viers ou<br />
Laura Marling ou, mais<br />
exuberante, em Rihanna ou Lady<br />
Gaga. “A Monster Ball Tour <strong>de</strong><br />
Lady Gaga – <strong>de</strong>screve Cazz Balse –<br />
baseia-se na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> monstruoso,<br />
e nessa expressão zangada do<br />
feminino. Ele po<strong>de</strong> não o estar a<br />
gritar, e a sua música não é punk,<br />
mas esses sentimentos estão lá”.<br />
“Sinto <strong>que</strong> estamos a<br />
regressar<br />
Rihana:<br />
a fúria<br />
feminina<br />
à espreita?<br />
Marina Abramovic no átrio do MoMA<br />
a terreno fértil, quando as pessoas<br />
se fartam do estado <strong>de</strong> coisas.”<br />
“Uma nova geração está a pegar em<br />
guitarras e baterias e a dizer: ‘Estou<br />
aqui! Vamos lá!” A conclusão é <strong>de</strong><br />
Joan Jett, “rock’n’roller” furiosa<br />
original.<br />
Marina Abramovic<br />
impressiona os<br />
visitantes do MoMA<br />
Marina Abramovic senta-se em<br />
silêncio a <strong>um</strong>a<br />
pe<strong>que</strong>na mesa, no<br />
átrio do Museu<br />
<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong><br />
Nova Ior<strong>que</strong> (MoMA). Sem<br />
pestanejar, fixa os visitantes <strong>que</strong> se<br />
sentarem a seu<br />
lado. A<br />
performance faz parte da<br />
retrospectiva sobre a artista <strong>que</strong> o<br />
MoMa apresenta até 31 <strong>de</strong> Maio.<br />
“Marina Abramovic: The Artist is<br />
Present” é <strong>um</strong>a exposição<br />
cronológica <strong>de</strong><br />
50 trabalhos, <strong>que</strong><br />
abrange os 40 anos <strong>de</strong><br />
performances, fotografias,<br />
instalações e ví<strong>de</strong>os imagina<strong>dos</strong> por<br />
Abramovic.<br />
O <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> vai<br />
para a peça “Rhythm<br />
O”, <strong>de</strong> 1974. Marina utilizou facas<br />
afiadas, fita a<strong>de</strong>siva, gaze, loção <strong>de</strong><br />
barbear, <strong>um</strong>a rosa <strong>de</strong> pé comprido<br />
e <strong>um</strong>a arma carregada e pediu a <strong>um</strong><br />
grupo <strong>de</strong> napolitanos <strong>que</strong> usasse os<br />
objectos à vonta<strong>de</strong>, no corpo da<br />
artista. Quando<br />
<strong>um</strong> homem pegou<br />
na arma, outro<br />
parou a<br />
performance. Na altura, Marina<br />
disse <strong>que</strong>rer “explorar o limite e o<br />
quanto podia aguentar”.<br />
Marina Abramovic nasceu na<br />
Jugoslávia em 1946, filha <strong>de</strong> dois<br />
dirigentes do Partido Comunista<br />
Jugoslavo. Estudou na Aca<strong>de</strong>mia<br />
<strong>de</strong> Belas-Artes em Belgrado e em<br />
Zagreb e <strong>de</strong>u aulas em Novi Sad,<br />
na Sérvia.<br />
Nessa altura,<br />
começou a fazer<br />
performances. Em 1976,<br />
mudou-se para<br />
Amesterdão, on<strong>de</strong><br />
conheceu o artista<br />
alemão Uwe Laysiepen,<br />
conhecido como Ulay.<br />
Os ví<strong>de</strong>os <strong>que</strong><br />
resultaram da parceria<br />
<strong>de</strong> 12 anos <strong>de</strong> Marina<br />
e Ulay também estão no MoMA. O<br />
trabalho <strong>dos</strong> dois consistiu em<br />
testar os limites do público<br />
europeu, em intransigentes<br />
façanhas <strong>de</strong> resistência e loucura, a<br />
<strong>que</strong> os dois chamaram<br />
“trabalho <strong>de</strong> relação”.<br />
Em 1977, sentaram-se<br />
<strong>de</strong> costas, sem<br />
se mexerem ou<br />
falarem, liga<strong>dos</strong><br />
pelo cabelo, durante 16<br />
horas. Essa é <strong>um</strong>a das cinco<br />
performances <strong>de</strong> Abramovic<br />
recriadas ao vivo, pela<br />
primeira vez, para esta<br />
exposição. Foi ela <strong>que</strong> treinou<br />
os intérpretes.<br />
Os trabalhos <strong>de</strong> Abramovic<br />
exploram a relação<br />
entre o performer e o<br />
público, os limites<br />
do corpo, as<br />
possibilida<strong>de</strong>s da<br />
mente, <strong>de</strong>safiam o<br />
perigo.<br />
Linda Yablonsky,<br />
crítica <strong>de</strong> arte do<br />
“Washington Post”,<br />
Ví<strong>de</strong>os <strong>de</strong> Lady Gaga<br />
ultrapassam mil<br />
milhões <strong>de</strong> visitas<br />
na Web<br />
Lady<br />
Gaga<br />
tornou-se<br />
na primeira<br />
artista a superar mil<br />
milhões <strong>de</strong> visitas nas<br />
plataformas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o online.<br />
O portal Visible<br />
Measures precisou <strong>de</strong> somar<br />
apenas os números <strong>de</strong><br />
visualizações <strong>de</strong> três singles<br />
da<strong>que</strong>la <strong>que</strong> muitos apelidam <strong>de</strong><br />
“nova rainha da pop”. Extraí<strong>dos</strong><br />
<strong>dos</strong> dois discos da saga “The<br />
Fame”, “Poker Face”, “Bad<br />
Romance” e “Just Dance”<br />
contribuíram, cada <strong>um</strong>, com<br />
valores entre os 380 e 270<br />
milhões <strong>de</strong> visitas para a soma<br />
recordista. Curiosamente,<br />
nenh<strong>um</strong> <strong>de</strong>les entra, por si só,<br />
no top 5 geral, no qual constam<br />
quatro ví<strong>de</strong>os musicais. Uma<br />
estrela global da actualida<strong>de</strong><br />
musical (Beyoncé com “Single<br />
Ladies” em 3.º), <strong>um</strong> ídolo cujo<br />
<strong>de</strong>saparecimento impulsionou<br />
<strong>um</strong>a revitalização do legado<br />
(Michael Jackson com “Thriller”<br />
em 4.º) e <strong>um</strong> ví<strong>de</strong>o musical da<br />
categoria infantil (“The G<strong>um</strong>my<br />
Bear Song” em 5.º) suce<strong>de</strong>m à<br />
excepção proveniente do cinema<br />
(“Lua Nova”, da saga “Twilight”,<br />
em 2.º) na lista li<strong>de</strong>rada por <strong>um</strong><br />
artista cujo reconhecimento é<br />
<strong>de</strong>sproporcional nos dois la<strong>dos</strong><br />
do Atlântico: “Crank dat”, do<br />
norte-americano Soulja Boy, <strong>que</strong><br />
já superou os 700 milhões <strong>de</strong><br />
visitas. N<strong>um</strong>a lista com 65<br />
ví<strong>de</strong>os – 37 respon<strong>de</strong>m à<br />
temática música –, com<br />
presenças <strong>de</strong> artistas como Miley<br />
Cyrus, Katy Perry, Avril Lavigne,<br />
Alicia Keys ou Mariah Carey, não<br />
encontramos nomes <strong>de</strong> bandas<br />
europeias às quais<br />
cost<strong>um</strong>amos apontar o epíteto<br />
<strong>de</strong> fenómenos <strong>de</strong><br />
popularida<strong>de</strong> como os U2,<br />
Muse ou Arctic Monkeys. O<br />
primeiro ví<strong>de</strong>o musical<br />
europeu a integrar a lista –<br />
<strong>de</strong>scontamos o 9.º lugar do<br />
<strong>de</strong>spontar <strong>de</strong> Susan Boyle no<br />
Britain’s Got Talent – é da<br />
britânica Leona Lewis<br />
(“Bleeding Love” em 18.º), ao<br />
qual se segue <strong>um</strong> vi<strong>de</strong>oclip<br />
<strong>dos</strong> Coldplay (“Viva la Vida”,<br />
em 40.º).<br />
chama-lhe a “imperatriz<br />
internacional da performance<br />
artística”. Diz <strong>que</strong> a performance <strong>de</strong><br />
Marina no MoMA “é <strong>um</strong>a presença<br />
imponente e benevolente <strong>que</strong> não<br />
se escon<strong>de</strong>, com o propósito <strong>de</strong><br />
arranjar tempo para <strong>que</strong> os outros<br />
se vejam a si próprios no reflexo<br />
<strong>de</strong>la. A i<strong>de</strong>ia é eliminar to<strong>dos</strong> os<br />
pensamentos do passado ou do<br />
futuro e viver apenas o<br />
momento presente”.<br />
4 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
AGENDA CULTURAL FNAC<br />
entrada livre<br />
APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO<br />
LANÇAMENTO<br />
OS SORRISOS DO DESTINO<br />
Filme <strong>de</strong> Fernando Lopes<br />
A Fnac e a Clap Filmes apresentam o lançamento, em DVD, do último filme <strong>de</strong> Fernando Lopes. Com a<br />
presença do realizador, do protagonista Rui Morrison e do crítico <strong>de</strong> cinema Jorge Leitão Ramos.<br />
06.04. 19H00 FNAC CHIADO<br />
AO VIVO<br />
THE SOAKED LAMB<br />
Hats & Chairs<br />
Os The Soaked Lamb apresentam o seu segundo álb<strong>um</strong>, inspirado pela música das décadas <strong>de</strong> 1920 a 1940.<br />
03.04. 17H00 FNAC CHIADO<br />
04.04. 17H00 FNAC ALFRAGIDE<br />
07.04. 21H30 FNAC COLOMBO<br />
09.04. 21H30 FNAC CASCAIS<br />
10.04. 17H00 FNAC COIMBRA<br />
14.04. 21H30 FNAC ALMADA<br />
16.04. 18H00 FNAC STA. CATARINA<br />
17.04. 16H00 FNAC GUIMARÃESHOPPING<br />
18.04. 17H00 FNAC GAIASHOPPING<br />
AO VIVO<br />
HOMENS DA LUTA<br />
A Cantiga é <strong>um</strong>a Arma<br />
Nesta apresentação os Homens da Luta, Jel e Falâncio, contam-lhe tudo sobre a nova arma da revolução:<br />
o Lpod.<br />
O álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia “A Cantiga É <strong>um</strong>a Arma” tem data <strong>de</strong> lançamento prevista para dia 1 <strong>de</strong> Maio.<br />
07.04. 16H30 FNAC CHIADO<br />
AO VIVO<br />
TIAGO BETTENCOURT & MANTHA<br />
Em Fuga<br />
Após o sucesso do disco, O Jardim, com o single Canção Simples; Tiago Bettencourt e os Mantha apresentam,<br />
ao vivo, o seu mais recente trabalho intitulado Em Fuga. Para ver e ouvir ao vivo, no Fór<strong>um</strong> Fnac.<br />
09.04. 21H30 FNAC VASCO DA GAMA<br />
EXPOSIÇÃO<br />
RETROSPECTIVA CINEMA PORTUGUÊS<br />
Composta por material pertencente ao Arquivo Fotográfico da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema,<br />
esta série <strong>de</strong> fotografias <strong>de</strong> rodagem, feitas entre os anos 20 e os anos 70, focaliza-se sobretudo em<br />
dois perío<strong>dos</strong>: o período clássico do cinema português, nos anos 30 e 40, e o Cinema Novo, nos anos 60.<br />
20.03. - 20.05.2010 FNAC MAR SHOPPING<br />
Consulte a agenda cultural Fnac em<br />
Apoio:
Manuel Mozos<br />
nas ruínas das gra<br />
O cineasta Manuel Mozos filmou edifícios em <strong>de</strong>cadência e<br />
textos fala-se, em “Ruínas”, <strong>de</strong> <strong>um</strong> país mais <strong>de</strong> misérias do<br />
mas, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa mesquinhez, <strong>um</strong>a<br />
NUNO FERREIRA SANTOA<br />
Capa<br />
Há quanto tempo ninguém andava<br />
por aqui? Quem se lembra ainda do<br />
<strong>que</strong> aqui se passou?<br />
Manuel Mozos tem por hábito ir<br />
anotando n<strong>um</strong> ca<strong>de</strong>rno coisas <strong>de</strong>stas:<br />
lugares, <strong>um</strong>a notícia <strong>que</strong> leu n<strong>um</strong>a<br />
revista, <strong>um</strong>a referência <strong>de</strong> <strong>um</strong> texto.<br />
O <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria fazer em “Ruínas” – o<br />
filme, <strong>um</strong>a produção <strong>de</strong> O Som e a<br />
Fúria, <strong>que</strong> estreou esta semana – era<br />
cruzar essas coisas. Queria filmar os<br />
espaços vazios, sim, mas <strong>que</strong>ria povoá-los,<br />
dar-lhes vozes, sons, fazê-los<br />
habitar por fantasmas <strong>que</strong>, se calhar,<br />
não eram os fantasmas <strong>de</strong>sses espaços<br />
– eram outros, <strong>que</strong> obrigaram os<br />
primeiros a chegar-se para o lado e a<br />
<strong>de</strong>ixá-los instalar-se também.<br />
“Ruínas” é <strong>um</strong>a sucessão <strong>de</strong> imagens<br />
<strong>de</strong> espaços <strong>que</strong> o país <strong>de</strong>ixou<br />
para trás, <strong>que</strong> es<strong>que</strong>ceu, mas <strong>que</strong> não<br />
<strong>de</strong>sapareceram. Muitos permanecem,<br />
<strong>de</strong> pé, n<strong>um</strong>a dignida<strong>de</strong> silenciosa,<br />
abandona<strong>dos</strong> mas não venci<strong>dos</strong>.<br />
Ninguém passa por eles, mas eles ainda<br />
ali estão.<br />
“O <strong>que</strong> me interessa, <strong>que</strong>r nos espaços<br />
<strong>que</strong>r nos outros materiais <strong>que</strong><br />
utilizo no filme, é serem coisas <strong>que</strong><br />
acho interessantes e <strong>que</strong> se diluem,<br />
se per<strong>de</strong>m. Achava importante darlhes<br />
alg<strong>um</strong>a vida, tentar <strong>que</strong> não<br />
<strong>de</strong>saparecessem completamente”,<br />
diz o realizador. Não se trata <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
olhar nostálgico ou sau<strong>dos</strong>ista, sublinha.<br />
“Mas são sítios <strong>que</strong> têm <strong>um</strong><br />
lado poético, <strong>de</strong> coisas <strong>que</strong> existiram,<br />
<strong>que</strong> fizeram parte <strong>de</strong> histórias<br />
<strong>de</strong>ste país.”<br />
Inicialmente pensou usar excertos<br />
<strong>de</strong> filmes antigos, postais, ou até encontrar<br />
pessoas <strong>que</strong> pu<strong>de</strong>ssem contar<br />
histórias sobre a<strong>que</strong>les sítios. Pensou,<br />
inclusivamente, em alargar o filme a<br />
outras coisas <strong>que</strong> estavam a <strong>de</strong>saparecer,<br />
“profissões, jardins, matas,<br />
falar da transformação <strong>de</strong> certas coisas,<br />
da construção <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> golfe<br />
ou do efeito das auto-estradas nos<br />
percursos <strong>dos</strong> animais”, não n<strong>um</strong>a<br />
perspectiva sociológica mas apenas<br />
como <strong>um</strong>a constatação <strong>de</strong> <strong>que</strong> é assim.<br />
Mas à medida <strong>que</strong> ia filmando<br />
foi abandonando essa i<strong>de</strong>ia. O filme<br />
“Penso <strong>que</strong> não<br />
fugimos a <strong>um</strong> lado<br />
pe<strong>que</strong>nino mesmo<br />
quando se tentam<br />
coisas mais<br />
majestosas<br />
ou grandiosas”<br />
6 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
an<strong>de</strong>s esperanças<br />
ofereceu-lhes histórias. Nesse cruzamento <strong>de</strong> imagens e <strong>de</strong><br />
<strong>que</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zas. Isto é Portugal. “De <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> esperanças<br />
coisa <strong>de</strong> remediado”. Belíssimo. Alexandra Prado Coelho<br />
Mozos tem por<br />
hábito anotar<br />
n<strong>um</strong> ca<strong>de</strong>rno<br />
coisas <strong>de</strong>stas:<br />
lugares,<br />
notícias em<br />
revistas,<br />
referências<br />
textos. Em<br />
“Ruínas” quis<br />
cruzar isso;<br />
filmar os<br />
espaços<br />
vazios, mas<br />
dar-lhes<br />
vozes, fazê-los<br />
habitar por<br />
fantasmas<br />
foi-se tornando cada vez mais <strong>de</strong>purado<br />
até chegar ao essencial: espaços<br />
vazios e sons.<br />
O <strong>que</strong> vemos e o <strong>que</strong> ouvimos<br />
E o <strong>que</strong> faz a força <strong>de</strong> “Ruínas” é esse<br />
cruzamento, sempre ligeiramente<br />
<strong>de</strong>slocado, entre o <strong>que</strong> os nossos<br />
olhos vêem e a história <strong>que</strong> estamos<br />
a ouvir. No Restaurante Panorâmico<br />
<strong>de</strong> Monsanto, enquanto a câmara<br />
mostra <strong>um</strong>a escadaria, a janela panorâmica,<br />
os murais, <strong>um</strong>a voz lê <strong>um</strong>a<br />
ementa <strong>de</strong> <strong>um</strong> livro <strong>de</strong> receitas do<br />
século XVI – <strong>um</strong>a lista <strong>de</strong> iguarias <strong>que</strong>,<br />
para Mozos, “se conjugava com a<strong>que</strong>la<br />
mon<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong>”.<br />
Às vezes, como no caso do sanatório<br />
das Penhas da Saú<strong>de</strong>, o <strong>que</strong> ouvimos<br />
– neste caso: relatórios médicos<br />
com to<strong>dos</strong> os pormenores sobre o<br />
estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>dos</strong> doentes à entrada<br />
e à saída do internamento – tem a<br />
ver com a história do sítio. Outras vezes<br />
é apenas <strong>um</strong>a história <strong>que</strong> podia<br />
pertencer à<strong>que</strong>le lugar, e só por acaso<br />
não pertenceu – como a carta a<br />
perguntar quais os preços <strong>de</strong> <strong>um</strong> fim<strong>de</strong>-semana<br />
para <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> amigos<br />
n<strong>um</strong> hotel, lida sobre a imagem da<br />
Estalagem <strong>de</strong> São José, em Porto da<br />
Barca, junto ao mar, <strong>um</strong> sítio on<strong>de</strong><br />
Mozos chegou a ficar alojado antes <strong>de</strong><br />
o estabelecimento fechar e começar<br />
a resvalar para o es<strong>que</strong>cimento.<br />
“Na recolha <strong>de</strong> textos interessavame<br />
ir para coisas <strong>que</strong> não ficam como<br />
gran<strong>de</strong> literatura, procurava mais literatura<br />
<strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l, epistolar, relatórios,<br />
ementas”. Ficaram três poemas.<br />
O resto são textos como o edital “Ao<br />
povo do Barreiro sobre o lançamento<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a bomba”, <strong>de</strong> 1934, ou <strong>um</strong>a carta<br />
com <strong>um</strong> pedido <strong>de</strong> empréstimo –<br />
“coisas <strong>um</strong> pouco fúteis, do dia-a-dia,<br />
<strong>que</strong> as pessoas guardam, mas <strong>que</strong><br />
nunca ficarão como nada <strong>de</strong> importante<br />
a não ser para <strong>que</strong>m faz e para<br />
<strong>que</strong>m recebe”.<br />
Os “makavenkos” [“Memórias e<br />
Receitas Culinárias <strong>dos</strong> Makavenkos”,<br />
<strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Almeida Gran<strong>de</strong>lla,<br />
1919], por exemplo, aparecem mais<br />
do <strong>que</strong> <strong>um</strong>a vez, sem qual<strong>que</strong>r ligação<br />
aparente com o <strong>que</strong> estamos a ver.<br />
Mas este clube <strong>de</strong> “bon vivants”, formado<br />
para os prazeres da comida,<br />
fundado em 1884 por Gran<strong>de</strong>lla e alguns<br />
amigos, apareceu naturalmente<br />
no processo <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> Mozos.<br />
“Vi <strong>um</strong>a vez n<strong>um</strong>a revista <strong>um</strong>a notícia<br />
sobre a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> sanatório<br />
<strong>que</strong> nunca tinha sido terminado<br />
no Cabeço <strong>de</strong> Montachi<strong>que</strong>, e percebi<br />
<strong>que</strong> o Gran<strong>de</strong>lla, <strong>dos</strong> Armazéns<br />
Gran<strong>de</strong>lla, tinha feito parte das pessoas<br />
<strong>que</strong> se juntaram para esse projecto.”<br />
Mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scobriu n<strong>um</strong>a livraria<br />
o livro <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong>lla e interessouse<br />
primeiro pelo lado da gastronomia.<br />
Só <strong>de</strong>pois encontrou <strong>um</strong>a<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 7
Às vezes,<br />
como no caso<br />
do sanatório<br />
das Penhas da<br />
Saú<strong>de</strong>, o <strong>que</strong><br />
ouvimos em<br />
som –<br />
relatórios<br />
médicos com<br />
os<br />
pormenores<br />
sobre o estado<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
doentes – tem<br />
a ver com a<br />
história do<br />
sítio. Outras<br />
vezes é<br />
apenas <strong>um</strong>a<br />
história <strong>que</strong><br />
podia<br />
pertencer<br />
à<strong>que</strong>le lugar, e<br />
só por acaso<br />
não pertenceu<br />
série <strong>de</strong> outras histórias. “Havia<br />
<strong>um</strong>a lenda <strong>de</strong> <strong>que</strong> haveria <strong>um</strong> cofre<br />
enterrado no Cabeço <strong>de</strong> Montachi<strong>que</strong><br />
com moedas a <strong>que</strong> eram para pagar<br />
o sanatório. O edifício é estranhíssimo,<br />
tem <strong>um</strong>a configuração <strong>de</strong> estrela,<br />
o <strong>que</strong> tem a ver com [socieda<strong>de</strong>s<br />
secretas como] as maçonarias, as carbonárias.”<br />
Soube <strong>que</strong> o realizador<br />
António Macedo fizera lá <strong>um</strong> filme,<br />
e quis vê-lo. Depois filmou o sanatório<br />
<strong>que</strong> nunca chegou a existir, mas<br />
as imagens acabaram por praticamente<br />
não entrar no filme, à excepção<br />
<strong>de</strong> dois planos ao cair da noite –<br />
como se o edifício não conseguisse<br />
libertar-se da maldição <strong>de</strong> nunca conseguir<br />
materializar-se.<br />
Um país pe<strong>que</strong>no<br />
Mas os textos <strong>dos</strong> “makavenkos” ficaram,<br />
entre a história <strong>de</strong> “Henri<strong>que</strong>ta,<br />
<strong>um</strong>a heroína do século XIX” e o<br />
livro <strong>de</strong> ciências naturais para a 4.ª<br />
Classe do Ensino Primário e Elementar<br />
do ano <strong>de</strong> 1961. Com esses textos,<br />
os espectadores são conduzi<strong>dos</strong> para<br />
a história <strong>que</strong> o realizador <strong>que</strong>r contar,<br />
seguem atrás <strong>dos</strong> fantasmas <strong>que</strong><br />
ele ali quis projectar. Mozos não tem<br />
“Na recolha <strong>de</strong> textos<br />
interessava-me ir<br />
para coisas <strong>que</strong> não<br />
ficam como gran<strong>de</strong><br />
literatura, procurava<br />
mais literatura<br />
<strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l, epistolar,<br />
relatórios, ementas”<br />
dúvidas sobre isso. “Um texto ligado<br />
a <strong>um</strong>a imagem atira obviamente para<br />
<strong>um</strong> lado.” As mesmas imagens com<br />
outro texto contariam outra história.<br />
Durante a montagem experimentou<br />
vários textos (houve <strong>um</strong> enorme trabalho<br />
<strong>de</strong> pesquisa prévia sobre os<br />
lugares, com Ana Gomes e Dulce<br />
Men<strong>de</strong>s) combina<strong>dos</strong> com diferentes<br />
imagens. “A construção ia-se fazendo<br />
por experiências, justaposição <strong>de</strong><br />
imagens com sons, até eu achar <strong>que</strong><br />
ficava assim. Mas era <strong>um</strong> jogo <strong>que</strong><br />
podia tornar-se infindável.”<br />
O <strong>que</strong> ficou é também <strong>um</strong>a história<br />
do país. Ou melhor, são histórias <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> certo país. Alguns espaços po<strong>de</strong>m<br />
ser grandiosos, mas o <strong>que</strong> ouvimos<br />
são histórias pe<strong>que</strong>nas, pe<strong>que</strong>nas<br />
misérias. Um país pe<strong>que</strong>no?<br />
“Penso <strong>que</strong> não fugimos a <strong>um</strong> lado<br />
pe<strong>que</strong>nino mesmo quando se tentam<br />
coisas mais majestosas ou grandiosas.<br />
Em alguns <strong>dos</strong> textos há <strong>um</strong>a espécie<br />
<strong>de</strong> impotência, <strong>um</strong> lado quase tragicómico.<br />
Como na primeira história<br />
<strong>dos</strong> ‘makavenkos’, <strong>de</strong> <strong>um</strong> senhor <strong>que</strong><br />
<strong>que</strong>r muito escrever <strong>um</strong>a peça <strong>de</strong> teatro<br />
e nunca consegue, ou o rapazinho<br />
<strong>que</strong> eles adoptam e <strong>de</strong>pois a mãe<br />
leva embora. Há <strong>um</strong> lado, <strong>que</strong> sinto<br />
<strong>que</strong> é <strong>um</strong> bocadinho o país, <strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />
esperanças mas, ao mesmo tempo,<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa mesquinhez, <strong>um</strong>a<br />
coisa <strong>de</strong> remediado.”<br />
Não é <strong>um</strong> filme sobre o Estado Novo,<br />
mas este insiste em espreitar aqui<br />
e ali, nos textos, nas imagens – nos<br />
velhos livros <strong>de</strong> escola e mapas do<br />
Centro Educativo do Mosteiro <strong>de</strong> Santa<br />
Clara ou no en<strong>um</strong>erar <strong>de</strong> serviços<br />
disponíveis (por categorias) para os<br />
funcionários da Hidro-Eléctrica do<br />
Douro. “Apercebi-me <strong>de</strong> <strong>que</strong>, se calhar,<br />
estaria excessivamente centrado<br />
no Estado Novo, mas não era isso <strong>que</strong><br />
<strong>que</strong>ria, para mim era o século XX,<br />
por<strong>que</strong> é o <strong>que</strong> eu conheço bem, vivi<br />
nele <strong>um</strong>a parte razoável da minha<br />
vida.”<br />
Há, em todo o filme, <strong>um</strong>a única<br />
cena com pessoas. É logo no início,<br />
no cemitério do Prado do Repouso,<br />
no Porto, no dia <strong>de</strong> Fina<strong>dos</strong>. Antes<br />
disso, apenas <strong>um</strong>a imagem: a implosão<br />
das torres <strong>de</strong> Tróia. “Quer esse<br />
plano <strong>de</strong> Tróia (quis filmar antes da<br />
implosão mas não foi possível) <strong>que</strong>r<br />
a sequência no Prado do Repouso<br />
têm <strong>um</strong> carácter metafórico para o<br />
resto do filme. O primeiro por<strong>que</strong> é<br />
a única coisa em todo o filme <strong>que</strong> <strong>de</strong>saparece.<br />
Depois da implosão só fica<br />
pó. E essa i<strong>de</strong>ia do pó conduz-nos à<br />
<strong>que</strong>stão do cemitério. Se não houvesse<br />
pessoas, o filme seria lido <strong>de</strong> outro<br />
modo. Nós, pessoas, temos <strong>um</strong>a memória.<br />
Mesmo quando as coisas <strong>de</strong>saparecem<br />
ficamos liga<strong>dos</strong> a elas.”<br />
É por isso <strong>que</strong> os espaços vazios<br />
estão cheios <strong>de</strong> vozes.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> filme págs. 42 e segs<br />
Cemitério do Prado do Repouso<br />
Manuel Mozos encontrou <strong>um</strong> dia <strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na notícia<br />
<strong>que</strong> falava <strong>de</strong> <strong>um</strong> jazigo no cemitério do Prado do<br />
Repouso, no Porto, e contava <strong>que</strong> no dia <strong>de</strong> To<strong>dos</strong> os<br />
Santos havia <strong>um</strong>a romaria à campa para <strong>de</strong>positar<br />
flores no local on<strong>de</strong> estavam enterradas duas mulheres:<br />
Henri<strong>que</strong>ta e Etelvina. A história, <strong>que</strong> vem contada no<br />
livro “Henri<strong>que</strong>ta ou <strong>um</strong>a heroína do século XIX”, <strong>de</strong><br />
A. J. Duarte Júnior, “tem <strong>um</strong> lado macabro, mas tem <strong>um</strong><br />
lado <strong>de</strong> paixão entre elas <strong>que</strong> acho muito bonito”, diz<br />
Mozos. Henri<strong>que</strong>ta fora vítima <strong>de</strong> abusos e ficara orfã<br />
cedo, e aos 16 anos começou a viver sozinha e a <strong>de</strong>dicarse<br />
à prostituição. Tomou sob sua protecção Etelvina, e as<br />
duas prometeram nunca mais se separar. Mas Etelvina<br />
tinha <strong>um</strong>a saú<strong>de</strong> débil e acabou por morrer. Henri<strong>que</strong>ta<br />
conseguiu ficar a sós com o corpo, cortou-lhe a cabeça<br />
e guardou-a para sempre consigo em casa. Quando<br />
morreu foi enterrada no jazigo <strong>que</strong> mandara construír<br />
para Etelvina, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, apesar <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a <strong>de</strong>las<br />
ter <strong>de</strong>ixado família, no dia <strong>dos</strong> fina<strong>dos</strong> há sempre flores<br />
frescas na campa.<br />
Centro Educativo do Mosteiro<br />
<strong>de</strong> Santa Clara<br />
Quando Mozos filmou, o espaço estava vazio há pouco<br />
tempo. Até 2003 funcionou como <strong>um</strong> reformatório<br />
para rapazes. E o <strong>que</strong> o cineasta encontrou parecia<br />
exactamente isso: <strong>um</strong> reformatório do Estado Novo,<br />
parado no tempo. “É <strong>um</strong> edifício enorme, com partes <strong>que</strong><br />
é impossível visitar. No interior havia mapas e muito<br />
material espalhado, bandas <strong>de</strong>senhadas, catecismos.<br />
Tudo aquilo remetia para a minha infância, parecia<br />
<strong>que</strong> estava nos anos 60 e já não no século XXI”. Havia<br />
as camaratas <strong>dos</strong> rapazes, as oficinas, os campos <strong>de</strong><br />
bas<strong>que</strong>te, <strong>um</strong> ginásio. Mas o <strong>que</strong> mais o impressionou<br />
foi a forma como as coisas tinham sido <strong>de</strong>ixadas. “Em<br />
toda a ala médica, a sensação era a <strong>de</strong> <strong>que</strong> tinha vindo<br />
alg<strong>um</strong> exército e as pessoas tinham abandonado tudo<br />
<strong>de</strong> repente”. Instr<strong>um</strong>entos médicos <strong>de</strong>sarr<strong>um</strong>a<strong>dos</strong>,<br />
<strong>de</strong>ixa<strong>dos</strong> em cima <strong>de</strong> mesas, <strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntista,<br />
com a broca, como se pu<strong>de</strong>sse começar a funcionar<br />
a qual<strong>que</strong>r momento. “Por vezes parecia <strong>um</strong>a<br />
coisa <strong>de</strong> ficção científica pós-apocalíptica em <strong>que</strong><br />
<strong>de</strong>sapareceram to<strong>dos</strong> os seres vivos”.<br />
Sanatório das Penhas da Saú<strong>de</strong><br />
O problema era a rádio. Conta Mariana Morais no<br />
jornal on-line “urbi et orbi” (texto lido no filme) <strong>que</strong><br />
nos anos 40 alguns doentes tuberculosos do Sanatório<br />
<strong>dos</strong> Ferroviários das Penhas da Saú<strong>de</strong>, na Serra da<br />
Estrela, criaram <strong>um</strong>a rádio a <strong>que</strong> chamaram Pinóquio.<br />
O entusiasmo era tanto, a <strong>de</strong>dicação tão absoluta, <strong>que</strong> “a<br />
certa altura, os médicos aperceberam-se <strong>que</strong> os doentes<br />
em vez <strong>de</strong> melhorar pioravam”, já não c<strong>um</strong>priam os<br />
tratamentos, <strong>de</strong>scuidavam-se com a alimentação. As<br />
divergências levaram a <strong>que</strong> a rádio fosse transferida<br />
para a papelaria Sicol “na rua Ruy Faleiro, em frente<br />
ao antigo Banco <strong>de</strong> Portugal”. A partir <strong>de</strong>sse posto<br />
“faziam emissões diárias <strong>de</strong> <strong>de</strong>z horas. Desdobravamse<br />
em activida<strong>de</strong>s múltiplas. Programas <strong>de</strong> discos<br />
pedi<strong>dos</strong>, divulgação do folclore, espectáculos para<br />
os doentes pelo Natal, tudo era feito apenas com o<br />
trabalho voluntário e o entusiasmo <strong>dos</strong> colaboradores.<br />
A Rádio Pinóquio foi das primeiras rádios regionais<br />
a acompanhar o Sporting da Covilhã nos jogos fora<br />
<strong>de</strong> casa.” Hoje a Rádio Pinóquio está silenciosa e o<br />
sanatório vazio.<br />
8 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Destroços<br />
O filme <strong>de</strong> Manuel Mozos não se ocupa <strong>de</strong> nós como somos, mas como acabámos <strong>de</strong> ser. Paulo Varela Gomes*<br />
“Ruínas” é sobre os <strong>de</strong>stroços do passado<br />
recente, muito recente, o passado<br />
<strong>de</strong> há 50 anos. Estes <strong>de</strong>stroços<br />
estão mesmo ao nosso lado, mesmo<br />
à nossa vista (tanto <strong>que</strong> não os vemos),<br />
ou estão escondi<strong>dos</strong> por <strong>de</strong>trás<br />
<strong>dos</strong> nossos separadores <strong>de</strong> autoestrada,<br />
es<strong>que</strong>ci<strong>dos</strong> para lá das colinas<br />
das nossas eólicas, no meio das<br />
nossas matas <strong>de</strong> eucalipto.<br />
O filme começa com <strong>um</strong>a história<br />
do século XIX, <strong>um</strong>a história excessiva,<br />
pela qual perpassa a paixão à<br />
qual o filme recusa <strong>de</strong>pois ce<strong>de</strong>r,<br />
servindo-nos a emoção apenas a frio.<br />
É <strong>um</strong>a história <strong>que</strong> nos coloca imediatamente<br />
fora do nosso tempo mas<br />
não muito longe do nosso tempo, não<br />
n<strong>um</strong> passado histórico dignificado<br />
pela distância. A<strong>que</strong>le é o passado<br />
em <strong>que</strong> os nossos avós morriam <strong>de</strong><br />
amor.<br />
To<strong>dos</strong> os <strong>de</strong>stroços <strong>que</strong> o filme<br />
mostra estão n<strong>um</strong> estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>lapidação<br />
e abandono completos (por<br />
isso os <strong>de</strong>signo por <strong>de</strong>stroços), cujo<br />
símbolo maior talvez seja a Estalagem<br />
Gado Bravo na chamada “recta<br />
do Pegões”, por on<strong>de</strong> passavam to<strong>dos</strong><br />
os veraneantes <strong>que</strong>, antes <strong>de</strong><br />
haver auto-estradas, escolhiam seguir<br />
para o Algarve pela ponte <strong>de</strong><br />
Vila Franca. É <strong>um</strong> edifício digno <strong>que</strong><br />
ainda está ali, cada vez mais escancarado<br />
e partido. Merece <strong>de</strong> nós <strong>um</strong><br />
olhar <strong>de</strong> esguelha, quanto muito.<br />
Manuel Mozos foi gravar a sua <strong>de</strong>struição<br />
e o seu ruído <strong>de</strong> fundo, o impie<strong>dos</strong>o<br />
z<strong>um</strong>bido do trânsito.<br />
As imagens e a banda sonora <strong>de</strong><br />
“Ruínas” não são, portanto, sobre <strong>um</strong><br />
passado <strong>de</strong> ruínas ou mon<strong>um</strong>entos.<br />
Vemos antes a <strong>de</strong>vastação, tão calma<br />
e distante <strong>que</strong> arrepia, do belíssimo<br />
<strong>resta</strong>urante panorâmico <strong>de</strong> Monsanto.<br />
Vemos o silêncio do Bairro <strong>de</strong> Habitação<br />
Económica do Estado Novo<br />
no Alvito, os edifícios abandona<strong>dos</strong><br />
da Hidroeléctrica do Douro, a ruína<br />
da Pousada das Penhas da Saú<strong>de</strong>.<br />
Vemos <strong>um</strong> extraordinário hotel sobre<br />
o mar, sossega<strong>dos</strong> sanatórios do início<br />
do século XX. Tudo isto são restos<br />
<strong>de</strong> épocas em <strong>que</strong> os empreendimentos<br />
do Estado alimentavam centenas<br />
<strong>de</strong> famílias e lhes garantiam casa,<br />
cuidavam da paisagem e da arquitectura,<br />
<strong>de</strong>ixavam <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong><br />
e segurança em cada pedra<br />
assente n<strong>um</strong> parapeito, em cada viga<br />
<strong>de</strong> betão lançada sobre o vazio. Mozos<br />
filmou também minas, barcaças<br />
e estações <strong>de</strong> caminho <strong>de</strong> ferro varridas<br />
pelo vento e o <strong>de</strong>smazelo, a ferrugem<br />
<strong>que</strong> restou <strong>dos</strong> <strong>sonhos</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
Portugal autónomo industrialmente.<br />
E gravou para a banda sonora <strong>de</strong>stroços<br />
<strong>de</strong> quando se utilizavam fórmulas<br />
<strong>de</strong> boas maneiras <strong>que</strong> não<br />
eram menos sinceras <strong>que</strong> as nossas<br />
mensagens <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cordialida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
teclado e se escreviam cartas pondo<br />
<strong>um</strong> tempo vagaroso em cada frase,<br />
cartas <strong>que</strong> eram escritas tanto para<br />
o seu <strong>de</strong>stinatário quanto para a arte<br />
<strong>de</strong> escrever cartas.<br />
Os <strong>de</strong>stroços materiais para <strong>que</strong><br />
este filme olha fixamente, sem o pestanejar<br />
ou o exame mais empenhado<br />
<strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong> câmara, foram<br />
quase to<strong>dos</strong> magníficas peças<br />
da arquitectura e da arte mo<strong>de</strong>rnas<br />
e também isso intensifica a estranheza<br />
com <strong>que</strong> olhamos a sua <strong>de</strong>crepitu<strong>de</strong>.<br />
São os melhores <strong>sonhos</strong><br />
<strong>de</strong> ontem, o melhor Estado <strong>de</strong> ontem,<br />
as melhores maneiras <strong>de</strong> ontem, <strong>que</strong><br />
“Ruínas” expõe como obsoletos e<br />
<strong>de</strong>spreza<strong>dos</strong>.<br />
Os melhores<br />
<strong>sonhos</strong> <strong>de</strong> ontem<br />
“Ruínas” não é sobre o país <strong>de</strong>gradado,<br />
o país-subúrbio, o país-lixo em<br />
<strong>que</strong> se transformou todo o Portugal<br />
entre a costa e 50 km para o interior<br />
por causa do sucessivo falhanço do<br />
Estado nas sucessivas mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s:<br />
a do il<strong>um</strong>inismo após Pombal,<br />
a do liberalismo oitocentista, a da<br />
mo<strong>de</strong>rnização a partir da década <strong>de</strong><br />
1960. As imagens da Cova do Vapor<br />
e da Fonte da Telha incluídas no filme<br />
<strong>de</strong>viam, em minha opinião, ter<br />
ficado <strong>de</strong> fora na montagem final<br />
(embora sejam testemunho da obsolescência<br />
rapidíssima <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vida<br />
<strong>que</strong> é suburbana e pobre mas<br />
também digna e al<strong>de</strong>ã, certamente<br />
melhor do <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la <strong>que</strong> <strong>de</strong>corre<br />
nos horríveis arredores <strong>de</strong> Lisboa<br />
ou do Porto).<br />
Ao país-subúrbio <strong>de</strong>dicou em<br />
2006 Daniel Blaufuks o seu filme<br />
“Um pouco mais pe<strong>que</strong>no <strong>que</strong> o Indiana”,<br />
<strong>um</strong>a obra à qual a “opinião”<br />
preferiu o politicamente correcto<br />
“Lisboetas” <strong>de</strong> Sérgio Tréfaut, mais<br />
conforme as canções <strong>de</strong> embalar<br />
<strong>que</strong> gostamos <strong>de</strong> nos cantar a nós<br />
próprios sobre nós próprios. Durante<br />
muito tempo, o país-subúrbio foi<br />
“<strong>de</strong>scoberto”, fotografado, pensado,<br />
apenas pelos arquitectos e por a<strong>que</strong>les<br />
<strong>que</strong> com eles privavam. Hoje,<br />
vem ainda da cultura <strong>dos</strong> arquitectos<br />
– e <strong>de</strong> geógrafos como Álvaro<br />
Domingues – a consciência <strong>de</strong> <strong>que</strong><br />
esse país não tem já remédio, e <strong>que</strong><br />
o feio, o subúrbio, terá <strong>de</strong> constituir<br />
a base sobre a qual construir <strong>um</strong>a<br />
vida com a civilida<strong>de</strong> possível.<br />
O filme <strong>de</strong> Manuel Mozos não se<br />
ocupa disso. Não se ocupa <strong>de</strong> nós<br />
como somos, mas como acabámos<br />
<strong>de</strong> ser... há tão pouco tempo <strong>que</strong>, nas<br />
imagens <strong>de</strong> <strong>um</strong> consultório <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntista<br />
os instr<strong>um</strong>entos estão larga<strong>dos</strong><br />
sobre as mesas como se o médico<br />
tivesse ido lá fora por <strong>um</strong> momento,<br />
talvez aten<strong>de</strong>r o telefone.<br />
“Ruínas” não é bom título para o<br />
filme. O conceito <strong>de</strong> ruínas tem <strong>um</strong>a<br />
linhagem pesada. Imagens figurando<br />
mon<strong>um</strong>entos arruina<strong>dos</strong> constituíram<br />
<strong>um</strong> tema muito importante<br />
para a cultura europeia do final do<br />
Ancién Régime. Face às ruínas, filósofos<br />
e pensadores sentiam mais<br />
agudamente o Fim da História <strong>que</strong><br />
se aproximava, <strong>que</strong> as Revoluções<br />
confirmariam, <strong>que</strong> Hegel constataria.<br />
Ora, não é o futuro <strong>que</strong> interessou<br />
Manuel Mozos e o seu filme não<br />
tem nada <strong>que</strong> ver com o Fim da História,<br />
antes com a suspensão portuguesa<br />
da história. Aliás, é neste ponto<br />
<strong>que</strong> “Ruínas” <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser apenas<br />
(mais) <strong>um</strong>a meditação em imagem<br />
e palavra sobre a transitorieda<strong>de</strong> ou<br />
a distracção mo<strong>de</strong>rnas e passa a ser<br />
também <strong>um</strong> testemunho português<br />
sobre Portugal.<br />
Os <strong>de</strong>stroços <strong>de</strong> Manuel Mozos são<br />
a história recente <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
Portugal orgulhoso e <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino próprio,<br />
<strong>que</strong> fazemos em <strong>de</strong>stroços sem<br />
dignida<strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a e tentamos escon<strong>de</strong>r<br />
no escuro, no sítio on<strong>de</strong> <strong>de</strong>saparece<br />
a garrafa <strong>de</strong> plástico <strong>que</strong><br />
atiramos pela janela do carro, o lugar<br />
para lá <strong>dos</strong> arbustos e do lixo on<strong>de</strong><br />
jaz a faixa <strong>de</strong> estrada morta, sem<br />
princípio nem fim, <strong>que</strong> ainda hoje as<br />
raposas têm medo <strong>de</strong> atravessar.<br />
Mas “Ruínas” não nos mete pelos<br />
olhos e ouvi<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ntro apenas a obsolescência<br />
<strong>de</strong>stes <strong>de</strong>stroços. Faznos<br />
também pressentir a sua ensur<strong>de</strong>cedora<br />
recusa <strong>de</strong> partir em paz<br />
para <strong>de</strong>ntro da noite, recusa <strong>que</strong> a<br />
opinião dominante portuguesa gostaria<br />
<strong>que</strong> o passado tivesse o bom<br />
gosto <strong>de</strong> abdicar. Em Portugal é preciso<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>que</strong> à memória colectiva<br />
mais recente caia a tinta, apodreça<br />
o tecto, enferrujem as dobradiças e<br />
os carris, corroa a erva daninha, se<br />
partam com o vento as vidraças. Portugal<br />
não <strong>que</strong>r recordar nem <strong>que</strong>r<br />
ver aquilo <strong>que</strong> foi ontem, ainda ontem,<br />
há bocadinho. Quando aceita<br />
fazê-lo, escon<strong>de</strong> a vergonha e o remorso<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> estatísticas (<strong>que</strong><br />
mentem e triunfam por<strong>que</strong> simplificam<br />
tudo).<br />
Há no filme <strong>um</strong> plano enigmático:<br />
vemos nele a tranquilida<strong>de</strong> do mar<br />
embalado pela praia. A vista per<strong>de</strong>se-nos<br />
no horizonte aberto. Que faz<br />
aqui o mar, entre ma<strong>de</strong>iras podres,<br />
estu<strong>que</strong>s caí<strong>dos</strong>, carris ferrugentos.<br />
Descansa-nos os olhos? Aponta-nos<br />
o caminho secular da fuga? Gosto <strong>de</strong><br />
pensar <strong>que</strong> está ali a assegurar-nos<br />
<strong>de</strong> <strong>que</strong> tudo será <strong>um</strong> dia limpo pelo<br />
sal e pelo sol e <strong>que</strong> os crânios <strong>dos</strong><br />
animais <strong>de</strong> <strong>um</strong> passado morto ainda<br />
ontem, <strong>que</strong> surgem aqui e ali nas<br />
imagens, serão transforma<strong>dos</strong> nas<br />
formas reverberantes <strong>de</strong> brancura<br />
<strong>que</strong> encontramos por vezes na areia<br />
e conseguimos tomar por vestígios<br />
fósseis <strong>de</strong> <strong>um</strong> tempo imemorial.<br />
*Historiador<br />
O filme <strong>de</strong><br />
Mozos ocupase<br />
<strong>de</strong> nós como<br />
acabámos <strong>de</strong><br />
ser... há tão<br />
pouco tempo<br />
<strong>que</strong>, nas<br />
imagens <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong><br />
consultório <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntista os<br />
instr<strong>um</strong>entos<br />
estão larga<strong>dos</strong><br />
sobre as<br />
mesas como se<br />
o médico<br />
tivesse ido lá<br />
fora por <strong>um</strong><br />
momento,<br />
talvez aten<strong>de</strong>r<br />
o telefone.<br />
Os <strong>de</strong>stroços <strong>de</strong> Mozos são a história recente <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong> <strong>um</strong> Portugal<br />
orgulhoso , <strong>que</strong> fazemos em <strong>de</strong>stroços sem dignida<strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 9
O irmão<br />
mais velho<br />
A presença <strong>de</strong> Mozos no cinema português tem <strong>um</strong>a função<br />
simbólica crucial: ele é <strong>um</strong>a testemunha <strong>de</strong> algo <strong>que</strong> <strong>de</strong>ixou<br />
<strong>de</strong> ser o <strong>que</strong> noutro tempo foi. Luís Miguel Oliveira<br />
Que “Ruínas” (o filme <strong>de</strong> Manuel Mozos) se estreie em conjunto com<br />
“Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>” (o filme <strong>de</strong> João Nicolau) será <strong>um</strong> facto<br />
ditado por <strong>que</strong>stões <strong>de</strong> conveniência logística - os dois filmes têm<br />
origem na mesma produtora, a O Som e a Fúria. Mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse<br />
facto concreto, a porta fica aberta para <strong>um</strong> simbolismo interessante,<br />
<strong>que</strong> mais não é do <strong>que</strong> a confirmação <strong>de</strong> outro facto: a relação<br />
privilegiada entre Mozos (<strong>que</strong> nasceu em 1959 e começou a filmar<br />
no final <strong>dos</strong> anos 80) e <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> cineastas mais novos do <strong>que</strong><br />
ele, nasci<strong>dos</strong> já nos anos 70. Como <strong>que</strong> <strong>um</strong> apadrinhamento e <strong>um</strong>a<br />
adopção, mútuos e simultâneos.<br />
É verda<strong>de</strong> <strong>que</strong> a maior parte <strong>de</strong>sses cineastas gravita em torno da O<br />
Som e a Fúria - Mozos participou em mais do <strong>que</strong> <strong>um</strong> filme <strong>de</strong> Miguel<br />
Gomes, e montou “Tony”, a estreia na realização <strong>de</strong> Bruno Lourenço,<br />
também <strong>um</strong>a produção O Som e a Fúria recentemente distribuida<br />
em sala - tornando natural <strong>que</strong> também ele tenha chegado a essa<br />
produtora com “Ruínas”. Mas não só: vimo-lo no “Veneno Cura”<br />
<strong>de</strong> Ra<strong>que</strong>l Freire e, coincidência ou não, João Salaviza, o jovem<br />
realizador do premiado “Arena”, foi actor no “...Quando Troveja” <strong>que</strong><br />
Mozos dirigiu em 1999.<br />
Que afinida<strong>de</strong>s existem entre o cinema <strong>de</strong> uns e <strong>de</strong> outros, o <strong>que</strong> é<br />
<strong>que</strong> está na origem <strong>de</strong>sta transformação <strong>de</strong> Mozos n<strong>um</strong>a espécie<br />
<strong>de</strong> “irmão mais velho” <strong>de</strong> cineastas nasci<strong>dos</strong> <strong>de</strong>z, quinze, vinte<br />
anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le? Convém registar <strong>um</strong> dado curioso <strong>que</strong> se liga aos<br />
mo<strong>dos</strong> (e aos tempos) da recepção <strong>dos</strong> filmes <strong>de</strong> toda este gente.<br />
A carreira <strong>de</strong> Mozos, se bem <strong>que</strong> iniciada em finais da década <strong>de</strong><br />
80, foi fértil em impasses e azares tremen<strong>dos</strong>. Do seu primeiro<br />
filme - “Um Passo, Outro Passo e Depois”, 1989 - <strong>de</strong>spareceram os<br />
materiais originais, e só se po<strong>de</strong> vê-lo hoje em transcrições ví<strong>de</strong>o<br />
<strong>que</strong> danificam as qualida<strong>de</strong>s da imagem e do som. “Xavier”, <strong>que</strong><br />
teria sido o seu filme seguinte, encontrou problemas <strong>de</strong> produção<br />
<strong>que</strong> atrasaram significativamente a sua conclusão e a sua estreia<br />
- rodado em 1992, só chegou a <strong>um</strong>a versão “acabada” já no século<br />
XXI. De certa maneira, a obra <strong>de</strong> Mozos só “arrancou”, em termos<br />
<strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> e visibilida<strong>de</strong>, n<strong>um</strong>a data relativamente recente:<br />
1999 e “...Quando Troveja”. O <strong>que</strong> vale por dizer <strong>que</strong>, em termos <strong>de</strong><br />
recepção, se tivesse criado <strong>um</strong> efeito <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong> entre<br />
os filmes <strong>de</strong> <strong>um</strong> e <strong>de</strong> outros, e a “<strong>de</strong>scoberta” <strong>de</strong> Mozos fosse, <strong>de</strong> facto,<br />
simultânea à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Gomes, Sandro Aguilar, João Nicolau...<br />
Fazer cinema em Portugal já é difícil mesmo sem ter em conta<br />
a indiferença do público, as eventuais injustiças da crítica e a<br />
hostilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “opinion makers” enfatua<strong>dos</strong>. O percurso <strong>de</strong> Mozos<br />
faz <strong>de</strong>le <strong>um</strong> “sobrevivente”, e <strong>um</strong> exemplo vivo <strong>de</strong> obstinação<br />
perante as dificulda<strong>de</strong>s, <strong>um</strong> exemplo <strong>de</strong> “resiliência” - e isto é algo<br />
<strong>que</strong> os mais jovens vêem e admiram nele. Por outro lado, pelos seus<br />
filmes passa ainda a sombra <strong>de</strong> <strong>um</strong> cinema português (o <strong>dos</strong><br />
anos 80) <strong>que</strong> viveu - visto <strong>de</strong> hoje, com inusitada felicida<strong>de</strong><br />
- a encruzilhada entre a afirmação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a<br />
fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> “familiar” a toda a<strong>que</strong>la geração <strong>de</strong> cineastas<br />
(os do Cinema Novo, os <strong>que</strong> vieram logo a seguir) <strong>que</strong><br />
praticamente construiu a própria noção <strong>de</strong> “cinema<br />
Comentário português”. O cinema português e a noção <strong>de</strong> “cinema<br />
português” mudaram na última década e meia, mas ainda<br />
há algo <strong>que</strong> respon<strong>de</strong> a esse cinema português <strong>dos</strong> anos<br />
70 e <strong>dos</strong> anos 80. Quando se vê <strong>um</strong> filme como “Canção <strong>de</strong><br />
Amor e Saú<strong>de</strong>” percebe-se bem <strong>que</strong>, sendo já “outra coisa”, é<br />
ainda <strong>um</strong> filme <strong>que</strong> tem algo a <strong>de</strong>ver (e <strong>que</strong> sabe <strong>que</strong> tem algo<br />
a <strong>de</strong>ver) a João César Monteiro. Os “filhos” já não serão “filhos”<br />
mas reconhecem os “pais”, e mesmo <strong>que</strong> seja para partir para outros<br />
territórios esse reconhecimento mais ou menos próximo, mais ou<br />
menos remoto, ainda está nos filmes. Nessa medida a presença<br />
<strong>de</strong> Mozos no cinema português actual tem <strong>um</strong>a função simbólica<br />
crucial: ele é <strong>um</strong>a testemunha <strong>de</strong> algo <strong>que</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o <strong>que</strong><br />
noutro tempo foi, mas <strong>que</strong> <strong>de</strong>sse tempo traz ainda alg<strong>um</strong>a coisa para<br />
transmitir e para <strong>de</strong>positar junto <strong>dos</strong> <strong>que</strong> vieram - <strong>dos</strong> <strong>que</strong> nasceram<br />
- <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. Alguém dirá <strong>que</strong> “Ruínas”, obra sobre lugares<br />
abandona<strong>dos</strong> e memórias adormecidas, não é justamente <strong>um</strong> filme<br />
sobre isto mesmo?<br />
10 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Canções, amor<br />
e fantasia<br />
A acompanhar a exibição <strong>de</strong> “Ruínas”, <strong>de</strong> Mozos está “Canção <strong>de</strong> Amor<br />
e Saú<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> João Nicolau. É mais <strong>um</strong>a produção O Som e a Fúria: filmes<br />
marca<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> fantasioso imaginário <strong>que</strong> irrompe pelo quotidiano <strong>dos</strong><br />
protagonistas. Sem aviso nem fricção. Francisco Valente<br />
MIGUEL MANSO<br />
Em “Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>”,<br />
João Nicolau filma o músico<br />
Norberto Lobo como<br />
empregado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a loja <strong>de</strong><br />
chaves n<strong>um</strong> centro comercial.<br />
Os seus dias divi<strong>de</strong>m-se entre<br />
a procura <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo amor e a<br />
tentativa <strong>de</strong> compreensão do<br />
seu mistério<br />
Na sua primeira obra, “Rapace”<br />
(2006) – Gran<strong>de</strong> Prémio do 14º Festival<br />
<strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong> –, João Nicolau<br />
mostrava-nos <strong>um</strong> recém-licenciado<br />
com pouca vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar as<br />
responsabilida<strong>de</strong>s. O filme passava-se<br />
no bairro <strong>de</strong> Telheiras, em Lisboa, e<br />
a personagem preferia refugiar-se em<br />
códigos <strong>de</strong> fantasia e comunicação<br />
nos seus encontros. Nos locais <strong>que</strong><br />
filmou, entre a casa e a rua, Nicolau<br />
abria portas para a intervenção do<br />
imaginário no quotidiano do protagonista,<br />
juntando, por vezes no mesmo<br />
plano, elementos realistas a <strong>um</strong>a<br />
fantasia regressiva, infantil.<br />
Na nova curta, “Canção <strong>de</strong> Amor e<br />
Saú<strong>de</strong>”, <strong>que</strong> acompanha a exibição<br />
<strong>de</strong> “Ruínas”, Nicolau passa a <strong>um</strong>a nova<br />
cida<strong>de</strong>: Porto. Aí, Norberto Lobo<br />
(músico e amigo do realizador) é João,<br />
empregado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a loja <strong>de</strong> chaves<br />
n<strong>um</strong> centro comercial. Os seus dias,<br />
tempera<strong>dos</strong> pela realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> espaço<br />
comercial vazio no centro da<br />
cida<strong>de</strong>, acabam por se dividir entre a<br />
procura <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo amor e a tentativa<br />
<strong>de</strong> compreensão do seu mistério.<br />
Após alguns encontros (reais ou sonha<strong>dos</strong>),<br />
João conhecerá Marta do<br />
Monte, <strong>que</strong> lhe entregará a chave <strong>que</strong><br />
irá abrir a porta do seu imaginário.<br />
Ao contrário <strong>de</strong> “Rapace”, em <strong>que</strong><br />
a personagem tenta fugir a regras <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> comportamento adulto, João Nicolau<br />
concentrou-se, em “Canção <strong>de</strong><br />
“A música é<br />
a associação<br />
<strong>de</strong> acontecimentos<br />
sonoros no tempo<br />
e é também utilizada<br />
em ‘Canção <strong>de</strong> Amor<br />
e Saú<strong>de</strong>’ <strong>de</strong> maneiras<br />
diversas, para<br />
o tempo correr mais<br />
rápido ou para<br />
se criar <strong>um</strong>a bolha,<br />
como na sequência<br />
vermelha do filme,<br />
<strong>que</strong> o dilata”<br />
João Nicolau<br />
Amor e Saú<strong>de</strong>”, na passagem da inocência<br />
para a assunção <strong>dos</strong> sentimentos<br />
e, porventura, na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a vida adulta.<br />
“‘Rapace’ é <strong>um</strong> filme fundado na<br />
impossibilida<strong>de</strong> do encontro amoroso.<br />
‘Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>’ é o contrário:<br />
acaba com <strong>um</strong> beijo. O João é<br />
<strong>um</strong> jovem <strong>que</strong> já trabalha. E, no entanto,<br />
há sempre <strong>um</strong> reduto <strong>de</strong> inocência,<br />
<strong>que</strong> <strong>de</strong>pois possibilita o amor.<br />
O Hugo, no ‘Rapace’, acabou os estu<strong>dos</strong>,<br />
está n<strong>um</strong> momento <strong>de</strong> pausa.<br />
Mas é curioso ver <strong>que</strong> esses redutos<br />
mais íntimos não têm a ver com o<br />
amor ou com o trabalho, mas com<br />
resignação ou, outras vezes, com o<br />
<strong>que</strong>rer romper com o mundo <strong>que</strong> nos<br />
ro<strong>de</strong>ia. O <strong>que</strong> me interessa é o momento<br />
em <strong>que</strong> isso po<strong>de</strong> ser transformado”.<br />
Em “Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>” essa<br />
transformação surge quando João<br />
abre a porta da loja com a chave <strong>de</strong><br />
Marta do Monte. No plano seguinte,<br />
os dois encontram-se n<strong>um</strong> jardim, <strong>um</strong><br />
local aberto para viverem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a fábula. Algo só possível graças à<br />
fantasia <strong>que</strong> o cinema <strong>de</strong> Nicolau conce<strong>de</strong><br />
aos seus lugares, n<strong>um</strong> jogo permanente<br />
entre o físico filmado e o<br />
imaginário <strong>que</strong> este sugere.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 11
“Quando faço esses planos em <strong>que</strong><br />
vejo o Norberto a entrar na cave do<br />
pai, e quando a Marta lhe dá a chave<br />
e eles passam para o jardim, o <strong>que</strong> me<br />
interessou, também, foi tirar o lado<br />
metafórico. Ali, há o lado físico, são<br />
mesmo portas <strong>que</strong> se abrem. É por<br />
isso <strong>que</strong> os ‘décors’ são tão importantes:<br />
conferem essa materialida<strong>de</strong> <strong>que</strong><br />
não está nas personagens, <strong>que</strong> são<br />
quase seres fantasiosos”.<br />
O jardim é o da Fundação <strong>de</strong> Serralves<br />
(“se pu<strong>de</strong>sse, filmava <strong>um</strong> filme<br />
só com pássaros”), on<strong>de</strong> as personagens<br />
<strong>de</strong> repente falam <strong>um</strong>a nova língua:<br />
o francês. “Uma semana antes<br />
da rodagem, o Canal+ comunicou <strong>que</strong><br />
para apoiar o filme ele teria <strong>de</strong> ser<br />
falado, em 50 por cento, em francês.<br />
Essa dificulda<strong>de</strong> acabou por jogar melhor<br />
com o tempo <strong>dos</strong> planos, e com<br />
a lógica <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> décor, <strong>de</strong> língua<br />
e <strong>de</strong> relação”.<br />
Méliès e L<strong>um</strong>ière<br />
A <strong>que</strong>bra das normas nos filmes <strong>de</strong><br />
João Nicolau (com <strong>um</strong>a primeira longa,<br />
“A Espada e a Rosa”, para breve),<br />
tanto em termos espaciais como narrativos,<br />
é <strong>um</strong>a das marcas mais importantes<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> filmes<br />
Há sempre <strong>um</strong><br />
lado infantil em cada<br />
espectador quando<br />
se <strong>de</strong>ixa levar pelo<br />
filme. Isso sempre fez<br />
parte do imaginário<br />
cinematográfico”<br />
Bruno Lourenço<br />
Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> “Tony” , <strong>de</strong><br />
Bruno Lourenço, é passado<br />
n<strong>um</strong> clube on<strong>de</strong> imitadores <strong>de</strong><br />
figuras conhecidas da música<br />
portuguesa se juntam para<br />
recriarem as interpretações<br />
das vidas com <strong>que</strong> sonham.<br />
<strong>que</strong> têm chegado ao cinema português:<br />
marca<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> fantasioso<br />
imaginário, <strong>que</strong> irrompe pelo quotidiano<br />
<strong>dos</strong> protagonistas sem aviso<br />
nem fricção, pontua<strong>dos</strong> por <strong>um</strong>a liberda<strong>de</strong><br />
musical e <strong>um</strong> interesse pelas<br />
possibilida<strong>de</strong>s da sua representação.<br />
E há colaborações recorrentes entre<br />
colegas. Miguel Gomes, realizador<br />
<strong>de</strong> “A Cara <strong>que</strong> Mereces” (2004) e<br />
“A<strong>que</strong>le Querido Mês <strong>de</strong> Agosto”<br />
(2009), tem contado com João Nicolau<br />
para vários papéis nos seus filmes.<br />
Na curta <strong>de</strong> Gomes “Cântico das Criaturas”<br />
(2006), Nicolau foi actor e<br />
montador, tendo mais tar<strong>de</strong> sido actor<br />
em “A Cara <strong>que</strong> Mereces”, on<strong>de</strong><br />
as personagens cantam sem aviso e<br />
recusam viver segundo a realida<strong>de</strong> da<br />
vida adulta. Participam em jogos tira<strong>dos</strong><br />
da infância, testando até <strong>que</strong> ponto<br />
po<strong>de</strong>rão continuar a viver na fábula<br />
<strong>que</strong> criaram. O cinema, aqui, surge<br />
ainda como plataforma privilegiada<br />
para o imaginário.<br />
“O cinema serve para isso”, diz Miguel<br />
Gomes. “Esta dupla vertente do<br />
Méliès e do L<strong>um</strong>ière, <strong>um</strong>a <strong>que</strong> tem a<br />
ver com o registo do real e outra <strong>que</strong><br />
tem a ver com a criação <strong>de</strong> mun<strong>dos</strong><br />
paralelos ao nosso, está na origem do<br />
cinema <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início”.<br />
“Aos doze anos”, continua, “li ‘As<br />
Mil e Uma Noites’, <strong>um</strong> livro sobre a<br />
necessida<strong>de</strong> e o prazer <strong>de</strong> escutar histórias,<br />
on<strong>de</strong> fazê-lo é literalmente<br />
<strong>que</strong>stão <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> morte. Dentro<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a história vem outra, e <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>ssa história vem outra, até à vertigem...<br />
O cinema, para mim, vem também<br />
das ‘Mil e Uma Noites’. Tem essa<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguirmos voltar<br />
a olhar para o mundo <strong>de</strong> maneira<br />
mais livre: há <strong>um</strong> lado libertário, a<br />
evocação da infância serve para isso,<br />
para as coisas po<strong>de</strong>rem voltar a ser<br />
possíveis. Existe <strong>um</strong>a ligação muito<br />
forte entre sonho, infância e cinema,<br />
as regras são muito mais flexíveis e<br />
livres do <strong>que</strong> no universo normativo<br />
on<strong>de</strong> vivemos”.<br />
Bruno Lourenço, assistente <strong>de</strong><br />
realização nos filmes <strong>de</strong> Miguel Gomes<br />
(conheceram-se na mesma turma<br />
da escola <strong>de</strong> cinema), lançou recentemente<br />
“Tony” nas salas, a sua primeira<br />
curta (on<strong>de</strong> João Nicolau também<br />
participa como actor). É centrada<br />
n<strong>um</strong> jovem <strong>que</strong> imita o seu ídolo,<br />
o cantor Tony <strong>de</strong> Matos, e o realizador<br />
sublinha a importância da infância no<br />
filme: “Mas tudo isso tem a ver com<br />
o cinema, é como ir ver <strong>um</strong> filme. Há<br />
sempre <strong>um</strong> lado infantil em cada espectador<br />
quando se <strong>de</strong>ixa levar pelo<br />
filme. Isso sempre fez parte do imaginário<br />
cinematográfico”.<br />
Quem canta,<br />
os males espanta<br />
Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> “Tony” é passado<br />
nesse clube on<strong>de</strong> imitadores <strong>de</strong> figuras<br />
conhecidas da música portuguesa<br />
se juntam para recriarem as interpretações<br />
das vidas com <strong>que</strong> sonham.<br />
“A<strong>que</strong>le Querido Mês <strong>de</strong> Agosto”, <strong>de</strong><br />
Miguel Gomes, oferecia <strong>um</strong> regresso<br />
a <strong>um</strong> local <strong>de</strong> férias, em Arganil, para<br />
o retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a paixão adolescente<br />
<strong>de</strong> Verão no cenário musical e festivo<br />
<strong>dos</strong> verda<strong>de</strong>iros habitantes da região<br />
PEDRO CUNHA<br />
12 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
on<strong>de</strong> o filme foi rodado. Em cada palco<br />
os músicos dão aos espectadores<br />
e a <strong>que</strong>m os filma a interpretação <strong>dos</strong><br />
seus sentimentos e das histórias <strong>de</strong><br />
amor criadas nesse local.<br />
“A primeira i<strong>de</strong>ia para o filme foi<br />
tentar construir <strong>um</strong> melodrama a partir<br />
da<strong>que</strong>le universo musical físico,<br />
das festas <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia com a<strong>que</strong>las canções”,<br />
diz Gomes. Como <strong>que</strong>m chega<br />
a <strong>um</strong> novo local e observa a realida<strong>de</strong><br />
por entre as notas escritas pelos protagonistas,<br />
tirando daí o seu cinema.<br />
A canção surge, então, como <strong>um</strong>a<br />
oportunida<strong>de</strong>, <strong>um</strong> lugar on<strong>de</strong> as personagens<br />
po<strong>de</strong>m partilhar o <strong>que</strong> sentem.<br />
“Isso vem do meu gosto pela<br />
música, <strong>de</strong> sentir <strong>que</strong> faz parte da minha<br />
vida escutar canções e <strong>de</strong> achar<br />
<strong>que</strong> há espaço para isso no cinema”.<br />
Interessa-lhe “perceber até <strong>que</strong> ponto<br />
<strong>um</strong>a canção consegue sintetizar o<br />
universo mental e emocional <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
personagem n<strong>um</strong> momento”.<br />
Para João Nicolau, o cinema e a música<br />
estão também próximos na sua<br />
vida. Nicolau integra o grupo München,<br />
a banda escreve os momentos<br />
musicais <strong>dos</strong> seus filmes. “N<strong>um</strong>a lógica<br />
<strong>de</strong> prazer <strong>que</strong> procuro manter<br />
para orientar a minha activida<strong>de</strong>,<br />
aquilo <strong>que</strong> gosto <strong>de</strong> ver n<strong>um</strong> filme é<br />
a experiência do tempo. A música é<br />
a associação <strong>de</strong> acontecimentos sonoros<br />
no tempo e é também utilizada<br />
em ‘Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>’ <strong>de</strong> maneiras<br />
diversas, para o tempo correr<br />
mais rápido ou para se criar <strong>um</strong>a bolha,<br />
como na sequência vermelha do<br />
filme, <strong>que</strong> o dilata”.<br />
“Há <strong>um</strong> momento no ‘Cara <strong>que</strong> Mereces”,<br />
diz, por seu lado, Miguel Gomes,<br />
“em <strong>que</strong> as personagens começam<br />
a entoar a melodia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a canção<br />
<strong>que</strong> se ouve n<strong>um</strong> filme, ‘Rio<br />
Bravo’ [Howard Hawks]. É o momento<br />
em <strong>que</strong> <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m tomar <strong>um</strong>a série<br />
<strong>de</strong> soporíferos e entrar para <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> quarto on<strong>de</strong> vive <strong>um</strong> monstro.<br />
A canção surge no ‘Rio Bravo’ no momento<br />
em <strong>que</strong> os protagonistas se<br />
metem na prisão com o bandido e<br />
esperam <strong>que</strong>, a qual<strong>que</strong>r momento,<br />
entre o gangue <strong>de</strong>le para os matar a<br />
to<strong>dos</strong>. E cantam para não ter medo,<br />
tal como as minhas personagens cantam<br />
para não ter medo”.<br />
Recordações <strong>de</strong> João César<br />
A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes filmes traz recordações<br />
do cinema português: personagens<br />
<strong>que</strong> recusam a responsabilida<strong>de</strong><br />
das normas, preferindo o mundo<br />
fantasioso <strong>que</strong> os protege. São<br />
recordações <strong>de</strong> <strong>um</strong>a casa <strong>de</strong> outras<br />
cores, recordações <strong>de</strong> João César<br />
Monteiro.<br />
De to<strong>dos</strong>, João Nicolau é a<strong>que</strong>le a<br />
<strong>que</strong>m tem sido <strong>de</strong>tectada <strong>um</strong>a colagem<br />
mais forte ao cineasta. Foi o montador<br />
<strong>de</strong> “Vai-e-Vem” (2003), último<br />
filme <strong>de</strong> Monteiro, e trabalhou, dois<br />
anos <strong>de</strong>pois, na organização do catálogo<br />
<strong>de</strong>dica do ao realizador editado<br />
pela Cinemateca Portuguesa. Reconhece<br />
a importância <strong>de</strong> Monteiro no<br />
seu percurso, sem ver, contudo, <strong>um</strong>a<br />
herança: “Muitas vezes sou apresentado<br />
como discípulo, o <strong>que</strong> não faz<br />
sentido. Claro <strong>que</strong> é <strong>um</strong> realizador<br />
importantíssimo. É alguém <strong>que</strong> nos<br />
diz muito pela liberda<strong>de</strong> <strong>que</strong> trouxe<br />
aos filmes. No meu caso pelos diálogos,<br />
no caso do Miguel [Gomes] pelo<br />
olhar mais doc<strong>um</strong>ental”.<br />
Miguel Gomes salienta a importância<br />
<strong>de</strong> “Recordações da Casa Amarela”<br />
(1989): “A minha relação com o<br />
cinema português passou muito por<br />
esse filme, <strong>que</strong> vi quando tinha 16 ou<br />
17 anos, e <strong>que</strong> me impressionou pelo<br />
facto <strong>de</strong> se perceber <strong>que</strong> era possível<br />
filmar Lisboa, a minha cida<strong>de</strong>, da<strong>que</strong>la<br />
maneira, <strong>que</strong> era possível articular<br />
<strong>um</strong> filme com a<strong>que</strong>la liberda<strong>de</strong>. Foi<br />
marcante”.<br />
Talvez a homenagem mais directa<br />
“Esta dupla vertente<br />
do Méliès e do<br />
L<strong>um</strong>ière, <strong>um</strong>a <strong>que</strong><br />
tem a ver com<br />
o registo do real<br />
e outra <strong>que</strong> tem a ver<br />
com a criação<br />
<strong>de</strong> mun<strong>dos</strong> paralelos<br />
ao nosso, está<br />
na origem do cinema<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início”<br />
Miguel Gomes<br />
esteja em “Tony” <strong>de</strong> Bruno Lourenço:<br />
o plano final evoca o plano <strong>de</strong> abertura<br />
<strong>de</strong>sse filme <strong>de</strong> Monteiro, com a<br />
entrada na Lisboa <strong>de</strong> Alfama pelas<br />
águas do Tejo. Bruno Lourenço confirma:<br />
“Sinto Lisboa ali, no plano do<br />
barco. É <strong>um</strong>a homenagem ao Tony <strong>de</strong><br />
Matos, por causa da<strong>que</strong>la música maravilhosa<br />
<strong>de</strong> <strong>que</strong> gosto muito, e ao<br />
César Monteiro, a pessoa <strong>que</strong> melhor<br />
filmou Lisboa”.<br />
No entanto, dizem to<strong>dos</strong>, trata-se<br />
menos <strong>de</strong> <strong>um</strong> legado, do <strong>que</strong> <strong>de</strong> manter<br />
<strong>um</strong> olhar atento ao <strong>que</strong> os ro<strong>de</strong>ia.<br />
João Nicolau: “Há outros realizadores<br />
contemporâneos do João César Monteiro,<br />
o Luc Moullet, o [Otar] Iosseliani,<br />
o [Aki] Kaurismäki, <strong>que</strong> recusam<br />
e ao mesmo tempo interagem com o<br />
<strong>que</strong> os ro<strong>de</strong>ia; o próprio Godard. Esta<br />
relação <strong>de</strong> estar ou não estar com<br />
o mundo é necessária à construção<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> filme: esse <strong>de</strong>sfasamento, esse<br />
lado fora da lei, é o <strong>que</strong> faz existir <strong>um</strong>a<br />
tensão qual<strong>que</strong>r sobre a personagem<br />
no filme”.<br />
PEDRO VILELA<br />
Na curta <strong>de</strong> Miguel Gomes<br />
“Cântico das Criaturas” (2006-<br />
em baixo) João Nicolau foi<br />
actor e montador, tendo mais<br />
tar<strong>de</strong> sido actor em “A Cara<br />
<strong>que</strong> Mereces”, on<strong>de</strong> as<br />
personagens cantam sem<br />
aviso e recusam viver segundo<br />
a realida<strong>de</strong> da vida adulta (ao<br />
lado, a curta “Inventário <strong>de</strong><br />
Natal”)<br />
Que lugar para <strong>um</strong>a geração<br />
E to<strong>dos</strong> estes filmes se juntam ainda<br />
n<strong>um</strong> ponto: são produzi<strong>dos</strong> pela O<br />
Som e a Fúria, produtora criada em<br />
1998 e gerida por Luís Urbano e Sandro<br />
Aguilar. “Há <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> comunicações<br />
e colaborações <strong>de</strong> trabalho”,<br />
reconhece Sandro, também realizador.<br />
“Nunca houve <strong>um</strong> espírito <strong>de</strong><br />
movimento, cada <strong>um</strong> é muito individualista<br />
e <strong>que</strong>r o seu próprio universo.<br />
Os filmes são muito diferentes. Ao<br />
mesmo tempo, há <strong>que</strong>m diga <strong>que</strong> se<br />
reconhece o <strong>que</strong> sai <strong>de</strong> O Som e a Fúria.<br />
Isso não tem a ver com a especificida<strong>de</strong><br />
da linguagem, tem a ver com<br />
<strong>um</strong> mesmo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> afirmar <strong>um</strong> universo<br />
individual e procurar <strong>que</strong> os<br />
filmes traduzam <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> ver o<br />
cinema. O <strong>que</strong> há <strong>de</strong> com<strong>um</strong> é <strong>que</strong><br />
raramente são filmes <strong>de</strong> rotina”.<br />
“To<strong>dos</strong> eles têm <strong>um</strong>a coisa com<strong>um</strong>”,<br />
continua Luís Urbano, “<strong>um</strong>a<br />
lógica <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> criativa, <strong>que</strong> não<br />
é <strong>de</strong> restrição na produção mas <strong>de</strong><br />
parceria, sendo <strong>que</strong> na maior parte<br />
<strong>dos</strong> projectos estamos na sua génese,<br />
do início até ao fim”.<br />
Daí a empatia criada no seio <strong>de</strong>ste<br />
grupo, baseada no respeito pela liberda<strong>de</strong><br />
criativa <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> intervenientes.<br />
Daí, também, a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> pacto entre o espectador e o<br />
imaginário <strong>que</strong> lhe é oferecido. Nada<br />
<strong>de</strong> novo no cinema, mas algo muito<br />
discutido actualmente em Portugal.<br />
“Os filmes <strong>que</strong> fazemos, e é essa a força<br />
do cinema português”, enfatiza<br />
Luís Urbano, “não tentam conduzir<br />
o espectador. Um filme como ‘Rapace’<br />
ou ‘A<strong>que</strong>le Querido Mês <strong>de</strong> Agosto’,<br />
<strong>que</strong> foi muito bem sucedido comercialmente,<br />
apresentam <strong>um</strong> imaginário,<br />
<strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> imagens e<br />
sons, <strong>um</strong> esboço <strong>de</strong> narrativa, mas<br />
procuram estar sempre cheios <strong>de</strong> espaços<br />
abertos para serem preenchi<strong>dos</strong><br />
pelo espectador. E neste momento<br />
é muito complicado quando existe<br />
<strong>um</strong>a cultura audiovisual <strong>que</strong> tem <strong>um</strong><br />
pavor <strong>de</strong>sse espaço vazio”.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 13
Fontainhas não é palavra para <strong>um</strong><br />
americano, apesar <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> território<br />
familiar em certos circuitos – cinéfilos,<br />
críticos – <strong>dos</strong> EUA, e <strong>de</strong>, por estes dias,<br />
aparecer impressa em publicações<br />
como o “New York Times”, a “New<br />
Yorker” ou a “Interview”, a revista<br />
fundada por Andy Warhol.<br />
“Não sei dizê-lo correctamente, por<br />
isso nem vou tentar”, adverte Kim Hendrickson,<br />
produtora <strong>de</strong> DVDs na Criterion.<br />
Seria <strong>de</strong> imaginar <strong>que</strong> alguém<br />
pensasse duas vezes antes <strong>de</strong> lançar<br />
<strong>um</strong>a caixa <strong>de</strong> quatro DVDs com <strong>um</strong><br />
título <strong>que</strong> não consegue pronunciar –<br />
“Letters From Fontainhas” –, mas a<br />
Criterion não é conhecida por escolher<br />
o caminho fácil, e Kim Hendrickson<br />
encontrou alternativas para se referir<br />
à trilogia <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> Pedro Costa <strong>que</strong><br />
a<strong>que</strong>la editora acaba <strong>de</strong> lançar no mercado<br />
norte-americano.<br />
Anunciada em 2008, na sequência<br />
da “<strong>de</strong>scoberta” <strong>de</strong> Costa nos EUA<br />
(<strong>um</strong>a retrospectiva da sua filmografia<br />
<strong>que</strong> entre 2007 e 2008 percorreu as<br />
principais cida<strong>de</strong>s norte-americanas),<br />
a caixa contém os três filmes <strong>que</strong> o cineasta<br />
português realizou entre 1997<br />
e 2006, “Ossos”, “No Quarto da Vanda”<br />
e “Juventu<strong>de</strong> em Marcha”, em resultado<br />
do seu encontro com o bairro<br />
das Fontainhas, no concelho da Amadora,<br />
e com a sua comunida<strong>de</strong> maioritariamente<br />
composta por imigrantes<br />
cabo-verdianos. A edição <strong>de</strong>sta trilogia<br />
em DVD é justificadíssima, por<strong>que</strong> permite<br />
avaliar a evolução do “corpus”<br />
cinematográfico <strong>de</strong> Costa no interior<br />
da mesma unida<strong>de</strong> territorial e temática<br />
(e, apetece dizer, ética), e também<br />
por<strong>que</strong> os dois últimos filmes em particular<br />
são reconheci<strong>dos</strong> como obras<br />
maiores, <strong>de</strong> expansão, <strong>que</strong>r da filmografia<br />
do autor, <strong>que</strong>r do próprio cinema<br />
contemporâneo “tout court”.<br />
“Estes filmes, nomeadamente ‘No<br />
Quarto da Vanda’ e ‘Juventu<strong>de</strong> em Marcha’”,<br />
res<strong>um</strong>e Kim Hendrickson, “são<br />
os <strong>que</strong> valeram ao Pedro a atenção <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> público internacional mais vasto,<br />
por causa da sua singular temática e<br />
cenário, mas também por causa das<br />
suas opções estilísticas e estéticas.”<br />
A imprensa americana não está a<br />
reagir como se fosse <strong>um</strong> pe<strong>que</strong>no<br />
RICHARD DUMAS<br />
Os americanos apren<strong>de</strong>m a dizer<br />
Fontainhas<br />
A América está-se nas tintas para os filmes <strong>de</strong> <strong>um</strong> cineasta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cinematografia periférica e<br />
Portugal é <strong>um</strong> reduto <strong>de</strong> cinefilia? Pensem duas vezes: a Criterion acaba <strong>de</strong> lançar <strong>um</strong>a caixa<br />
<strong>de</strong> DVDs com a “trilogia” <strong>de</strong> Pedro Costa sobre as Fontainhas.. Kathleen Gomes, em Nova Ior<strong>que</strong><br />
14 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Na “New<br />
Yorker”,<br />
Richard Brody<br />
qualificou o<br />
lançamento<br />
<strong>dos</strong> filmes <strong>de</strong><br />
Costa pela<br />
Criterion<br />
como<br />
“histórico”<br />
As curtas<br />
“Tarrafal” e<br />
“The Rabbit<br />
Hunters”<br />
como bónus<br />
da edição da<br />
Criterion<br />
acontecimento: na “New Yorker”, Richard<br />
Brody qualificou o lançamento<br />
<strong>dos</strong> filmes <strong>de</strong> Costa pela Criterion como<br />
“histórico”, o <strong>que</strong> atesta o estatuto<br />
(e a <strong>de</strong>fesa apaixonada) <strong>que</strong> o realizador<br />
conquistou entre os críticos<br />
americanos, mas também é <strong>um</strong> elogio<br />
à atitu<strong>de</strong> temerária <strong>de</strong> <strong>um</strong>a editora em<br />
apostar n<strong>um</strong> autor <strong>que</strong> nunca teve<br />
distribuição comercial nas salas <strong>de</strong><br />
cinema <strong>dos</strong> EUA. E reconheça-se: a<br />
Criterion ganhou reputação intocável<br />
graças ao seu catálogo <strong>de</strong> clássicos do<br />
cinema <strong>de</strong> autor, filmes <strong>que</strong> já passaram<br />
há muito o teste do tempo – Bergman,<br />
Fellini, Antonioni, Godard, Truffaut<br />
–, portanto a edição <strong>de</strong> <strong>um</strong> cineasta<br />
exigente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cinematografia<br />
periférica dificilmente po<strong>de</strong> ser acusada<br />
<strong>de</strong> golpe comercial; parece <strong>um</strong>a<br />
coisa <strong>que</strong> se volatilizou, em especial<br />
nos agentes <strong>de</strong> distribuição, exibição<br />
e edição cinematográfica: a boa e velha<br />
cinefilia.<br />
“Ele é <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio, não é <strong>um</strong> cineasta<br />
fácil”, admitia Kim Hendrickson em<br />
Novembro <strong>de</strong> 2008, quando o Ípsilon<br />
visitou pela primeira vez a Criterion<br />
em Nova Ior<strong>que</strong>, n<strong>um</strong>a altura em <strong>que</strong><br />
o trabalho sobre a edição estava n<strong>um</strong>a<br />
fase inicial. “Não temos muitos filmes<br />
<strong>de</strong>sse género no nosso catálogo. Temos<br />
alguns”, dizia, acrescentando, a<br />
título <strong>de</strong> exemplo, o cineasta experimental<br />
Stan Brakhage. É o tipo <strong>de</strong> “experiência<br />
cinematográfica”, explica,<br />
<strong>que</strong> precisa <strong>de</strong> <strong>um</strong> contexto para chegar<br />
a gran<strong>de</strong> parte das pessoas. “E nós<br />
temos capacida<strong>de</strong> para trazer esse<br />
contexto aos filmes <strong>de</strong>le <strong>que</strong> mais nin-<br />
guém conseguiu trazer antes.”<br />
No início <strong>de</strong> Março, regressámos<br />
à Criterion. Apesar <strong>de</strong><br />
a<br />
caixa ainda não ter sido lançada<br />
nessa altura, perguntámos<br />
a Hendrickson se já havia<br />
reacções por parte da comunida<strong>de</strong><br />
cinéfila sobre a edição <strong>dos</strong><br />
filmes <strong>de</strong> Costa. “Muitas pessoas<br />
reagiram com surpresa. Não no<br />
mau sentido, mas por<strong>que</strong> já não fazíamos<br />
<strong>um</strong> projecto como este há<br />
alg<strong>um</strong> tempo, em <strong>que</strong> apostássemos<br />
tanto n<strong>um</strong> novo cineasta. Outra <strong>que</strong>stão:<br />
ele é adorado pelos críticos e tem<br />
reputação junto da comunida<strong>de</strong> cinéfila,<br />
mas não há muita gente <strong>que</strong> o conheça<br />
cá. Espero <strong>que</strong> isso mu<strong>de</strong> com<br />
esta caixa.”<br />
A melhor do mundo<br />
Hendrickson, <strong>que</strong> está a trabalhar<br />
nas edições em DVD <strong>de</strong> “Deserto<br />
Vermelho” <strong>de</strong> Antonioni, e vários<br />
títulos <strong>de</strong> Ozu e Kurosawa, explica<br />
como é <strong>que</strong> surgiu a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> editar<br />
Pedro Costa na Criterion. “Temos<br />
imensos amigos no mundo do cinema.<br />
E eles estão constantemente a<br />
enviar-nos sugestões: ‘Deviam fazer<br />
isto, <strong>de</strong>viam fazer aquilo...’ E nós<br />
valorizamos essas recomendações,<br />
aliás, perguntamos-lhe: quais são os<br />
filmes <strong>que</strong> <strong>de</strong>víamos conhecer? É<br />
<strong>um</strong>a <strong>que</strong>stão com a qual temos <strong>de</strong><br />
lidar o tempo todo: se vamos introduzir<br />
<strong>um</strong>a cinematografia nova, por<br />
exemplo, cineastas brasileiros, por<br />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vemos começar? Temos <strong>de</strong><br />
fazer algo <strong>que</strong> não assuste as pessoas<br />
ao ponto <strong>de</strong> nunca mais <strong>que</strong>rerem<br />
ver outro filme brasileiro e <strong>que</strong> ao<br />
mesmo tempo seja representativo<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a história do cinema, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
cultura. Esse é o tipo <strong>de</strong> perguntas<br />
a <strong>que</strong> temos <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r constantemente.<br />
E por isso pedimos ajuda<br />
a amigos, <strong>que</strong> nos fornecem todo o<br />
tipo <strong>de</strong> informações sobre <strong>que</strong>m são<br />
os realizadores, a <strong>que</strong>m é <strong>que</strong> <strong>de</strong>víamos<br />
estar atentos... No caso do Pedro,<br />
podia mostrar-lhe a quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> mails <strong>que</strong> recebi <strong>de</strong> pessoas a dizer:<br />
‘O Pedro vem cá, vais encontrarte<br />
com ele?’ Foi através <strong>de</strong> abordagens<br />
<strong>de</strong>sse género <strong>que</strong> consegui, por<br />
fim, ver os filmes <strong>de</strong>le e começar <strong>um</strong><br />
diálogo.”<br />
Os escritórios da Criterion ficam no<br />
quinto andar <strong>de</strong> <strong>um</strong> edifício junto a<br />
Union Square. É <strong>um</strong> “open space” <strong>de</strong><br />
150 ou 200 metros quadra<strong>dos</strong>, e com<br />
divisórias <strong>que</strong> separam diferentes zonas<br />
<strong>de</strong> trabalho – <strong>um</strong> escritório com<br />
melhores posters na pare<strong>de</strong> (“Eclipse”,<br />
“O Império <strong>dos</strong> Senti<strong>dos</strong>”, “Berlin Alexan<strong>de</strong>rplatz”...<br />
com a<strong>que</strong>la excelência<br />
gráfica a <strong>que</strong> a Criterion nos habituou<br />
com as capas das suas edições) e cheio<br />
<strong>de</strong> luz, o <strong>que</strong> o torna acolhedor.<br />
Do lado direito situam-se as salas<br />
do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> controlo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
e <strong>resta</strong>uro <strong>de</strong> imagem e <strong>de</strong> som<br />
– vários cubículos semelhantes a salas<br />
<strong>de</strong> montagem on<strong>de</strong> técnicos trabalham<br />
frente a computadores. A Criterion<br />
não aceita cópias <strong>de</strong> terceiros,<br />
mas reúne os melhores materiais originais<br />
em arquivos, cinematecas americanas<br />
e internacionais e <strong>de</strong>tentores<br />
<strong>dos</strong> direitos para produzir a sua própria<br />
remasterização digital em alta<br />
<strong>de</strong>finição. No caso <strong>de</strong> “Ossos”, Costa<br />
trabalhou com <strong>um</strong> técnico da Tóbis,<br />
Gonçalo Ferreira, em Lisboa, no <strong>resta</strong>uro,<br />
correcção <strong>de</strong> cor e transferência<br />
digital (<strong>dos</strong> três filmes, é o único em<br />
película <strong>de</strong> 35 mm), <strong>que</strong> <strong>de</strong>pois serviu<br />
<strong>de</strong> referência para a Criterion, <strong>que</strong><br />
criou a sua cópia. Com os outros dois<br />
filmes, esse processo teve lugar em<br />
Burbank, Califórnia, on<strong>de</strong> Costa trabalhou<br />
com Joe Gawler, “étalonneur”<br />
(técnico <strong>de</strong> correcção <strong>de</strong> cor) <strong>de</strong> Jim<br />
Jarmusch ou Wes An<strong>de</strong>rson. Costa<br />
nota com ironia <strong>que</strong> na sala ao lado se<br />
trabalhava em “Avatar”.<br />
É na fase seguinte <strong>que</strong> os filmes chegam<br />
aos escritórios <strong>de</strong> Nova Ior<strong>que</strong>,<br />
on<strong>de</strong> são submeti<strong>dos</strong> processos <strong>de</strong> limpeza<br />
<strong>de</strong> imagem e <strong>de</strong> som. “Basicamente,<br />
isto é Photoshop em movimento”,<br />
res<strong>um</strong>e Russell Smith, técnico <strong>de</strong> <strong>resta</strong>uro<br />
<strong>de</strong> imagem. A sua função é escrutinar<br />
pacientemente, fotograma a<br />
fotograma, e ampliando a imagem, a<br />
qualida<strong>de</strong> visual da cópia, para reparar<br />
os danos provoca<strong>dos</strong> pelo tempo e pelo<br />
uso, e eliminar todo o tipo <strong>de</strong> “ruído”<br />
visual <strong>que</strong> se tenha introduzido nos<br />
originais – poeira, cabelos, riscos. N<strong>um</strong><br />
filme como “Os Sete Samurais” <strong>de</strong> Kurosawa<br />
esse processo levou mais <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
mês. No caso <strong>de</strong> “Deserto Vermelho”,<br />
em curso, Russell diz <strong>que</strong> consegue<br />
corrigir cinco minutos <strong>de</strong> filme por dia<br />
e <strong>que</strong> isso é <strong>um</strong> ritmo rápido... Noutra<br />
sala, Ryan Hullings, supervisor áudio,<br />
faz o mesmo com o som do filme. “O<br />
nosso processo <strong>de</strong> <strong>resta</strong>uro é subtractivo:<br />
implica sempre retirar coisas. Não<br />
po<strong>de</strong>mos acrescentar <strong>um</strong> som fantástico<br />
aos filmes”, ri-se. “O som fantástico<br />
tem <strong>de</strong> estar lá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, e nós<br />
limitamo-nos a retirar todo o tipo <strong>de</strong><br />
distorção sonora – estalos, silvos, esse<br />
género <strong>de</strong> coisas. A i<strong>de</strong>ia por trás <strong>de</strong><br />
to<strong>dos</strong> os nossos <strong>resta</strong>uros é tentar atingir<br />
a<strong>que</strong>le estado original em <strong>que</strong> o<br />
realizador proclamou: ‘É assim <strong>que</strong> eu<br />
<strong>que</strong>ro <strong>que</strong> o filme soe’.” O objectivo é<br />
não <strong>de</strong>ixar qual<strong>que</strong>r impressão digital<br />
MARIANA VIEGAS<br />
ou qual<strong>que</strong>r traço do nosso trabalho,<br />
mas, antes, ser o mais transparente<br />
possível.”<br />
Este rigor, juntamente com a ri<strong>que</strong>za<br />
e qualida<strong>de</strong> editorial <strong>que</strong> a Criterion<br />
cost<strong>um</strong>a incutir nas suas edições –<br />
com <strong>um</strong>a abordagem aos filmes comparável<br />
à <strong>de</strong> <strong>um</strong> “curator”, <strong>um</strong> programador<br />
ou comissário, <strong>que</strong> não tem<br />
apenas a preocupação <strong>de</strong> mostrar <strong>um</strong><br />
objecto, mas também ou sobretudo a<br />
<strong>de</strong> como mostrá-lo, criando <strong>um</strong> contexto<br />
para a sua recepção – é o <strong>que</strong> faz<br />
com <strong>que</strong> seja consi<strong>de</strong>rada a melhor<br />
editora <strong>de</strong> DVDs do mundo. E é <strong>um</strong>a<br />
prática, diz Kim Hendrickson, <strong>que</strong><br />
vem do alto: “A maneira como toda a<br />
gente aqui encara o trabalho é <strong>um</strong>a<br />
coisa <strong>que</strong> já vem da atitu<strong>de</strong> do Peter<br />
[Becker] e do John [Jonathan B. Turell,<br />
fundadores da Criterion] para com o<br />
trabalho <strong>que</strong> fazemos aqui. Se tivermos<br />
<strong>um</strong> problema n<strong>um</strong> <strong>dos</strong> nossos<br />
DVDs, eles nunca dirão: ninguém vai<br />
“Já não fazíamos <strong>um</strong><br />
projecto como este há<br />
alg<strong>um</strong> tempo, em <strong>que</strong><br />
apostássemos tanto<br />
n<strong>um</strong> novo cineasta”<br />
Kim Hendrickson,<br />
produtora <strong>de</strong> DVDs<br />
na Criterion<br />
notar. Nesse sentido, este sítio é fora<br />
do com<strong>um</strong>.”<br />
Os extras<br />
O quarto disco <strong>de</strong> “Letters From Fontainhas”<br />
é composto <strong>de</strong> suplementos,<br />
como acontece nas edições da Criterion<br />
(o DVD <strong>de</strong> cada filme também inclui<br />
bónus, nomeadamente, em to<strong>dos</strong> eles,<br />
<strong>um</strong>a conversa entre Costa e o cineasta<br />
e crítico Jean-Pierre Gorin). Eles incluem<br />
<strong>um</strong> comentário do crítico francês Cyril<br />
Neyrat e do filósofo Jean Rancière a cenas<br />
<strong>de</strong> “Juventu<strong>de</strong> em Marcha”, as curtas<br />
“Tarrafal” e “The Rabbit Hunters”,<br />
o doc<strong>um</strong>entário <strong>de</strong> Aurélien Gerbault<br />
sobre Costa e as Fontainhas “Tout Refleurit”,<br />
rodado durante a filmagem e<br />
montagem <strong>de</strong> “Juventu<strong>de</strong> em Marcha”,<br />
e a instalação “Minino Macho, Minino<br />
Fêmea”, composta por dois ecrãs com<br />
imagens não-editadas <strong>de</strong> “No Quarto<br />
da Vanda” e “Juventu<strong>de</strong> em Marcha” e<br />
<strong>que</strong> foi mostrada em vários museus. A<br />
caixa inclui ainda <strong>um</strong> “booklet” <strong>de</strong> 46<br />
páginas, com seis ensaios, cinco <strong>de</strong>les<br />
inéditos (gran<strong>de</strong> parte <strong>dos</strong> nomes são<br />
reinci<strong>de</strong>ntes da monografia “Cem Mil<br />
Cigarros” <strong>que</strong> Costa publicou no ano<br />
passado em Portugal).<br />
É ao falar <strong>dos</strong> suplementos <strong>que</strong> surge<br />
a tal palavra <strong>que</strong> Kim não consegue<br />
pronunciar. “Era esse mundo [Fontainhas]<br />
– e eu não sei dizê-lo correctamente,<br />
por isso nem se<strong>que</strong>r vou tentar<br />
– <strong>que</strong> <strong>que</strong>ríamos apresentar aqui, em<br />
todas as encarnações e possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>que</strong> conseguíssemos.”<br />
Enquanto a filmografia <strong>de</strong> Costa vai<br />
sendo alvo <strong>de</strong> atenção e edições criteriosas<br />
noutros países – Japão, Espanha,<br />
Reino Unido, EUA, França – em Portugal<br />
“No Quarto da Vanda” e “Juventu<strong>de</strong><br />
em Marcha” nunca tiveram edição<br />
em DVD.<br />
DVD<br />
As longas<br />
“Ossos”,<br />
“No Quarto<br />
<strong>de</strong> Vanda”<br />
e “Juventu<strong>de</strong><br />
em Marcha”, a<br />
“Trilogia das<br />
Fontainhas”<br />
junta<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 15
A capa anuncia “<strong>um</strong> romance cru e<br />
urbano sobre a droga, a máfia e a justiça<br />
no submundo <strong>de</strong> Estocolmo”.<br />
Aha, <strong>um</strong> policial sueco? Jens Lapidus,<br />
o autor <strong>de</strong> “Easy Money”, diz <strong>que</strong> não.<br />
“Queria escrever algo <strong>que</strong> se pu<strong>de</strong>sse<br />
chamar a antítese da novela policial<br />
sueca. Na Europa é <strong>um</strong> fenómeno novo,<br />
mas na Suécia já tem 20 ou 30<br />
anos. Estava cansado, por<strong>que</strong> é quase<br />
sempre a mesma coisa. Disse para<br />
mim próprio: vou escrever <strong>um</strong> livro<br />
<strong>que</strong> vire isso do avesso”, contou ao<br />
Ípsilon.<br />
O primeiro livro <strong>de</strong> Lapidus já ven<strong>de</strong>u<br />
600 mil exemplares na Suécia, já<br />
foi traduzido para várias línguas europeias<br />
– a inglês, no entanto, só chega<br />
no final do ano. “Na Suécia temos<br />
<strong>um</strong> termo para a literatura policial,<br />
‘<strong>de</strong>ckare’, histórias <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectives, mas<br />
os críticos não chamam isto aos meus<br />
livros. E está correcto, por<strong>que</strong> pertencem<br />
mais a <strong>um</strong>a tradição americana”,<br />
afirma.<br />
Certo é <strong>que</strong> “Easy Money” já se<br />
transformou n<strong>um</strong> filme (sueco), <strong>que</strong><br />
estreou há dois meses, em <strong>que</strong> as três<br />
personagens principais ganharam<br />
corpo na tela: Mrado, o mafioso sérvio<br />
<strong>que</strong> opera na Suécia caído em <strong>de</strong>sgraça;<br />
J.W., o jovem arrivista, <strong>que</strong> vem<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a família h<strong>um</strong>il<strong>de</strong> mas se fez<br />
amigo <strong>de</strong> ricos quando veio para Estocolmo<br />
estudar, ocultando as suas<br />
origens, e acabou por se transformar<br />
em traficante <strong>de</strong> cocaína, a estoirar<br />
<strong>de</strong> dinheiro; e Jorge, o imigrante chileno<br />
traficante <strong>de</strong> cocaína, <strong>que</strong> faz<br />
<strong>um</strong>a espectacular fuga da prisão. To<strong>dos</strong><br />
acabam por convergir por causa<br />
da coca e, vai-se percebendo, estão<br />
uni<strong>dos</strong> pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança.<br />
Lapidus c<strong>um</strong>priu o seu objectivo<br />
<strong>de</strong> ser o anti-policial nórdico: “Não<br />
ter <strong>um</strong> polícia, ou <strong>um</strong> inspector como<br />
personagem principal. Quis fazer o<br />
livro do ponto <strong>de</strong> vista <strong>dos</strong> criminosos<br />
e ser autêntico, escrever sobre aquilo<br />
<strong>que</strong> está a acontecer nas ruas <strong>de</strong> Estocolmo”,<br />
explicou o autor, n<strong>um</strong>a<br />
passagem por Lisboa para promover<br />
o livro.<br />
“A maioria <strong>dos</strong> policiais suecos são<br />
acerca <strong>de</strong> homicídios, mas só acontecem<br />
35 homicídios por ano na Suécia.<br />
O crime não acontece como nos livros”.<br />
Ele sabe, por<strong>que</strong> é advogado<br />
criminal – trabalha n<strong>um</strong> escritório <strong>de</strong><br />
advoga<strong>dos</strong> especializado na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />
acusa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos graves, nada <strong>de</strong><br />
crimes <strong>de</strong> colarinho branco. “Decidi<br />
<strong>que</strong> ia escrever como realmente acontece.”<br />
Está a contar os seus próprios casos,<br />
Jens Lapidus? “Não. Não posso<br />
16 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon<br />
“Não há muitos<br />
escritores na Suécia<br />
<strong>que</strong> tentem retratar<br />
o mundo do crime.<br />
Na verda<strong>de</strong>, não<br />
conheço nenh<strong>um</strong>.<br />
Normalmente,<br />
escrevem sobre<br />
a classe média, sobre<br />
outra parte<br />
da socieda<strong>de</strong>. Mas eu<br />
escrevo sobre<br />
os marginaliza<strong>dos</strong>,<br />
os guetos, os jovens”<br />
A Estocolmo <strong>de</strong> “Easy Money” é<br />
<strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> perigosa. O autor<br />
diz <strong>que</strong> a imagem feita da<br />
Suécia, <strong>de</strong> <strong>um</strong> paraíso do Estado<br />
providência, “não é verda<strong>de</strong> nos<br />
últimos 20 anos, e se calhar<br />
nunca foi verda<strong>de</strong>”<br />
escrever sobre pessoas reais, nem casos<br />
reais, pelo menos sobre os meus<br />
clientes, não seria ético. Tenho <strong>de</strong> estabelecer<br />
fronteiras muito claras entre<br />
a minha escrita e o meu trabalho como<br />
advogado. E isso torna-se complicado,<br />
por causa da memória – muitas<br />
vezes não consigo lembrar-me se <strong>um</strong>a<br />
i<strong>de</strong>ia me veio do trabalho ou não. Mas<br />
sou muito cuida<strong>dos</strong>o, peço aos meus<br />
colegas para lerem o <strong>que</strong> escrevo.”<br />
Chama no coração<br />
Os clientes <strong>de</strong> Jens Lapidus são, sobretudo,<br />
homens jovens. Que crimes<br />
cometeram? “Que a acusação diz <strong>que</strong><br />
cometeram”, corrige, zombeteiro, o<br />
advogado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa-escritor. “Po<strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong> tudo. Des<strong>de</strong> <strong>um</strong>a zaragata n<strong>um</strong><br />
bar, <strong>que</strong> não é muito grave, só uns<br />
socos, até tráfico <strong>de</strong> droga, assaltos a<br />
bancos, qual<strong>que</strong>r coisa.”<br />
E como é <strong>que</strong> alguém escolhe <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
estes crimes? “Depen<strong>de</strong> da<br />
pessoa <strong>que</strong> se é, acho. Antes trabalhava<br />
em direito comercial, é complexo,<br />
intelectualmente estimulante, e muito<br />
bem pago. Já o trabalho <strong>de</strong> direito<br />
criminal não é bem remunerado, mas<br />
trabalha-se com seres h<strong>um</strong>anos. E<br />
para mim, mudar para direito criminal<br />
teve a ver com...fogo. Precisava<br />
<strong>de</strong> me sentir ar<strong>de</strong>r, sentir <strong>que</strong> fazia<br />
algo <strong>que</strong> me <strong>de</strong>spertava <strong>um</strong>a chama<br />
no coração”, diz, com <strong>um</strong>a chispa nos<br />
olhos muito azuis.<br />
“Trabalhar em direito comercial é<br />
algo <strong>que</strong> se faz com o cérebro, enquanto<br />
o direito criminal se faz directamente<br />
com seres h<strong>um</strong>anos, <strong>de</strong> carne<br />
e osso, trabalha-se com os assassinos<br />
da socieda<strong>de</strong>. Assegura-se, to<strong>dos</strong><br />
os dias, o direito a <strong>um</strong> julgamento justo,<br />
garante-se a aplicação <strong>dos</strong> direitos<br />
Na pele do<br />
criminos<br />
As ruas <strong>de</strong> Estocolmo escon<strong>de</strong>m <strong>um</strong> mundo negro <strong>de</strong> crime <strong>que</strong> se esperaria mais ver n<strong>um</strong><br />
“Easy Money”, <strong>um</strong> advogado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa criminal, diz <strong>que</strong> quis escrever o
so<br />
DANIEL ROCHA<br />
h<strong>um</strong>anos, <strong>que</strong> ninguém seja con<strong>de</strong>nado<br />
sendo inocente. Para mim pareceu-me<br />
certo, ainda <strong>que</strong> não me<br />
tenha parecido bem reduzir o salário<br />
em 50 por cento.”<br />
O trabalho do dia-a-dia, então, é a<br />
sua fonte <strong>de</strong> inspiração. “Tenho acesso<br />
a material <strong>que</strong> muito poucos autores<br />
terão, to<strong>dos</strong> os dias leio relatórios<br />
policiais, falo com testemunhas, leio<br />
relatórios laboratoriais – isto são coisas<br />
reais, não estou a falar <strong>de</strong> CSI na<br />
televisão, é o <strong>que</strong> faço to<strong>dos</strong> os dias.<br />
É <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> inspiração.<br />
Mas o contraponto, claro, é <strong>que</strong> me<br />
limita.”<br />
Livros<br />
Motas e máfia sérvia<br />
A Estocolmo <strong>de</strong> “Easy Money” é <strong>um</strong>a<br />
cida<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>ntemente perigosa,<br />
com tantos pobres escondi<strong>dos</strong> sob<br />
o brilho da superfície <strong>que</strong> enoja. É<br />
mesmo assim tão feia a capital sueca,<br />
se a <strong>de</strong>sembrulharmos como <strong>um</strong> rebuçado?<br />
“Isso tem muito a ver com a<br />
imagem feita da Suécia, <strong>que</strong> é muito<br />
romanceada, <strong>de</strong> <strong>um</strong> paraíso do Estado<br />
providência, sem pessoas pobres,<br />
muito seguro”, respon<strong>de</strong> Lapidus.<br />
“Não é verda<strong>de</strong> nos últimos 20 anos,<br />
e se calhar nunca foi verda<strong>de</strong>. Estocolmo<br />
é como as outras <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> cida<strong>de</strong>s<br />
europeias, tem bastante crime, e<br />
tem crime organizado”.<br />
O <strong>que</strong> ele <strong>de</strong>screve é <strong>um</strong> submundo<br />
<strong>de</strong> crime organizado, em <strong>que</strong> a máfia<br />
jugoslava (sérvia) é <strong>um</strong>a força importante,<br />
dominada por homens liga<strong>dos</strong><br />
aos Tigres <strong>de</strong> Arkan, <strong>que</strong> lançaram o<br />
terror na guerra da ex-Jugoslávia, nos<br />
anos 1990, e continuam ainda hoje a<br />
dominar re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> mulheres<br />
para prostituição, tabaco, álcool e<br />
droga. Mas há ainda os gangues <strong>de</strong><br />
moto<strong>que</strong>iros, os Hell’s Angels e os<br />
Bandi<strong>dos</strong>, <strong>que</strong> não são apenas pacíficos<br />
apreciadores <strong>de</strong> motas: tornaramse<br />
forças importantes <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong><br />
droga, extorsão e outras activida<strong>de</strong>s<br />
criminais na Escandinávia. Nos anos<br />
1990, <strong>um</strong>a guerra entre eles travou-se<br />
com rockets, granadas e armas antitan<strong>que</strong>,<br />
fazendo várias vítimas mortais<br />
– não foi, <strong>de</strong>cididamente, <strong>um</strong>a<br />
brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> vikings monta<strong>dos</strong> em<br />
motocicletas.<br />
“Os gangs <strong>de</strong> moto<strong>que</strong>iros foram<br />
importa<strong>dos</strong> do EUA, via Alemanha,<br />
Dinamarca e Europa Central, há cerca<br />
<strong>de</strong> 15 anos, e representam <strong>um</strong>a<br />
percentagem importante do crime<br />
organizado. Os gangs <strong>de</strong> prisão, outro<br />
fenómeno americano, também estão<br />
a crescer, e funcionam fora das prisões.<br />
Os grupos étnicos também se<br />
organizam para cometer crimes [como<br />
o gang <strong>de</strong> Naser, albanês, e os Original<br />
Gangsters, <strong>de</strong> base síria, mas<br />
juntando outras etnias, incluindo latinos<br />
e nórdicos]. A máfia jugoslava é<br />
<strong>um</strong> problema relativo, não é como a<br />
máfia italiana, com acesso aos políticos<br />
e à polícia. Mas é crime organizado.<br />
Isto começou a acontecer durante<br />
os anos 90, antes não existia crime<br />
organizado na Suécia”, explica Lapidus.<br />
“Mas a Suécia é ainda <strong>um</strong> bom sítio<br />
para se viver, comparando com a Rússia,<br />
ou outros países, há menos corrupção,<br />
menos crime. Mas há crime,<br />
e eu <strong>de</strong>screvo-o”, afirma. Só <strong>que</strong> o faz<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma diferente <strong>dos</strong> outros<br />
escritores: põe-se na pele <strong>dos</strong> criminosos.<br />
“Não há muitos escritores na<br />
Suécia <strong>que</strong> tentem retratar o mundo<br />
do crime. Na verda<strong>de</strong>, não conheço<br />
nenh<strong>um</strong>. Normalmente, escrevem<br />
sobre a classe média, sobre outra parte<br />
da socieda<strong>de</strong>. Mas eu escrevo sobre<br />
os marginaliza<strong>dos</strong>, os guetos, os jovens.”<br />
Os clientes do advogado sabem <strong>que</strong><br />
ele é também escritor? “Claro. Toda<br />
a Suécia me conhece.” E confiam nele?<br />
“Penso <strong>que</strong> a maioria <strong>dos</strong> meus<br />
clientes consi<strong>de</strong>ra <strong>que</strong> compreendo<br />
a forma como vivem e como vêem o<br />
mundo, e confiam mais em mim.”<br />
Agora <strong>que</strong> começou a retratar o<br />
submundo <strong>de</strong> Estocolmo, <strong>que</strong> parece<br />
fasciná-lo esta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relatar,<br />
ficcionando – já está a escrever o terceiro<br />
livro <strong>de</strong>sta trilogia, aliás passou<br />
por Lisboa a caminho <strong>de</strong> Paris, on<strong>de</strong><br />
ia fazer trabalho <strong>de</strong> campo para o terceiro<br />
vol<strong>um</strong>e, o <strong>que</strong> vem a seguir?<br />
“Para ser honesto, não disse <strong>que</strong> ia<br />
necessariamente escrever <strong>um</strong>a trilogia,<br />
disse <strong>que</strong> ia escrever mais do <strong>que</strong><br />
<strong>um</strong> livro, talvez três, ou quatro, a editora<br />
é <strong>que</strong> pensou n<strong>um</strong>a trilogia. Mas<br />
para mim o importante é <strong>de</strong>screver<br />
esta arena <strong>que</strong> é Estocolmo: a cida<strong>de</strong><br />
é como <strong>um</strong> círculo e eu <strong>de</strong>screvo <strong>um</strong>a<br />
fatia. Senti <strong>que</strong> precisava <strong>de</strong> mais do<br />
<strong>que</strong> <strong>um</strong> livro para terminar este trabalho.<br />
Mas tenho muito medo <strong>de</strong> ficar<br />
preso neste es<strong>que</strong>ma tradicional do<br />
policial escandinavo, <strong>de</strong> ficar preso<br />
na mesma personagem. Para mim<br />
escrever é expandir as fronteiras do<br />
<strong>que</strong> po<strong>de</strong> ser boa ficção, experimentar.<br />
Depois do meu segundo livro fiz<br />
<strong>um</strong>a novela gráfica, foi a primeira vez<br />
<strong>que</strong> se fez algo assim na Suécia. É <strong>um</strong>a<br />
maneira <strong>de</strong> fazer algo novo, mudar a<br />
forma das pessoas lerem novelas <strong>de</strong><br />
crime”, sublinha.<br />
“Sabe, eu aborreço-me facilmente.<br />
Tenho <strong>de</strong> encontrar novas formas <strong>de</strong><br />
me expressar.”<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
ABR~1O<br />
CELINA<br />
PEREIRA<br />
e convida<strong>dos</strong><br />
entre mornas<br />
e fa<strong>dos</strong><br />
15 ABR<br />
QUINTA<br />
ÀS 21H00<br />
APOIOS<br />
SALA PRINCIPAL<br />
PRODUÇÃO<br />
PUBLICAR<br />
M/3<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
ABR~1O<br />
2O ABR<br />
especial<br />
José Salgueiro<br />
e José Peixoto<br />
participação especial <strong>de</strong><br />
Maria Berasarte<br />
TERÇA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL M/3<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
romance americano. Faz sentido: Jens Lapidus, o autor <strong>de</strong><br />
anti-policial sueco. Clara Barata<br />
APOIOS<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 17
Manuel Alegre<br />
soltou a memória<br />
e o livro fez-se<br />
O regresso <strong>de</strong> Manuel Alegre à prosa, com “O Miúdo Que Pregava Pregos N<strong>um</strong>a Tábua”, faz-se<br />
com <strong>um</strong>a escrita <strong>que</strong> puxa pela memória – e a memória puxa pela palavra. Isabel Coutinho<br />
Quando Manuel Alegre escrevia “O<br />
Miúdo Que Pregava Pregos N<strong>um</strong>a Tábua”,<br />
<strong>um</strong> amigo perguntou-lhe se era<br />
<strong>um</strong>a história. Na altura não soube<br />
respon<strong>de</strong>r-lhe. Agora já sabe. É isso<br />
<strong>que</strong> conta ao Ípsilon, n<strong>um</strong>a poltrona<br />
da sala <strong>de</strong> sua casa, em Lisboa. A pergunta<br />
foi feita pelo editor João Rodrigues,<br />
n<strong>um</strong> jantar no Algarve. “Matutei,<br />
reli alg<strong>um</strong>as coisas e achei <strong>que</strong><br />
sim.” Esta é a história <strong>de</strong> <strong>um</strong> miúdo<br />
<strong>que</strong> pregava pregos n<strong>um</strong>a tábua e <strong>de</strong>pois<br />
começou a contar as sílabas pelos<br />
<strong>de</strong><strong>dos</strong>. “A pergunta foi boa, por<strong>que</strong><br />
resolveu <strong>um</strong> problema <strong>que</strong> tinha comigo<br />
e com este livro, feito <strong>de</strong> vários<br />
fragmentos <strong>que</strong> têm <strong>um</strong>a certa coerência<br />
interna.”<br />
Trata-se, aqui, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a escrita sobre<br />
a escrita. “No fundo, é <strong>um</strong>a escrita<br />
<strong>que</strong> puxa pela memória. A palavra<br />
puxa palavra, a memória puxa palavra.<br />
É <strong>um</strong>a escrita sobre o processo<br />
<strong>que</strong> leva à escrita, sobre os muitos<br />
ritmos do mundo <strong>que</strong> fazem parte do<br />
meu ritmo <strong>de</strong> escrita, na poesia e na<br />
prosa”, explica o autor <strong>de</strong> “Trova do<br />
vento <strong>que</strong> passa”.<br />
Por impulso<br />
Esta novela começou mesmo pelo<br />
princípio e por a<strong>que</strong>las <strong>que</strong> são as suas<br />
primeiras frases: “É difícil escrever<br />
<strong>um</strong> livro. Não se sabe por on<strong>de</strong> começar<br />
nem por on<strong>de</strong> seguir.” No processo<br />
<strong>de</strong> criação <strong>de</strong> Alegre, <strong>um</strong> livro começa<br />
sempre por <strong>um</strong>a cadência (mesmo<br />
a prosa tem <strong>um</strong> ritmo próprio).<br />
“Não escrevo <strong>de</strong> maneira programada,<br />
escrevo por impulso e, às vezes,<br />
das maneiras mais inesperadas. Começa<br />
pela cadência e por <strong>um</strong>a frase”,<br />
explica. E <strong>de</strong>pois soltou a caneta, soltou<br />
a memória e o livro fez-se.<br />
Na escrita, tal como na vida, diz,<br />
“anda-se para a frente, anda-se para<br />
trás, escreve-se em ziguezague”. E,<br />
sobretudo, “a memória anda muito<br />
aos saltos. Há <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> buracos negros<br />
na memória. É muito selectiva”. Apesar<br />
disso, neste processo, <strong>que</strong> para<br />
Alegre está muito próximo do processo<br />
da escrita poética, <strong>de</strong>spertam-se<br />
coisas adormecidas. “Às vezes, já não<br />
sabemos se aquilo é realida<strong>de</strong> ou se<br />
é ficção. Ou on<strong>de</strong> acaba <strong>um</strong>a coisa e<br />
começa a outra.”<br />
No entanto, o livro começa com a<br />
memória mais antiga <strong>que</strong> Alegre tem<br />
<strong>de</strong> si mesmo: a <strong>de</strong> estar sentado n<strong>um</strong><br />
pátio, a pregar pregos n<strong>um</strong>a tábua.<br />
“De certa maneira to<strong>dos</strong> os livros começam<br />
por aí, pela primeira memória<br />
<strong>que</strong> se tem. Depois há as histórias <strong>que</strong><br />
nos contam e <strong>que</strong> nós contamos a nós<br />
próprios. Há coisas <strong>que</strong> não tenho a<br />
certeza <strong>de</strong> se terem passado exactamente<br />
assim: se as sonhei ou imaginei.<br />
Nem isso é importante.” Por isso,<br />
“O Miúdo Que Pregava Pregos N<strong>um</strong>a<br />
Tábua” (ed. Dom Quixote) não é <strong>um</strong>a<br />
autobiografia, nem <strong>um</strong>a biografia,<br />
nem historiografia. Mas tem muito da<br />
vivência do poeta.<br />
Aliás, o escritor já tinha contado<br />
muitas das histórias <strong>de</strong>ste livro. Mas<br />
tinha-as contado <strong>de</strong> outra maneira.<br />
“Não as tinha contado bem assim,<br />
nem eram bem as mesmas histórias.<br />
O clima, a vivência, a infância, não<br />
propriamente as histórias.”<br />
Por isso não só lhe <strong>de</strong>u prazer escrever<br />
este livro, como tinha necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> o fazer. Para <strong>que</strong> as coisas<br />
não se percam? “Ou para <strong>que</strong> eu não<br />
as per<strong>de</strong>sse para mim mesmo, para<br />
as transmitir a alguém”, talvez aos<br />
netos <strong>que</strong> acabam por aparecer em<br />
vários capítulos da história. Manuel<br />
Alegre quis também perceber por <strong>que</strong><br />
escreve assim, por <strong>que</strong> é <strong>que</strong> certas<br />
coisas o marcaram e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é <strong>que</strong><br />
vem a sonorida<strong>de</strong>, a estrutura rítmica<br />
<strong>que</strong> sempre marcou a sua poesia.<br />
Lembrou-se do pai a cantar fado, voz<br />
bonita e rouca; da tia-avó <strong>que</strong> lhe revelou<br />
a poesia; outra vez do pai, <strong>que</strong><br />
lhe lia Camões, mas também António<br />
Nobre; das lengalengas <strong>que</strong> as criadas<br />
lhe contavam. E <strong>de</strong>scobriu <strong>que</strong> sem<br />
tudo isso não escrevia como escreve.<br />
Ou nem escreveria. Lembrou-se da<br />
rua da sua infância e do <strong>que</strong> por lá se<br />
passava. Do circo <strong>que</strong> <strong>um</strong> dia se foi<br />
embora, <strong>dos</strong> ciganos com <strong>que</strong>m co-<br />
“To<strong>dos</strong> os livros<br />
começam pela<br />
primeira memória<br />
<strong>que</strong> se tem. Depois há<br />
as histórias <strong>que</strong> nos<br />
contam e <strong>que</strong><br />
contamos a nós<br />
próprios. Há coisas<br />
<strong>que</strong> não tenho<br />
a certeza <strong>de</strong> se terem<br />
passado assim: se as<br />
sonhei ou imaginei”<br />
mia ouriços, das idas à pesca, <strong>dos</strong> robalos,<br />
do rio, das feiras.<br />
“Na<strong>que</strong>la altura, n<strong>um</strong>a vila quase<br />
al<strong>de</strong>ia, em Águeda, na<strong>que</strong>la rua com<br />
muitos ofícios (o marceneiro, o sapateiro,<br />
a pa<strong>de</strong>ira) havia também os cegos<br />
<strong>que</strong> cantavam ‘rimances’ <strong>que</strong> distribuíam<br />
em folhas. Tudo isso ficava: a toada,<br />
as histórias das pessoas da terra, as<br />
criadas <strong>que</strong> contavam histórias <strong>de</strong> feiticeiras,<br />
<strong>de</strong> bruxas, <strong>de</strong> lobisomens. A<br />
história da Carmencita, a cigana mais<br />
bonita <strong>que</strong> havia na caravana, ouvia-a<br />
ali, na rua, antes <strong>de</strong> se ter transformado<br />
n<strong>um</strong> fado cantado.”<br />
Os tambores cá <strong>de</strong>ntro<br />
Aos sába<strong>dos</strong>, em Águeda, havia <strong>um</strong>a<br />
feira <strong>que</strong> “parecia saída <strong>de</strong> <strong>um</strong> poema<br />
<strong>de</strong> António Nobre”, on<strong>de</strong> mendigos<br />
e doentes expunham as suas chagas.<br />
“Gente muito pobre, <strong>de</strong>scalça, ven<strong>de</strong>dores<br />
<strong>de</strong> banha da cobra <strong>que</strong> também<br />
tinham a sua toada e muitos cantadores.<br />
Traziam os seus ‘rimances’<br />
e histórias, às vezes <strong>de</strong> factos aconteci<strong>dos</strong>,<br />
mortes matadas. Tudo isso fica<br />
a fazer parte <strong>de</strong> nós. São a música da<br />
língua e fazem parte da nossa estrutura<br />
rítmica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa música da<br />
língua. Isso marcou-me muito: a sonorida<strong>de</strong>.”<br />
De tal maneira <strong>que</strong>, quando começou<br />
a fazer versos, Alegre tinha necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> os ler imediatamente a<br />
alguém. Se não houvesse ninguém,<br />
lia-os em voz alta, e fez isso mesmo<br />
quando estava na prisão.<br />
“Escrevi alguns poemas da ‘Praça<br />
da Canção’ [1965] na prisão, sem papel,<br />
e dizia-os em voz alta. Mesmo<br />
<strong>de</strong>pois quando tinha papel, ia lá o Pi<strong>de</strong><br />
ver o <strong>que</strong> se passava e estava eu a<br />
dizer os poemas em voz alta. Isso <strong>de</strong>pois<br />
passou-me.” Porquê? Consequência<br />
da maturida<strong>de</strong>? “Não sei,<br />
talvez venha <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maior confiança<br />
na escrita. Talvez eu murmure aquilo<br />
silenciosamente para mim mesmo”,<br />
diz o poeta <strong>que</strong> contava as sílabas pelos<br />
<strong>de</strong><strong>dos</strong>. “Tenho realmente a coisa<br />
<strong>dos</strong> <strong>de</strong><strong>dos</strong>, mas a Sophia [<strong>de</strong> Mello<br />
Breyner]} também tinha e outros <strong>que</strong><br />
eu conheço também têm. Não <strong>que</strong>r<br />
dizer <strong>que</strong> se esteja a marcar o compasso<br />
das sete sílabas. São os tambores,<br />
os tambores cá <strong>de</strong>ntro.”<br />
Mas, a <strong>de</strong>terminada altura da sua<br />
vida, este miúdo per<strong>de</strong>u o ritmo. “N<strong>um</strong>a<br />
fase inicial, fazia uns poemas horríveis<br />
mas <strong>que</strong> tinham ritmo, tinham<br />
essa toada das coisas <strong>de</strong> <strong>que</strong> falámos.<br />
Depois comecei a ler Rilke, Pessoa, os<br />
poetas mo<strong>de</strong>rnos. Ficou <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong><br />
salgalhada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim e aconteceu-me<br />
como ao violino do João, foise<br />
o ritmo, foi-se a toada. Não tinha o<br />
meu próprio ritmo. Levou o seu tempo<br />
até <strong>que</strong> <strong>um</strong> dia me aparecesse <strong>um</strong><br />
verso <strong>que</strong> sentisse <strong>que</strong> era meu, <strong>que</strong><br />
era novo. Por acaso lembro-me <strong>de</strong>sse<br />
verso mas não digo. É segredo”, ri-se.<br />
Não <strong>que</strong>r mesmo <strong>de</strong>ixar <strong>um</strong>a pista aos<br />
estudiosos da sua obra? “Aparece<br />
n<strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> cinco poemas meus<br />
<strong>que</strong> foram publica<strong>dos</strong> na revista Via<br />
Latina.”<br />
A intervenção na História<br />
A verda<strong>de</strong> é <strong>que</strong> já não há muitos interlocutores<br />
com <strong>que</strong>m po<strong>de</strong> conversar<br />
sobre estas coisas. As pessoas vão <strong>de</strong>saparecendo.<br />
“Morreram os amigos, morreram<br />
os pais, morreu a tia, morreram<br />
as criadas, toda essa gente. Já não há<br />
muito com <strong>que</strong>m relembrar esses episódios<br />
e essas vivências. Mesmo às vezes<br />
quando conto certas histórias, os meus<br />
filhos já as sabem... Então há <strong>um</strong>a vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> as contar <strong>de</strong> outra maneira.<br />
Contá-las a mim mesmo e contá-las aos<br />
outros, escrevendo-as.”<br />
A <strong>de</strong>terminada altura <strong>de</strong>ste livro<br />
Alegre conta o seu encontro surrealista<br />
em Paris com Daniel Cohn-Bendit,<br />
fala <strong>de</strong> Che Guevara <strong>que</strong> conheceu<br />
em Argel e <strong>de</strong> “ter vivido na ilusão <strong>de</strong><br />
<strong>que</strong> a intervenção na História po<strong>de</strong>ria<br />
ser <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> poema em acto”.<br />
Esses tempos <strong>de</strong> utopia foram <strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong>silusão? “Não, não é isso. Na<strong>que</strong>la<br />
altura toda a gente estava convencida<br />
<strong>de</strong> <strong>que</strong> ia mudar o mundo. Cada <strong>um</strong><br />
ia fazer a revolução mais perfeita <strong>que</strong><br />
as outras. Era <strong>um</strong> período <strong>de</strong> utopia.<br />
Existiam os Beatles, os hippies, os<br />
guerrilheiros. Toda a gente tinha a<br />
nostalgia da guerrilha da Bolívia ou<br />
<strong>de</strong> outra parte do mundo. Se não se<br />
fazia na Bolívia, fazia-se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si<br />
mesmo, no Quartier Latin ou n<strong>um</strong><br />
café <strong>de</strong> Argel. Tínhamos a sensação<br />
ou a ilusão <strong>de</strong> <strong>que</strong> estávamos a mudar<br />
a História. Bem, alguns <strong>de</strong> nós – os<br />
portugueses, os angolanos, os caboverdianos,<br />
os moçambicanos – acabamos<br />
mesmo por contribuir para<br />
mudar a História. Não há dúvida. Mas<br />
não propriamente na<strong>que</strong>la perspectiva<br />
– e aí é <strong>que</strong> está a ilusão lírica da<br />
utopia – <strong>de</strong> acreditarmos <strong>que</strong> finalmente<br />
iríamos fazer a revolução <strong>que</strong><br />
nem russos, cubanos ou chineses foram<br />
capazes <strong>de</strong> fazer. Não foi<br />
assim por causa das lógicas<br />
da Guerra Fria, mas<br />
fizemos o essencial:<br />
a liberda<strong>de</strong>,<br />
a paz, a in<strong>de</strong>pendência das colónias<br />
portuguesas.”<br />
Em tempos, escreveu <strong>um</strong>a crónica<br />
em <strong>que</strong> dizia “Portugal é difícil, é difícil<br />
ser português.” E a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Portugal está presente neste livro, <strong>um</strong><br />
Portugal tradicional, do fado, <strong>dos</strong> touros.<br />
Mas quando se pensa na Es<strong>que</strong>rda<br />
não se pensa habitualmente nesse<br />
país... “A minha Es<strong>que</strong>rda, a da minha<br />
geração, pensava. Está na música do<br />
Carlos Pare<strong>de</strong>s, no Zeca Afonso, nas<br />
canções do Adriano também. Pensava<br />
por oposição até à mitificação <strong>que</strong><br />
o Salazar fez e à maneira como o salazarismo<br />
se apropriou e <strong>de</strong>formou<br />
alguns <strong>dos</strong> mitos fundadores. Acredito<br />
<strong>que</strong> <strong>um</strong> <strong>dos</strong> segre<strong>dos</strong> do êxito <strong>de</strong><br />
‘A Praça da Canção’ é a estrutura rítmica<br />
<strong>dos</strong> poemas, as trovas, e o ter<br />
virado esses mitos do avesso.”<br />
Repete ao longo do livro a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
<strong>que</strong> a poesia está aquém e além da<br />
literatura. Fala também <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa<br />
literatice? “Eram os movimentos literários,<br />
os compadrios literários, as<br />
revistas literárias. Para nós, a poesia<br />
era algo mais mágico, mais sagrado.<br />
Talvez fosse – como dizer? – <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong><br />
arrogante ou sobranceira em<br />
relação a outros poetas, mas acontece<br />
em todas as jovens gerações.”<br />
Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> crescido, o miúdo<br />
<strong>que</strong> pregava pregos n<strong>um</strong>a tábua<br />
está convencido <strong>de</strong> <strong>que</strong> a poesia é <strong>um</strong><br />
processo mágico.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 36 e segs<br />
18 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
ABR~1O<br />
13 ABR<br />
PEDRO JÓIA<br />
E ORQUESTRA DE<br />
CÂMARA MERIDIONAL<br />
convidado RICARDO RIBEIRO<br />
TERÇA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL M/3<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
ABR~1O<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
PRODUÇÃO APOIOS<br />
© Rita Carmo © Francisco Aragão<br />
Livros<br />
14 ABR<br />
ANTÓNIO<br />
ZAMBUJO<br />
GUIA<br />
QUARTA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL M/3<br />
PRODUÇÃO APOIOS<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 19
Chegou a hora<br />
da estrela para<br />
Clarice<br />
Lispector<br />
Benjamin Moser passou cinco anos a investigar<br />
a biografia <strong>de</strong> Clarice Lispector. Da Ucrânica ao Brasil,<br />
passando pela Suíça e EUA, traçou a geografia<br />
da enigmática escritora <strong>de</strong> nome estrangeiro <strong>que</strong><br />
mudou a literatura brasileira. “Why this World” foi <strong>um</strong><br />
sucesso no Brasil, acompanhando o “boom”<br />
<strong>de</strong> publicações sobre Lispector. Chega a Portugal<br />
em Setembro. Ra<strong>que</strong>l Ribeiro<br />
Quando Benjamin Moser, 33 anos,<br />
autor americano da primeira biografia<br />
em inglês sobre a escritora brasileira<br />
Clarice Lispector, ligou para a<br />
companhia KLM na madrugada do<br />
início do Festival Literário <strong>de</strong> Paraty<br />
<strong>de</strong> 2005, sabia <strong>que</strong> estava a cometer<br />
<strong>um</strong>a loucura. “‘Tem <strong>um</strong> voo para São<br />
Paulo ainda hoje?’ Nunca tinha feito<br />
<strong>um</strong>a coisa <strong>de</strong>ssas. Comprei a passagem<br />
e às onze da manhã estava a embarcar”,<br />
explicou Moser ao Ípsilon,<br />
n<strong>um</strong> português com sota<strong>que</strong> brasileiro<br />
nor<strong>de</strong>stino, n<strong>um</strong>a entrevista telefónica<br />
a partir da sua casa no Utrecht,<br />
na Holanda.<br />
O impulso foi <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado quando,<br />
no seu jardim, contava a <strong>um</strong> amigo<br />
<strong>que</strong>m era a<strong>que</strong>la figura, Clarice<br />
Lispector, <strong>que</strong> o “tinha pegado, como<br />
muito poucas coisas na vida”, era ainda<br />
estudante na Brown University,<br />
EUA. “Vivia com isso na cabeça: <strong>um</strong><br />
dia <strong>que</strong>ro fazer algo com ela, trazê-la,<br />
explicá-la para o mundo. Mas também<br />
<strong>que</strong>ria entendê-la eu próprio”, explica.<br />
Na<strong>que</strong>le Julho, o Festival <strong>de</strong> Paraty<br />
homenageava Clarice e o amigo<br />
perguntou-lhe: “O <strong>que</strong> está fazendo<br />
aqui, na Holanda? Você tem é <strong>que</strong> estar<br />
lá, com to<strong>dos</strong> os especialistas.<br />
Nunca vai haver tanta gente empolgada<br />
assim.”<br />
Foram cinco anos <strong>de</strong> pesquisa para<br />
publicar “Why This World”, biografia<br />
<strong>de</strong> 400 páginas <strong>que</strong> saiu em 2009 nos<br />
EUA (Oxford University Press). Após<br />
a tradução brasileira, a Civilização vai<br />
publicar a edição portuguesa em Setembro.<br />
A biografia era a melhor maneira<br />
<strong>de</strong> dar a ver “Clarice como <strong>um</strong>a<br />
coisa toda e não <strong>um</strong> pedaço: você lê<br />
os livros <strong>de</strong>la, lê a crítica, mas é sempre<br />
<strong>um</strong> lado”, diz Moser.<br />
Não foi fácil compor o puzzle da<br />
enigmática escritora <strong>de</strong> nome estrangeiro<br />
– Lispector –, <strong>um</strong>a das maiores<br />
da língua portuguesa do século XX.<br />
Moser começa a biografia com a visita<br />
<strong>de</strong> Clarice ao Egipto e com <strong>um</strong>a<br />
carta sua sobre a esfinge: “Não a <strong>de</strong>cifrei.<br />
Mas ela também não me <strong>de</strong>cifrou.”<br />
O mito vive aí, nessa bela figura<br />
esfíngica <strong>que</strong> “veio <strong>de</strong> <strong>um</strong> mistério”<br />
(escreveu Carlos Dr<strong>um</strong>mond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>).<br />
Ela era “estrangeira na terra”,<br />
e essa condição nunca a largou – o<br />
nome estranho, o sota<strong>que</strong> esquisito,<br />
a linguagem fragmentada, inovadora,<br />
difícil.<br />
Porquê este mundo<br />
Nascida em Tchechelnik, na Ucrânica,<br />
em Dezembro <strong>de</strong> 1920, Chaya Pinkhasovna<br />
Lispector, Clarice, é a mais nova<br />
<strong>de</strong> três irmãs, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a família judaica<br />
<strong>que</strong> fugiu para o Brasil em 1921<br />
na sequência das perseguições antisemitas<br />
na guerra civil russa. A família<br />
chegou ao nor<strong>de</strong>ste brasileiro on<strong>de</strong><br />
adoptou nomes portugueses, e fixouse<br />
no Recife. Aí Clarice passou a infância<br />
e adolescência.<br />
Do Recife ao Rio, estuda Direito,<br />
torna-se jornalista, casa com <strong>um</strong> diplomata.<br />
Segue-se Belém (do Pará),<br />
Nápoles, Berna, Torquay (Reino Unido),<br />
Washington, até regressar ao Rio,<br />
on<strong>de</strong> morre em 1977, <strong>de</strong> cancro. De<br />
“Perto do Coração Selvagem” (1943)<br />
a “A Hora da Estrela” (1977), a vida<br />
confun<strong>de</strong>-se com a obra.<br />
A biografia <strong>de</strong> Moser estabelece esse<br />
diálogo entre a vida e a obra da<br />
escritora, na procura <strong>de</strong> “ir <strong>de</strong>ntro, ir<br />
ao âmago <strong>que</strong> não é só fazer literatura:<br />
é ser assim”, explica Carlos Men<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Sousa, especialista em Lispector,<br />
professor <strong>de</strong> literatura brasileira<br />
na Universida<strong>de</strong> do Minho. Moser tentou<br />
<strong>de</strong>cifrar essa busca incessante:<br />
“Sei <strong>que</strong> me encontrei diante <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
<strong>dos</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> assuntos da cultura h<strong>um</strong>ana,<br />
perguntas sobre o <strong>que</strong> fazemos<br />
nesse mundo, por<strong>que</strong> estamos aqui,<br />
por<strong>que</strong> vamos morrer. Coisas <strong>que</strong><br />
nunca tinha visto pensadas <strong>de</strong> maneira<br />
tão profunda.”<br />
Daí o título, “Why this World”, <strong>que</strong><br />
vem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a citação <strong>de</strong> Lispector: “É<br />
<strong>que</strong> eu fui <strong>um</strong>a adolescente confusa<br />
e perplexa <strong>que</strong> tinha <strong>um</strong>a pergunta<br />
muda e intensa: ‘como é o mundo? E<br />
por <strong>que</strong> esse mundo?’”<br />
Para pintar o retrato <strong>de</strong>sta “mulher<br />
insolúvel” (disse o jornalista brasileiro<br />
Paulo Francis), Moser traçou a geografia<br />
<strong>dos</strong> lugares <strong>de</strong> Clarice. Foi à<br />
Ucrânia? “Fui.” E aos lugares on<strong>de</strong><br />
Clarice viveu? “Claro.” Isto foi quase<br />
<strong>um</strong>a volta ao mundo.<br />
“Boom” <strong>de</strong> publicações<br />
Esta biografia vem no momento em<br />
<strong>que</strong> os brasileiros andam “doi<strong>dos</strong> por<br />
Clarice”, <strong>que</strong> se reflecte no “boom”<br />
<strong>de</strong> publicações sobre a autora nos últimos<br />
anos. Em 2007, saiu “Clarice<br />
Lispector – Entrevistas” (Rocco), compilação<br />
das entrevistas da autora a<br />
personalida<strong>de</strong>s brasileiras, por Claire<br />
Williams, investigadora em Oxford;<br />
“Minhas Queridas” (Rocco, 2007),<br />
cartas inéditas da escritora às irmãs;<br />
“Só para Mulheres” (Rocco, 2008),<br />
colectânea <strong>de</strong> crónicas femininas;<br />
“Clarice na Cabeceira” (2009), contos<br />
escolhi<strong>dos</strong> por personalida<strong>de</strong>s; “Clarice<br />
Lispector, Fotobiografia” (2009),<br />
por Nádia Gotlib; e o doc<strong>um</strong>entário<br />
“De Corpo Inteiro” (2009), realizado<br />
por Nicole Algranti, sobrinha da escritora.<br />
Efeméri<strong>de</strong>s vencem-se to<strong>dos</strong> os<br />
anos. Isto, aliado às reedições <strong>dos</strong> mances e contos, edições limitadas e<br />
ro-<br />
novos grafismos, po<strong>de</strong> ajudar a explicar<br />
a febre.<br />
“Os livros <strong>de</strong>la estão à venda no<br />
metrô <strong>de</strong> São Paulo”, conta Moser.<br />
“Com quatro reais, n<strong>um</strong>a máquina,<br />
você compra <strong>um</strong> livro <strong>de</strong>la como<br />
<strong>que</strong>m compra <strong>um</strong>a coca-cola.” E não<br />
duvida: “Há <strong>um</strong> ‘moment<strong>um</strong>’ à volta<br />
<strong>de</strong>la. E só vai crescendo. Estamos vivendo<br />
a hora da estrela da Clarice.”<br />
Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa diz <strong>que</strong> a proliferação<br />
<strong>de</strong> publicações é “indiscutível”.<br />
Há semanas, regressava do Rio e, no<br />
aeroporto, entre “best-sellers” mun-<br />
Benjamin Moser: foram<br />
cinco anos <strong>de</strong> pesquisa<br />
para publicar “Why<br />
This World”, biografia<br />
<strong>de</strong> 400 páginas <strong>que</strong><br />
saiu em 2009 nos<br />
EUA<br />
TESSA POSTHUMA DE BOER<br />
diais estavam n<strong>um</strong> escaparate, lado a<br />
lado, a biografia <strong>de</strong> Benjamin Moser<br />
e “Clarice na cabeceira”. O livro <strong>de</strong><br />
Moser, explica, “tem <strong>um</strong> cunho americano<br />
muito forte, com <strong>um</strong> gran<strong>de</strong><br />
trabalho <strong>de</strong> investigação, intercalando<br />
a biografia com a escrita da Clarice”.<br />
Será importante para “abrir Clarice<br />
para fora <strong>de</strong> <strong>um</strong> circuito académico”.<br />
Em vida, Clarice era <strong>um</strong>a escritora<br />
<strong>de</strong> culto “n<strong>um</strong> grupo restrito <strong>de</strong> intelectuais”<br />
brasileiros. Nos anos 80,<br />
com o impulso <strong>de</strong> Hélène Cixous e<br />
das feministas francesas, passa a pertencer<br />
à “literatura <strong>de</strong> mulheres”.<br />
Giovanni Ponteiro, professor em Manchester,<br />
tradutor <strong>de</strong> Saramago, tinha<br />
<strong>um</strong> projecto para <strong>um</strong>a biografia <strong>que</strong><br />
não chegou a concluir: <strong>que</strong>ria “tirar<br />
Clarice da gaveta das feministas”, conta<br />
Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa.<br />
Moser afirma ter sentido <strong>um</strong>a gran-<br />
20 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Tudo nela<br />
era raro,<br />
começando<br />
pelo “nome<br />
estranho e até<br />
<strong>de</strong>sagradável,<br />
pseudónimo<br />
sem dúvida”,<br />
escreveu <strong>um</strong><br />
crítico. Foi esse<br />
o jogo<br />
(pertencer,<br />
não-pertencer)<br />
<strong>que</strong> ela jogou<br />
toda a vida<br />
Livros<br />
<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para contar esta história,<br />
apesar <strong>dos</strong> r<strong>um</strong>ores <strong>de</strong> <strong>que</strong> os her<strong>de</strong>iros<br />
<strong>de</strong> Lispector controlam tudo o <strong>que</strong><br />
sai. Moser <strong>de</strong>smente: “Todo o mundo<br />
me falava isso, mas felizmente esse<br />
problema não apareceu.” Diz <strong>que</strong> há<br />
“a família” e há Paulo, filho <strong>de</strong> Lispector,<br />
<strong>de</strong>tentor <strong>dos</strong> direitos. “Paulo enten<strong>de</strong>u<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>que</strong> eu era <strong>um</strong>a<br />
pessoa muito séria e <strong>que</strong> estava a fazer<br />
<strong>um</strong>a coisa <strong>que</strong> era <strong>um</strong>a missão <strong>de</strong> divulgação<br />
muito gran<strong>de</strong> da obra <strong>de</strong>la<br />
fora do Brasil.”<br />
As suas origens judaicas, por exemplo,<br />
são <strong>um</strong> <strong>dos</strong> aspectos mais sublinha<strong>dos</strong><br />
no livro. “Não havia nada <strong>que</strong><br />
Clarice Lispector <strong>de</strong>sejasse mais do<br />
<strong>que</strong> reescrever a história do seu nascimento”,<br />
escreve Moser. “Sua reputação<br />
é <strong>de</strong> ter sido <strong>um</strong> tanto mentirosa.”<br />
Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa admite <strong>que</strong><br />
esse mistério “faz parte da complexida<strong>de</strong><br />
da figura, esse jogo <strong>de</strong> revelação<br />
e ocultação” <strong>que</strong> Clarice alimentava.<br />
Ela foi “sempre muito consciente do<br />
seu papel e <strong>de</strong>ssa encenação”.<br />
Nesse jogo <strong>de</strong> sombras, a fuga da<br />
Ucrânia é <strong>um</strong> <strong>dos</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> temas da<br />
sua vida. Moser foi a Tchechelnik<br />
comprovar a cena da violação da mãe<br />
<strong>de</strong> Clarice e <strong>um</strong>a crença, contada pela<br />
autora, <strong>de</strong> <strong>que</strong> a gravi<strong>de</strong>z po<strong>de</strong><br />
curar <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong> <strong>um</strong>a doença<br />
venérea. Foi <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia em al<strong>de</strong>ia à procura<br />
da resposta. O estupro era <strong>um</strong>a<br />
das polémicas <strong>que</strong> a família não <strong>de</strong>ixaria<br />
passar, mas Paulo Lispector <strong>de</strong>ixou:<br />
“Não houve nada <strong>de</strong> absolutamente<br />
censurado. Paulo levou bronca<br />
da família por<strong>que</strong> permitiu <strong>que</strong> isso<br />
fosse publicado.”<br />
Suspensa n<strong>um</strong>a vírgula<br />
Quando “Perto do Coração Selvagem”<br />
foi publicado em 1943, Lispector iniciava<br />
<strong>um</strong>a obra “ao contrário do <strong>que</strong><br />
FOTOGRAFIAS DE “CLARICE FOTOBIOGRAFIA”, DE NADIA BATTELLA GOTLIB<br />
era a or<strong>de</strong>m dominante, e nesse sentido,<br />
<strong>um</strong>a obra <strong>de</strong>sterritorializadora da<br />
tendência da literatura brasileira sobre<br />
a terra, o lugar, o ufanismo brasileiro”,<br />
explica Carlos Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa. Clarice<br />
rompe “com o mo<strong>de</strong>lo do romance<br />
nor<strong>de</strong>stino” e cria “<strong>um</strong>a obra estranha<br />
a todas essas referências”.<br />
Tudo nela era raro, começando pelo<br />
“nome estranho e até <strong>de</strong>sagradável,<br />
pseudónimo sem dúvida”, escreveu<br />
<strong>um</strong> crítico. Foi esse o jogo (pertencer,<br />
não-pertencer) <strong>que</strong> ela jogou toda a<br />
vida. “Tenho a certeza <strong>de</strong> <strong>que</strong> no berço<br />
a minha primeira vonta<strong>de</strong> foi a <strong>de</strong> pertencer,<br />
por motivos <strong>que</strong> aqui não importam,<br />
eu <strong>de</strong> alg<strong>um</strong> modo <strong>de</strong>via estar<br />
sentindo <strong>que</strong> não pertencia a nada e a<br />
ninguém”, escreveu Clarice.<br />
Clarice era assim: <strong>um</strong> animal em bruto<br />
como Joana <strong>de</strong> “Perto do Coração<br />
Selvagem”, e domesticada como a Lídia<br />
do mesmo romance, vivendo nessa<br />
“Os livros <strong>de</strong>la estão<br />
à venda no metrô<br />
<strong>de</strong> São Paulo. Com<br />
quatro reais, n<strong>um</strong>a<br />
máquina, você<br />
compra <strong>um</strong> livro <strong>de</strong>la<br />
como <strong>que</strong>m compra<br />
<strong>um</strong>a coca-cola”<br />
Benjamin Moser<br />
intensa contradição <strong>de</strong> ser mulher, feminina,<br />
esposa e mãe, e <strong>de</strong> ser rebel<strong>de</strong>,<br />
livre, no limiar da loucura, na explosão<br />
mística <strong>dos</strong> encontros com Espinosa,<br />
comendo a barata como G.H. <strong>de</strong> “A<br />
Paixão segundo G.H.”.<br />
Quando publica “Perto do Coração”<br />
é <strong>um</strong>a “mulher à frente do seu<br />
tempo”, a sua linguagem “é tão diferente,<br />
tão estranha”, diz Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Sousa, <strong>que</strong> “não houve <strong>um</strong> único mês<br />
em 1944 <strong>que</strong> não saísse <strong>um</strong>a crítica<br />
ao romance”. Tudo estava ali na novida<strong>de</strong><br />
“do fragmento, do interior, do<br />
feminino”.<br />
Essa estranheza na língua é tão<br />
gran<strong>de</strong> <strong>que</strong>, ainda hoje, conta Moser,<br />
os revisores da Cosac Naify, a editora<br />
brasileira da biografia, “tentaram corrigir<br />
o português da Clarice. São pessoas<br />
<strong>que</strong> trabalham com linguagem,<br />
acham <strong>que</strong> ela escreve português errado.<br />
O <strong>que</strong> é, <strong>de</strong> facto, verda<strong>de</strong>. Ela<br />
própria diz isso, mas ela escreve do<br />
jeito <strong>que</strong> <strong>que</strong>r, é <strong>um</strong>a escolha.”<br />
No fundo, Clarice é isto: “Não, não,<br />
nenh<strong>um</strong> Deus, <strong>que</strong>ro estar só! E <strong>um</strong><br />
dia virá, sim, <strong>um</strong> dia virá em mim [...],<br />
eu romperei to<strong>dos</strong> os nãos <strong>que</strong> existem<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim, provarei a mim<br />
mesma <strong>que</strong> nada há a temer, <strong>que</strong> tudo<br />
o <strong>que</strong> eu for será sempre on<strong>de</strong> haja<br />
<strong>um</strong>a mulher com meu princípio.” Ou<br />
ainda: “Basta me c<strong>um</strong>prir e então nada<br />
impedirá o meu caminho até a<br />
morte-sem-medo, <strong>de</strong> qual<strong>que</strong>r luta e<br />
<strong>de</strong>scanso me levantarei forte e bela<br />
como <strong>um</strong> cavalo novo.”<br />
Na edição brasileira o título é apenas<br />
“Clarice,”. Nessa vírgula, há <strong>um</strong>a<br />
vida <strong>que</strong> se suspen<strong>de</strong>. A vírgula está<br />
lá por<strong>que</strong> “Clarice é <strong>um</strong> assunto tão<br />
gran<strong>de</strong>, <strong>que</strong> nunca vai ser <strong>um</strong> Clarice<br />
ponto final, vai ser Clarice vírgula por<strong>que</strong><br />
não pretendia, nem pretendo,<br />
dizer a última palavra sobre ela.”<br />
Curiosamente, também o seu livro<br />
“Uma aprendizagem, ou o livro <strong>dos</strong><br />
prazeres” (1969) começa com <strong>um</strong>a<br />
vírgula e termina com dois pontos.<br />
Em Clarice, “nada está por acaso: a<br />
pontuação dá-nos a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> contínuo,<br />
<strong>de</strong> estar-entre, estar no meio”, explica<br />
Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa.<br />
Hoje, diz Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa, Clarice<br />
“tem to<strong>dos</strong> os ingredientes para ser<br />
<strong>um</strong>a escritora <strong>de</strong> culto”. Em 100 anos,<br />
diz Moser, “Lispector vai ser <strong>um</strong> nome<br />
como Eça <strong>de</strong> Queirós, <strong>que</strong> até a<br />
criança na al<strong>de</strong>ia vai saber”.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 21
Os rapazes n<br />
também têm<br />
Os Field Music s<br />
gran<strong>de</strong> disco d<br />
são arrogantes. Só q<br />
IANWEST<br />
Música<br />
No Reino Unido, terra em <strong>que</strong> <strong>um</strong> lalala<br />
vale ouro, os códigos da pop <strong>de</strong><br />
guitarras foram refina<strong>dos</strong> ao longo <strong>de</strong><br />
décadas ao ponto <strong>de</strong> sabermos o <strong>que</strong><br />
cada aspirante a estrela tem <strong>de</strong> fazer<br />
e dizer para atingir o seu alvo.<br />
No caso <strong>dos</strong> homens, tem <strong>de</strong> se ter<br />
guitarras, jurar <strong>de</strong>voção aos Beatles,<br />
ser a<strong>de</strong>pto <strong>de</strong> <strong>um</strong> clube <strong>de</strong> futebol,<br />
ter <strong>um</strong> passado <strong>de</strong> rufia, <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong><br />
arrogante e ser “working-class”. Mais<br />
ainda: ter orgulho em ser “workingclass”.<br />
Querelas com drogas também<br />
ajudam.<br />
A conjugação <strong>de</strong>stes factores, mediada<br />
por <strong>um</strong>a total inabilida<strong>de</strong> em<br />
raciocinar sobre os mesmos, conduz<br />
a futura estrela ao momento em <strong>que</strong>,<br />
preparando-se para lançar o primeiro<br />
single no mundo, anuncia: “Não há<br />
ninguém melhor <strong>que</strong> eu no mundo<br />
da pop e to<strong>dos</strong> os outros são lixo”.<br />
Este ritual foi praticado “in excelsis”<br />
até à boçalida<strong>de</strong> pelos Oasis, conjunto<br />
<strong>de</strong> iletra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Manchester <strong>que</strong><br />
<strong>de</strong>scobriu <strong>que</strong> trocando a or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong><br />
acor<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> Beatles mas mantendo o<br />
plágio às melodias, <strong>um</strong> tipo podia ter<br />
<strong>um</strong>a carreira e ganhar muito dinheiro<br />
à conta <strong>dos</strong> seus semelhantes.<br />
O ligeiro problema com o ritual foi<br />
ter-se tornado <strong>um</strong>a imagem única da<br />
pop <strong>de</strong> guitarras do Reino Unido.<br />
Mas cinco minutos ao telefone com<br />
Peter Brewis e eis <strong>que</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> arrogância<br />
<strong>dos</strong> “working-class brits” vai à<br />
vida. Peter, <strong>que</strong> com o irmão David<br />
li<strong>de</strong>ra os Field Music, louvável instituição<br />
pop <strong>que</strong> acaba <strong>de</strong> editar <strong>um</strong><br />
disco duplo, homónimo, <strong>de</strong> pop disfarçada<br />
<strong>de</strong> riffalhada, funk branco,<br />
balada melosa e o <strong>que</strong> mais quiserem,<br />
é o oposto <strong>dos</strong> Oasis <strong>de</strong>ste mundo. É<br />
<strong>um</strong> tipo com talento, sentido <strong>de</strong> h<strong>um</strong>or<br />
e à vonta<strong>de</strong> na arte <strong>de</strong> conversar<br />
<strong>de</strong> igual para igual.<br />
A dado momento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a conversa<br />
cujo tema era a grandiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
“Field Music”, Peter faz a mais cómica<br />
<strong>que</strong>ixa <strong>que</strong> alg<strong>um</strong>a vez ouvimos<br />
<strong>um</strong> músico inglês fazer. Reportan<strong>dos</strong>e<br />
ao passado <strong>que</strong> partilhou com o<br />
irmão, afirmou com bonomia e <strong>um</strong>a<br />
gargalhada no fim: “Nunca nos faltou<br />
comida, nunca nos metemos em <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />
problemas, crescemos bem. Não<br />
é nada sensual dizer isto, pois não?”<br />
Esticar a corda<br />
Talvez não. No entanto, as quase vinte<br />
canções <strong>de</strong> “Field Music” são-no:<br />
mapeiam os mais diversos territórios,<br />
conjurando os fantasmas <strong>dos</strong> XTC, <strong>de</strong><br />
Prince, <strong>dos</strong> Led Zeppelin e da música<br />
exótica, e criando <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais esplêndi<strong>dos</strong><br />
reportórios <strong>de</strong> música inglesa<br />
não-electrónica <strong>dos</strong> últimos<br />
anos – afirmação <strong>que</strong> po<strong>de</strong> em si conter<br />
alg<strong>um</strong> es<strong>que</strong>cimento factual, facto<br />
<strong>que</strong> <strong>de</strong>ve ser menorizado em nome<br />
do entusiasmo juvenilesco <strong>que</strong> o disco<br />
proporciona.<br />
22 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
normais<br />
talento<br />
são ingleses, irmãos e gostam <strong>de</strong> futebol. Fizeram <strong>um</strong><br />
duplo, à sombra <strong>de</strong> Prince, Led Zeppelin e XTC. Mas não<br />
<strong>que</strong>riam “fazer o melhor disco do mundo”. João Bonifácio<br />
Peter e David Brewis cresceram em<br />
Sun<strong>de</strong>rland, on<strong>de</strong> ainda vivem e, como<br />
bons ingleses, adoram futebol.<br />
Vêm da “working-class”, certo, mas<br />
os pais “safaram-se bem aca<strong>de</strong>micamente”<br />
e “melhoraram <strong>um</strong> pouco a<br />
sua situação”. Pelo menos ao ponto<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem comprar instr<strong>um</strong>entos<br />
musicais para os filhos – <strong>que</strong> hoje têm<br />
32 (Peter) e 29 anos (David).<br />
Os instr<strong>um</strong>entos foram postos a<br />
funcionar em 2004, com a dupla a ser<br />
acompanhada por Andrew Moore.<br />
Nessa altura os Field Music tinham os<br />
seus anátemas: “Não estávamos n<strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong> rock, <strong>de</strong> Led Zeppelin ou <strong>de</strong> Cream,<br />
e resolvemos não nos meter nisso.<br />
Queríamos Penguin Cafe Orchestra<br />
e Brian Eno, mas com a ‘experiência’<br />
integrada na estrutura”.<br />
Se quiséssemos ser simplistas podíamos<br />
dizer <strong>que</strong> eram <strong>um</strong>a banda<br />
indie, mas Peter rejeita o epíteto:<br />
“Quisemos fazer <strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />
princípios, voltar a<br />
dar amor a essa i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> álb<strong>um</strong> enquanto<br />
álb<strong>um</strong> e não mero<br />
conjunto <strong>de</strong> canções”<br />
Peter Brewis<br />
“Nem se<strong>que</strong>r sabia <strong>que</strong> fazíamos música<br />
indie. Queríamos fazer boas melodias<br />
e boas harmonias, só isso. Mas<br />
agora <strong>que</strong>ríamos esticar a corda”.<br />
O “agora” refere-se a “Field Music”,<br />
terceiro longa-duração e primeiro em<br />
três anos. No interregno os manos<br />
formaram cada <strong>um</strong> a sua banda, após<br />
o <strong>que</strong> renovaram os Field Music com<br />
as entradas <strong>de</strong> Kev Dosdale e Ian Black,<br />
<strong>que</strong> substituem Andrew Moore.<br />
E a corda foi esticada, não só em<br />
termos estilísticos como em duração:<br />
<strong>um</strong> duplo álb<strong>um</strong> tão diversificado é<br />
coisa <strong>que</strong> já não se usa. Mais ainda: é<br />
coisa <strong>de</strong> melómanos com <strong>um</strong>a crença<br />
in<strong>de</strong>fectível no LP. Mas por trás <strong>de</strong>sta<br />
ambição está também algo <strong>de</strong> retorcido<br />
e perverso: a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir contra<br />
as regras da indústria e, n<strong>um</strong>a altura<br />
em <strong>que</strong> toda a gente lança faixas<br />
<strong>de</strong> mp3, produzir em massa.<br />
“Vamos ser honestos. Eu estou com<br />
32 anos e o David está com 29 – está<br />
a ficar <strong>de</strong>masiado tar<strong>de</strong> para o sucesso.<br />
Estamos n<strong>um</strong> ponto em <strong>que</strong> só<br />
<strong>que</strong>remos fazer o melhor disco do<br />
mundo. Ou o melhor <strong>que</strong> conseguirmos<br />
fazer. Não espero <strong>que</strong> muita gente<br />
compre – mas <strong>de</strong>viam”.<br />
Foi esta vonta<strong>de</strong> <strong>que</strong> já não se usa<br />
<strong>de</strong> “fazer o melhor disco do mundo”<br />
e a certeza <strong>de</strong> <strong>que</strong> ninguém ligaria<br />
peva ao <strong>que</strong> fizessem <strong>que</strong> estiveram<br />
na base <strong>de</strong> “Field Music”. “Queríamos”,<br />
justifica Peter, “<strong>de</strong>ixar <strong>um</strong> testemunho,<br />
algo diferente, algo forte,<br />
por<strong>que</strong> antes fazíamos discos pe<strong>que</strong>nos”.<br />
Os manos começaram a reparar<br />
<strong>que</strong> “hoje toda a gente faz canções e<br />
não álbuns”, pelo <strong>que</strong> resolveram fazer<br />
o oposto: “Quisemos fazer <strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> princípios, voltar a dar<br />
amor a essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> álb<strong>um</strong> enquanto<br />
álb<strong>um</strong> e não mero conjunto <strong>de</strong> canções.<br />
Os álbuns têm <strong>de</strong> encontrar <strong>um</strong><br />
mundo próprio e são esses os discos<br />
<strong>de</strong> <strong>que</strong> gostamos”.<br />
Deram por si a colocar <strong>que</strong>stões<br />
existenciais pertinentes, como “O <strong>que</strong><br />
é lançar <strong>um</strong> álb<strong>um</strong>?”. Sabiam <strong>que</strong><br />
<strong>que</strong>riam “<strong>um</strong> disco <strong>que</strong> fosse <strong>um</strong>a<br />
experiência”. Pon<strong>de</strong>ravam na melhor<br />
forma <strong>de</strong> “subverter a indústria”.<br />
Começaram a namorar com a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> disco duplo, mas os discos duplos<br />
têm a<strong>que</strong>le velho problema <strong>de</strong><br />
serem conota<strong>dos</strong> com o rock-progressivo,<br />
conceitos estrambólicos e capas<br />
ridículas. Mas <strong>de</strong>pois pensaram “nos<br />
discos duplos <strong>dos</strong> Beatles, no ‘Sign O’<br />
The Times’ do Prince”, e concluíram<br />
<strong>que</strong> “esses discos disparam para todo<br />
o lado”. “À superfície parecem não<br />
fazer sentido mas têm <strong>um</strong>a coerência<br />
interna <strong>que</strong> os une. Por isso não é o<br />
comprimento e a varieda<strong>de</strong> <strong>que</strong> os<br />
torna coerentes”.<br />
E foi aí <strong>que</strong> a i<strong>de</strong>ia se cristalizou:<br />
“Fazer <strong>um</strong> disco incoerente”. Fazer<br />
o disco funcionar “exactamente por<br />
não funcionar”.<br />
“Por norma tentamos fazer <strong>um</strong> todo<br />
coerente, tentamos <strong>que</strong> <strong>um</strong> disco<br />
funcione como <strong>um</strong> todo, <strong>de</strong>sta vez<br />
<strong>que</strong>ríamos <strong>um</strong> disco incoerente”. É<br />
com pena <strong>que</strong> Peter anuncia <strong>que</strong> falharam,<br />
por<strong>que</strong> “apesar da varieda<strong>de</strong>”<br />
o disco lhe soa a Field Music.<br />
“Field Music” “tem os seus temas,<br />
mas não é <strong>um</strong>a narrativa fechada”,<br />
como <strong>um</strong> “Lamb Lies Down On Broadway”,<br />
<strong>dos</strong> Genesis. É, acima <strong>de</strong> tudo,<br />
<strong>um</strong> disco <strong>de</strong> <strong>que</strong>m papou muita<br />
música e <strong>de</strong> <strong>que</strong>m mandou às malvas<br />
o bom gosto.<br />
“Neste disco resolvemos não negar<br />
o nosso amor pelo Jimmy Page”, diz<br />
Peter, comentando o impressionante<br />
número <strong>de</strong> riffs oleosos <strong>que</strong> percorre<br />
o disco. “Que posso dizer? Gostamos<br />
<strong>de</strong> punk e <strong>de</strong> groove. Gostamos <strong>dos</strong><br />
Wire e do Prince e da soul. E resolvemos<br />
pôr isso tudo no álb<strong>um</strong>”.<br />
Chega ao cúmulo <strong>de</strong> dizer <strong>que</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />
influências foram bandas como<br />
Aerosmith ou Poison. “Nos anos 70<br />
faziam-se canções enormes <strong>que</strong> por<br />
vezes tinham graça”. Admite: gosta<br />
<strong>dos</strong> Poison. “Têm dois discos bonzinhos<br />
e alg<strong>um</strong>as canções muito boas”.<br />
Res<strong>um</strong>indo: “Queríamos divertir-nos<br />
e não <strong>que</strong>ríamos fingir <strong>que</strong> não nos<br />
divertimos”.<br />
Este tipo <strong>de</strong> admissão com o seu<br />
próprio mau gosto trouxe libertação<br />
à banda. Peter pára <strong>um</strong> pouco para<br />
reflectir sobre “Let’s write a book”,<br />
belíssimo tema <strong>de</strong> funk <strong>de</strong>slavado <strong>de</strong><br />
“Field Music” <strong>que</strong>, segundo diz, tem<br />
feito alg<strong>um</strong>as pessoas torcer o nariz.<br />
“Muita gente po<strong>de</strong> achar <strong>que</strong> é <strong>de</strong><br />
mau gosto. Mas temos prazer em tomar<br />
esses riscos. De qual<strong>que</strong>r modo<br />
ninguém compra os nossos discos,<br />
por isso não é assim <strong>um</strong> risco e tão<br />
gran<strong>de</strong>. E por não sê-lo pu<strong>de</strong>mos dizer<br />
‘Vamos ser funky’ e divertir-nos à<br />
gran<strong>de</strong>”.<br />
“Não <strong>que</strong>remos fazer <strong>de</strong> conta <strong>que</strong><br />
somos negros”, explica, “isso seria<br />
ridículo”. Por estes dias pensam em<br />
si próprios como “<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />
Hall & Oates”, dupla <strong>que</strong> produziu<br />
sucessivos êxitos (não obrigatoriamente<br />
<strong>de</strong> bom gosto) e <strong>que</strong> “faziam<br />
funk, mas muito muito branco”.<br />
Mas a imprensa não tem ido nesta<br />
cantiga. Tem elogiado o disco, tem-se<br />
atirado ao ar com o disco, e inevitavelmente<br />
tem-nos comparado com os<br />
XTC. “Não percebo bem a comparação,<br />
por<strong>que</strong> não ouvi mais <strong>que</strong> os dois<br />
primeiros discos. Nunca ouvi o ‘Skylarking’<br />
e nunca gostei muito do ‘Nonesuch’”,<br />
confessa Peter, <strong>que</strong> levou logo<br />
ali <strong>um</strong>a ensaboa<strong>de</strong>la. “Mas se as pessoas<br />
conseguem ouvir coisas <strong>que</strong> eu<br />
não consigo, isso é óptimo. Mas a minha<br />
opinião é a mais importante”, diz,<br />
<strong>de</strong>satando a rir. “Não, se quiserem<br />
dizer <strong>que</strong> é <strong>um</strong>a merda também po<strong>de</strong>m”.<br />
Quem ainda não tem muita opinião<br />
sobre o disco é o próprio Peter. “Só o<br />
acabei há seis meses. Temos <strong>um</strong>a<br />
i<strong>de</strong>ia do <strong>que</strong> estamos a fazer, mas é<br />
<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia toldada pela ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fazer”.<br />
“Só agora” voltou a ouvir o disco.<br />
“Comprei <strong>um</strong> exemplar e gostei. Pensei<br />
‘Eu compraria isto’”. Perguntamos-lhe<br />
se o sucesso já chegou ao<br />
ponto <strong>de</strong> se disfarçar para comprar o<br />
seu disco. “Confesso: disfarcei-me<br />
para não ser reconhecido. Deixei crescer<br />
a barba e pus óculos <strong>de</strong> sol como<br />
o Joaquin Phoenix”. Desata a rir e <strong>de</strong>pois<br />
diz n<strong>um</strong> tom lamuriento verda<strong>de</strong>iramente<br />
cómico: “Honestamente:<br />
se eu fosse tão bonito quanto o Joaquin<br />
Phoenix ,não fazia música”.<br />
Da próxima vez <strong>que</strong> vos disserem<br />
<strong>que</strong> os músicos ingleses <strong>de</strong> talento são<br />
rufias arrogantes lembrem-se <strong>dos</strong><br />
Field Music.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 49 e segs.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 23
As canções <strong>de</strong> Maria<br />
take 2<br />
É possível unir Nino Rota e José Afonso, Toti Soler e Victor Jara? Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros acha <strong>que</strong><br />
sim e volta à aventura do canto com novo disco. “Penínsulas & Continentes” chega aos palcos<br />
portugueses a 7 e 8 <strong>de</strong> Abril, primeiro em Lisboa e <strong>de</strong>pois em Gaia. Nuno Pacheco<br />
Os primeiros sons ainda nos remetem<br />
para o Brasil: a secção rítmica, as notas<br />
sincopadas, a voz em onomatopeias.<br />
Mas é <strong>um</strong>a ilusão, por<strong>que</strong> Maria<br />
<strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros mudou <strong>de</strong> cenário. Da<br />
abordagem do reportório brasileiro<br />
(Chico, Caetano, Gil, Ivan Lins) <strong>que</strong><br />
fez em 2007 em “A Little More Blue”,<br />
o seu disco <strong>de</strong> estreia, a actriz, cineasta<br />
e cantora voltou-se agora para<br />
Portugal e, através <strong>de</strong>ste, para o mundo.<br />
“Penínsulas & Continentes” tem<br />
Nino Rota e José Afonso, Sérgio Godinho<br />
e Amélia Muge, Duo Ouro Negro<br />
e Wal<strong>de</strong>mar Bastos, Toti Soler e Raimon,<br />
Victor Jara e El Último <strong>de</strong> la Fila<br />
e, para ninguém dizer <strong>que</strong> não falou<br />
do Brasil, Lenine, n<strong>um</strong>a bela canção<br />
<strong>que</strong> ela adora.<br />
Mas há outros brasis no som do disco,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo nos músicos <strong>que</strong> nele<br />
tocam e <strong>que</strong>, com ela, co-assinam colectivamente<br />
os arranjos. Como, por<br />
exemplo, Edmundo Carneiro nas percussões.<br />
Não só. “As viagens”, diz Maria,<br />
“levaram-nos a enri<strong>que</strong>cer a formação,<br />
conhecendo artistas <strong>que</strong> tocaram<br />
connosco. É o caso do Itacyr<br />
Bocato, trombonista da Elis Regina,<br />
<strong>que</strong> tocou connosco em São Paulo e<br />
no Rio, ou o Rubem Dantas, o mítico<br />
percussionista do Paco <strong>de</strong> Lucía <strong>que</strong><br />
tocou connosco várias vezes Espanha.”<br />
E foi durante as muitas viagens<br />
<strong>que</strong> fez, cantando “A Little More Blue”<br />
<strong>que</strong> Maria foi dando corpo à i<strong>de</strong>ia do<br />
novo disco. Até <strong>que</strong> a UNESCO fez <strong>de</strong>la<br />
artista pela paz e se <strong>de</strong>u o cli<strong>que</strong>:<br />
“O concerto na se<strong>de</strong> da UNESCO fezme<br />
buscar <strong>um</strong> reportório <strong>que</strong> fosse<br />
muito português. Então à volta <strong>de</strong>sse<br />
reportório, <strong>que</strong> já por si é navegador<br />
e viajante, lancei este projecto.”<br />
Que nasceu em palco e só daí passou<br />
a disco. “O título veio a partir do reportório<br />
<strong>que</strong> se foi estabelecendo. Procurei<br />
<strong>um</strong> fio condutor, o <strong>que</strong> podia unir<br />
o Nino Rota ao Zeca Afonso, <strong>que</strong> é <strong>um</strong><br />
compositor justamente reconhecido<br />
em Portugal mas <strong>que</strong> ainda se po<strong>de</strong><br />
fazer muita coisa pelo seu reconhecimento<br />
fora do país. E ele tem <strong>um</strong>a dimensão<br />
à Nino Rota, é <strong>um</strong> compositor<br />
universal.” A José Afonso, Maria foi<br />
buscar três canções. “A primeira, ‘O<br />
homem voltou’, é talvez o meu tema<br />
favorito <strong>de</strong> entre todo o reportório <strong>de</strong>le.<br />
Aliás, integrei-o no filme ‘Capitães<br />
<strong>de</strong> Abril’, assim como o ‘Coro da Primavera’,<br />
pedi ao meu pai [o maestro<br />
António Victorino <strong>de</strong> Almeida] <strong>que</strong> lhe<br />
acrescentasse <strong>um</strong> troço sinfónico. ‘O<br />
homem voltou’ escrevi partes do guião<br />
a ouvi-lo, para mim tinha tudo a ver<br />
com a atmosfera <strong>dos</strong> militares, a<strong>que</strong>la<br />
coisa muito portuguesa e masculina.<br />
Já ‘Paz poeta e pombas’, adoro-a, achoa<br />
extraordinária, é muito atrevida. E<br />
tem a<strong>que</strong>le lado <strong>de</strong> salsa <strong>que</strong> remete<br />
para o continente sul-americano.”<br />
Mais híbrido<br />
Mas há mais, <strong>de</strong> Portugal. “Não vás<br />
contar <strong>que</strong> mu<strong>de</strong>i a fechadura”, <strong>de</strong><br />
PEDRO FERREIRA<br />
Música<br />
“Eu ouvia muitas<br />
músicas a pensar<br />
em bandas sonoras,<br />
agora talvez pense<br />
mais nelas com <strong>um</strong><br />
ouvido <strong>de</strong> cantora”<br />
Da abordagem do<br />
reportório brasileiro em<br />
“A Little More Blue”,<br />
Maria voltou-se agora<br />
para Portugal e, através<br />
<strong>de</strong>ste, para o mundo<br />
Sérgio Godinho: “Era o meu tema<br />
<strong>que</strong>rido. Os meus amigos riam-se,<br />
mas eu achava <strong>que</strong> esse é <strong>que</strong> era preciso<br />
fazer, é <strong>um</strong>a das minhas eleições<br />
<strong>de</strong> criança, quase.” E “Quem à janela”,<br />
<strong>de</strong> Amélia Muge: “O tema é lindíssimo.<br />
É impossível superar a versão<br />
do Camané em fado, <strong>que</strong> é absolutamente<br />
maravilhosa, a própria<br />
Amélia Muge canta-a maravilhosamente,<br />
então o <strong>que</strong> eu quis foi levá-lo<br />
para o universo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a adolescente,<br />
n<strong>um</strong>a garagem, aos berros, aproveitando<br />
os ecos da garagem e com dois<br />
amigos a fazer a secção rítmica.”<br />
Do Brasil, <strong>de</strong>sta vez, escolheu “Tudo<br />
por acaso”, <strong>de</strong> Lenine: “Adoro-a e<br />
i<strong>de</strong>ntifico-me muito com o conteúdo,<br />
por<strong>que</strong> muita coisa aconteceu na minha<br />
vida por acaso. Ele diz: por qual<strong>que</strong>r<br />
poesia, por qual<strong>que</strong>r magia. Eu<br />
tenho a sensação <strong>de</strong> <strong>que</strong> muitas das<br />
coisas me acontecem assim. Há alg<strong>um</strong>a<br />
coisa muito honesta, muito sincera,<br />
nessa canção.”<br />
E há África, claro. “Muxima”, popularizada<br />
pelo Duo Ouro Negro (“é<br />
emblemática em Angola, toda a gente<br />
a canta”) e “Velha chica”, <strong>de</strong> Wal<strong>de</strong>mar<br />
Bastos, on<strong>de</strong> pôs as suas duas filhas<br />
pe<strong>que</strong>nas, Júlia e Leonor, a cantar<br />
também. “Quis colocar-me na pele das<br />
crianças <strong>que</strong> perguntam à velha chica<br />
o sentido <strong>de</strong>ssa falta <strong>de</strong> razão <strong>que</strong> nos<br />
ro<strong>de</strong>ia.”<br />
O pai das meninas, o cenógrafo catalão<br />
Agustí Camps, marido e manager<br />
<strong>de</strong> Maria, ajudou-a na busca do<br />
reportório da Catalunha, e foi assim<br />
<strong>que</strong> ela <strong>de</strong>scobriu Toti Soler e Raimon.<br />
Já o grupo espanhol El Último<br />
<strong>de</strong> La Fila conheceu-o quando fez <strong>um</strong><br />
filme com Bigas Luna, nos anos 90. E<br />
o italiano Nino Rota apren<strong>de</strong>u a conhecê-lo<br />
melhor por via <strong>de</strong> <strong>um</strong> espectáculo<br />
<strong>que</strong> faz há anos com Mauro<br />
Gioia, com <strong>um</strong>a or<strong>que</strong>stra napolitana<br />
e cantoras como Catherine Ringer ou<br />
Martírio. “É <strong>um</strong>a festa, esse concerto.<br />
Tem andado por toda a Europa, infelizmente<br />
não foi a Portugal.” Por fim,<br />
Victor Jara e “Te recuerdo Amanda”,<br />
“canção essencial”: “Tentei abordá-la<br />
da forma mais nua possível, só voz e<br />
contrabaixo. É tão cinematográfica,<br />
a<strong>que</strong>la mulher <strong>que</strong> anda <strong>de</strong>baixo da<br />
chuva, o riso, a fábrica, tudo isso se<br />
constrói diante <strong>dos</strong> nossos olhos pelo<br />
po<strong>de</strong>r evocativo das palavras.”<br />
Apresentado só em Barcelona e<br />
Montreal, o disco é mostrado ao vivo<br />
em Lisboa dia 7 (no São Jorge) e em<br />
Gaia dia 8 (no Auditório Municipal).<br />
Com Maria Me<strong>de</strong>iros (voz) estarão<br />
Pascal Salmón (piano), Edmundo Carneiro<br />
(percussão) e Ricardo Feijão<br />
(baixo). No São Jorge, cantará pela<br />
primeira vez ao vivo com Legendary<br />
Tiger Man, em dueto.<br />
Mais híbrido do <strong>que</strong> o anterior, diz<br />
Maria, o disco aborda ainda “a música<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma dramatúrgica, quase<br />
cinematográfica”. Com <strong>um</strong>a diferença:<br />
“Eu ouvia muitas músicas a<br />
pensar em bandas sonoras, agora talvez<br />
pense mais nelas com <strong>um</strong> ouvido<br />
<strong>de</strong> cantora”.<br />
24 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
joana<br />
amendoeira<br />
sétimo<br />
fado<br />
espectáculo <strong>de</strong> apresentação do novo disco<br />
SÁB 10 ABR 23:00<br />
SALA 2<br />
DICK DALE & BAND<br />
THE SONICS<br />
YACHT & The Straight Gaze<br />
SALA SUGGIA<br />
MEN JD Samson, M O’Neill<br />
e Ginger Brooks Takahashi<br />
BARES 1 e 2<br />
PIXEL 82<br />
PFADFINDEREI VJ<br />
CYBERMUSICA<br />
BANSURICOLLECTIF<br />
SALA ROXA<br />
Álvaro Costa apresenta:<br />
Rock Progressivo: Yes or No?<br />
Um referendo na Sala Roxa…<br />
RESTAURANTE<br />
JETTOKI<br />
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />
9 <strong>de</strong> abril 21h00<br />
lisboa: ccb<br />
gran<strong>de</strong> auditório<br />
BARES 1 e 2<br />
AGORIA<br />
17 <strong>de</strong> abril 21h30<br />
porto: coliseu<br />
TODOS OS ESPAÇOS 18€<br />
OUTROS ESPAÇOS (TODOS EXCEPTO DICK DALE E THE SONICS) 7,5€<br />
ENTRADA LIMITADA À LOTAÇÃO DE CADA ESPAÇO<br />
MEDIA PARTNERS<br />
Apoios Concerto Lisboa<br />
Apoios Concerto Porto<br />
PATROCÍNIO<br />
MECENAS CASA DA MÚSICA<br />
APOIO INSTITUCIONAL<br />
MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />
Bilhetes à venda em www.ticketline.pt Reservas 707234234<br />
Locais <strong>de</strong> Venda: Abreu | CC Dolce Vita | El Corte Inglés | Fnac | Megare<strong>de</strong> | Ticketline (se<strong>de</strong>) | Worten<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />
DUPLO PARA O CLUBING (EXCEPTO DICK DALE E THE SONICS). OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.
Tiago Bettencourt<br />
não se comove por tudo e por nada<br />
O Tiago Bettencourt <strong>que</strong> nos fala <strong>de</strong> “emoção” e <strong>de</strong> “carga <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>” é a<strong>que</strong>le <strong>que</strong><br />
conhecemos. Mas essa é, parcialmente, <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia feita. Conclusões da jukebox Ípsilon?<br />
Tem os Radiohead no altar mas também se emociona com Michael Jackson; acha o reggae<br />
actual insuportável e o “mosh” prática digníssima. Mário Lopes<br />
Tiago Bettencourt estava atrasado<br />
para <strong>um</strong> programa <strong>de</strong> rádio e ainda<br />
tinha <strong>que</strong> passar pelo estúdio para<br />
apanhar a guitarra. Anda bastante<br />
atarefado, como se intui pelo primeiro<br />
lugar <strong>que</strong> “Em Fuga”, o seu segundo<br />
álb<strong>um</strong> a solo, ocupa na tabela <strong>de</strong><br />
vendas nacional. Tiago Bettencourt,<br />
recuperamos, estava atrasado e só<br />
tínhamos tempo <strong>de</strong> lhe mostrar mais<br />
<strong>um</strong>a canção. Já tinha elogiado <strong>um</strong><br />
concerto <strong>de</strong> Boyz Noise no Lux, já o<br />
ouvíramos <strong>de</strong>screver “moshada” (<strong>de</strong>le)<br />
durante os Arctic Monkeys, já percebêramos<br />
<strong>que</strong> Vampire Weekend<br />
não é com ele e <strong>que</strong> reggae menos<br />
ainda.<br />
Dado <strong>que</strong> Tiago Bettencourt, o ouvinte<br />
<strong>de</strong> música, se mostrara diferente<br />
da imagem <strong>que</strong> as suas canções<br />
projectam, achámos por bem “sacar<br />
<strong>um</strong> coelho da cartola” e encerrar em<br />
gran<strong>de</strong> a “jukebox” <strong>que</strong> preparámos<br />
para ele. O Rei da Pop. Michael Jackson,<br />
ele mesmo, gloriosamente disco-funk<br />
em “Rock with you”. Tiago<br />
lança <strong>um</strong> sorriso <strong>de</strong> satisfação. Conta-nos<br />
<strong>que</strong> o primeiro CD <strong>que</strong> comprou<br />
foi “Dangerous” (“ou <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />
Beach Boys”) e <strong>que</strong> há uns tempos<br />
se passou com a versão remasterizada<br />
<strong>de</strong> “Thriller”. Tiago, atentem, até<br />
foi ver “This Is It”, o filme da digressão<br />
<strong>que</strong> não chegou a acontecer. “Fi<strong>que</strong>i<br />
comovido com aquilo. Estava à<br />
espera <strong>que</strong> fosse horrível mas não.<br />
Saí <strong>de</strong> lá a pensar, ‘vou fazer música,<br />
vou fazer bem às pessoas, vou fazêlas<br />
todas felizes’”. Tiago comovido.<br />
Tiago em êxtase. Soaria a cliché dizer<br />
<strong>que</strong> é <strong>um</strong> homem <strong>de</strong> emoções, mas<br />
é verda<strong>de</strong> – ainda <strong>que</strong> não se comova<br />
por tudo e por nada. O seu novo<br />
álb<strong>um</strong>, assim como “Jardim”, o primeiro<br />
<strong>que</strong> assinou <strong>de</strong>pois do fim <strong>dos</strong><br />
Toranja, é maioritariamente viagem<br />
íntima: são cartas e conselhos <strong>de</strong><br />
amor, n<strong>um</strong> tom reflectivo com piano<br />
e guitarra acústica como pano <strong>de</strong><br />
fundo.<br />
Tiago Bettencourt nasceu em 1979<br />
e <strong>de</strong>spertou a sério para a música<br />
com o grunge. O <strong>que</strong> lhe ouvimos enquanto,<br />
em fundo, Kurt Cobain canta<br />
“Heart shaped box” soará familiar<br />
à<strong>que</strong>les <strong>que</strong> com ele partilham a mesma<br />
geração. Começar a tocar guitarra<br />
no 9º ano e apanhar com o “Nevermind”:<br />
“muito gritei Nirvana no<br />
meu quarto, com o meu irmão a gritar<br />
para <strong>que</strong> me calasse”. Ver os Nirvana<br />
na televisão pela primeira vez,<br />
“a cantar o ‘Lithi<strong>um</strong>’, ‘yeah yeah,<br />
yeh, yeeeeaaaah’, ver pela primeira<br />
vez <strong>um</strong> gajo a atirar-se para o público<br />
e pensar, ‘o <strong>que</strong> é isto? Está tudo doido?’”.<br />
O grunge “e a<strong>que</strong>la coisa muito<br />
<strong>de</strong> entranhas” <strong>de</strong>spertou-o verda<strong>de</strong>iramente<br />
para a música, mas não<br />
o comoviam. Isso, percebemos aqui,<br />
chegou <strong>de</strong>pois. Chegou quando os<br />
Radiohead enquanto jovens se fizeram<br />
ouvir nos escritórios da Univer-<br />
“Adoro Bob Marley, mas já não sei para on<strong>de</strong> <strong>que</strong>rem ir<br />
[as novas bandas]. São tão previsíveis. Sejam <strong>de</strong> <strong>que</strong> país<br />
forem, têm <strong>que</strong> ter pronúncia jamaicana, o <strong>que</strong> é<br />
absolutamente ridículo”<br />
“O meu pai é o maior fã <strong>que</strong><br />
conheço e <strong>um</strong>a das imagens <strong>que</strong><br />
guardo <strong>de</strong> pe<strong>que</strong>no é Jac<strong>que</strong>s Brel<br />
a cantar, empapado em suor.<br />
Pegar nas cassetes [ví<strong>de</strong>o] <strong>que</strong> o<br />
meu pai tinha e vê-lo a cantar<br />
a<strong>que</strong>le francês tão bem dito era<br />
das poucas coisas <strong>que</strong> me faziam<br />
sentar na sala”<br />
sal, on<strong>de</strong> instalámos a jukebox Ípsilon.<br />
Ainda vamos nos primeiros segun<strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong> “Fake plastic trees” e ele já<br />
suspirou, “esta canção mudou toda<br />
a minha vida”, já se <strong>de</strong>ixou levar pela<br />
memória. Adolescência, pois claro:<br />
“Faz-me lembrar as férias em Porto<br />
Covo antes <strong>dos</strong> ‘hippies’ invadirem<br />
as praias. Esta canção era <strong>um</strong>a das<br />
minhas especialida<strong>de</strong>s”. Os Radiohead<br />
são tanto <strong>que</strong> Tiago Bettencourt<br />
não se importa <strong>de</strong> ser sacrílego. “Certa<br />
vez, fui vê-los a Londres e, poucos<br />
meses <strong>de</strong>pois, vi o Tom Waits em Barcelona”,<br />
conta antes <strong>de</strong> largar a bomba:<br />
“Ele não me tocou muito por<strong>que</strong><br />
ainda estava completamente fascinado<br />
com o concerto <strong>dos</strong> Radiohead. É<br />
muito bom, mas já não tem o Marc<br />
Ribot na guitarra e foi muito calminho.<br />
O concerto <strong>dos</strong> Radiohead? Fora<br />
do normal. Apesar <strong>de</strong> terem álbuns<br />
muito produzi<strong>dos</strong>, não se es<strong>que</strong>cem<br />
<strong>de</strong> pôr na música <strong>um</strong>a carga <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />
muito gran<strong>de</strong>. Ouves Radiohead<br />
e tens tudo”.<br />
A emoção é tudo<br />
O Tiago Bettencourt <strong>que</strong> nos fala <strong>de</strong><br />
“emoção” e <strong>de</strong> “carga <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>” é<br />
a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> conhecemos das canções<br />
e das entrevistas. Mas essa é, parcialmente,<br />
<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia feita. Há <strong>um</strong> momento<br />
na conversa em <strong>que</strong> lhe perguntamos<br />
se não será escolhido pela<br />
música <strong>que</strong> ouve. Isto por<strong>que</strong> lhe<br />
mostráramos os frenéticos Vampire<br />
Weekend <strong>de</strong> “Cousins” e, ele, primeiro<br />
pensativo, brinca <strong>de</strong>pois <strong>um</strong> pouco:<br />
“se se pusesse agora <strong>um</strong> saxofone,<br />
parecia Primitive Reason”. Pausa.<br />
“Faz-me lembrar skas, mas esta coisa<br />
do ska... ” Nova pausa: “Só te sei dizer<br />
26 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Música<br />
“Apesar <strong>de</strong> terem álbuns<br />
muito produzi<strong>dos</strong>, não se<br />
es<strong>que</strong>cem <strong>de</strong> pôr na<br />
música <strong>um</strong>a carga <strong>de</strong><br />
verda<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong>.<br />
Ouves Radiohead e tens<br />
tudo”<br />
“Ouves as canções [<strong>dos</strong> Beach House] e<br />
pensas <strong>que</strong>, ao vivo, serão melhores,<br />
maiores, mas o concerto não foi nada <strong>de</strong><br />
especial. Fi<strong>que</strong>i tão <strong>de</strong>siludido <strong>que</strong> ainda<br />
não comprei o CD”<br />
“Percebo <strong>que</strong> digam <strong>que</strong> [Fleet Foxes] é<br />
muito Mamas & Papas, mas eu <strong>que</strong> an<strong>de</strong>i<br />
no coro <strong>dos</strong> Salesianos do Estoril acho<br />
óptimo tornar isto cool. Está a trazer <strong>de</strong><br />
volta a fogueira”<br />
<strong>que</strong> isto não me toca”. Este “só” explica<br />
muita da relação <strong>que</strong> estabelece<br />
com a música. Se há <strong>um</strong> momento<br />
em <strong>que</strong> “a música não o toca”, segue<br />
em frente e <strong>de</strong>spe<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>la. Aconteceu-lhe<br />
com os Beach House, como<br />
<strong>de</strong>scobrimos ao oferecer-lhe<br />
“Norway”.<br />
Ouviu “Teen Dream” no MySpace,<br />
achou-o <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> disco e foi com<br />
<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> expectativas para o concerto<br />
da banda no último Super Bock em<br />
Stock. Saiu <strong>de</strong> lá <strong>de</strong>siludido: “Ouves<br />
as canções e pensas <strong>que</strong>, ao vivo, serão<br />
melhores, maiores, mas o concerto<br />
não foi nada <strong>de</strong> especial. Fi<strong>que</strong>i<br />
tão <strong>de</strong>siludido <strong>que</strong> ainda não comprei<br />
o CD”.<br />
Os Beach House não são caso único.<br />
Alg<strong>um</strong> tempo <strong>de</strong>pois, estava no<br />
meio da plateia <strong>de</strong> <strong>um</strong> Campo Pe<strong>que</strong>no<br />
lotado para ver os Arctic Monkeys.<br />
Anda bastante<br />
atarefado, com<br />
o primeiro lugar<br />
<strong>que</strong> “Em Fuga”<br />
ocupa na tabela<br />
<strong>de</strong> vendas<br />
nacional<br />
“Fi<strong>que</strong>i comovido com aquilo [“This is<br />
It”, com Michael Jackson]. Estava à espera<br />
<strong>que</strong> fosse horrível mas não. Saí <strong>de</strong> lá a<br />
pensar, ‘vou fazer música, vou fazer bem<br />
às pessoas, vou fazê-las todas a felizes’”<br />
sawsx<br />
Entrou lá “muito fã”, saiu <strong>de</strong> lá sem<br />
fanatismo. Justifica-o <strong>de</strong> forma curiosa,<br />
com <strong>um</strong>a lição <strong>de</strong> veterano sobre<br />
dinâmicas do “mosh”. “Des<strong>de</strong> muito<br />
cedo <strong>que</strong> vou para o ‘mosh’, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
os concertos <strong>dos</strong> Pearl Jam no Dramático<br />
[<strong>de</strong> Cascais] ou os primeiros<br />
[em Portugal] <strong>dos</strong> Metallica. O bom<br />
nestes concertos é estar a ‘bombar’,<br />
mas <strong>de</strong>pois haver pausas on<strong>de</strong> se cria<br />
tensão e se ganha força para voltar.<br />
E os Arctic Monkeys não tiveram pausas.<br />
A certa altura andava ali aos saltos<br />
a pensar <strong>que</strong> já não havia qual<strong>que</strong>r<br />
pretexto para o fazer”. Foi beber<br />
<strong>um</strong>a cerveja ao bar, achou <strong>que</strong> os Arctic<br />
Monkeys se submetem a <strong>um</strong>a fórmula<br />
e riscou-os da sua lista <strong>de</strong> preferências.<br />
A música <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> o tocar,<br />
abandonou-a.<br />
A melomania <strong>de</strong> Tiago Bettencourt<br />
reage impulsivamente. Os seus pais,<br />
<strong>de</strong>screve, “ignoraram tudo o <strong>que</strong> se<br />
passou <strong>de</strong>pois <strong>dos</strong> Beatles”. Em casa,<br />
a música disponível ia até José Afonso<br />
e, sendo a família <strong>de</strong> Coimbra,<br />
ouvia-se muito fado. Fado <strong>que</strong> ele recusou<br />
até tar<strong>de</strong>. Até <strong>que</strong>, aos 17 anos,<br />
<strong>um</strong> amigo o levou a <strong>um</strong>a casa <strong>de</strong> fa<strong>dos</strong><br />
e ele voltou, quinta-feira após quintafeira,<br />
“apaixonado por a<strong>que</strong>le ambiente”.<br />
Ouve-se “Com <strong>que</strong> voz”, <strong>de</strong><br />
Amália Rodrigues – “na mouche, é o<br />
meu fado preferido”.<br />
Jac<strong>que</strong>s Brel, por sua vez, ficou preservado<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância. Descobrimo-lo<br />
ao passar “Ne me quitte pas”:<br />
“O meu pai é o maior fã <strong>que</strong> conheço<br />
e <strong>um</strong>a das imagens <strong>que</strong> guardo <strong>de</strong><br />
pe<strong>que</strong>no é Jac<strong>que</strong>s Brel a cantar, empapado<br />
em suor. Pegar nas cassetes<br />
[ví<strong>de</strong>o] <strong>que</strong> o meu pai tinha e vê-lo a<br />
cantar a<strong>que</strong>le francês tão bem dito<br />
era das poucas coisas <strong>que</strong> me faziam<br />
sentar na sala”. Nos seus afectos musicais,<br />
tudo remete para a emoção,<br />
para a tal noção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Mais<br />
<strong>um</strong>a prova? Os Fleet Foxes. “Quiet<br />
houses” e <strong>um</strong>a exclamação: “Muito<br />
bons!” Se as harmonias vocais têm<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
1O ABR<br />
SALA PRINCIPAL<br />
Há uns tempos,<br />
estava no Lux a ver<br />
Boyz Noise, a dançar<br />
e a apanhar toda<br />
a<strong>que</strong>la <strong>de</strong>scarga<br />
rítmica. Aparece-lhe<br />
<strong>um</strong> tipo à frente:<br />
“Tu não és o gajo<br />
<strong>dos</strong> Toranja? E gostas<br />
<strong>de</strong> electrónica?”<br />
Na altura, limitou-se<br />
a respon<strong>de</strong>r <strong>que</strong> sim.<br />
Agora, aproveita<br />
a <strong>de</strong>ixa: “Gosto <strong>de</strong><br />
tudo o <strong>que</strong> me altera<br />
o organismo”<br />
alg<strong>um</strong>a predominância no seu último<br />
álb<strong>um</strong>, tal <strong>de</strong>ve-se aos bucólicos barbu<strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong> Seattle. “Percebo <strong>que</strong> digam<br />
<strong>que</strong> é muito Mamas & Papas, mas eu<br />
<strong>que</strong> an<strong>de</strong>i no coro <strong>dos</strong> Salesianos do<br />
Estoril acho óptimo tornar isto cool.<br />
Está a trazer <strong>de</strong> volta a fogueira”. E<br />
Tiago, no <strong>que</strong> à “freakice” diz respeito,<br />
é “a favor da fogueira e contra o<br />
djembé”. Aliás, sempre contra a praga<br />
do djembé. Estão os Fleet Foxes a<br />
harmonizar vozes e guitarras acústicas<br />
e ele a lamentar, divertido, <strong>que</strong><br />
“a partir do momento em <strong>que</strong> apareceu<br />
o djembé, não havia música nenh<strong>um</strong>a<br />
<strong>que</strong> não o tivesse, por<strong>que</strong> o<br />
gajo <strong>que</strong> tem o djembé não consegue<br />
parar <strong>de</strong> tocar. E o pior é <strong>que</strong> normalmente<br />
toca mal”.<br />
Tiago Bettencourt continua a explicar<br />
por<strong>que</strong> se tornou insuportável<br />
a <strong>de</strong>mocratização do djembé, falanos,<br />
contraponto feliz, do quanto<br />
adora ir aos concertos <strong>de</strong> Buraka<br />
Som Sistema e atira ao ar <strong>um</strong> “não<br />
escolho géneros <strong>de</strong> <strong>que</strong> gosto”. Acto<br />
contínuo, acrescenta, “mas há coisas<br />
para as quais sei <strong>que</strong> não tenho paciência”.<br />
Como por exemplo? “Reggae.<br />
Adoro Bob Marley, mas já não<br />
sei para on<strong>de</strong> <strong>que</strong>rem ir [as novas<br />
bandas]. São tão previsíveis. Sejam<br />
<strong>de</strong> <strong>que</strong> país forem, têm <strong>que</strong> ter pronúncia<br />
jamaicana, o <strong>que</strong> é absolutamente<br />
ridículo”.<br />
Há uns tempos, estava no Lux a<br />
ver Boyz Noise, a dançar e a apanhar<br />
toda a<strong>que</strong>la <strong>de</strong>scarga rítmica.<br />
Aparece-lhe <strong>um</strong> tipo à frente, com<br />
ar espantado: “Tu não és o gajo <strong>dos</strong><br />
Toranja? E gostas <strong>de</strong> electrónica?”<br />
Na altura, limitou-se a respon<strong>de</strong>r<br />
<strong>que</strong> sim às duas perguntas. Agora,<br />
aproveita a <strong>de</strong>ixa e res<strong>um</strong>e-se enquanto<br />
ouvinte: “Gosto <strong>de</strong> tudo o<br />
<strong>que</strong> me altera o organismo”. Até,<br />
<strong>que</strong>m sabe, <strong>de</strong> <strong>um</strong> djembé tocado<br />
com a <strong>de</strong>vida perícia.<br />
Uma sonorida<strong>de</strong> doce, feita com referências ao pop,<br />
à bossa nova e ao jazz, enraizado naquilo <strong>que</strong><br />
tem <strong>de</strong> mais particular: a música portuguesa.<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
PRODUÇÃO APOIO À<br />
DIVULGAÇÃO<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 27
Música<br />
André Fernan<strong>de</strong>s, guitarrista,<br />
<strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais brilhantes improvisadores<br />
nacionais, dirige a editora Tone<br />
of a Pitch, <strong>que</strong> este fim <strong>de</strong> semana tem<br />
o seu primeiro festival, inteiramente<br />
<strong>de</strong>dicado a projectos nacionais<br />
Gerida a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura minimal,<br />
a editora Tone of a Pitch (TOAP)<br />
tem marcado os caminhos do novo jazz<br />
português. Na verda<strong>de</strong>, é apenas o<br />
próprio André Fernan<strong>de</strong>s, guitarrista<br />
consagrado como <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais brilhantes<br />
improvisadores nacionais, colaborador<br />
habitual <strong>de</strong> figuras como Lee<br />
Konitz ou Mário Laginha, <strong>que</strong> ac<strong>um</strong>ula<br />
as activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direcção, produção<br />
e promoção da editora. Com <strong>um</strong> catálogo<br />
<strong>que</strong> atinge já as 38 referências e<br />
<strong>que</strong> integra colaborações <strong>dos</strong> mais reputa<strong>dos</strong><br />
jazzmen nacionais - Mário<br />
Laginha, Bernardo Sassetti, João Paulo,<br />
Joana Machado, Pedro Moreira e Afonso<br />
Pais, entre outros - a TOAP proporciona<br />
aos músicos <strong>um</strong>a estrutura para<br />
editar, sem restrições artísticas, baseando-se<br />
n<strong>um</strong>a premissa apenas: qualida<strong>de</strong>.<br />
Quase 10 anos passa<strong>dos</strong> sobre a sua<br />
criação, surge o primeiro Festival TOAP<br />
Records. Porquê agora? “É <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia<br />
antiga <strong>que</strong> só agora foi possível concretizar”,<br />
diz André Fernan<strong>de</strong>s. “Um pouco<br />
por pressão <strong>dos</strong> próprios músicos<br />
<strong>que</strong> gravam para a editora. O local mais<br />
óbvio para o festival seria o Hot Clube<br />
mas, agora <strong>que</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir, surgiu<br />
a hipótese <strong>de</strong> o fazer na Lx Factory”,<br />
em Lisboa.<br />
“Gostava muito <strong>de</strong> o fazer to<strong>dos</strong> os<br />
anos”, continua. “Claro <strong>que</strong> esta primeira<br />
edição está a ser feita com condições<br />
precárias e estou a conseguir<br />
fazê-lo muito <strong>de</strong>vido à vonta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> músicos.<br />
Gostava também <strong>de</strong> alargar o<br />
festival a outros pontos do país ou convidar<br />
alguns músicos estrangeiros <strong>que</strong><br />
integram o catálogo”.<br />
I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional<br />
Apesar <strong>de</strong> ter no seu catálogo participações<br />
internacionais <strong>de</strong> peso - Ben<br />
Mon<strong>de</strong>r, Julian Arguelles, Avishai Cohen,<br />
David Binney, Geral Cleaver ou<br />
Dan Weiss, entre outros - esta primeira<br />
edição do festival surge inteiramente<br />
<strong>de</strong>dicada a projectos nacionais, integrando<br />
os grupos <strong>de</strong> Bruno Santos<br />
(Trioangular), Nuno Costa (em quinteto),<br />
Nelson Cascais (e Os Cossacos),<br />
“Quando viajo para<br />
Nova Ior<strong>que</strong><br />
ou alg<strong>um</strong>as cida<strong>de</strong>s<br />
europeias sinto <strong>que</strong><br />
as pessoas do meio<br />
conhecem a editora.<br />
Recebo muitas<br />
propostas”<br />
Todo esse Jazz<br />
Fundada em 2001 pelos irmãos<br />
André e Alexandre Fernan<strong>de</strong>s, a<br />
editora <strong>de</strong> jazz Tone of a Pitch<br />
assinala o 9º aniversário com a<br />
primeira edição do seu festival.<br />
Hoje e amanhã na Lx Factory.<br />
Rodrigo Amado<br />
Nelson Cascais e Os Cossacos<br />
RUI GAUDÊNCIO<br />
André Fernan<strong>de</strong>s (Imaginário), Demian<br />
Cabaud (o seu Group, em quarteto) e<br />
Jeff Davis (Haunted Gar<strong>de</strong>ns).<br />
“Tentei misturar projectos mais antigos,<br />
dando priorida<strong>de</strong> a músicos <strong>que</strong><br />
participam em vários discos do catálogo<br />
- casos do Bruno Pedroso, Alexandre<br />
Frazão, Bernardo Moreira ou Nelson<br />
Cascais - com grupos <strong>que</strong> editaram há<br />
pouco tempo, como Demian Cabaud,<br />
Jeff Davis ou Nuno Costa”.<br />
Em Portugal, pe<strong>que</strong>nas editoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<br />
como a Clean Feed, com<br />
o jazz <strong>de</strong> vanguarda, a Creative Sources,<br />
com <strong>um</strong>a música experimental, e<br />
a Tone of a Pitch, com <strong>um</strong> jazz mo<strong>de</strong>rno,<br />
mais próximo do “mainstream”,<br />
formam as bases e a estrutura para a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> jazz do país, sem apoios,<br />
lutando para conseguir <strong>um</strong> reconhecimento<br />
internacional.<br />
Sem estar <strong>de</strong>masiado preocupado<br />
com a visibilida<strong>de</strong> internacional do<br />
projecto, André ass<strong>um</strong>e <strong>um</strong>a evolução:<br />
“A certa altura, o catálogo da Tone of<br />
a Pitch começou a ganhar personalida<strong>de</strong>,<br />
consistência. Isso aconteceu <strong>de</strong><br />
forma natural e fez com <strong>que</strong> as propostas<br />
<strong>que</strong> recebo agora sejam todas relativamente<br />
ligadas ao perfil da editora.<br />
Quando viajo para Nova Ior<strong>que</strong> ou alg<strong>um</strong>as<br />
cida<strong>de</strong>s europeias sinto <strong>que</strong> as<br />
pessoas do meio conhecem a editora.<br />
Recebo muitas propostas. É <strong>um</strong> reconhecimento<br />
artístico <strong>que</strong> se dá mais<br />
no meio <strong>dos</strong> músicos”.<br />
Mas as dificulda<strong>de</strong>s são muitas. Às<br />
<strong>que</strong>stões características da conjuntura<br />
económica somam-se outras como<br />
o IVA (taxado a 5 por cento nos livros<br />
e 20 por cento na música) e a falta <strong>de</strong><br />
apoios à edição discográfica. Só <strong>um</strong>a<br />
enorme <strong>de</strong>dicação à causa as po<strong>de</strong><br />
vencer: “É ainda mais difícil ultrapassar<br />
alg<strong>um</strong>as dificulda<strong>de</strong>s pelo facto <strong>de</strong><br />
ser apenas eu a ac<strong>um</strong>ular todas as funções<br />
na editora. A minha vida é <strong>de</strong><br />
músico. Isto é <strong>um</strong>a coisa paralela ao<br />
<strong>que</strong> faço habitualmente e torna-se difícil<br />
dispen<strong>de</strong>r o tempo e energia necessários<br />
a <strong>um</strong>a eficaz promoção do<br />
catálogo. Mas é <strong>um</strong>a coisa <strong>que</strong> adorava<br />
fazer...e adorava ter alguém <strong>que</strong> me<br />
ajudasse a fazer isso.”<br />
N<strong>um</strong>a época em <strong>que</strong> é com<strong>um</strong> o<br />
facto <strong>de</strong> as pessoas <strong>de</strong>scarregarem<br />
música da net sem pagarem, sendo<br />
isso encarado pelas novas gerações<br />
como natural, <strong>um</strong> novo <strong>de</strong>safio se coloca<br />
às editoras. “Há várias possibilida<strong>de</strong>s<br />
para o futuro. Por <strong>um</strong> lado, os<br />
discos po<strong>de</strong>m passar a ser apenas <strong>um</strong><br />
meio <strong>de</strong> divulgação da música, ganhando<br />
o circuito <strong>de</strong> concertos <strong>um</strong>a<br />
outra importância na remuneração<br />
<strong>dos</strong> músicos - as editoras cada vez<br />
mais ac<strong>um</strong>ulam funções <strong>de</strong> agenciamento<br />
e ‘management’, exactamente<br />
para ir buscar alg<strong>um</strong> do dinheiro <strong>dos</strong><br />
concertos. Por outro lado, há a possibilida<strong>de</strong>,<br />
<strong>um</strong> pouco mais distante, <strong>de</strong><br />
ser criada <strong>um</strong>a taxa, a ser paga <strong>de</strong> diversas<br />
formas, nomeadamente pelos<br />
sites <strong>de</strong> ‘download’ gratuito <strong>de</strong> música,<br />
para ser <strong>de</strong>pois distribuída pelas<br />
editoras e pelos músicos”.<br />
Mas André revela optimismo relativamente<br />
ao futuro da editora. “Queria<br />
dar <strong>um</strong>a volta às limitações <strong>que</strong> tenho<br />
tido, sem <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> ambições irrealistas.<br />
Uma das coisas <strong>que</strong> surgiu, n<strong>um</strong>a conversa<br />
com o Pedro Gue<strong>de</strong>s da Or<strong>que</strong>stra<br />
Jazz <strong>de</strong> Matosinhos [OJM], foi a hipótese<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a parceria. Em princípio<br />
isso será concretizado em Maio. As edições<br />
da OJM passam a ser integradas<br />
no catálogo da Tone of a Pitch <strong>que</strong> passa,<br />
por seu lado, a beneficiar da estrutura<br />
da OJM. É <strong>um</strong>a parceria <strong>que</strong> nos<br />
dá excelentes perspectivas para as activida<strong>de</strong>s<br />
futuras da editora.”<br />
Hoje e amanhã, na LXFactory comprova-se<br />
a surpreen<strong>de</strong>nte vitalida<strong>de</strong><br />
do jazz feito no nosso país.<br />
Programação completa em www.toapmusic.com<br />
28 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Que fazer <strong>de</strong> Rob<br />
salvador e assas<br />
A vida <strong>de</strong> Robespierre confun<strong>de</strong>-se com a Revolução Francesa <strong>de</strong> 1789 e com os anos<br />
Quererá a França recordar? “Notre terreur”, em cena na Culturgest na próxima semana,<br />
Teatro<br />
Surge impecavelmente vestido, como<br />
se <strong>de</strong> <strong>um</strong> político do nosso século se<br />
tratasse. Camisa, gravata e calças <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> fato <strong>que</strong> para ser completo apenas<br />
precisaria <strong>de</strong> <strong>um</strong> blazer. Surge impecável,<br />
mas em <strong>de</strong>sconcerto. Entre ele<br />
e o abismo é apenas <strong>um</strong>a <strong>que</strong>stão <strong>de</strong><br />
tempo. Robespierre é <strong>um</strong> herói, sim,<br />
mas <strong>um</strong> herói por poucos meses.<br />
“Está a construir-se o cenário para<br />
a minha morte”, diz antes da <strong>que</strong>da.<br />
Mas isso será mais à frente, n<strong>um</strong> instante<br />
<strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, quando os espíritos<br />
entrarem em estado <strong>de</strong> embriaguez<br />
revolucionária e suicidária. Agora,<br />
ainda se está n<strong>um</strong> princípio. E o discurso<br />
<strong>de</strong> Robespierre é firme e elo<strong>que</strong>nte.<br />
Mas o olhar vagueia, o corpo<br />
estremece. Como se já soubesse.<br />
Nesse princípio, os revolucionários<br />
<strong>que</strong> agora governam no Comité da<br />
Salvação Pública esperam a sua chegada.<br />
É a ele <strong>que</strong> ouvem, é ele <strong>que</strong><br />
seguem, como a <strong>um</strong> respeitado lí<strong>de</strong>r.<br />
Para <strong>de</strong>pois nele <strong>de</strong>positarem a culpa<br />
e o peso do <strong>que</strong> <strong>de</strong> mais terrível aconteceu<br />
na Revolução Francesa.<br />
Lin<strong>de</strong>t, Billaut, Collot, Couthon e<br />
os outros – aqui representa<strong>dos</strong> como<br />
homens comuns, <strong>dos</strong> dias <strong>de</strong> hoje –<br />
aguardam então à volta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesa<br />
comprida. Um espaço, ocupado por<br />
nove homens, mas sobretudo <strong>de</strong> palavras,<br />
na criação colectiva <strong>que</strong> a companhia<br />
francesa “d’ores et déjà” traz<br />
na próxima semana a Lisboa. Palavras<br />
<strong>que</strong>, juntas, criam o equilíbrio justo<br />
entre o peso filosófico e a leveza poética.<br />
Palavras <strong>que</strong>, <strong>de</strong> tão verda<strong>de</strong>iras,<br />
não se esgotam. Sobre o i<strong>de</strong>al da<br />
revolução e o pesa<strong>de</strong>lo do seu reverso.<br />
“Notre terreur” (“O nosso terror”)<br />
estará em cena no Gran<strong>de</strong> Auditório<br />
da Culturgest nos dias 8, 9 e 10. A peça<br />
estreou em Setembro <strong>de</strong> 2009 no<br />
La Colline – Théâtre National. É <strong>um</strong>a<br />
criação sobre os anos do Terror (1793<br />
e 1794) <strong>que</strong> se seguiram à Revolução<br />
Francesa <strong>de</strong> 1789 <strong>que</strong> <strong>de</strong>rrubou a monarquia.<br />
E é colectiva por<strong>que</strong> nela não<br />
se distingue (nem se hierarquiza) o<br />
trabalho do encenador, Sylvain Creuzevault,<br />
e <strong>dos</strong> actores, Samuel Achache,<br />
Benoit Carré, Antoine Cegarra,<br />
Éric Charon, Pierre Devérines, Vladislav<br />
Galard, Lionel Gonzalez, Arthur<br />
Igual e Léo-Antonin Lutinier.<br />
É sempre esta a forma do grupo<br />
trabalhar. Mas nesta peça, serve <strong>de</strong><br />
via natural para os actores entrarem<br />
na cabeça e na pele <strong>dos</strong> revolucionários.<br />
São-no já na forma <strong>de</strong> fazer teatro.<br />
“O nosso objectivo é fazer <strong>de</strong> ‘Notre<br />
terreur’ <strong>um</strong> conflito <strong>que</strong> emane <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a experiência colectiva política e<br />
não <strong>de</strong> <strong>um</strong>a dominação psíquica e<br />
social <strong>de</strong> <strong>um</strong> encenador. [O nosso objectivo<br />
é] Quebrar os códigos da proprieda<strong>de</strong><br />
intelectual. Ficarmos <strong>de</strong> pé<br />
nas nossas posições, nunca senta<strong>dos</strong><br />
nos nossos lugares”, diz Creuzevault<br />
n<strong>um</strong>a entrevista por email antes da<br />
“troupe” vir para Lisboa.<br />
Mas nada <strong>que</strong> se possa visl<strong>um</strong>brar<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> discurso político na peça tem<br />
a ver com os dias <strong>de</strong> hoje. Nada do<br />
<strong>que</strong> aqui se diz é metáfora para os excessos<br />
do século XXI. “O terror <strong>de</strong><br />
então era totalmente diferente daquilo<br />
<strong>que</strong> hoje nomeamos o terrorismo<br />
<strong>de</strong> Estado”, esclarece o encenador.<br />
“O primeiro [terror] foi mais <strong>um</strong>a figura<br />
da resistência à opressão quando<br />
o segundo é <strong>um</strong>a opressão.” Porém<br />
reconhece: “Esta não é efectivamente<br />
<strong>um</strong>a peça histórica. É política por<br />
natureza, mas sem <strong>um</strong>a função política.”<br />
A escrita é também colectiva, feita<br />
“no tempo <strong>dos</strong> ensaios e <strong>que</strong> continua<br />
frente aos espectadores”, em cena,<br />
no palco, inspirada <strong>de</strong> alguns discursos<br />
<strong>de</strong> figuras da revolução, Georges<br />
Couthon, Saint-Just e Robespierre.<br />
Denunciar a impostura<br />
Maximilien Marie Isidore <strong>de</strong> Robespierre.<br />
Advogado, excelente orador,<br />
<strong>de</strong>putado da Convenção Nacional e<br />
<strong>um</strong> <strong>dos</strong> chefes do governo revolucionário.<br />
Revolucionário da ala mais radical<br />
<strong>dos</strong> jacobinos <strong>que</strong> combateu a<br />
facção <strong>dos</strong> girondinos, fundador do<br />
Comité <strong>de</strong> Salvação Pública e personalida<strong>de</strong><br />
da Revolução <strong>que</strong> mais divi<strong>de</strong><br />
os franceses. Figura sem medo no<br />
olho do furacão. Depois da vitoriosa<br />
revolta, personifica o Terror <strong>dos</strong> anos<br />
<strong>que</strong> se seguem. em.<br />
N<strong>um</strong> breve e momento<br />
<strong>de</strong> glória antes do<br />
fim, acredita <strong>que</strong> o<br />
seu nome sobreviverá<br />
à morte: ce Robespierre! A<br />
moi la gloire! (A<br />
“Pla-<br />
mim a Glória!)”.<br />
Mas a França,<br />
hoje, não o lebra. Ou mui-<br />
to pouco.<br />
ce-<br />
As poucas ruas<br />
ou praças com o seu<br />
nome não são em Paris<br />
– no ano passado a Câmara<br />
Municipal votou essa restrição.<br />
“Termos <strong>um</strong>a ‘rua Robespierre’<br />
em Paris significava dizer <strong>que</strong> se<br />
aceitava <strong>que</strong> Robespierre não foi<br />
aquilo <strong>que</strong>, durante muito po, se fez <strong>de</strong>le e <strong>que</strong> ainda hoje<br />
se faz. Só <strong>um</strong>a tradição marxis-<br />
temta<br />
tentou perceber o governo<br />
revolucionário e não apenas<br />
julgar Robespierre”, ra Sylvain Creuzevault.<br />
Por isso, também, só algu-<br />
consi<strong>de</strong>mas<br />
cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> políticas comunistas<br />
na chamada cintura<br />
vermelha em redor <strong>de</strong><br />
Paris, têm ruas, praças ou<br />
estações <strong>de</strong> metro (como<br />
30 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
É <strong>um</strong>a criação sobre os anos do<br />
Terror (1793 e 1794) <strong>que</strong> se<br />
seguiram à Revolução Francesa<br />
on<strong>de</strong> não se distingue o<br />
trabalho do encenador e <strong>dos</strong><br />
actores. É sempre esta a forma<br />
<strong>de</strong>ste grupo trabalhar, mas<br />
nesta peça isso serve <strong>de</strong> via<br />
natural para os actores<br />
entrarem na cabeça e na pele<br />
<strong>dos</strong> revolucionários<br />
bespierre,<br />
ssino?<br />
s <strong>de</strong> Terror <strong>que</strong> se seguiram. Mas em Paris não existe <strong>um</strong>a rua ou <strong>um</strong>a praça com o seu nome.<br />
, ass<strong>um</strong>e-se como experiência colectiva política. Ana Dias Cor<strong>de</strong>iro<br />
“Termos <strong>um</strong>a ‘rua<br />
Robespierre’ em Paris<br />
significava dizer<br />
<strong>que</strong> se aceitava<br />
<strong>que</strong> Robespierre não<br />
foi aquilo <strong>que</strong>,<br />
durante muito tempo,<br />
se fez <strong>de</strong>le e <strong>que</strong> ainda<br />
hoje se faz. Só <strong>um</strong>a<br />
tradição marxista<br />
tentou perceber<br />
o governo<br />
revolucionário e não<br />
apenas julgar<br />
Robespierre”<br />
Sylvain Creuzevault,<br />
encenador<br />
em Montreuil) em homenagem a Robespierre.<br />
O resto é censura, diz o encenador.<br />
Mas <strong>que</strong>rerá a França recordar? “Os<br />
franceses têm <strong>um</strong>a relação com esta<br />
época <strong>que</strong> surpreen<strong>de</strong>, em <strong>que</strong> a exaltação<br />
se confun<strong>de</strong> com o medo”, continua.<br />
A visão ou versão dominante <strong>de</strong>ste<br />
período faz-se quase <strong>de</strong> <strong>um</strong> só lado<br />
– o contra-revolucionário. O <strong>que</strong> a<br />
companhia quis fazer, explica Creuzevault,<br />
foi <strong>que</strong>stionar essa visão <strong>de</strong><br />
Robespierre como “<strong>de</strong> <strong>um</strong>a máscara<br />
do inimigo a abater, e sobre o seu corpo<br />
abatido, o lugar <strong>de</strong> <strong>um</strong> símbolo<br />
<strong>que</strong> ainda hoje é transmitido como<br />
reaccionário: o homem do sangue do<br />
Terror”, diz. “Queríamos pelo teatro<br />
<strong>de</strong>nunciar esta impostura, contrariála.”<br />
O peso e a aura<br />
Robespierre carrega o peso <strong>de</strong>sse terror<br />
mas também a aura <strong>de</strong> <strong>um</strong> libertador.<br />
Chamavam-lhe o “incorruptível”<br />
por <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o povo. E também<br />
o tirano, o ditador, o fanático. Levou<br />
ao extremo o i<strong>de</strong>al da liberda<strong>de</strong>, esmagando-o.<br />
Disso foi acusado. Foi<br />
mandado para a guilhotina e executado<br />
em 28 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1794.<br />
É <strong>de</strong>ssa lenta <strong>de</strong>scida ao inferno<br />
<strong>que</strong> trata “Notre terreur”. Ele não implorará<br />
nada no fim. Acusará. O <strong>que</strong><br />
era lúcido, nebuloso se tornará. Palavras<br />
sem nexo, faces pintadas, vestes<br />
rasgadas, objectos em <strong>de</strong>sarr<strong>um</strong>o e a<br />
mesa <strong>que</strong>, <strong>de</strong> tão comprida e direita,<br />
parecia apontar para <strong>um</strong> caminho,<br />
está agora <strong>de</strong>salinhada.<br />
“Já não há linha a direito”, diz <strong>um</strong><br />
<strong>dos</strong> membros do comité. Já não há<br />
<strong>um</strong>a luz, <strong>um</strong> sinal a mostrar por on<strong>de</strong><br />
ir.<br />
Quando pronuncia as últimas palavras<br />
– “a pátria <strong>que</strong>ixa-se da nossa<br />
fra<strong>que</strong>za” – Robespierre não procura<br />
compaixão, nem reconhece o impossível<br />
do seu i<strong>de</strong>al. Antes ataca, para<br />
se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Será isso <strong>que</strong> fez na realida<strong>de</strong><br />
quando <strong>de</strong>le fizeram o tal<br />
monstro a abater? “Decidimos tomar<br />
esse risco no teatro, e pensamos <strong>que</strong><br />
ele o tomou também historicamente”,<br />
explica Creuzevault.<br />
“Que fazer <strong>de</strong> Robespierre, salvador<br />
e assassino?” pergunta Saint-Just,<br />
amigo <strong>de</strong> Robespierre e <strong>um</strong> <strong>dos</strong> membros<br />
mais radicais do comité, na primeira<br />
cena em <strong>que</strong> não representa a<br />
sua personagem mas recita <strong>um</strong> texto<br />
sobre a relação entre Robespierre e<br />
o povo.<br />
E continua: “Viemos, Gran<strong>de</strong> Robespierre,<br />
para te celebrar<br />
E, <strong>que</strong>rido representante, para <strong>de</strong>positar<br />
as cores da pátria a teus pés/<br />
E viemos ver no teu rosto <strong>de</strong> <strong>que</strong> são<br />
feitos os traços <strong>de</strong> <strong>um</strong> tirano.”<br />
Na récita, o actor <strong>de</strong>ixa <strong>que</strong> o seu<br />
corpo seja tomado pela força das palavras.<br />
Fala para alguém, mas está<br />
sozinho. Esten<strong>de</strong> a mão e, em representação<br />
do povo, <strong>de</strong>clara: “Glória a<br />
ti, Gran<strong>de</strong> Robespierre, representante<br />
do povo francês, salvador, libertador<br />
da primeira República <strong>de</strong>ste<br />
mundo<br />
E maldito sejas tu, assassino, tirano<br />
da opinião, burguês sequioso <strong>de</strong> sangue<br />
inocente, <strong>de</strong> <strong>que</strong>m o sangue não<br />
<strong>de</strong>via ter <strong>de</strong>rramado, do qual és culpado,<br />
e por isso serás castigado.”<br />
Nesta récita <strong>de</strong> introdução, o actor<br />
exalta-se e comove-se, contorce-se,<br />
antes <strong>de</strong> se converter na personagem<br />
<strong>que</strong> representa no resto da peça,<br />
Saint-Just, e juntar-se à mesa comprida<br />
do Comité da Salvação Pública, no<br />
princípio.<br />
Aqui comenta-se a execução <strong>de</strong><br />
Danton. “Como é ver lá do alto <strong>um</strong>a<br />
execução?<br />
Calmo/ Havia <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> silêncio,<br />
<strong>um</strong> sentimento patriótico h<strong>um</strong>il<strong>de</strong><br />
<strong>que</strong> se apo<strong>de</strong>rou da multidão. (...)<br />
Não imaginava <strong>um</strong> silêncio assim.”<br />
“Danton era amado do povo”, diz<br />
<strong>um</strong> ainda tomado pela dúvida. Era <strong>um</strong><br />
inimigo da revolução, remata Robespierre<br />
assim <strong>que</strong> surge, impecável, <strong>de</strong><br />
camisa e gravata, mas sem blazer:<br />
“[Danton] Virou o seu pensamento e<br />
a sua pl<strong>um</strong>a contra nós. Está morto.”<br />
“Regozijemo-nos<br />
A última facção caiu e o povo estava<br />
reunido em torno da sua <strong>que</strong>da”,<br />
continua <strong>um</strong> elemento do grupo.<br />
“Reunido? Estava era aterrorizado”,<br />
completa outro.<br />
Como Danton – a <strong>que</strong>m o dramaturgo<br />
alemão do século XIX Georg<br />
Büchner <strong>de</strong>dicou <strong>um</strong>a peça “A Morte<br />
<strong>de</strong> Danton” – outros, além do rei Luís<br />
XVI, executado em 1793, serão <strong>de</strong>pois<br />
disso impie<strong>dos</strong>amente executa<strong>dos</strong>.<br />
Na peça realça-se a morte <strong>de</strong> Cécile<br />
Renault (e <strong>de</strong> toda a família), acusada<br />
<strong>de</strong> tentar assassinar Robespierre<br />
na rua entre a multidão. E <strong>de</strong> Lucille<br />
(mulher do Camille Desmoulins) <strong>que</strong><br />
“espalha boatos, panfletos” contra o<br />
comité <strong>de</strong> salvação.<br />
Será a primeira república também<br />
a primeira ditadura <strong>de</strong>ste mundo? E<br />
será o seu representante <strong>um</strong> assassino?<br />
Diz Creuzevault: “A <strong>que</strong>stão não<br />
é saber se foi ou não <strong>um</strong>a ditadura<br />
mas se o Terror surgiu da vonta<strong>de</strong> da<br />
soberania popular, como resistência<br />
à opressão.”<br />
Robespierre diz <strong>que</strong> agiu em nome<br />
da virtu<strong>de</strong>. “Tu salvaste a França e<br />
por isso mataste franceses. Disseste<br />
<strong>que</strong> não po<strong>de</strong>ria ser feito <strong>de</strong> outra<br />
forma”, é-lhe dito na récita <strong>de</strong> Saint-<br />
Just, no início. “Não <strong>que</strong>ríamos <strong>que</strong><br />
ninguém morresse. Não te elegemos<br />
para <strong>que</strong> houvesse guerra, mas paz.<br />
Uma coisa é seres culpado, outra é<br />
ignorares sê-lo. Um vício.” Essa é a<br />
distância <strong>que</strong> vai do vício à virtu<strong>de</strong>.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 31
Aleksandar<br />
Hemon “O Projecto Lazarus”<br />
é <strong>um</strong> romance comovente sobre<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>silusão<br />
e perda e luto,<br />
por <strong>um</strong><br />
autor já<br />
comparado<br />
a Nabokov<br />
e a Conrad.<br />
Pág. 37<br />
Field Music Vão ser tão<br />
<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> quanto a inteligência h<strong>um</strong>ana<br />
permitir. Pág. 49<br />
Robert Wise Um cineasta<br />
mal amado a (re)<strong>de</strong>scobrir – caixa<br />
DVD da Costa do Castelo. Pág. 45<br />
Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />
Leva “Penínsulas & Continentes” a<br />
Lisboa, dia 7, e a Gaia, dia 8. Pág. 46<br />
Broken Bells Meia<br />
dúzia <strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> canções e mais <strong>um</strong><br />
punhado <strong>de</strong> muito razoáveis melodias:<br />
nada mau para este mini-super-duo formado<br />
por Danger Mouse e James Mercer. Pág. 49<br />
António Osório A<br />
poesia completa, emotiva, cuida<strong>dos</strong>a,<br />
compassiva. Pág. 36<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 33
Teatro/Dança<br />
A pintora<br />
<strong>que</strong> não<br />
consegue<br />
encontrar<br />
o branco<br />
Um texto interpela o<br />
público sobre a guerra,<br />
a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, os<br />
acontecimentos violentos.<br />
Ana Maria Henri<strong>que</strong>s<br />
Terra sem Palavras<br />
De Dea Loher. Pela Assédio.<br />
Encenação <strong>de</strong> João Car<strong>dos</strong>o. Com<br />
Rosa Quiroga.<br />
Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. De 27/03 a<br />
11/04. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. 2,5€ a 8€.<br />
Em K. – <strong>que</strong> po<strong>de</strong> ser Kabul, mas<br />
também Bagda<strong>de</strong> ou Sarajevo -, <strong>um</strong>a<br />
artista partilha connosco a sua<br />
frustração criativa: “não consegue<br />
encontrar o branco”. Mas não é <strong>um</strong><br />
“branco qual<strong>que</strong>r”, conta-nos Rosa<br />
Quiroga, a actriz <strong>que</strong> interpreta a<br />
pintora sem nome em “Terra sem<br />
Palavras: o branco em <strong>que</strong>stão é a<br />
cor, ou a ausência da mesma, <strong>que</strong><br />
resulta da violência das explosões,<br />
da<strong>que</strong>las <strong>que</strong> povoam as cida<strong>de</strong>s em<br />
guerra. É o branco momentâneo, tão<br />
difícil <strong>de</strong> imortalizar.<br />
Em cena no portuense Estúdio<br />
Zero, com produção da Assédio –<br />
Associação <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ias Obscuras,<br />
“Terra sem Palavras” é <strong>um</strong> texto <strong>de</strong><br />
Dea Loher, dramaturga alemã <strong>que</strong><br />
<strong>de</strong>cidiu escrever sobre o blo<strong>que</strong>io<br />
Agenda<br />
Teatro<br />
Estreiam<br />
O Nosso Terror<br />
De D’ores et Déjà. Encenação <strong>de</strong><br />
Sylvain Creuzevault. Com Samuel<br />
Achache, Benoit Carré, Antoine<br />
Cegarra, Éric Charon, Pierre<br />
Devérines, Vladislav Galard, Lionel<br />
Gonzalez, Arthur Igual, Léo-Antonin<br />
Lutinier.<br />
Lisboa. Culturgest - Gran<strong>de</strong> Auditório. Rua Arco do<br />
Cego - Edifício da CGD. De 08/04 a 10/04. 5ª a Sáb.<br />
às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 15€.<br />
Ver texto na págs. 30 e 31<br />
Tuning<br />
De Rodrigo Francisco. Pela<br />
Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada.<br />
Encenação <strong>de</strong> Joaquim Benite.<br />
Almada. Teatro Municipal <strong>de</strong> Almada - Sala<br />
Experimental. Av. Professor Egas Moniz. De 08/04<br />
a 02/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
212739360. 5€ a 11€.<br />
Die Maiers - Episódio I<br />
De Sabine Maier, Yogi Mohr.<br />
Encenação <strong>de</strong> Yogi Mohr. Com<br />
Sabine Maier, Yogi Mohr, Luca Maier,<br />
Branca Maier, August Maier.<br />
Dea Loher, dramaturga alemã, escreveu sobre<br />
o blo<strong>que</strong>io criativo <strong>que</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vastada<br />
po<strong>de</strong> causar a <strong>um</strong> artista<br />
criativo <strong>que</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vastada<br />
po<strong>de</strong> causar n<strong>um</strong> artista.<br />
Dirigida por João Car<strong>dos</strong>o, Rosa<br />
Quiroga dá vida a mais <strong>um</strong> monólogo<br />
produzido pela Assédio. A diferença<br />
é <strong>que</strong> <strong>de</strong>sta vez o sentimento “não é<br />
tão palpável como nos espectáculos<br />
anteriores”. Rosa explica: “alguém<br />
está encalhado n<strong>um</strong> quadrado da sua<br />
vida”. E o “quadrado” da pintora <strong>que</strong><br />
vive em K. é o seu atelier, <strong>um</strong>a divisão<br />
preenchida com <strong>um</strong> quadro <strong>de</strong><br />
ardósia on<strong>de</strong> se reflecte a passagem<br />
<strong>dos</strong> dias e das noites e <strong>um</strong> tapete <strong>que</strong><br />
é <strong>um</strong>a manta <strong>de</strong> retalhos. Enquanto<br />
beberica chá, <strong>de</strong>scalça, a pintora<br />
divaga sobre a inevitabilida<strong>de</strong> da<br />
podridão do corpo h<strong>um</strong>ano: “já<br />
ninguém aceita o <strong>que</strong> é<br />
Lisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. De 08/04<br />
a 18/04. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 218855550. 8€ a 12€.<br />
Continuam<br />
Antígona<br />
De Sófocles. Encenação <strong>de</strong> Nuno<br />
Carinhas. Com Alexandra Gabriel,<br />
António Durães, Emília Silvestre,<br />
João Castro, Jorge Mota, José<br />
Eduardo Silva, Lígia Ro<strong>que</strong>, Maria do<br />
Céu Ribeiro, Paulo Freixinho, Pedro<br />
Almendra.<br />
Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />
23/04. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.:<br />
223401910. 3,75€ a 16€.<br />
Uma Família Portuguesa<br />
De Filomena Oliveira, Miguel Real.<br />
Pelo Teatro Aberto. Encenação <strong>de</strong><br />
Cristina Carvalhal. Com Bruno<br />
Simões, Carlos Malvarez, João Maria<br />
Pinto, Luísa Salgueiro, Teresa Faria.<br />
Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç.<br />
Espanha. Até 02/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às<br />
16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€.<br />
N<strong>um</strong> Dia Igual aos Outros<br />
De John Kolvenbach. Encenação <strong>de</strong><br />
Marco Martins. Com Nuno Lopes,<br />
Gonçalo Waddington.<br />
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio.<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
verda<strong>de</strong>iramente belo, como o cheiro<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> amigo. Como se pinta isso?”.<br />
Quando damos por ela já é noite<br />
outra vez, a luz já não il<strong>um</strong>ina o<br />
quadro <strong>de</strong> ardósia, a música indica<br />
<strong>que</strong> o dia está no fim e a pintora<br />
volta-se <strong>de</strong> costas para o público,<br />
como no início <strong>de</strong>sta viagem entre<br />
quatro pare<strong>de</strong>s. Ouvem-se sons <strong>de</strong><br />
carroças, cabras e crianças na rua,<br />
crianças <strong>que</strong> vão acabar por per<strong>de</strong>r<br />
<strong>um</strong> braço ou <strong>um</strong>a perna por<br />
pisarem <strong>um</strong>a mina perdida na<br />
estrada <strong>de</strong> terra batida. É esta<br />
realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> violência, pobreza e<br />
<strong>de</strong>sespero <strong>que</strong> blo<strong>que</strong>ia a nossa<br />
artista. “And then you are stuck”,<br />
repete, n<strong>um</strong> esforço <strong>de</strong> afirmação<br />
constante.<br />
Pç. D. Pedro IV. Até 18/04. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom.<br />
às 16h15. Tel.: 213250835. 12€.<br />
A Balada da Margem Sul<br />
De Hel<strong>de</strong>r Costa, Jorge Palma<br />
(canções). Pela Barraca. Encenação<br />
<strong>de</strong> Hel<strong>de</strong>r Costa. Com Sérgio Moras,<br />
Ciomara Morais, Adérito Lopes,<br />
Pedro Borges, entre outros.<br />
Lisboa. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2.<br />
Até 31/12. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
213965360. 5€ a 12,5€.<br />
Dança<br />
Estreiam<br />
Kings Cross<br />
De Pedro Pires.<br />
Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R.<br />
Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal,<br />
“Este texto interpela o público<br />
sobre a guerra, a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, os<br />
acontecimentos violentos. Põe o<br />
artista em confronto consigo, com a<br />
sua obra e com o <strong>que</strong> o leva a<br />
executá-la”, explica João Car<strong>dos</strong>o,<br />
acrescentando <strong>que</strong> não se preten<strong>de</strong><br />
<strong>que</strong> “Terra sem Palavras” seja <strong>um</strong><br />
espectáculo “tão virado para fora,<br />
mas mais intimista”.<br />
“E a dor? E a felicida<strong>de</strong>?”,<br />
<strong>que</strong>stiona-se – ou <strong>que</strong>stiona-nos a<br />
nós -, ao mesmo tempo <strong>que</strong> a luz e<br />
a música voltam a mudar, e as<br />
memórias passam a ser mais<br />
difusas, frases e conceitos lança<strong>dos</strong><br />
arbitrariamente: “You have seen<br />
the surface; pretty much the<br />
surface”.<br />
39). De 07/04 a 08/04. 4ª e 5ª às 21h30. Tel.:<br />
225189982.<br />
Continuam<br />
Maiorca<br />
De Paulo Ribeiro. Pela Companhia<br />
Paulo Ribeiro. Com Erika<br />
Gustamacchia, Gonçalo Lobato,<br />
Marta Cer<strong>que</strong>ira, Pedro Men<strong>de</strong>s,<br />
Romulus Neagu, Pedro Burmester.<br />
Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim,<br />
19. Dia 03/04. Sáb. às 21h30. Tel.: 261338131. 5€.<br />
34 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Teatro/Dança<br />
A pintora<br />
<strong>que</strong> não<br />
consegue<br />
encontrar<br />
o branco<br />
Um texto interpela o<br />
público sobre a guerra,<br />
a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, os<br />
acontecimentos violentos.<br />
Ana Maria Henri<strong>que</strong>s<br />
Terra sem Palavras<br />
De Dea Loher. Pela Assédio.<br />
Encenação <strong>de</strong> João Car<strong>dos</strong>o. Com<br />
Rosa Quiroga.<br />
Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. De 27/03 a<br />
11/04. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. 2,5€ a 8€.<br />
Em K. – <strong>que</strong> po<strong>de</strong> ser Kabul, mas<br />
também Bagda<strong>de</strong> ou Sarajevo -, <strong>um</strong>a<br />
artista partilha connosco a sua<br />
frustração criativa: “não consegue<br />
encontrar o branco”. Mas não é <strong>um</strong><br />
“branco qual<strong>que</strong>r”, conta-nos Rosa<br />
Quiroga, a actriz <strong>que</strong> interpreta a<br />
pintora sem nome em “Terra sem<br />
Palavras: o branco em <strong>que</strong>stão é a<br />
cor, ou a ausência da mesma, <strong>que</strong><br />
resulta da violência das explosões,<br />
da<strong>que</strong>las <strong>que</strong> povoam as cida<strong>de</strong>s em<br />
guerra. É o branco momentâneo, tão<br />
difícil <strong>de</strong> imortalizar.<br />
Em cena no portuense Estúdio<br />
Zero, com produção da Assédio –<br />
Associação <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ias Obscuras,<br />
“Terra sem Palavras” é <strong>um</strong> texto <strong>de</strong><br />
Dea Loher, dramaturga alemã <strong>que</strong><br />
<strong>de</strong>cidiu escrever sobre o blo<strong>que</strong>io<br />
Agenda<br />
Teatro<br />
Estreiam<br />
O Nosso Terror<br />
De D’ores et Déjà. Encenação <strong>de</strong><br />
Sylvain Creuzevault. Com Samuel<br />
Achache, Benoit Carré, Antoine<br />
Cegarra, Éric Charon, Pierre<br />
Devérines, Vladislav Galard, Lionel<br />
Gonzalez, Arthur Igual, Léo-Antonin<br />
Lutinier.<br />
Lisboa. Culturgest - Gran<strong>de</strong> Auditório. Rua Arco do<br />
Cego - Edifício da CGD. De 08/04 a 10/04. 5ª a Sáb.<br />
às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 15€.<br />
Ver texto na págs. 30 e 31<br />
Tuning<br />
De Rodrigo Francisco. Pela<br />
Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada.<br />
Encenação <strong>de</strong> Joaquim Benite.<br />
Almada. Teatro Municipal <strong>de</strong> Almada - Sala<br />
Experimental. Av. Professor Egas Moniz. De 08/04<br />
a 02/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
212739360. 5€ a 11€.<br />
Die Maiers - Episódio I<br />
De Sabine Maier, Yogi Mohr.<br />
Encenação <strong>de</strong> Yogi Mohr. Com<br />
Sabine Maier, Yogi Mohr, Luca Maier,<br />
Branca Maier, August Maier.<br />
Dea Loher, dramaturga alemã, escreveu sobre<br />
o blo<strong>que</strong>io criativo <strong>que</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vastada<br />
po<strong>de</strong> causar a <strong>um</strong> artista<br />
criativo <strong>que</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vastada<br />
po<strong>de</strong> causar n<strong>um</strong> artista.<br />
Dirigida por João Car<strong>dos</strong>o, Rosa<br />
Quiroga dá vida a mais <strong>um</strong> monólogo<br />
produzido pela Assédio. A diferença<br />
é <strong>que</strong> <strong>de</strong>sta vez o sentimento “não é<br />
tão palpável como nos espectáculos<br />
anteriores”. Rosa explica: “alguém<br />
está encalhado n<strong>um</strong> quadrado da sua<br />
vida”. E o “quadrado” da pintora <strong>que</strong><br />
vive em K. é o seu atelier, <strong>um</strong>a divisão<br />
preenchida com <strong>um</strong> quadro <strong>de</strong><br />
ardósia on<strong>de</strong> se reflecte a passagem<br />
<strong>dos</strong> dias e das noites e <strong>um</strong> tapete <strong>que</strong><br />
é <strong>um</strong>a manta <strong>de</strong> retalhos. Enquanto<br />
beberica chá, <strong>de</strong>scalça, a pintora<br />
divaga sobre a inevitabilida<strong>de</strong> da<br />
podridão do corpo h<strong>um</strong>ano: “já<br />
ninguém aceita o <strong>que</strong> é<br />
Lisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. De 08/04<br />
a 18/04. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 218855550. 8€ a 12€.<br />
Continuam<br />
Antígona<br />
De Sófocles. Encenação <strong>de</strong> Nuno<br />
Carinhas. Com Alexandra Gabriel,<br />
António Durães, Emília Silvestre,<br />
João Castro, Jorge Mota, José<br />
Eduardo Silva, Lígia Ro<strong>que</strong>, Maria do<br />
Céu Ribeiro, Paulo Freixinho, Pedro<br />
Almendra.<br />
Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />
23/04. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.:<br />
223401910. 3,75€ a 16€.<br />
Uma Família Portuguesa<br />
De Filomena Oliveira, Miguel Real.<br />
Pelo Teatro Aberto. Encenação <strong>de</strong><br />
Cristina Carvalhal. Com Bruno<br />
Simões, Carlos Malvarez, João Maria<br />
Pinto, Luísa Salgueiro, Teresa Faria.<br />
Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç.<br />
Espanha. Até 02/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às<br />
16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€.<br />
N<strong>um</strong> Dia Igual aos Outros<br />
De John Kolvenbach. Encenação <strong>de</strong><br />
Marco Martins. Com Nuno Lopes,<br />
Gonçalo Waddington.<br />
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio.<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
verda<strong>de</strong>iramente belo, como o cheiro<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> amigo. Como se pinta isso?”.<br />
Quando damos por ela já é noite<br />
outra vez, a luz já não il<strong>um</strong>ina o<br />
quadro <strong>de</strong> ardósia, a música indica<br />
<strong>que</strong> o dia está no fim e a pintora<br />
volta-se <strong>de</strong> costas para o público,<br />
como no início <strong>de</strong>sta viagem entre<br />
quatro pare<strong>de</strong>s. Ouvem-se sons <strong>de</strong><br />
carroças, cabras e crianças na rua,<br />
crianças <strong>que</strong> vão acabar por per<strong>de</strong>r<br />
<strong>um</strong> braço ou <strong>um</strong>a perna por<br />
pisarem <strong>um</strong>a mina perdida na<br />
estrada <strong>de</strong> terra batida. É esta<br />
realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> violência, pobreza e<br />
<strong>de</strong>sespero <strong>que</strong> blo<strong>que</strong>ia a nossa<br />
artista. “And then you are stuck”,<br />
repete, n<strong>um</strong> esforço <strong>de</strong> afirmação<br />
constante.<br />
Pç. D. Pedro IV. Até 18/04. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom.<br />
às 16h15. Tel.: 213250835. 12€.<br />
A Balada da Margem Sul<br />
De Hel<strong>de</strong>r Costa, Jorge Palma<br />
(canções). Pela Barraca. Encenação<br />
<strong>de</strong> Hel<strong>de</strong>r Costa. Com Sérgio Moras,<br />
Ciomara Morais, Adérito Lopes,<br />
Pedro Borges, entre outros.<br />
Lisboa. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2.<br />
Até 31/12. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />
213965360. 5€ a 12,5€.<br />
Dança<br />
Estreiam<br />
Kings Cross<br />
De Pedro Pires.<br />
Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R.<br />
Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal,<br />
“Este texto interpela o público<br />
sobre a guerra, a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, os<br />
acontecimentos violentos. Põe o<br />
artista em confronto consigo, com a<br />
sua obra e com o <strong>que</strong> o leva a<br />
executá-la”, explica João Car<strong>dos</strong>o,<br />
acrescentando <strong>que</strong> não se preten<strong>de</strong><br />
<strong>que</strong> “Terra sem Palavras” seja <strong>um</strong><br />
espectáculo “tão virado para fora,<br />
mas mais intimista”.<br />
“E a dor? E a felicida<strong>de</strong>?”,<br />
<strong>que</strong>stiona-se – ou <strong>que</strong>stiona-nos a<br />
nós -, ao mesmo tempo <strong>que</strong> a luz e<br />
a música voltam a mudar, e as<br />
memórias passam a ser mais<br />
difusas, frases e conceitos lança<strong>dos</strong><br />
arbitrariamente: “You have seen<br />
the surface; pretty much the<br />
surface”.<br />
39). De 07/04 a 08/04. 4ª e 5ª às 21h30. Tel.:<br />
225189982.<br />
Continuam<br />
Maiorca<br />
De Paulo Ribeiro. Pela Companhia<br />
Paulo Ribeiro. Com Erika<br />
Gustamacchia, Gonçalo Lobato,<br />
Marta Cer<strong>que</strong>ira, Pedro Men<strong>de</strong>s,<br />
Romulus Neagu, Pedro Burmester.<br />
Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim,<br />
19. Dia 03/04. Sáb. às 21h30. Tel.: 261338131. 5€.<br />
34 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Livros<br />
Próximo <strong>de</strong> <strong>um</strong> discurso<br />
cristão, António Osório não<br />
revela inclinações metafísicas,<br />
acredita apenas nas emoções<br />
e nas coisas<br />
36 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon<br />
Poesia<br />
Gratidão<br />
A poesia completa <strong>de</strong><br />
António Osório: emotiva,<br />
cuida<strong>dos</strong>a, compassiva.<br />
Pedro Mexia<br />
A Luz Fraterna<br />
António Osório<br />
Assírio & Alvim<br />
mmmmm<br />
Edição<br />
António Osório<br />
estreou-se em 1972<br />
com “A Raiz<br />
Afectuosa”, e<br />
quatro décadas<br />
<strong>de</strong>pois publica a<br />
sua poesia reunida<br />
em “A Luz<br />
Fraterna”. Os<br />
títulos são emotivos, compassivos,<br />
benevolentes, tal como toda esta<br />
poesia.<br />
Des<strong>de</strong> o início <strong>que</strong> Osório<br />
reivindicou o regresso a <strong>um</strong>a<br />
emotivida<strong>de</strong> perdida, n<strong>um</strong>a escrita<br />
intimista e cuidada. N<strong>um</strong>a “autoentrevista”,<br />
o autor <strong>de</strong>finiu assim a<br />
sua poética: limpar as palavras da<br />
sujida<strong>de</strong>, usar poucos adjectivos,<br />
dizer o inominável <strong>de</strong> forma brutal.<br />
As palavras usadas por Osório são<br />
limpas, buriladas, poucos poetas<br />
portugueses têm <strong>um</strong>a tal mestria<br />
prosódica e estrófica, mas isso não<br />
significa <strong>um</strong>a legibilida<strong>de</strong> ingénua,<br />
por<strong>que</strong> muitas vezes a palavra<br />
exacta é arcaica ou enigmática.<br />
Her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> alguns poetas italianos<br />
ditos herméticos, Osório nunca ce<strong>de</strong><br />
ao hermetismo nem à facilida<strong>de</strong>. Os<br />
poemas usam a en<strong>um</strong>eração, o<br />
adjectivo suspenso entre vírgulas, a<br />
<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> imagística e a concisão<br />
epigramática. Comunicam e são<br />
comunicantes.<br />
Colectâneas como a já citada e<br />
como “A Ignorância da Morte” (1978)<br />
e “O Lugar do Amor” (1981)<br />
estabelecem <strong>um</strong> espaço<br />
essencialmente privado. É a família o<br />
gran<strong>de</strong> tema, sobretudo o pai<br />
português e a mãe italiana. Cada<br />
recordação continua <strong>um</strong>a conversa<br />
interrompida, é <strong>um</strong> instante <strong>de</strong> amor<br />
sau<strong>dos</strong>o e sofrido. O poema<br />
florentino do pombo <strong>que</strong> sobrevoa a<br />
casa <strong>dos</strong> pais é <strong>um</strong>a das mais<br />
pungentes elegias em língua<br />
portuguesa: “(…) Agora sou eu <strong>que</strong>m<br />
voa amando por ti/e por mim a sua<br />
triste e orgulhosa/alma, pouso no<br />
Battistero/por<strong>que</strong> sei <strong>que</strong> Dante foi ali<br />
baptizado/e conspurco em<br />
Orsanmichele a cabeça <strong>de</strong> San<br />
Giorgio/tocando no bronze <strong>que</strong> teve a<br />
mão <strong>de</strong> Donatello. /Ó coisas ocres, <strong>de</strong><br />
açafrão, enegrecidas,/sobre as quais<br />
voo buscando pedaços <strong>de</strong> pão/<strong>que</strong><br />
transeuntes davi<strong>dos</strong>os oferecem. /E à<br />
espera <strong>que</strong> <strong>um</strong>a persiana se abre/e<br />
encontre, Mãe, <strong>um</strong> rosto <strong>que</strong> lembre<br />
o teu/e on<strong>de</strong> nessa mão eu chegue e<br />
coma” (pág. 124).<br />
E não são apenas os pais, mas<br />
também os filhos, ou a felicida<strong>de</strong><br />
conjugal. E os outros: Osório tornouse<br />
conhecido como poeta <strong>dos</strong><br />
“ofícios”, e por aqui passam<br />
calceteiros, cangalheiros,<br />
apicultores, geralmente pessoas<br />
“The Short Second Life of<br />
Bree Tanner: An Eclipse<br />
Novella”, <strong>de</strong> Stephenie<br />
Meyer, vai ser editado<br />
a 5 <strong>de</strong> Junho. A autora<br />
da saga <strong>de</strong> vampiros<br />
“Twilight” recupera neste<br />
livro <strong>um</strong>a personagem<br />
secundária <strong>que</strong> apareceu<br />
h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>s, <strong>que</strong> os poemas elevam<br />
por causa do seu trabalho e do seu<br />
sofrimento. A pieda<strong>de</strong> e a<br />
compaixão são traços essenciais<br />
<strong>de</strong>sta poesia, <strong>que</strong> também não<br />
es<strong>que</strong>ce os animais. A segunda parte<br />
<strong>de</strong> “Planetário e Zoo <strong>dos</strong> Homens”<br />
(1990) irmana homens e bichos<br />
nessa “perversão edénica” <strong>que</strong> é o<br />
jardim zoológico, com o sofrimento<br />
quase intermutável, n<strong>um</strong><br />
franciscanismo laico. “Aforismos<br />
Mágicos” (1985) e “D. Quixote e os<br />
Touros” (1991) são, respectivamente,<br />
<strong>um</strong>a apologia do cavalo e <strong>um</strong>a<br />
meditação sobre o touro. Animais<br />
sagra<strong>dos</strong>, o primeiro representa a<br />
nobreza, a elegância, a velocida<strong>de</strong>.<br />
Já o touro é <strong>um</strong> símbolo da morte,<br />
<strong>um</strong> “símbolo abusivo”, precisa<br />
Osório. A <strong>que</strong>stão taurina é<br />
problemática, mas a opção <strong>de</strong><br />
Osório é equânime: a tourada é <strong>um</strong><br />
acto <strong>de</strong> bravura mas também <strong>um</strong><br />
ritual bárbaro. Elogiando a coragem<br />
e <strong>de</strong>streza <strong>dos</strong> toureiros, o poeta<br />
sabe <strong>que</strong> há <strong>um</strong>a tradição, do Egipto<br />
a Lorca, <strong>que</strong> acentua a tragédia<br />
simbólica da festa brava. Mas “matar<br />
a morte” é tarefa enganadora,<br />
quixotesca, feita <strong>de</strong> medo e<br />
violência.<br />
Próximo <strong>de</strong> <strong>um</strong> discurso cristão, o<br />
escritor não revela inclinações<br />
metafísicas, acredita apenas nas<br />
emoções e nas coisas. Até invoca o<br />
pai do materialismo filosófico: “Anda<br />
ver, Lucrécio, as tuas constelações. /<br />
Na noite bebem, animais vagarosos./<br />
Vénus ro<strong>de</strong>ia ainda o sol e sirius / na<br />
esfera celeste <strong>que</strong> foi tua. / Sem<br />
<strong>de</strong>uses, como <strong>que</strong>rias, a máquina /<br />
do mundo. Ali tens, em Roma, a tua<br />
exacta / longitu<strong>de</strong>. As marés chegam<br />
e partem – / ondas pontuais como as<br />
estações. / E Março tudo renova,<br />
menos o homem, / matéria volátil”<br />
(págs. 303-304). À mortalida<strong>de</strong>,<br />
opõe a experiência sensual. Não<br />
apenas o idílio carnal (“Adão, Eva e o<br />
Mais”, 1983), mas também “a<br />
felicida<strong>de</strong> da pintura”. “Ut pictura<br />
poesis”, diziam os antigos, na poesia<br />
assim como na pintura, e a<br />
irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas artes está em<br />
muitos poemas: “Felicida<strong>de</strong> da<br />
pintura: / eis vivo, duplo, evidência<br />
cósmica, o <strong>que</strong> amaste / e tu <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>las, sangue, carnação, a luz /<br />
distante, orgulhosa, dolorida <strong>de</strong> seus<br />
olhos” (pág. 188). Tão altos como os<br />
pintores, só os músicos. E a<br />
santíssima trinda<strong>de</strong> poética Homero,<br />
Dante e Camões. O auge <strong>de</strong>sse<br />
tributo é o esplêndido “Décima<br />
Aurora” (1982).<br />
António Osório sempre cultivou a<br />
prosa, mas a partir da década <strong>de</strong><br />
1990, a prosa torna-se dominante. O<br />
registo vai do mais com<strong>um</strong> “poema<br />
em prosa” à página memorialística,<br />
passando por homenagens e<br />
histórias <strong>de</strong> vidas alheias. Eis a<br />
<strong>de</strong>scrição <strong>que</strong> o autor fez <strong>de</strong><br />
“Crónica da Fortuna” (1997): “Este é<br />
<strong>um</strong> livro <strong>de</strong> curadores, <strong>de</strong> sectários,<br />
<strong>de</strong> muitos animais, <strong>de</strong> árvores, <strong>de</strong><br />
ofícios em extinção (…), <strong>de</strong><br />
pela primeira vez em<br />
“Eclipse”, o terceiro<br />
vol<strong>um</strong>e da saga, mas<br />
morreu pouco <strong>de</strong>pois.<br />
Uma versão digital estará<br />
disponível gratuitamente<br />
entre 7 <strong>de</strong> Junho e 5<br />
<strong>de</strong> Julho no site www.<br />
breetanner.com.<br />
ecologistas incómo<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> meninos<br />
<strong>que</strong> se alegram n<strong>um</strong> pica<strong>de</strong>iro e<br />
d<strong>um</strong>a criança sobredotada, d<strong>um</strong><br />
dúplice ‘espectador divino’, da<br />
última amada <strong>de</strong> Homero, e <strong>de</strong><br />
outros poetas, alguns <strong>de</strong> vida<br />
<strong>de</strong>sastradas, caso <strong>de</strong> Tshanyang<br />
Gytasho, o Sexto Dalai-Lama, com a<br />
tentação <strong>dos</strong> versos e das doces<br />
amigas, <strong>de</strong> <strong>um</strong> ‘inimigo da poesia’,<br />
por sinal bem ilustre, Italo Svevo”<br />
(pág. 322). Muitos <strong>de</strong>stes textos são<br />
sobre pe<strong>que</strong>nos vigaristas, vi<strong>de</strong>ntes,<br />
magos, cartomantes, ou sobre<br />
doentes e pedintes, textos<br />
h<strong>um</strong>anamente disponíveis e<br />
condoí<strong>dos</strong>. No <strong>de</strong>sconcerto do<br />
mundo, encontramos toda a espécie<br />
<strong>de</strong> fortunas e infortúnios: “Fortuna<br />
<strong>dos</strong> <strong>que</strong> não morrem em vida. Dos<br />
<strong>que</strong> passam por <strong>de</strong>ntro e pelo fundo<br />
da sua tristeza, e vão além. Dos <strong>que</strong><br />
se contentam com o súbito pão das<br />
palavras. Dos <strong>que</strong> não causam dano<br />
nem semeiam culpa. Dos <strong>que</strong><br />
po<strong>de</strong>riam apresentar-se limpamente<br />
diante <strong>de</strong> Deus” (pág. 366).<br />
E <strong>que</strong>m nos liberta <strong>de</strong>ssa peste da<br />
transitorieda<strong>de</strong> e da miséria? Os<br />
poetas, <strong>que</strong> tanto po<strong>de</strong>m ser os<br />
ambientalistas como a<strong>que</strong>les<br />
fabulosos autores <strong>de</strong>sconheci<strong>dos</strong><br />
aqui “muda<strong>dos</strong> para português”<br />
(índios, monges, generais). Mesmo<br />
quando vê o <strong>que</strong> está à sua beira,<br />
António Osório acredita na<br />
transfiguração, acredita n<strong>um</strong>a<br />
poesia órfica <strong>que</strong> responda aos<br />
mistérios da nossa iniquida<strong>de</strong> e<br />
gran<strong>de</strong>za (“Libertação da Peste”,<br />
2002).<br />
Esta edição, com prefácio <strong>de</strong><br />
Eugénio Lisboa e <strong>um</strong>a entrevista<br />
<strong>de</strong> Ana Mar<strong>que</strong>s Gastão, traz <strong>um</strong><br />
punhado <strong>de</strong> inéditos e dispersos,<br />
<strong>um</strong>a antologia crítica e <strong>um</strong>a<br />
bibliografia exaustiva. A estes<br />
poemas não é <strong>de</strong>vida apenas<br />
admiração mas também gratidão:<br />
“Gratidão <strong>de</strong> ser / por estes anos /<br />
e partículas <strong>resta</strong>ntes. // Pela<br />
amiza<strong>de</strong>, / <strong>que</strong> chega a confundir<br />
o amor. // Pela bonda<strong>de</strong>, / <strong>que</strong><br />
torna a solidão <strong>de</strong>svalida. // Pela<br />
hombrida<strong>de</strong>, / à altura do céu. //<br />
Pela beleza, / <strong>que</strong> só à santida<strong>de</strong> /<br />
sobrepassa. / E é flagrante,<br />
perdulária, / noutros renascente.<br />
// Gratidão / <strong>que</strong> nem sabe / a<br />
<strong>que</strong>m <strong>de</strong>ve ser grata” (págs. 149-<br />
150).<br />
Ficção<br />
Escrita e<br />
ressurreição<br />
Um romance comovente<br />
sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>silusão<br />
e perda e luto, por <strong>um</strong> autor<br />
já comparado a Nabokov<br />
e a Conrad. José Riço<br />
Direitinho
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
O Projecto Lazarus<br />
Aleksandar Hemon<br />
(traduzido por Isabel Alves)<br />
Civilização<br />
mmmmm<br />
Quando as tropas<br />
sérvias cercaram<br />
Sarajevo, em Abril<br />
1992 (terminou em<br />
Fevereiro <strong>de</strong> 1996,<br />
tornando-se assim<br />
no mais longo<br />
cerco da história da<br />
guerra mo<strong>de</strong>rna), o<br />
jovem bósnio Aleksandar Hemon (n.<br />
1964) estava <strong>de</strong> visita aos EUA. Viuse<br />
assim impedido <strong>de</strong> regressar à<br />
sua, então sitiada, cida<strong>de</strong> natal. Uma<br />
prevista estada <strong>de</strong> alguns meses na<br />
América tornou-se <strong>de</strong>finitiva. Três<br />
anos <strong>de</strong>pois, Hemon escreveu o<br />
primeiro conto em inglês, e em<br />
pouco tempo as suas histórias<br />
começavam a aparecer em<br />
publicações como a “Granta” ou a<br />
“The New Yorker”. Em 2000<br />
publicou o primeiro livro, “The<br />
Question of Bruno” (edição<br />
portuguesa na ASA, em 2003, “A<br />
Questão <strong>de</strong> Bruno”), e dois anos<br />
<strong>de</strong>pois “Nowhere Man – The Pronek<br />
Fantasies”, finalista do National<br />
Book Critics Circle Award. Com estas<br />
obras, tornou-se n<strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais<br />
promissores autores norteamericanos<br />
(entretanto, adquiriu a<br />
nacionalida<strong>de</strong>).<br />
A confirmação chegou em 2008<br />
com “O Projecto Lazarus”, <strong>que</strong> foi<br />
finalista do National Book Award.<br />
Hemon baseou-se n<strong>um</strong>a história<br />
verídica acontecida há <strong>um</strong> século, a<br />
<strong>de</strong> Lazarus Averbuch, <strong>de</strong> 19 anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>, imigrante ju<strong>de</strong>u russo <strong>que</strong><br />
escapou, com a irmã, ao “pogrom”<br />
<strong>de</strong> Kishinev, na Páscoa <strong>de</strong> 1903, e<br />
<strong>que</strong> conseguiu chegar a Chicago,<br />
on<strong>de</strong> n<strong>um</strong>a manhã <strong>de</strong> 1908 foi morto<br />
a tiro pelo chefe da polícia local<br />
quando lhe tentava entregar, em<br />
mão, <strong>um</strong>a carta; a polícia pensou<br />
tratar-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a conspiração<br />
anarquista, o <strong>que</strong> provocou <strong>um</strong>a<br />
histérica onda xenófoba <strong>que</strong><br />
avassalou a cida<strong>de</strong>. Escreve Hemon:<br />
“A América estava obcecada com o<br />
anarquismo. (…) os pregadores<br />
patriotas arrazoavam<br />
acaloradamente contra os perigos<br />
pecaminosos da imigração<br />
<strong>de</strong>scontrolada, contra os ata<strong>que</strong>s à<br />
liberda<strong>de</strong> americana e ao<br />
cristianismo.” Mas “O Projecto<br />
Lazarus” é também a mo<strong>de</strong>rna<br />
história do narrador (obviamente<br />
autobiográfica), o imigrante bósnio,<br />
já nacionalizado norte-americano,<br />
Vladimir Brik, <strong>que</strong>, n<strong>um</strong>a tentativa<br />
<strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong> dar sentido e <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>nar a sua própria vida, preten<strong>de</strong><br />
escrever <strong>um</strong> romance baseado no<br />
inci<strong>de</strong>nte ocorrido com o jovem<br />
imigrante russo. Ambas as<br />
narrativas, separadas quase cem<br />
anos, são apresentadas em capítulos<br />
alterna<strong>dos</strong>, n<strong>um</strong> pretenso<br />
Aleksandar Hemon, bósnio <strong>de</strong> origem, já é <strong>um</strong><br />
<strong>dos</strong> mais promissores autores norte-americanos<br />
(entretanto, adquiriu a nacionalida<strong>de</strong>)<br />
hibridismo <strong>de</strong> géneros entre ficção e<br />
autobiografia, estabelecendo-se, no<br />
equilíbrio das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> dois<br />
imigrantes, <strong>um</strong> inesperado<br />
paralelismo. “A guerra contra o<br />
anarquismo era muito semelhante à<br />
guerra actual contra o terrorismo – é<br />
interessante constatar <strong>que</strong> os velhos<br />
hábitos nunca morrem.”<br />
Brik, o narrador, <strong>que</strong> vive a<br />
expensas da mulher americana com<br />
<strong>que</strong>m se casara, <strong>um</strong>a médica <strong>de</strong><br />
sucesso, recebe <strong>um</strong>a inesperada<br />
bolsa para escrever o livro sobre<br />
Lazarus. Por essa altura, ele<br />
encontra <strong>um</strong> antigo companheiro do<br />
liceu em Sarajevo, o enigmático<br />
fotógrafo Rora, <strong>um</strong> mitómano<br />
contador <strong>de</strong> estranhas histórias,<br />
como a do louco <strong>que</strong> durante o<br />
cerco corria pelas ruas <strong>de</strong> Sarajevo<br />
com <strong>um</strong> limão enfiado na boca, ou a<br />
da equipa feminina <strong>de</strong> “hó<strong>que</strong>i<br />
subaquático” da Moldávia. E, com o<br />
dinheiro da bolsa, ambos partem<br />
n<strong>um</strong>a viagem a Kishinev, <strong>que</strong> acaba<br />
por se prolongar pelo Leste Europeu<br />
(com retorno a Sarajevo) n<strong>um</strong>a<br />
espécie <strong>de</strong> périplo ao contrário do<br />
<strong>que</strong> cem anos antes Lazarus fizera,<br />
pois Brik “precisava <strong>de</strong> ver o <strong>que</strong><br />
não conseguia imaginar”. (Para<br />
reforçar o lado autobiográfico,<br />
Hemon realizou <strong>de</strong> facto esta viagem<br />
na companhia <strong>de</strong> <strong>um</strong> amigo<br />
fotógrafo, Velibor Bosovic – o livro é<br />
ilustrado com alg<strong>um</strong>as fotografias<br />
suas e outras <strong>dos</strong> arquivos da polícia<br />
<strong>de</strong> Chicago em <strong>que</strong> aparece o corpo<br />
<strong>de</strong> Lazarus Averbuch.) As <strong>de</strong>scrições<br />
vívidas da viagem – a par do<br />
ambiente da Chicago <strong>de</strong> 1908 – são<br />
das partes mais conseguidas do<br />
romance. (Na Ucrânia hospedam-se<br />
n<strong>um</strong> hotel-bor<strong>de</strong>l, o Centro <strong>de</strong><br />
Negócios Bukovina. São guia<strong>dos</strong> por<br />
<strong>um</strong> taxista louco atravessando<br />
cida<strong>de</strong>s <strong>que</strong> mais pareciam <strong>um</strong><br />
‘décor’ <strong>de</strong> filmes pós-cataclismo.<br />
Entram na Moldávia n<strong>um</strong>a<br />
camioneta em <strong>que</strong> to<strong>dos</strong> “cheiravam<br />
mal, eram feios, estavam bêba<strong>dos</strong> e<br />
eram apáticos”. A atmosfera <strong>de</strong><br />
vileza impregna toda a viagem.)<br />
Mas é a ressonância bíblica do<br />
nome Lazarus, o <strong>que</strong> ressuscitou<br />
para <strong>um</strong>a nova vida, <strong>que</strong> oferece a<br />
i<strong>de</strong>ia principal do romance. “Terá<br />
[Lazarus] tido <strong>de</strong> ‘<strong>de</strong>smemorar’ a<br />
sua vida anterior e começar do zero<br />
como <strong>um</strong> imigrante?” Aleksandar<br />
Hemon apresenta a emigração como<br />
<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> morte seguida <strong>de</strong><br />
ressurreição, <strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>sespero,<br />
das <strong>de</strong>silusões e das perdas. E,<br />
também no caso do narrador, essa<br />
morte metafórica foi necessária para<br />
<strong>que</strong> ele começasse finalmente a<br />
Litvínov: tem dignida<strong>de</strong> e bom<br />
senso, mas falta-lhe a chama <strong>que</strong><br />
atiça <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> paixão. O enredo,<br />
as características gerais <strong>dos</strong><br />
protagonistas, temas e enfo<strong>que</strong><br />
social até são comuns aos dois livros,<br />
mas a locomotiva emocional <strong>de</strong><br />
Tolstói é substituída em Turguénev<br />
por subtis esta<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />
intranquilida<strong>de</strong>.<br />
A constância <strong>de</strong> Turguénev<br />
permite-lhe aproximar-se das<br />
personagens principais como n<strong>um</strong><br />
passeio a pé pelas ruas <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>n.<br />
Enquanto elas não aparecem,<br />
atentemos na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
florista (e não “floreira”, p. 17), <strong>que</strong><br />
diz bem da atmosfera social <strong>que</strong> as<br />
aguarda: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ignorar o aceno<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> cliente mal vestido, ela nem<br />
agra<strong>de</strong>ce a outro <strong>que</strong> lhe <strong>de</strong>u <strong>um</strong>a<br />
gorjeta generosa: “Vorochílov estava<br />
vestido com muita elegância, até<br />
mesmo com <strong>um</strong> certo refinamento,<br />
mas os olhos experientes da<br />
parisiense <strong>de</strong>tectaram logo nos seus<br />
mo<strong>dos</strong>, no seu ar, na própria<br />
maneira <strong>de</strong> andar, <strong>que</strong> trazia<br />
vestígios <strong>de</strong> <strong>um</strong> treino militar <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
novo, a ausência <strong>de</strong> <strong>um</strong> ‘chic’<br />
autêntico, puro sangue.”<br />
A atmosfera em <strong>que</strong> “F<strong>um</strong>o” irá<br />
mergulhar é a da aristocracia russa.<br />
E os seus encantos estão <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong><br />
a excluir o protagonista Litvínov<br />
(educado na Europa Central, filho <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> gran<strong>de</strong> proprietário, mas sem<br />
título <strong>de</strong> nobreza), como se adivinha<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início: “<strong>um</strong>a gargalhada<br />
geral chegou até aos seus ouvi<strong>dos</strong>.<br />
Não estavam a rir-se <strong>de</strong>le, mas do há<br />
muito aguardado Monsieur Verdier,<br />
<strong>que</strong> surgira subitamente na<br />
esplanada com <strong>um</strong> chapéu tirolês,<br />
<strong>um</strong>a blusa azul e montado n<strong>um</strong><br />
burro; mas o sangue subiu às faces<br />
<strong>de</strong> Litvínov, <strong>que</strong> se sentiu amargo<br />
(…) ‘Gente vulgar, <strong>de</strong>sprezível!’,<br />
murmurou.”<br />
Litvínov foi noivo da bela Irina (as<br />
páginas mais inspiradas do livro<br />
acontecem quando estão juntos) e<br />
foi abandonado por ela <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
Irina triunfar como <strong>de</strong>butante n<strong>um</strong><br />
baile a <strong>que</strong> só foi por insistência sua.<br />
O reencontro <strong>de</strong> ambos em Ba<strong>de</strong>n<br />
vem revelar a fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Litvínov.<br />
Quanto a Irina, o seu futuro<br />
estava esboçado antes <strong>de</strong><br />
conhecê-lo:<br />
“Era <strong>um</strong>a rapariga alta,<br />
bem constituída, com o<br />
peito <strong>um</strong> pouco chato e<br />
os ombros estreitos da<br />
juventu<strong>de</strong>, com a pele<br />
muito branca, raro<br />
na sua ida<strong>de</strong>, pura<br />
e suave como<br />
porcelana, com <strong>um</strong>a<br />
farta cabeleira loira,<br />
on<strong>de</strong> havia tufos escuros<br />
alternando com outros<br />
mais claros. As suas feições,<br />
refinadas, quase<br />
irrepreensivelmente<br />
regulares, não tinham<br />
ainda perdido<br />
completaescrever<br />
o livro <strong>que</strong> ambicionava e<br />
<strong>que</strong> iria or<strong>de</strong>nar a sua vida,<br />
incluindo o casamento. Por isso,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> visitar o cemitério <strong>de</strong><br />
Kishinev, diz: “Uma parte da minha<br />
vida acabou ali, entre a<strong>que</strong>les<br />
túmulos vazios; foi então <strong>que</strong><br />
comecei o meu luto.” O túmulo<br />
vazio é ao mesmo tempo sinal <strong>de</strong><br />
ressurreição e <strong>de</strong> perda.<br />
Como f<strong>um</strong>ar<br />
o encanto<br />
Se fosse <strong>um</strong> filme diríamos<br />
<strong>que</strong> “F<strong>um</strong>o” é <strong>um</strong>a produção<br />
<strong>de</strong> baixo orçamento, <strong>que</strong> aos<br />
<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> prefere os pe<strong>que</strong>nos<br />
gestos. Rui Catalão<br />
F<strong>um</strong>o<br />
Ivan Turguénev<br />
(trad. Manuel <strong>de</strong> Seabra)<br />
Relógio d’Água<br />
mmmmn<br />
No seu “ranking”<br />
pessoal <strong>dos</strong><br />
<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> escritores<br />
russos, Vladimir<br />
Nabokov, o<br />
professor, colocava<br />
Tolstói em<br />
primeiro lugar,<br />
Gógol em segundo,<br />
Tchékov em terceiro, e em quarto, já<br />
fora das medalhas, Ivan Turguénev<br />
(1818-1883). Mais lembrado por “Pais<br />
e Filhos” e “O Primeiro Amor”,<br />
“F<strong>um</strong>o” (1867) foi escrito quando<br />
Turgénev vivia entre Paris e Ba<strong>de</strong>n-<br />
Ba<strong>de</strong>n. É nesta cida<strong>de</strong> (<strong>que</strong><br />
Dostoievski disfarçou <strong>de</strong><br />
Roletemburgo em “O Jogador”) em<br />
<strong>que</strong> ocorre o dilema <strong>de</strong> Litvínov,<br />
dividido entre o <strong>de</strong>ver amoroso para<br />
com a sua noiva e a tentação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
paixão antiga.<br />
Em comparação com “Anna<br />
Karenina” (1877) o lugar <strong>de</strong> “F<strong>um</strong>o”<br />
na história da literatura russa do<br />
século XIX é periférico, e assemelhase<br />
em muito ao<br />
lugar <strong>que</strong> Tatiana<br />
ocupa no<br />
coração do<br />
protagonista
Livros<br />
Feira<br />
A cantora e actriz Barbra<br />
Streisand é <strong>um</strong>a das<br />
convidadas da Book<br />
Expo America (<strong>de</strong> 25 a<br />
27 <strong>de</strong> Maio no Jacob K.<br />
Javits Center, em Nova<br />
Ior<strong>que</strong>). Streisand falará<br />
do seu primeiro livro,<br />
“My Passion for Design”,<br />
<strong>que</strong> mostra “outro<br />
aspecto do seu talento”:<br />
o gosto e o estilo <strong>que</strong><br />
inspiraram a arquitectura<br />
e a <strong>de</strong>coração das suas<br />
casas. Outros convida<strong>dos</strong>:<br />
Cory Doctorow, Sarah<br />
Ferguson, William<br />
Gibson, John Grisham,<br />
Sara Gruen e Christopher<br />
Hitchens<br />
mente a<strong>que</strong>la expressão <strong>de</strong><br />
ingenuida<strong>de</strong> natural no início da<br />
juventu<strong>de</strong>; mas na curva lânguida do<br />
seu belo pescoço, no seu sorriso,<br />
distraído ou indiferente, via-se a<br />
jovem aristocrata temperamental, e<br />
nas próprias curvas da<strong>que</strong>les lábios<br />
finos, n<strong>um</strong> imperceptível sorriso e<br />
na<strong>que</strong>le nariz pe<strong>que</strong>no, fino e <strong>um</strong><br />
pouco aquilino havia algo obstinado<br />
e apaixonado, algo perigoso para os<br />
outros e para ela própria (…) Uma<br />
das professoras disse-lhe <strong>que</strong> o seu<br />
temperamento a havia <strong>de</strong> arruinar<br />
– ‘vos passions vous perdront’, mas<br />
outra acusou-a <strong>de</strong> ser fria e<br />
insensível e chamou-lhe ‘une jeune<br />
fille sans coeur’. As colegas<br />
achavam-na orgulhosa e reservada,<br />
os irmãos e irmãs tinham-lhe medo,<br />
a mãe não confiava nela e o pai<br />
sentia-se pouco à vonta<strong>de</strong> quando<br />
ela o fitava com os seus olhos<br />
misteriosos; mas inspirava, tanto ao<br />
pai como à mãe, <strong>um</strong> involuntário<br />
respeito, não pela força do seu<br />
carácter, mas pelas esperanças vagas<br />
e muito peculiares <strong>que</strong> acordava<br />
neles, sabe-se lá porquê.”<br />
A arte <strong>de</strong> Turguénev revela-se na<br />
sua força maior quando a narrativa é<br />
suspensa para as personagens serem<br />
retratadas. Os acontecimentos vêm<br />
inscrever no espaço-tempo algo <strong>que</strong><br />
já ficou <strong>de</strong>scrito no retrato. Ou seja,<br />
a história é apenas <strong>um</strong>a<br />
consequência <strong>de</strong> <strong>um</strong> cho<strong>que</strong> entre<br />
personalida<strong>de</strong>s. O autor parece<br />
sublinhar isso n<strong>um</strong>a transição entre<br />
dois capítulos (XVI-XVII): no<br />
momento mais dramático, em <strong>que</strong> o<br />
futuro <strong>de</strong> ambos está em jogo,<br />
Litvínov <strong>de</strong>ixa a amante Irina<br />
afundada n<strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>ira com as mãos<br />
a cobrirem o rosto. Quando regressa<br />
horas <strong>de</strong>pois, Irina ainda se<br />
encontra na mesma posição. E no<br />
entanto, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>le não vale <strong>de</strong><br />
nada: Irina, sem se mexer, irá<br />
<strong>de</strong>struir to<strong>dos</strong> os seus planos <strong>de</strong> vida<br />
com <strong>um</strong>a frase oca, mas cheia <strong>de</strong><br />
ressonância: “Por<strong>que</strong> eu amo-o”.<br />
É na dramatização <strong>de</strong> quadros<br />
fixos <strong>que</strong> Turguénev põe em<br />
relevo a vida das personagens:<br />
a tensão a<strong>um</strong>enta por via da<br />
sua consciência, sem <strong>que</strong> a<br />
acção se torne necessária.<br />
Dois exemplos: o sorriso “fixo<br />
e <strong>de</strong>sagradável” <strong>de</strong> Litvínov<br />
para a noiva Tatiana, acabada<br />
<strong>de</strong> chegar a Ba<strong>de</strong>n, quando<br />
<strong>de</strong>clara <strong>que</strong> tem <strong>de</strong> ausentar-se<br />
(para se encontrar com a<br />
amante) sabendo <strong>que</strong> a noiva<br />
espera ficar a sós com ele<br />
na<strong>que</strong>le exacto<br />
momento; mais à<br />
frente “estava<br />
sentado<br />
ao<br />
lado da noiva, e a poucos<br />
centímetros <strong>de</strong>la, no bolso do lado,<br />
estava o lenço <strong>de</strong> Irina”.<br />
Se fosse <strong>um</strong> filme diríamos <strong>que</strong><br />
“F<strong>um</strong>o” é <strong>um</strong>a produção <strong>de</strong> baixo<br />
orçamento, <strong>que</strong> aos <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> prefere<br />
os pe<strong>que</strong>nos gestos e, às cenas <strong>de</strong><br />
acção, a <strong>de</strong>mora. Aliás, o autor<br />
parece só ter dois interesses:<br />
parodiar os “<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> temas” <strong>que</strong><br />
obcecavam a socieda<strong>de</strong> russa e<br />
concentrar-se nos pormenores<br />
terrenos em <strong>que</strong> a vida interior das<br />
personagens vem à superfície.<br />
Para <strong>que</strong>m <strong>de</strong>sconhece o original<br />
em russo, a tradução <strong>de</strong> Manuel <strong>de</strong><br />
Seabra parece clara. Só não entendi<br />
o <strong>que</strong> é “<strong>um</strong> bom homem, da<br />
varieda<strong>de</strong> vazia” (p. 15); nem os<br />
“cabelos negros no lábio superior”<br />
(p. 21) <strong>de</strong> <strong>um</strong>a senhora <strong>que</strong><br />
felizmente ficou incógnita, ou teria<br />
ficado muito zangada por não lhe ter<br />
sido aparado o buço.<br />
Manuel<br />
o herói<br />
A ironia está excluída, tratase<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a epopeia. Maria<br />
Conceição Caleiro<br />
O Miúdo Que Pregava Pregos<br />
N<strong>um</strong>a Tábua<br />
Manuel Alegre<br />
Dom Quixote, 12 €<br />
a<br />
O Miúdo Que Pregava Pregos N<strong>um</strong>a Tábua”:<br />
o triunfo do ornamento pelo ornamento<br />
Se Manuel Alegre não tivesse a<br />
exposição pública <strong>que</strong> tem, se fosse<br />
<strong>um</strong> cidadão qual<strong>que</strong>r a fazer <strong>um</strong>a<br />
figura triste n<strong>um</strong> concurso<br />
televisivo, ficaria apenas<br />
incomodada e até<br />
h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>mente<br />
condoída. Não é o<br />
caso. Acaba <strong>de</strong><br />
editar “O Miúdo<br />
Que Pregava Pregos<br />
N<strong>um</strong>a Tábua”.<br />
Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
caricatura,<br />
emblema, aliás, <strong>de</strong> toda a sua poesia,<br />
isto é, triunfo do ornamento pelo<br />
ornamento com <strong>um</strong>a função apenas<br />
<strong>de</strong>corativa (e vazia). Isso dá também<br />
o primeiro embalo à recensão ou, se<br />
quiserem, ao serpentear a teoria e<br />
prática literárias do autor, assim<br />
como o “ethos” da obra <strong>que</strong> julgo ser<br />
sempre gabarola, hiperbólica e<br />
nacionalista, heróica qual epopeia<br />
em <strong>de</strong>vir.<br />
O “Miúdo...” oferece-se como<br />
novela sobre memórias escolhidas,<br />
apresentadas em ziguezague,<br />
entrelaçando a infância e a<br />
maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém, cruzando<br />
tempos e espaços. Esse alguém é <strong>um</strong><br />
miúdo. Novela na terceira pessoa –<br />
ele, “o miúdo <strong>que</strong>”: <strong>que</strong> pregava<br />
pregos; <strong>que</strong> não gostava <strong>de</strong> mangas<br />
curtas; <strong>que</strong> engoliu os comprimi<strong>dos</strong><br />
do avô; <strong>que</strong> contava as sílabas, <strong>que</strong><br />
<strong>que</strong>ria continuar ‘Os Lusíadas’, etc...<br />
I<strong>de</strong>ntificamo-lo facilmente com o<br />
autor por razões referenciais <strong>que</strong><br />
não nascem da natureza nem<br />
necessida<strong>de</strong> intrínseca do textual,<br />
mas sim do (re)conhecimento <strong>que</strong> o<br />
leitor possa ter da biografia<br />
sublinhada do autor (Coimbra,<br />
Águeda, o futebol, a caça, os toiros,<br />
a resistência política, a guerra<br />
colonial, o exílio, o Prémio Pessoa, a<br />
enfermida<strong>de</strong> cardíaca <strong>que</strong> haveria<br />
<strong>de</strong> superar escrevendo aqui <strong>que</strong><br />
antes, “enquanto o preparavam para<br />
a angioplastia e a dilatação da artéria<br />
blo<strong>que</strong>ada, ele pe<strong>de</strong> com insistência:<br />
‘Deixem-me acabar o livro’. Os<br />
médicos ficaram espanta<strong>dos</strong>. – Já<br />
ouvi gritar pela mãe, mas por<br />
<strong>um</strong><br />
livro é a primeira vez”). Autor<br />
<strong>que</strong><br />
dobra o narrador, <strong>que</strong> por seu<br />
turno<br />
gradualmente se fun<strong>de</strong> no “miúdo<br />
<strong>que</strong>” e <strong>que</strong> a<strong>que</strong>le – o autor – amiú<strong>de</strong><br />
insiste ser o “ele” ou retoricamente<br />
pergunta se não será ele. Mas<br />
então<br />
não teria sido necessário simular<br />
<strong>um</strong>a história <strong>de</strong>sajeitada <strong>que</strong><br />
não se<br />
sustenta na terceira pessoa.<br />
Procedimento cujo grau <strong>de</strong><br />
literalida<strong>de</strong> (a ironia está excluída,<br />
trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a epopeia), singeleza e<br />
transparência máximas torna<br />
o<br />
sabor falso e pueril, trazendo à tona<br />
o próprio dispositivo e não aquilo<br />
<strong>que</strong> nele se <strong>que</strong>r conter.<br />
Este livro é a recta final para herói<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesma voz <strong>que</strong><br />
<strong>de</strong>tona o tempo todo.<br />
Apoteose até no<br />
campo da<br />
natação, no<br />
campeonato<br />
nacional, na<br />
Piscina da<br />
Praia das<br />
Maçãs.<br />
Apesar da<br />
pleurisia e <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r treinar no<br />
Inverno como os <strong>de</strong> Lisboa no Algés<br />
e Dafundo, “continua em primeiro<br />
aos cento e cin<strong>que</strong>nta metros (...) as<br />
pernas já não obe<strong>de</strong>cem, mas <strong>de</strong>sta<br />
vez o miúdo a <strong>que</strong>m o pai ensinou a<br />
não ter medo do mar não sente o<br />
peso (...) acelera o ritmo das<br />
braçadas, é quase como contar as<br />
sílabas pelos <strong>de</strong><strong>dos</strong>”. Ainda <strong>um</strong><br />
“flashback” quase final <strong>de</strong> sua mãe<br />
criança, fantasma reverberando<br />
nele: “Quero ir contigo <strong>de</strong> mãos<br />
dadas visitar o Presi<strong>de</strong>nte António<br />
José <strong>de</strong> Almeida como fazíamos<br />
quando eu era pe<strong>que</strong>nina (...). O<br />
miúdo <strong>que</strong> pregava pregos sente <strong>que</strong><br />
o mundo, as sílabas e os ritmos estão<br />
<strong>de</strong>sorganiza<strong>dos</strong> (...). E acontece<br />
outro fenómeno: o miúdo <strong>que</strong> há<br />
muitos anos riscou a ‘O<strong>de</strong> Marítima’<br />
no exemplar <strong>de</strong> ‘Orfeu’ começa a ler<br />
Dante no original. Nunca estudou<br />
italiano, nunca leu senão traduções<br />
do autor <strong>de</strong> ‘Vita Nuova’. De<br />
repente, vá lá saber-se por <strong>que</strong><br />
milagre, lê, compreen<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certo<br />
modo conversa com Dante,<br />
escrevendo quatro ou cinco sonetos<br />
por dia. (...)<br />
Como é <strong>que</strong> consegues? –<br />
pergunta-lhe a mulher.<br />
– Está muita gente a escrever<br />
comigo”.<br />
O “<strong>de</strong> repente”, a “paulada” ou<br />
“pancada da literatura no ser”, “a<br />
batida da poesia com força”, o<br />
milagre <strong>que</strong> se dá (sei lá!), e revela<br />
<strong>um</strong> dom adormecido, são i<strong>de</strong>ias<br />
reiteradas, i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> criação, ou <strong>de</strong><br />
superação, em qual<strong>que</strong>r domínio.<br />
São concepções a usar com<br />
mo<strong>de</strong>ração, po<strong>de</strong>m ser perigosas,<br />
po<strong>de</strong>m impor-se como totalitárias,<br />
por<strong>que</strong> da or<strong>de</strong>m do mistério, do<br />
divino, tornando-se por natureza<br />
in<strong>que</strong>stionáveis.<br />
Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> apontar<br />
alguns riscos da concepção <strong>de</strong><br />
poesia <strong>de</strong> Manuel Alegre e da<br />
primazia quase absoluta da<br />
musicalida<strong>de</strong>, do ritmo e rima, sobre<br />
a necessida<strong>de</strong> e o sentido; ao mesmo<br />
tempo, transporta para a prosa<br />
hábitos e prosódias próprias da<br />
poesia, o <strong>que</strong> não engendra<br />
necessariamente <strong>um</strong>a prosa poética,<br />
mas por vezes <strong>um</strong> “non-sense”<br />
musical: “tenho vinte e seis anos (...)<br />
não sei se o rosto será o mesmo,<br />
nem o rosto nem o resto. As balas<br />
assobiam, batem na chapa das<br />
viaturas, haverá sempre <strong>um</strong>a bala a<br />
assobiar, na prosa e no verso, na<br />
escrita e na vida...”; “como explicar<br />
<strong>que</strong> o miúdo conte pelos <strong>de</strong><strong>dos</strong> as<br />
badaladas <strong>dos</strong> sinos <strong>de</strong> Águeda? (...)<br />
cada <strong>um</strong> com seu tom, cada <strong>um</strong> com<br />
seu ritmo (...) O júbilo, a dolência, o<br />
luto. E o alarido, o alarme e o alarme<br />
<strong>dos</strong> sinos a tocar a fogo”; <strong>um</strong> último<br />
exemplo: “‘Lá vão elas! As caravelas’<br />
(...) são os primeiros versos <strong>que</strong> o<br />
miúdo, suponho <strong>que</strong> eu próprio,<br />
apren<strong>de</strong>u <strong>de</strong> cor. Ficarão sempre<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim (...) E das naus <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a estrofe <strong>de</strong> ‘Os Lusíadas’ e, aliás,<br />
estão sempre a passar, ainda agora<br />
estou a vê-las, da varanda on<strong>de</strong><br />
escrevo, olhando o mar, na Foz do<br />
Arelho. São elas as caravelas. Lá vão<br />
elas. Se calhar em to<strong>dos</strong> os poemas”.<br />
A escrita <strong>de</strong> Alegre parece<br />
cimentar o texto n<strong>um</strong> vasto e vazio<br />
Império da Aliteração e Assonância,<br />
isto é, n<strong>um</strong> musical pesado <strong>de</strong> sons<br />
consoânticos e vocálicos (aqui em<br />
“v” e “a”). Império cujos pilares<br />
marítimos se sedimentam em<br />
Camões (épico) e na sombra da<br />
Nação <strong>que</strong> outrora galgou o mar<br />
<strong>de</strong>sperta<strong>dos</strong> pelo miúdo <strong>que</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
cedo quis “continuar ‘Os Lusíadas’”.<br />
Garantindo o nosso autor ser este o<br />
<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> qual<strong>que</strong>r poeta português.<br />
Filosofia<br />
Foucault,<br />
mais actual<br />
do <strong>que</strong> nunca<br />
Tradução portuguesa <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> <strong>dos</strong> cursos lecciona<strong>dos</strong><br />
por Foucault no Collège <strong>de</strong><br />
France. António Fernando<br />
Cascais<br />
O Nascimento da Biopolítica<br />
Michel Foucault<br />
(trad. <strong>de</strong> Pedro Elói Duarte)<br />
Edições 70<br />
mmmmn<br />
“Nascimento da<br />
Biopolítica” é o<br />
título <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />
cursos lecciona<strong>dos</strong><br />
por Michel<br />
Foucault no<br />
Collège <strong>de</strong> France,<br />
<strong>de</strong> 1971 até à morte<br />
em 1984, na sua<br />
cátedra <strong>de</strong> História <strong>dos</strong> Sistemas <strong>de</strong><br />
Pensamento. De <strong>um</strong> total <strong>de</strong> 13<br />
cursos, oito encontram-se já<br />
publica<strong>dos</strong> em França, sob a<br />
direcção <strong>de</strong> François Ewald e<br />
Alessandro Fontana, <strong>que</strong> com ele<br />
trabalharam. A sequência da<br />
publicação não segue a or<strong>de</strong>m<br />
cronológica <strong>dos</strong> cursos, <strong>que</strong><br />
ficaram inéditos até 1997, data <strong>de</strong><br />
início do imenso trabalho <strong>de</strong><br />
transcrição e estabelecimento <strong>dos</strong><br />
textos, a partir das gravações áudio<br />
originais. Tanto explica as marcas<br />
<strong>de</strong> coloquialida<strong>de</strong> omnipresentes<br />
ao longo <strong>de</strong>les e <strong>que</strong> a tradução<br />
portuguesa elegantemente<br />
reproduz.<br />
A <strong>de</strong>speito do título, “Nascimento<br />
da Biopolítica” é o menos<br />
“biopolítico” <strong>dos</strong> textos <strong>de</strong> Foucault<br />
sobre este tema, <strong>que</strong> ele aqui apenas<br />
aflora <strong>de</strong> maneira lateral.<br />
Respeitante ao ano lectivo <strong>de</strong> 1978-<br />
1979, este curso suce<strong>de</strong> a<br />
“Segurança, Território, População”
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
O pensamento <strong>de</strong> Foucault é mais actual do <strong>que</strong><br />
nunca e tudo o <strong>que</strong> tem <strong>de</strong>corrido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu<br />
<strong>de</strong>saparecimento permite-nos compreendê-lo<br />
porventura melhor do <strong>que</strong> ele o foi no seu tempo<br />
(<strong>de</strong> 1977-1978) e a “É Preciso<br />
Defen<strong>de</strong>r a Socieda<strong>de</strong>” (<strong>de</strong> 1976),<br />
eles, sim, bem mais importantes<br />
para o estudo da biopolítica, cujo<br />
livro <strong>de</strong> referência é “A Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Saber” (1976), primeiro vol<strong>um</strong>e da<br />
“História da Sexualida<strong>de</strong>”. Foucault<br />
já utilizava o termo <strong>de</strong> biopolítica<br />
pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1974, mas é em “A<br />
Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saber” <strong>que</strong> lhe fixa o<br />
sentido, juntamente com os termos<br />
solidários <strong>de</strong> “bio-história” e<br />
“biopo<strong>de</strong>r”. Os três confluem para<br />
<strong>de</strong>finir o limiar <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
biológica <strong>que</strong> a socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal<br />
transpôs a partir do momento em<br />
<strong>que</strong> o homem, enquanto espécie,<br />
passou a estar em jogo nas suas<br />
próprias estratégias políticas, <strong>de</strong> tal<br />
maneira <strong>que</strong> o homem mo<strong>de</strong>rno é<br />
<strong>um</strong> animal na política do qual a sua<br />
vida <strong>de</strong> ser vivo está em causa. A<br />
importância política ass<strong>um</strong>ida pela<br />
sexualida<strong>de</strong> neste contexto torna-se<br />
clara quando se sabe <strong>que</strong>, para a<br />
medicina do século XIX, o sexo é<br />
simultaneamente aquilo <strong>que</strong> permite<br />
o acesso à vida do corpo e à vida da<br />
espécie. Na relação consigo próprio,<br />
mediada pela sexualida<strong>de</strong> <strong>que</strong><br />
transmite hereditariamente (tanto as<br />
boas como as más) características<br />
familiares e raciais, o indivíduo é<br />
assim colocado em posição <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> biológica<br />
relativamente à espécie.<br />
Substituindo-se à religião, o<br />
mo<strong>de</strong>rno Estado-nação não po<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ixar <strong>que</strong> cada <strong>um</strong> fi<strong>que</strong><br />
simplesmente entregue a si próprio<br />
na sua relação consigo mesmo e com<br />
os outros e <strong>que</strong> o estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />
individual e colectivo fi<strong>que</strong> sujeito<br />
ao alvedrio <strong>de</strong>sregulado <strong>de</strong> cada<br />
cidadão. Daí o projecto biopolítico<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a gestão estatal da<br />
nupcialida<strong>de</strong>, da natalida<strong>de</strong>, da<br />
morbilida<strong>de</strong> e da sobrevivência <strong>que</strong><br />
tanto englobou a medicina das<br />
perversões, <strong>de</strong> <strong>que</strong> a<br />
homossexualida<strong>de</strong> haveria <strong>de</strong><br />
constituir o mo<strong>de</strong>lo, como os<br />
programas <strong>de</strong> controlo eugénico da<br />
população, por mor da boa saú<strong>de</strong> da<br />
<strong>de</strong>scendência, como inclusivamente<br />
do seu apuramento biológico. O<br />
darwinismo social encarregou-se da<br />
sua difusão generalizada, <strong>de</strong> tal<br />
maneira <strong>que</strong> o Estado “biologisch”<br />
nazi não precisou <strong>de</strong> muito para<br />
transformar na sua própria higiene<br />
racial as políticas <strong>de</strong> higiene social já<br />
antes postas em marcha nos regimes<br />
<strong>de</strong>mocráticos, <strong>dos</strong> países<br />
escandinavos a alguns esta<strong>dos</strong> norteamericanos.<br />
Por isso se po<strong>de</strong> dizer<br />
<strong>que</strong> há <strong>um</strong> antes e <strong>um</strong> <strong>de</strong>pois da<br />
biopolítica foucauldiana no <strong>que</strong> toca<br />
à abordagem do totalitarismo<br />
mo<strong>de</strong>rno e do holocausto nazi em<br />
particular. A biopolítica, <strong>que</strong> se<br />
ocupou da matéria-prima h<strong>um</strong>ana<br />
<strong>que</strong> há <strong>que</strong> fazer crescer e<br />
multiplicar, ac<strong>um</strong>ular, tornar<br />
in<strong>de</strong>finidamente disponível e<br />
mobilizar, constitui <strong>um</strong>a dimensão<br />
inextricável do processo mais geral<br />
<strong>de</strong> arrancada económica, técnica e<br />
científica do Oci<strong>de</strong>nte na<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Ora, no preciso<br />
momento em <strong>que</strong> a teorização da<br />
biopolítica mo<strong>de</strong>rna se consolida,<br />
Foucault dá sinais <strong>de</strong> <strong>que</strong>rer<br />
encaminhar a pesquisa sobre ela<br />
para os campos claramente<br />
<strong>de</strong>limita<strong>dos</strong> da “economia política”,<br />
<strong>que</strong> incluía a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber sobre<br />
a carne e o corpo, a socialização <strong>dos</strong><br />
comportamentos procriadores do<br />
casal, a pedagogização da<br />
sexualida<strong>de</strong> infantil, a<br />
psiquiatrização do prazer perverso,<br />
a histerização do corpo da mulher, o<br />
governo da população e das raças,<br />
em outros tantos vol<strong>um</strong>es do<br />
anunciado projecto da “História da<br />
Sexualida<strong>de</strong>”. Tal não aconteceu.<br />
Foucault apercebe-se claramente<br />
<strong>que</strong> o governo, ou a “arte <strong>de</strong><br />
governar” em <strong>que</strong> se <strong>de</strong>sdobra a<br />
biopolítica mo<strong>de</strong>rna, exige <strong>um</strong><br />
estudo sobre a governamentalida<strong>de</strong>.<br />
É da governamentalida<strong>de</strong> <strong>que</strong> trata<br />
“Nascimento da Biopolítica”.<br />
Foucault avisa no final da primeira<br />
lição <strong>que</strong> a análise da biopolítica só<br />
se po<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se<br />
compreen<strong>de</strong>r o regime geral <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
razão governamental inteiramente<br />
referida à <strong>que</strong>stão da verda<strong>de</strong>, o <strong>que</strong><br />
acontece com o liberalismo<br />
económico mo<strong>de</strong>rno. “Nascimento<br />
da Biopolítica” <strong>de</strong>senvolve-se assim<br />
como <strong>um</strong>a digressão, tão minuciosa<br />
e informada quanto árida (inclusive<br />
para os inicia<strong>dos</strong>), sobre o mercado,<br />
no liberalismo económico, como<br />
governamentalida<strong>de</strong> integral, ou<br />
seja, como algo <strong>que</strong>, para além <strong>de</strong><br />
princípio organizador da vida<br />
económica, é instância <strong>de</strong> veridicção<br />
para a prática governamental, aquilo<br />
<strong>que</strong> po<strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a resposta<br />
verda<strong>de</strong>ira à <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> saber “o <strong>que</strong><br />
é governar?” Acontece <strong>que</strong>,<br />
intimidada com as consequências<br />
inesperadas da mobilização geral<br />
<strong>de</strong> matéria-prima natural e<br />
h<strong>um</strong>ana, a arte liberal <strong>de</strong> governar<br />
passa a aplicar à gestão estatal da<br />
economia o tipo <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong><br />
tecnocientífica tida por válida no<br />
interior da natureza, daí<br />
resultando <strong>um</strong>a “darwinização”<br />
global da vida económica e social.<br />
Assim se explica, em “Nascimento<br />
da Biopolítica”, a génese do<br />
nazismo no seio da história do<br />
capitalismo e da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> em<br />
geral.<br />
O pensamento <strong>de</strong> Foucault é mais<br />
actual do <strong>que</strong> nunca e tudo o <strong>que</strong><br />
tem <strong>de</strong>corrido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu<br />
<strong>de</strong>saparecimento permite-nos<br />
compreendê-lo porventura melhor<br />
do <strong>que</strong> ele o foi no seu tempo. Nem<br />
por isso “Nascimento da<br />
Biopolítica”, e a <strong>de</strong>speito do<br />
indiscutível mérito intrínseco da sua<br />
publicação, constitui a mais<br />
coerente introdução ao conjunto <strong>dos</strong><br />
cursos <strong>de</strong> Collège <strong>de</strong> France, <strong>que</strong><br />
agora, mais do <strong>que</strong> antes, se impõe<br />
editar em português.<br />
silva!<strong>de</strong>signers<br />
apoio<br />
organização<br />
JORGE SALAVISA DIRECTOR ARTÍSTICO SLTM<br />
SÃO LUIZ /ABR~1O<br />
8ª FESTA<br />
DO JAZZ DO<br />
SAO LUIZ<br />
A FESTA DO JAZZ<br />
PORTUGUÊS<br />
16, 17, 18 ABR<br />
SEXTA, SÁBADO<br />
E DOMINGO<br />
SALA PRINCIPAL<br />
JARDIM DE INVERNO<br />
TEATRO-ESTÚDIO MÁRIO VIEGAS<br />
SPOT SÃO LUIZ<br />
DIRECÇÃO ARTÍSTICA:<br />
CARLOS MARTINS<br />
PRODUÇÃO EXECUTIVA:<br />
LUÍS HILÁRIO<br />
ORGANIZAÇÃO:<br />
SLTM / SONS DA LUSOFONIA<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />
M/3<br />
“É simplesmente<br />
impossível <strong>de</strong>sistir.<br />
A energia positiva <strong>que</strong><br />
se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />
e <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> é a Festa<br />
do Jazz do São Luiz.<br />
É impressionante como<br />
nos po<strong>de</strong>mos surpreen<strong>de</strong>r<br />
após oito anos.”<br />
Carlos Martins, Director Artístico da Festa do Jazz<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
T: 213 257 650<br />
BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 39
Livros<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Isabel<br />
Coutinho<br />
Ciberescritas<br />
Mesmo para os mais<br />
cépticos, <strong>um</strong>a coisa<br />
é certa: <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> amanhã nada<br />
ficará como antes<br />
iPad<br />
http://www.<br />
apple.com/pt/<br />
Revista Wired<br />
http://www.<br />
wired.com/<br />
Na ponta <strong>dos</strong> <strong>de</strong><strong>dos</strong><br />
É<br />
amanhã, 3 <strong>de</strong> Abril, <strong>que</strong> chega às lojas<br />
americanas o iPad, o tablet da Apple, <strong>que</strong><br />
servirá para ler livros, jornais e revistas, jogar,<br />
ouvir música, ver ví<strong>de</strong>os, navegar na Internet,<br />
brincar com fotografias e milhentas outras<br />
coisas <strong>de</strong> <strong>que</strong> me estou a es<strong>que</strong>cer. Por enquanto o<br />
aparelho, <strong>que</strong> tem <strong>um</strong> ecrã táctil e é <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />
iPhone gigante mas não serve para telefonar, não estará à<br />
venda em Portugal. Lá virá o tempo.<br />
Tal como é cost<strong>um</strong>e acontecer quando é lançado <strong>um</strong><br />
“gadget” <strong>de</strong>ste calibre, <strong>que</strong> se imagina vir a mudar os<br />
hábitos <strong>de</strong> muitas pessoas em todo o mundo (foi assim<br />
no caso do iPhone e do Kindle), começa o “sururu”<br />
nos média. Lembram-se <strong>de</strong> Nicholas Negroponte, o<br />
cientista do Media Lab, do Instituto <strong>de</strong> Tecnologia do<br />
Massachusetts? Pois Negroponte, <strong>que</strong> há uns anos publicou<br />
o livro “Ser Digital” (ed. Caminho), reapareceu na última<br />
edição da revista “Wired”, on<strong>de</strong> durante anos escreveu<br />
<strong>um</strong>a coluna <strong>de</strong> opinião. É <strong>um</strong>a das 13 personalida<strong>de</strong>s a<br />
<strong>que</strong>m a revista perguntou sobre os Tablet.<br />
O fundador da associação One Laptop per Child (<strong>um</strong><br />
computador por criança) surpreen<strong>de</strong> o leitor ao afirmar<br />
logo na primeira frase: “Quando se fala <strong>de</strong> ebooks,<br />
nunca se realça a gran<strong>de</strong> vantagem <strong>que</strong> é serem li<strong>dos</strong> na<br />
cama. As páginas <strong>dos</strong> livros impressos não <strong>de</strong>saparecem<br />
ou reaparecem, temos <strong>que</strong> as folhear, o <strong>que</strong> é bastante<br />
estúpido e nem sempre é fácil quando estamos na cama,<br />
<strong>de</strong>ita<strong>dos</strong> <strong>de</strong> lado. Por isso, porquê os tablets? A resposta<br />
é curta: só precisamos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mão para os usar. E isto<br />
não é válido só para quando estamos na cama. Alg<strong>um</strong>a<br />
vez imaginaram a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas <strong>que</strong> po<strong>de</strong> andar<br />
a olhar para a mão? Mensagens escritas estão a substituir<br />
a fala e os polegares estão a substituir os lábios.” E<br />
<strong>de</strong>pois, Negroponte explica <strong>que</strong> por enquanto somos<br />
obriga<strong>dos</strong> a estar senta<strong>dos</strong> para usar os computadores<br />
mas com os tablets isso<br />
vai mudar: vamos po<strong>de</strong>r<br />
utilizá-los em pé e não nos<br />
sentiremos <strong>de</strong>sconfortáveis.<br />
“São o novo livro, o novo<br />
jornal, a nova revista, o<br />
novo ecrã <strong>de</strong> televisão, e<br />
potencialmente o novo<br />
computador portátil. Alg<strong>um</strong>a<br />
coisa <strong>que</strong> transportamos – e,<br />
sim, <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r”, afirma este especialista <strong>que</strong><br />
vê neles a resolução para o acesso aos livros por parte<br />
das crianças em al<strong>de</strong>ias remotas em África. Po<strong>de</strong> ser<br />
<strong>que</strong> sim, <strong>que</strong> seja <strong>um</strong> visionário e <strong>que</strong> a versão tablet do<br />
computador XO, da One Laptop per Child, a ser lançado<br />
em 2012, seja a resolução para a falta <strong>de</strong> bibliotecas em<br />
lugares inóspitos.<br />
Como se já não nos bastasse o entusiasmo <strong>de</strong> Nicholas<br />
Negroponte, também o jornalista norte-americano<br />
Steven Levy, outro especialista nestes assuntos, parece<br />
eufórico. Escreveu também na “Wired” <strong>um</strong> artigo<br />
intitulado “Como o Tablet vai mudar o mundo” e fala no<br />
início <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo paradigma.<br />
Mesmo para os mais cépticos, <strong>um</strong>a coisa é certa:<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã nada ficará como antes. O<br />
computador portátil tal como o concebemos hoje, com<br />
pastas e ficheiros a <strong>que</strong> ace<strong>de</strong>mos com o cli<strong>que</strong> n<strong>um</strong><br />
rato, <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> fazer sentido. Os nossos <strong>de</strong><strong>dos</strong> vão<br />
<strong>de</strong>slizar e batucar em ecrãs tácteis, oh yeah, e vamos<br />
<strong>de</strong>scobrir <strong>um</strong> admirável mundo novo na ponta <strong>dos</strong><br />
<strong>de</strong><strong>dos</strong>.<br />
isabel.coutinho@publico.pt<br />
(Ciberescritas já é <strong>um</strong> blogue http://blogs.publico.pt/<br />
ciberescritas)<br />
Biografia<br />
O professor<br />
<strong>de</strong> Siracusa<br />
Operação da Pi<strong>de</strong> ou<br />
do KGB, o assassinato<br />
<strong>de</strong> Mondlane entregou<br />
a Frelimo ao marxismoleninismo.<br />
Eduardo Pitta<br />
Eduardo Mondlane. Um homem<br />
a abater<br />
José Manuel Duarte <strong>de</strong> Jesus<br />
Almedina<br />
mmmnn<br />
Nunca<br />
perceberemos o<br />
século XX<br />
português se<br />
fizermos <strong>de</strong> conta<br />
<strong>que</strong> as colónias<br />
ultramarinas não<br />
existiram. A<br />
emigração para os<br />
territórios <strong>de</strong> África, as<br />
consequências do Pacto Colonial,<br />
as leis do indigenato, a<br />
industrialização <strong>de</strong> Angola e<br />
Moçambi<strong>que</strong>, a oposição larvar à<br />
“Metrópole”, o clamor<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntista e, por fim (1961-75),<br />
a guerra, moldaram o país <strong>que</strong><br />
somos. Para o bem e para o mal, a<br />
nossa história passa pelo Ultramar.<br />
E, goste-se ou não <strong>de</strong>les, os lí<strong>de</strong>res<br />
<strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong> libertação são<br />
parte da narrativa portuguesa <strong>dos</strong><br />
últimos 50 anos.<br />
Por razões fúteis <strong>de</strong> explicar, o<br />
moçambicano Eduardo Mondlane,<br />
fundador e primeiro presi<strong>de</strong>nte da<br />
FRELIMO, tem sido <strong>um</strong> alvo<br />
privilegiado <strong>de</strong> rasura. Motivo<br />
acrescido para saudar a obra <strong>que</strong> o<br />
embaixador José Manuel Duarte <strong>de</strong><br />
Jesus lhe <strong>de</strong>dica: “Eduardo<br />
Mondlane. Um homem a abater”.<br />
Escrito no âmbito <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
investigação académica, o livro<br />
exce<strong>de</strong> o formato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a simples<br />
biografia. O autor analisa o contexto<br />
geopolítico <strong>dos</strong> anos 1960, em África,<br />
na Europa, na URSS e na China; os<br />
protagonistas das “in<strong>de</strong>pendências”<br />
(Ben Bella, Leopold Senghor,<br />
Kenneth Kaunda, Sekou Touré e<br />
outros); as tentativas <strong>de</strong> persuadir<br />
Salazar (em 1962); as relações <strong>de</strong><br />
Mondlane com a administração<br />
Kennedy; o papel da Fundação Ford;<br />
o Acordo entre Portugal e a África do<br />
Sul (em 1964); os anticorpos<br />
suscita<strong>dos</strong> por Mondlane; o papel da<br />
Pi<strong>de</strong> e <strong>de</strong> Jorge Jardim; o assassinato<br />
(em 1969); as acusações mútuas; etc.<br />
O autor efectuou <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
entrevistas, tendo consultado<br />
arquivos portugueses (incluindo o da<br />
Pi<strong>de</strong>/DGS, bem como os <strong>de</strong> Salazar e<br />
Caetano), americanos (Departamento<br />
<strong>de</strong> Estado incluído), franceses,<br />
Eduardo Mondlane (à direita) com Samora Machel<br />
alemães (RFA e RDA), ingleses e<br />
chineses. Não foi es<strong>que</strong>cida a<br />
recensão da imprensa <strong>de</strong> inúmeros<br />
países europeus, africanos e<br />
americanos. Além <strong>de</strong> bibliografia, o<br />
vol<strong>um</strong>e colige vários apêndices:<br />
quadros cronológicos, índices<br />
onomásticos, listas <strong>de</strong> governantes e<br />
diplomatas, etc. A fechar, cin<strong>que</strong>nta<br />
páginas <strong>de</strong> iconografia e fac-similes<br />
<strong>de</strong> índole diversa: retratos, panfletos,<br />
recortes <strong>de</strong> jornal, correspondência,<br />
doc<strong>um</strong>entos oficiais. Nisto tudo, só<br />
não se percebe a razão <strong>de</strong> não ter<br />
sido traduzido o prefácio <strong>de</strong> Janet<br />
Rae Mondlane, nem vários extractos<br />
da imprensa estrangeira.<br />
Contrariamente a outros lí<strong>de</strong>res<br />
emancipalistas (como Agostinho<br />
Neto, Amílcar Cabral ou Samora<br />
Machel), Mondlane gozou <strong>de</strong><br />
efectivo prestígio fora <strong>dos</strong> círculos<br />
marxistas e <strong>dos</strong> países nãoalinha<strong>dos</strong>.<br />
Nos EUA foi sempre<br />
recebido ao mais alto nível no<br />
Departamento <strong>de</strong> Estado; na<br />
Europa, em particular na Suécia,<br />
Noruega, Dinamarca, Finlândia,<br />
Alemanha (RFA) e Países Baixos,<br />
recebia tratamento equivalente ao<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> chefe <strong>de</strong> governo. No Reino<br />
Unido fez conferências na London<br />
School of Economics, em Oxford e<br />
na Chatham House, o famoso<br />
instituto <strong>de</strong> relações internacionais.<br />
O nosso embaixador em Londres<br />
tentou impedir <strong>que</strong> assim fosse, mas<br />
o Foreign Office <strong>de</strong>ixou sem resposta<br />
os ofícios. A imprensa, mesmo a<br />
conservadora (o “Times”), tratava<br />
Mondlane como lí<strong>de</strong>r incontestado<br />
da oposição ao regime colonial.<br />
Filho <strong>de</strong> <strong>um</strong> régulo Tsonga <strong>de</strong><br />
língua banto, Eduardo Mondlane<br />
nasceu em Manjacaze a 20 <strong>de</strong> Junho<br />
<strong>de</strong> 1920. A mãe quis <strong>que</strong> estudasse<br />
“para melhor conhecer o feitiço <strong>dos</strong><br />
homens brancos e lutar contra ele”.<br />
Ele fez-lhe a vonta<strong>de</strong>: apren<strong>de</strong>u a ler<br />
e escrever na missão calvinista suíça<br />
<strong>de</strong> Manjacaze, passou por Lourenço<br />
Mar<strong>que</strong>s, Joanesburgo e Lisboa,<br />
antes <strong>de</strong>, nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, obter<br />
“os mais altos graus académicos”.<br />
Doutor em sociologia e<br />
antropologia, foi professor das<br />
universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Chicago e Siracusa<br />
(Nova Ior<strong>que</strong>). Enquanto redigia a<br />
tese <strong>de</strong> doutoramento (“Role<br />
Conflict, Reference Group and<br />
Race”, 1960), trabalhou nas Nações<br />
Unidas como Associate Social<br />
Scientist. O casamento com Janet<br />
Rae, <strong>um</strong>a americana WASP, foi o<br />
corolário <strong>de</strong> <strong>um</strong> perfil <strong>que</strong> em tudo o<br />
distinguiu <strong>dos</strong> outros lí<strong>de</strong>res<br />
africanos. Nas suas passagens por<br />
Lisboa era visita <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> Adriano<br />
Moreira, <strong>que</strong> conhecera em Nova<br />
Ior<strong>que</strong>, durante a assembleia-geral<br />
<strong>de</strong> 1957 das Nações Unidas (a<br />
primeira em <strong>que</strong> Portugal<br />
participou), e o convidou a escrever<br />
para o Boletim <strong>de</strong> Estu<strong>dos</strong> Políticos<br />
do ministério do Ultramar <strong>um</strong> artigo<br />
sobre anticolonialismo americano.<br />
O seu assassinato em Dar-es-<br />
Salaam, a 3 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1969<br />
(morreu ao abrir <strong>um</strong>a encomenda<br />
armadilhada), provocou <strong>um</strong>a onda<br />
<strong>de</strong> acusações mútuas: o KGB acusou a<br />
Pi<strong>de</strong>, <strong>que</strong> <strong>de</strong>volveu a sugestão. Bem<br />
vistas as coisas, Moscovo tinha mais a<br />
lucrar do <strong>que</strong> Lisboa. Contudo, não<br />
são <strong>de</strong> excluir outras hipóteses: <strong>um</strong><br />
episódio da Operação Gladio, ou<br />
iniciativa <strong>de</strong> rivais (após a sua morte,<br />
a Frelimo a<strong>de</strong>riu às teses do<br />
marxismo-leninismo). Tendo visitado<br />
mais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vez Moscovo e Pequim,<br />
as ligações americanas <strong>de</strong> Mondlane<br />
e o apoio <strong>que</strong> recebia da social<strong>de</strong>mocracia<br />
escandinava, suscitavam<br />
controvérsia a Leste. Por outro lado,<br />
era pública a sua discordância com a<br />
aplicação do ‘mo<strong>de</strong>lo’ cubano a<br />
Moçambi<strong>que</strong>. Convidado por Che<br />
Guevara (em 1965) a visitar Havana,<br />
recusou. Os jornais cubanos disseram<br />
<strong>de</strong>le o <strong>que</strong> Mafoma não disse do<br />
toucinho. Mondlane continuou a<br />
privilegiar o diálogo com Edward<br />
Kennedy, Olof Palme, Willy Brandt,<br />
Harold Wilson, Bruno Kreisky, Golda<br />
Meir, etc. E pagou cara a heterodoxia.<br />
Muito mais haveria a dizer <strong>de</strong>ste<br />
estudo do embaixador José Manuel<br />
Duarte <strong>de</strong> Jesus, o qual, a partir <strong>de</strong><br />
aspectos particulares da vida <strong>de</strong><br />
Mondlane, abrange o largo espectro<br />
<strong>dos</strong> anos <strong>de</strong> brasa da colonização<br />
portuguesa.<br />
40 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
SÃO<br />
LUIZ<br />
ABR~1O<br />
9, 10 E 11 ABR<br />
SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00<br />
DOMINGO ÀS 17H30<br />
SALA PRINCIPAL M/16<br />
CARLA BLEY<br />
STEVE SWALLOW<br />
ORQUESTRA JAZZ DE MATOSINHOS<br />
CICLO JAZZ GALP<br />
DOM 11 ABR 22:00<br />
SALA SUGGIA € 20<br />
Carla Bley piano e direcção musical<br />
Steve Swallow baixo<br />
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />
MEDIA PARTNERS<br />
MÚSICA<br />
HUGO RIBEIRO<br />
LIBRETO<br />
ARMANDO<br />
NASCIMENTO ROSA<br />
ENCENAÇÃO<br />
PAULO MATOS<br />
DIRECÇÃO MUSICAL<br />
JOÃO PAULO SANTOS<br />
CENOGRAFIA E FIGURINOS<br />
BRUNO GUERRA<br />
DESENHO DE LUZ<br />
PAULO GRAÇA<br />
VÍDEO E PROJECÇÕES<br />
NUNO NEVES<br />
INTERPRETAÇÃO<br />
MADALENA BOLÉO<br />
MARGARIDA MARECOS<br />
RAQUEL ALÃO<br />
SANDRA MEDEIROS<br />
SÓNIA ALCOBAÇA<br />
SUSANA TEIXEIRA<br />
ORQUESTRA SINFÓNICA<br />
PORTUGUESA DIRIGIDA PELO<br />
MAESTRO JOÃO PAULO SANTOS<br />
CO-PRODUÇÃO<br />
SLTM ~ TNSC<br />
MECENAS CICLO JAZZ<br />
MECENAS CASA DA MÚSICA<br />
APOIO INSTITUCIONAL<br />
MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />
DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.
Cinema<br />
série ípsilon II<br />
Sexta-feira,<br />
dia 9 <strong>de</strong> Abril,<br />
o DVD “A Esquiva”,<br />
<strong>de</strong> Ab<strong>de</strong>llatif Kechiche<br />
Todas as sextas,<br />
por €1,95.<br />
20<br />
anos<br />
“Ruínas”: o país revisitado pela noção <strong>de</strong> perda<br />
Estreiam<br />
Terra<br />
sem vida<br />
Portugal revisitado pela<br />
noção <strong>de</strong> perda, substituindo<br />
à mon<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> da<br />
História a anonimida<strong>de</strong> do<br />
fragmento irrisório. Mário<br />
Jorge Torres<br />
Ruínas + Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong><br />
Ruínas<br />
De Manuel Mozos<br />
MMMMn<br />
Lisboa: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 22h 6ª 22h;<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cine Estúdio do Teatro Campo<br />
Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />
18h30, 22h;<br />
“Com estes fragmentos escorei<br />
as minhas ruínas”<br />
T.S. Eliot, “The Waste Land”<br />
Manuel Mozos ocupa no panorama<br />
do actual cinema português <strong>um</strong><br />
lugar singular: por <strong>um</strong> lado, o <strong>de</strong><br />
construtor <strong>de</strong> arrojadas ficções <strong>que</strong><br />
inscrevem <strong>um</strong> olhar renovador na<br />
geografia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Lisboa proletária,<br />
marginal e povoada por oníricos<br />
sinais, entre a (im)perfeita<br />
completu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa obra-prima<br />
impura e dialéctica <strong>que</strong> dá pelo<br />
nome <strong>de</strong> <strong>um</strong> herói <strong>de</strong>sgarrado,<br />
“Xavier” (1992, mas esten<strong>de</strong>ndo-se<br />
As estrelas do público<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
Alice no País das Maravilhas mmnnn mmmmn mmmmn mmnnn<br />
Amar é Complicado nnnnn nnnnn mnnnn mnnnn<br />
Cinerama mnnnn mnnnn mnnnn nnnnn<br />
Fora <strong>de</strong> Controlo mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />
Lembra-te <strong>de</strong> Mim nnnnn nnnnn mnnnn nnnnn<br />
Parnassus - O Homem <strong>que</strong> Queria Enganar o Diabo mmmnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />
Ruínas mmmmn mmmmn mmmmn mmmnn<br />
Solomon Kane nnnnn nnnnn A nnnnn<br />
Shutter Island mmmmn nnnnn mmmnn mnnnn<br />
Um Sonho Possível nnnnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />
ao longo <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> difícil produção,<br />
para estrear <strong>de</strong>masiado tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
modo a po<strong>de</strong>r enten<strong>de</strong>r-se a sua<br />
radical importância), o curioso<br />
fracasso <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obra confusa e algo<br />
megalómana como “Quando<br />
Troveja” (1999) e o recente<br />
<strong>de</strong>scentramento <strong>de</strong> “Quatro Copas”<br />
(2008), a traçar <strong>um</strong>a visão<br />
suburbana, quase irreconhecível, do<br />
seu mundo <strong>de</strong> fantasmas vivos, ao<br />
encontro do quotidiano mo<strong>de</strong>rno;<br />
por outro, o <strong>de</strong> rigoroso<br />
doc<strong>um</strong>entarista, oscilando entre o<br />
brilho incontroverso da “biografia<br />
cultural” (“José Car<strong>dos</strong>o Pires –<br />
Diário <strong>de</strong> Bordo”, 1998) e o fascínio<br />
pela colagem arquivística, mas<br />
infinitamente criativa, <strong>de</strong> pe<strong>que</strong>nas<br />
preciosida<strong>de</strong>s históricas: o magnífico<br />
“Cinema Português?” (1997) ou o<br />
inventivo “Censura: Alguns Cortes”<br />
(1999), <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais transversos e<br />
importantes olhares sobre as<br />
intrínsecas contradições do Estado<br />
Novo.<br />
Este intróito revela-se<br />
fundamental para falar <strong>de</strong> “Ruínas”,<br />
na medida em <strong>que</strong> este filme-ensaio<br />
funciona na curta obra <strong>de</strong> Mozos<br />
como súmula <strong>de</strong> todo o seu universo<br />
conceptual. Se não vejamos: o filme<br />
ass<strong>um</strong>e-se como “biografia”<br />
subterrânea <strong>de</strong> <strong>um</strong> país con<strong>de</strong>nado<br />
pelo abandono da memória,<br />
transformada em lixo cultural; faz da<br />
“collage” mo<strong>de</strong>rnista o seu método<br />
caótico <strong>de</strong> investigação sobre <strong>um</strong><br />
passado contraditório e algo<br />
<strong>de</strong>sconexo; inscreve nos intervalos<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> doc<strong>um</strong>entário aleatório e<br />
prospectivo o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ficções<br />
miniaturais, ten<strong>de</strong>ntes a recompor<br />
<strong>um</strong> retrato <strong>de</strong> meio-corpo <strong>de</strong><br />
personagens ausentes e perdidas na<br />
voragem do tempo: os habitantes<br />
anónimos da<strong>que</strong>le sanatório<br />
gigantesco <strong>que</strong> agri<strong>de</strong> a paisagem da<br />
Serra da Estrela, feito es<strong>que</strong>leto <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a doença passada, mas<br />
perpetuado pela permanência <strong>dos</strong><br />
seus sinais físicos na paisagem; os<br />
actores fantasmáticos da<strong>que</strong>le<br />
Par<strong>que</strong> Mayer <strong>de</strong>sertificado no<br />
centro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Lisboa transformada<br />
em lixo urbano e transtornada por<br />
<strong>um</strong> progresso sem senti<strong>dos</strong>; os<br />
turistas “mortos” da ribatejana<br />
Estalagem Gado Bravo, <strong>de</strong> <strong>que</strong><br />
saltaram letras da insígnia<br />
i<strong>de</strong>ntificativa, n<strong>um</strong>a tétrica<br />
“natureza morta” povoada por<br />
<strong>de</strong>jectos e por restos quase<br />
fossiliza<strong>dos</strong> <strong>de</strong> caveiras <strong>de</strong> animais;<br />
os frescos mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
<strong>resta</strong>urante em Monsanto, com<br />
panorama sobre a capital do<br />
Império perdido, como se ainda<br />
convidassem a lautos ban<strong>que</strong>tes <strong>de</strong><br />
tempos <strong>que</strong> já lá vão e não voltarão<br />
nunca mais; as viagens impossíveis<br />
<strong>de</strong> chegada à estação <strong>de</strong> Barca <strong>de</strong><br />
Alva, <strong>de</strong>sactivada e inoperante, no<br />
coração do Douro Internacional,<br />
com carruagens enferrujadas e<br />
marcas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a impotência atávica<br />
em operar <strong>um</strong>a ar<strong>que</strong>ologia da<br />
memória; os vestígios <strong>de</strong>sfeitos <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a mina abandonada <strong>que</strong> sinaliza<br />
o impasse <strong>de</strong> <strong>um</strong>a produção<br />
obsoleta <strong>de</strong> ri<strong>que</strong>zas miríficas.<br />
Há riscos neste retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong> país<br />
“arruinado” e inútil (ou inutilizado?)<br />
visto a partir da incúria <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
património menor? Há e muitos,<br />
mas Mozos tem consciência do jogo<br />
da (in)glória <strong>que</strong> <strong>de</strong>senha, evitando<br />
a <strong>de</strong>magogia fácil das imagens <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cadência, como se procurasse ver<br />
Portugal pelo lado das inevitáveis<br />
“<strong>de</strong>rrotas”. O <strong>que</strong> se torna fascinante<br />
é o modo como toma partido,<br />
<strong>de</strong>ixando em aberto a perspectiva<br />
crítica <strong>de</strong> cada espectador, embora<br />
conduzindo sempre o seu olhar com<br />
implacável direccionalida<strong>de</strong>. Se<br />
existe possível rima interna,<br />
subjacente a este projecto, ela faz-se<br />
com Manoel <strong>de</strong> Oliveira, como se se<br />
tratasse <strong>de</strong> <strong>um</strong> contraponto<br />
doc<strong>um</strong>ental a “Non, ou a Vã Glória<br />
<strong>de</strong> Mandar”: o país revisitado pela<br />
noção <strong>de</strong> perda, substituindo à<br />
mon<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> da História a<br />
anonimida<strong>de</strong> do fragmento irrisório,<br />
tornado significativo pela<br />
ac<strong>um</strong>ulação geográfica <strong>de</strong> gestos<br />
sem saída. Ao Portugal <strong>dos</strong><br />
Pe<strong>que</strong>nitos <strong>que</strong> <strong>um</strong> arquitecto do<br />
antigamente construíra para<br />
glorificar <strong>um</strong>a ridícula noção do<br />
património imaginário, apõe Mozos<br />
<strong>um</strong> Portugal <strong>dos</strong> “Gran<strong>de</strong>s”,<br />
<strong>de</strong>vastado e espectral, monstruoso<br />
por<strong>que</strong> verda<strong>de</strong>iro.<br />
Haverá <strong>que</strong>m conteste <strong>que</strong> esta<br />
negativida<strong>de</strong> passa por alg<strong>um</strong>a<br />
pretensão poética, <strong>um</strong>a poética<br />
pobre, contraditada (mas também<br />
acentuada) pelo certeiro recurso à<br />
textualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ruy Belo, por<br />
exemplo, <strong>um</strong> poeta da “habitação” e<br />
do território. Uma coisa não<br />
po<strong>de</strong>mos negar: estamos perante<br />
<strong>um</strong>a corajosa frontalida<strong>de</strong>, perante a<br />
nossa incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com a<br />
pe<strong>que</strong>na História <strong>de</strong> nós, com o<br />
terror <strong>de</strong> termos <strong>de</strong> escorar a nossa<br />
realida<strong>de</strong> entre ruínas. E<br />
regressamos, para concluir, a T. S.<br />
Eliot, citado, como na epígrafe, da<br />
tradução portuguesa <strong>de</strong> Maria<br />
Amélia Neto: “Penso <strong>que</strong> estamos na<br />
viela <strong>dos</strong> ratos/On<strong>de</strong> os mortos<br />
per<strong>de</strong>ram os seus ossos”.<br />
Continuam<br />
Um Sonho Possível<br />
The Blind Si<strong>de</strong><br />
De John Lee Hancock,<br />
com Sandra Bullock, Tim McGraw,<br />
Quinton Aaron. M/12<br />
MMNNN<br />
Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />
15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15,<br />
21h30; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40,<br />
21h20, 00h10; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h25,<br />
“Um Sonho Possível”: o apelo aos valores éticos da Nação americana<br />
42 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Festival<br />
Pedro Costa é, a par do<br />
húngaro Miklos Jancso,<br />
<strong>um</strong> <strong>dos</strong> cineastas em<br />
<strong>de</strong>sta<strong>que</strong> na 11ª edição<br />
do Jeonju International<br />
Film Festival (29 <strong>de</strong><br />
Abril a 7 <strong>de</strong> Maio), na<br />
Coreia do Sul. A obra do<br />
português vai ser alvo <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a retrospectiva <strong>que</strong><br />
passará pela publicação<br />
– em inglês e coreano – <strong>de</strong><br />
dissertações e críticas<br />
por parte <strong>de</strong> realizadores<br />
e críticos reconheci<strong>dos</strong><br />
internacionalmente. Na<br />
programação também<br />
constam a exibição <strong>de</strong><br />
excertos inutiliza<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />
filmes como “No Quarto<br />
<strong>de</strong> Vanda” e “Juventu<strong>de</strong><br />
em Marcha” e sessões <strong>de</strong><br />
perguntas e respostas<br />
com o realizador.<br />
18h55, 21h35, 00h05; CinemaCity Beloura<br />
Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h50, 16h25, 18h55, 21h45, 00h15; CinemaCity<br />
Campo Pe<strong>que</strong>no Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 18h55,<br />
21h40, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h,<br />
19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte<br />
Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10,<br />
16h45, 19h15, 21h45, 00h15 Domingo 11h30, 14h10,<br />
16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI Dolce Vita<br />
Tejo: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,<br />
16h30, 19h15, 21h45, 00h25; ZON Lusomundo<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h30, 16h10, 19h, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo<br />
CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h, 15h50, 18h40, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />
Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />
15h50, 18h40, 21h25, 00h15; ZON Lusomundo Oeiras<br />
Par<strong>que</strong>: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />
15h55, 18h40, 21h30, 00h15; Castello Lopes - Rio Sul<br />
Shopping: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h20,<br />
24h 6ª Sábado Domingo 12h40, 15h20, 18h10,<br />
21h20, 24h; ZON Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h20,<br />
21h20, 00h10; ZON Lusomundo Fór<strong>um</strong> Montijo: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h10, 18h45,<br />
21h25, 00h10;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h20, 22h, 00h40; ZON<br />
Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h20, 16h,19h, 21h50, 00h35; ZON<br />
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 12h30, 15h40, 18h40, 21h20, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Par<strong>que</strong> Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h10,<br />
23h50; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h30, 21h10, 00h10;<br />
De cada vez <strong>que</strong> a América muda <strong>de</strong><br />
r<strong>um</strong>o i<strong>de</strong>ológico e sobe ao po<strong>de</strong>r<br />
<strong>um</strong>a administração mais liberal,<br />
aflora na produção ficcional<br />
dominante a sombra i<strong>de</strong>alista <strong>de</strong><br />
Frank Capra, representante da<br />
recuperação rooseveltiana da Gran<strong>de</strong><br />
Depressão, na década <strong>de</strong> 30.<br />
Aconteceu, assim, nos tempos <strong>de</strong><br />
Clinton e repete-se agora neste “Um<br />
Sonho Possível”, veículo por medida<br />
para <strong>um</strong>a estrelinha (a possível, nos<br />
tempos <strong>que</strong> vão correndo), Sandra<br />
Bullock, com os resulta<strong>dos</strong><br />
conheci<strong>dos</strong> em termos <strong>dos</strong> Óscares.<br />
O “sonho americano” aparece<br />
mitigado por alg<strong>um</strong>a parcimónia,<br />
mas a “mensagem” resulta clara e<br />
inequívoca: é possível a <strong>um</strong><br />
rapazinho negro, sem abrigo e filho<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a família disfuncional, aspirar<br />
ao triunfo como gran<strong>de</strong> nome do<br />
futebol americano. Filme sem<br />
<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> complexida<strong>de</strong>s, simpático e<br />
<strong>de</strong>spretensioso, “Um Sonho<br />
Possível” joga com lágrimas e sorrisos<br />
(quanto bastem), tendo em vista <strong>um</strong><br />
objectivo único e bem explicitado, o<br />
<strong>de</strong> fazer renascer as esperanças em<br />
tempo <strong>de</strong> crise. Nada <strong>de</strong> novo, nada<br />
<strong>de</strong> muito excitante, mas o suficiente<br />
para apelar aos valores éticos da<br />
nação americana, a fim <strong>de</strong> apaziguar<br />
consciências e <strong>de</strong> realizar o “milagre<br />
por uns dias”. M.J.T.<br />
Parnassus - O Homem <strong>que</strong> Queria<br />
Enganar o Diabo<br />
The Imaginari<strong>um</strong> of Dr.<br />
Parnassus<br />
De Terry Gilliam,<br />
com Johnny Depp, Heath Ledger, Ju<strong>de</strong><br />
Law, Colin Farrell, Christopher<br />
Pl<strong>um</strong>mer, Tom Waits. M/12<br />
MNNNN<br />
Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª<br />
16h10, 18h50, 21h40, 00h10 6ª Sábado 13h20,<br />
16h10, 18h50, 21h40, 00h10 Domingo 13h20, 16h10,<br />
18h50, 21h40 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h50,<br />
21h40; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h20, 18h40, 21h30 6ª<br />
Sábado 14h, 16h20, 18h40, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia<br />
King: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 2ª 19h30, 00h30<br />
Domingo 3ª 4ª 19h30; Me<strong>de</strong>ia Mon<strong>um</strong>ental: Sala 1:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45,<br />
19h15, 21h45, 00h15; UCI Cinemas - El Corte<br />
Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05,<br />
16h45, 19h25, 22h, 00h30 Domingo 11h30, 14h05,<br />
16h45, 19h25, 22h, 00h30; ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
CICLO JAZZ GALP<br />
TER 06 ABR<br />
22:00 SALA SUGGIA<br />
€ 30<br />
TO BILLY<br />
WITH LOVE<br />
A Celebration of «Lady Day»<br />
Dee Dee Bridgewater é <strong>um</strong>a<br />
exploradora <strong>que</strong> se move tão à<br />
vonta<strong>de</strong> no repertório americano<br />
como na canção francesa, no<br />
teatro musical e nas origens<br />
africanas do jazz. O seu<br />
novo álb<strong>um</strong> volta-se para as<br />
canções imortalizadas por<br />
Billie Holiday e assinala os 50<br />
anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>saparecimento<br />
prematuro da cantora lendária.<br />
www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />
MEDIA PARTNERS<br />
MECENAS CICLO JAZZ<br />
MECENAS CASA DA MÚSICA<br />
APOIO INSTITUCIONAL<br />
MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />
DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 43
Cinema<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200<br />
Terça, 06<br />
Boomerang!<br />
De Elia Kazan. Com Dana Andrews,<br />
Jane Wyatt, Lee J. Cobb. 88 min.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
O Bobo<br />
De José Alvaro Morais. Com<br />
Fernando Heitor, Paula Gue<strong>de</strong>s, Luís<br />
Lucas. 120 min.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
L’ Oeil <strong>de</strong> Vichy<br />
De Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com Michel<br />
Bou<strong>que</strong>t, Brian Cox. 110 min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Fata Morgana + Visione <strong>de</strong>l<br />
Deserto<br />
Fata Morgana<br />
De Werner Herzog. Com Lotte<br />
Eisner, Eugen Des Montagnes,<br />
Wolfgang von Ungern-Sternberg. 79<br />
min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Quarta, 07<br />
O Quarto Mandamento<br />
The Magnificient Ambersons<br />
De Orson Welles. Com Anne Baxter,<br />
Joseph Cotten, Tim Holt. 85 min.<br />
M12.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
Un Homme Sans L’’occi<strong>de</strong>nt +<br />
Tibesti Too<br />
Un Homme Sans L’’occi<strong>de</strong>nt<br />
De Raymond Depardon. Com Ali<br />
Hamit, Brahim Jiddi, Wodji<br />
Ouardougou. 105 min.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Un Lac<br />
De Philippe Grandrieux. Com<br />
Dimitry Kubasov, Alexei Solonchev,<br />
Natalie Rehorova. 90 min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
A Calúnia + O Fauno das<br />
Montanhas<br />
A Calúnia<br />
De Manuel Luis Vieira. Com Nadine<br />
Menut, Ermelinda Vieira, Maria<br />
Augusta. 85 min.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Aves <strong>de</strong> Rapina<br />
Greed<br />
Amar Foi a Minha Perdição<br />
Leave Her to Heaven<br />
De John M. Stahl. Com Cornel Wil<strong>de</strong>,<br />
Jeanne Crain, Vincent Price. 110 min.<br />
19h - Sala Félix Ribeiro<br />
Fata Morgana + Visione <strong>de</strong>l<br />
Deserto<br />
Fata Morgana<br />
De Werner Herzog. Com Lotte<br />
Eisner, Eugen Des Montagnes,<br />
Wolfgang von Ungern-Sternberg. 79<br />
min.<br />
19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
A Última Sessão<br />
The Last Picture Show<br />
De Peter Bogdanovich. Com Ben<br />
Johnson, Cloris Leachman, Cybill<br />
Shepherd, Ellen Burstyn, Jeff<br />
Bridges, Timothy Bottoms. 115<br />
min.<br />
21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
The Desert People +<br />
Desertert<br />
The Desert<br />
People<br />
De David<br />
Lamelas.<br />
50 min.<br />
22h - Sala Luís<br />
<strong>de</strong> Pina<br />
13h20, 16h05, 18h50, 21h40, 00h30; ZON<br />
Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h30, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h45, 18h35, 21h25,<br />
00h15;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h30, 19h15, 21h55,<br />
00h35; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 1: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30,<br />
22h; Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado 14h, 16h30,<br />
21h15, 23h30 Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />
21h15; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h45,<br />
21h40, 00h30; ZON Lusomundo Par<strong>que</strong> Nascente:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h,<br />
18h50, 21h40, 00h30; ZON Lusomundo Glicínias:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h50, 17h55,<br />
21h, 00h05;<br />
É <strong>um</strong> filme aci<strong>de</strong>ntado, por várias<br />
mortes, e não só a da Heath Ledger.<br />
É verda<strong>de</strong>. Mas não é o caso do<br />
“gran<strong>de</strong> filme <strong>que</strong> nunca foi”. Este<br />
até po<strong>de</strong>rá ser o caso do filme <strong>que</strong><br />
vive do azar <strong>que</strong> o tramou (e até<br />
po<strong>de</strong> ser este o caso do realizador<br />
<strong>que</strong> se alimenta da lenda <strong>de</strong><br />
azarado). Mas está gravado nas<br />
imagens, <strong>de</strong>ste e <strong>dos</strong> outros filmes<br />
<strong>de</strong> Terry Gilliam, <strong>que</strong> o homem é<br />
menos <strong>um</strong> “visionário” e mais <strong>um</strong><br />
(simpático) “impostor”. O <strong>que</strong> até<br />
liga com o bricabra<strong>que</strong> <strong>de</strong><br />
“Parnassus - o homem <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria<br />
enganar o diabo”. Obviamente não é<br />
Fellini <strong>que</strong>m <strong>que</strong>r. Vasco Câmara<br />
Heath Ledger por<br />
Terry Gilliam<br />
De Erich von Stroheim. Com Gibson<br />
Gowland, Jean Hersholt, Zasu Pitts.<br />
120 min. M16.<br />
22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />
Quinta, 08<br />
Relíquia Macabra<br />
The Maltese Falcon<br />
De John Huston. Com Elisha Cook Jr.,<br />
H<strong>um</strong>phrey Bogart, Mary Astor, Peter<br />
Lorre, Sidney Greenstreet. 100 min.<br />
15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />
44 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
DVD<br />
Caixa Robert Wise – Costa<br />
do Castelo<br />
Ma<strong>de</strong>moiselle Fifi<br />
mmmnn<br />
Extras<br />
mmmnn<br />
O Túmulo Vazio<br />
The Body Snatcher<br />
mmmmn<br />
Sem extras<br />
Nasceu para Matar<br />
Born to Kill<br />
mmmmn<br />
Extras<br />
mmnnn<br />
Nobreza <strong>de</strong> Campeão<br />
The Set Up<br />
mmmmn<br />
sem extras<br />
“Nobreza <strong>de</strong> Campeão”: não terá a<br />
gran<strong>de</strong>za <strong>que</strong> se lhe atribuiu na época,<br />
mas mantém <strong>um</strong>a inacreditável força<br />
Cinema<br />
Série B<br />
no coração<br />
Esta caixa vem permitir aos<br />
cinéfilos <strong>de</strong>sinforma<strong>dos</strong><br />
lançar <strong>um</strong> novo olhar sobre<br />
a obra <strong>de</strong> Robert Wise.<br />
Mário Jorge Torres<br />
Robert Wise transformou-se para<br />
muitos sectores da crítica no<br />
protótipo do cineasta mal amado,<br />
sobretudo em função <strong>dos</strong> seus<br />
títulos <strong>de</strong> maior sucesso e<br />
visibilida<strong>de</strong>, ambos amplamente<br />
oscariza<strong>dos</strong>: a <strong>de</strong>spreocupação<br />
açucarada <strong>de</strong> “Música no Coração”<br />
(1965), a fazer cantar as montanhas e<br />
as criancinhas (bem mais divertido<br />
do <strong>que</strong> sempre se propalou), ou a<br />
discutível truculência <strong>de</strong> “Amor Sem<br />
Barreiras/West Si<strong>de</strong> Story” (1961),<br />
este sim <strong>um</strong> perigoso travesti <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
gran<strong>de</strong> musical da Broadway,<br />
irremediavelmente datado e<br />
lacrimejante, apenas resgatável pelo<br />
arrojo coreográfico <strong>de</strong> Jerome<br />
Robbins. A partir <strong>de</strong>sta leitura<br />
parcelar e facciosa, insistiu-se em<br />
fazer tábua rasa <strong>de</strong> tudo o resto,<br />
rejeitando <strong>de</strong> forma quase liminar<br />
<strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais influentes filmes <strong>de</strong><br />
ficção científica, “O Dia em <strong>que</strong> a<br />
Terra Parou” (1951), <strong>um</strong> curioso<br />
“pepl<strong>um</strong>” precursor do muito <strong>que</strong><br />
estava para vir em termos <strong>de</strong><br />
cooperação ítalo-americana,<br />
“Helena <strong>de</strong> Tróia” (1955), <strong>um</strong><br />
interessante “western” impuro,<br />
“Honra a <strong>um</strong> Homem Mau” (1956),<br />
com <strong>um</strong> fabuloso James Cagney, <strong>um</strong><br />
<strong>dos</strong> mais complexos “filmes <strong>de</strong><br />
boxe”, “Marcado pelo Ódio” (1956),<br />
a dar a Paul Newman <strong>um</strong> <strong>dos</strong> seus<br />
primeiros <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> papéis, o<br />
melodrama comedido <strong>de</strong> “Quero<br />
Viver” (1958), a comedia amarga <strong>de</strong><br />
“Baloiço para Dois” (1962), o<br />
estilizado terror <strong>de</strong> “A Casa Maldita”<br />
(1963), ou, pior do <strong>que</strong> tudo, a fase<br />
RKO <strong>dos</strong> seus primórdios como<br />
realizador (1944-1949), prova<br />
provada <strong>de</strong> como a série B se lhe<br />
ajustava como <strong>um</strong>a luva. Decidiu-se<br />
precipitadamente <strong>que</strong> percurso <strong>de</strong><br />
Wise pelos géneros não exibia estilo<br />
próprio e <strong>que</strong> tudo o <strong>que</strong> <strong>de</strong> bom<br />
fizera se <strong>de</strong>vera sempre à<br />
contribuição <strong>de</strong> outros.<br />
Esta caixa, em excelentes cópias,<br />
vem repor alg<strong>um</strong>a justiça e permitir<br />
aos cinéfilos <strong>de</strong>sinforma<strong>dos</strong> lançar<br />
<strong>um</strong> novo olhar sobre a sua obra,<br />
precisamente centrado sobre os<br />
pe<strong>que</strong>nos filmes produzi<strong>dos</strong> na RKO,<br />
com poucos meios e muitas vezes<br />
com actores incipientes ou <strong>de</strong><br />
segunda linha, prolongando <strong>de</strong> certo<br />
modo a sua in<strong>que</strong>stionável força <strong>de</strong><br />
montador <strong>de</strong> duas das obras-primas<br />
<strong>de</strong> Orson Welles: “O Mundo a Seus<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
“Nasceu para Matar”: “film<br />
noir”, atmosférico e atabafante, é<br />
surpresa maior da colectânea<br />
Pés” (1941) e “O 4º Mandamento”<br />
(1942) <strong>que</strong> salvou, inclusive, da pior<br />
das sortes, a <strong>de</strong> nunca ter existido.<br />
Cronologicamente, o primeiro <strong>de</strong><br />
to<strong>dos</strong> (o opus 1, o excelente “A<br />
Maldição da Pantera”, co-realizado<br />
com Gunther Von Fritsch, já existe<br />
como extra <strong>de</strong> “Cat People”, no<br />
catálogo da editora) é “Ma<strong>de</strong>moiselle<br />
Fifi” (1944), estranhíssimo filme <strong>de</strong><br />
propaganda, adaptando a novela <strong>de</strong><br />
Guy <strong>de</strong> Maupassant, em <strong>que</strong> a<br />
invasão da França durante a guerra<br />
Franco-Prussiana serve <strong>de</strong> metáfora<br />
da Gran<strong>de</strong> Guerra: a resistência<br />
passiva <strong>de</strong> <strong>um</strong>a jovem lava<strong>de</strong>ira<br />
(espantosa Simone Simon, quase<br />
sonâmbula) à confraternização com<br />
o inimigo <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia fantasmas<br />
renova<strong>dos</strong> e encena preciosos<br />
momentos <strong>de</strong> interiorida<strong>de</strong> (filma-se<br />
com certeira singeleza o interior <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a carruagem, a claustrofóbica<br />
torre <strong>de</strong> <strong>um</strong>a igreja ou as salas <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a estalagem, bem <strong>de</strong>limitadas “à<br />
Welles”, com escadas e<br />
travejamentos do tecto), com <strong>um</strong><br />
forte sentido da <strong>de</strong>coração <strong>de</strong> época,<br />
bem como <strong>de</strong> gosto pelo pormenor,<br />
muito mais próximo <strong>de</strong> Wise (a<br />
lembrar a posterior parafernália<br />
tragicómica <strong>dos</strong> símbolos nazis em<br />
Trevor, no centro da narrativa,<br />
constrói <strong>um</strong>a <strong>de</strong>smedida “femme<br />
fatale”, vítima <strong>de</strong> si-própria e<br />
carrasco <strong>dos</strong> homens vulneráveis<br />
<strong>que</strong> <strong>de</strong>la se acercam – o impulsivo<br />
assassino (o excelente Lawrence<br />
Tierney), o masoquista comparsa<br />
<strong>de</strong>ste (Elisha Cook Jr., frágil e<br />
diminuto, a lembrar outras<br />
personagens, como a <strong>de</strong> “À Beira do<br />
Abismo”) ou o venal <strong>de</strong>tective <strong>de</strong><br />
Walter Slezak. Tudo medido ao<br />
milímetro, entre “raccords” <strong>de</strong><br />
telefones e sombras omnipresentes<br />
nos rostos e nos corpos. Como extra,<br />
temos <strong>um</strong> “insignificante”<br />
filmezinho <strong>de</strong> tribunal, “Entre Dois<br />
Fogos”/ “Criminal Court” (1946),<br />
ainda assim da maior relevância<br />
para enten<strong>de</strong>r como o telefilme da<br />
década seguinte instr<strong>um</strong>entaliza as<br />
menorida<strong>de</strong>s da série B, na sua<br />
lógica narrativa: parece o<br />
antepassado rarefeito <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
episódio <strong>de</strong> “Perry Mason”,<br />
recheado <strong>de</strong> reviravoltas <strong>de</strong> enredo e<br />
<strong>de</strong> personagens estereotipadas e<br />
irónicas, sempre consciente do valor<br />
<strong>de</strong> cada pormenor e <strong>de</strong> cada plano.<br />
“Nobreza <strong>de</strong> Campeão” (1949), o<br />
mais conhecido <strong>de</strong> to<strong>dos</strong>, dispensa<br />
encómios pelo modo como revisita<br />
os bastidores do boxe (cerca <strong>de</strong><br />
meta<strong>de</strong> do filme <strong>de</strong>corre no espaço<br />
fechado da sala on<strong>de</strong> os chegam os<br />
ecos <strong>dos</strong> combates e on<strong>de</strong> os<br />
pugilistas interiorizam os seus<br />
me<strong>dos</strong> e <strong>sonhos</strong> frustra<strong>dos</strong>) e como<br />
integra a figura do herói envelhecido<br />
(sublime Robert Ryan) n<strong>um</strong>a noite,<br />
povoada <strong>de</strong> sombras e <strong>de</strong> néons,<br />
entrevista <strong>de</strong> <strong>um</strong>a janela aberta ao<br />
mundo ameaçador das lutas<br />
forjadas, do gangsterismo<br />
ameaçador, do impasse do sonho<br />
americano. As sequências <strong>de</strong> boxe<br />
primam pela montagem artificiosa (é<br />
sobretudo a visão <strong>de</strong> <strong>um</strong> montador)<br />
e pelo gosto (por vezes <strong>de</strong>masiado<br />
ostensivo) da mudança <strong>de</strong> escala,<br />
entre planos <strong>de</strong> conjunto da<br />
multidão ululante e <strong>de</strong>nuncia<strong>dos</strong><br />
“close-ups”: não terá a gran<strong>de</strong>za <strong>que</strong><br />
se lhe atribuiu na época, mas<br />
mantém <strong>um</strong>a inacreditável força<br />
representativa, a mostrar como vale<br />
a pena <strong>de</strong>safiar i<strong>de</strong>ias feitas e ver os<br />
filmes.<br />
direcção artística Cesário Costa<br />
“Música no Coração”) do <strong>que</strong> do<br />
produtor Val Lewton, a <strong>que</strong>m to<strong>dos</strong><br />
atribuem a “autoria”. Como extra,<br />
METROPOLITANA<br />
T E M P O R A D A 2 0 0 9 | 2 0 1 0<br />
<strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na pérola <strong>de</strong>sconhecida,<br />
“Mistério no México”/ “Mistery in<br />
Mexico” (1948), “thriller”<br />
económico, com extraordinários<br />
“raccords” e <strong>um</strong> <strong>de</strong>licioso sabor a<br />
exótico, aproveitando o pretexto <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> colar cobiçado pelo vilão e<br />
<strong>de</strong>fendido por dois <strong>de</strong>tectives <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a agência <strong>de</strong> seguros. O cuidado<br />
com a atmosfera “noir” aparece<br />
contrabalançado por <strong>um</strong>a forte <strong>dos</strong>e<br />
<strong>de</strong> h<strong>um</strong>or, tendo a perfeita noção do<br />
“timing” e do efeito da pobreza<br />
representativa <strong>de</strong> meios, sem <strong>um</strong><br />
minuto a per<strong>de</strong>r.<br />
“O Túmulo Vazio” (1945), fábula<br />
gótica, livremente inspirada em<br />
Concerto <strong>de</strong> Páscoa<br />
Sexta-feira, 2 <strong>de</strong> Abril, 21h30 – Aula Magna<br />
Stevenson, requinta nos <strong>de</strong>lírios do<br />
Ana Quintans soprano<br />
Armando Possante barítono<br />
“chiaroscuro” e encaixa na estética<br />
Lewton, não sem <strong>que</strong> se perceba no Håkan Rosengren clarinete Robertas Šervenikas direcção musical<br />
romantismo patético da história da<br />
Coro Sinfónico Lisboa Cantat · Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />
criança hemiplégica <strong>um</strong> to<strong>que</strong><br />
melodramático atribuível a Wise:<br />
CARL NIELSEN – Concerto para Clarinete e Or<strong>que</strong>stra, Op. 57<br />
tudo o resto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sardónica<br />
GABRIEL FAURÉ – Requiem, Op. 48<br />
personagem <strong>de</strong> Karloff ou a rábula<br />
<strong>de</strong> Bela Lugosi, até às <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras<br />
fantasias visuais da morta<br />
transfigurada e fantasmática,<br />
c<strong>um</strong>pre o programa <strong>de</strong> <strong>um</strong> terror<br />
controlado e eficaz, jogado em<br />
sombras e <strong>de</strong>lírios consentâneos<br />
com <strong>um</strong> expressionismo longínquo e<br />
adaptado à tensa brevida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
pouco mais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a hora – a lição da<br />
série B em todo o seu esplendor.<br />
OML Júnior<br />
Sábado, 3 <strong>de</strong> Abril, 18h00 – Teatro Camões<br />
Concerto <strong>de</strong> encerramento do Workshop da Páscoa 2010<br />
Pedro Neves e Rui Carreira direcção musical<br />
“Nasceu para Matar” (1947)<br />
constitui a surpresa maior da<br />
colectânea. Este “film noir”,<br />
+info: www.metropolitana.pt · telefone: 213 617 320<br />
atmosférico e atabafante, veicula<br />
<strong>um</strong>a visão universal do Mal <strong>que</strong> se<br />
agarra às personagens como <strong>um</strong><br />
vício ou <strong>um</strong>a inevitabilida<strong>de</strong>, sem<br />
tréguas, nem meias medidas: Claire<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 45
Concertos<br />
27 DE MARÇO A 11 DE ABRIL*<br />
ESTÚDIO ZERO<br />
TRADUÇÃO | MARIA HERMÍNIA BRANDÃO<br />
ENCENAÇÃO | JOÃO CARDOSO<br />
CENOGRAFIA | SISSA AFONSO<br />
FIGURINOS | BERNARDO MONTEIRO<br />
DESENHO DE LUZ | NUNO MEIRA<br />
SONOPLASTIA | FRANCISCO LEAL<br />
INTERPRETAÇÃO | ROSA QUIROGA<br />
*excepto 4 <strong>de</strong> Abril<br />
M12<br />
COMPANHIA SUBSIDIADA POR:<br />
APOIO DE:<br />
Clássica<br />
Excelência<br />
juvenil<br />
Entre 8 e 16 <strong>de</strong> Abril<br />
a Or<strong>que</strong>stra Juvenil<br />
Gustav Mahler estará em<br />
residência na Gulbenkian.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Regresso<br />
A Or<strong>que</strong>stra Juvenil Gustav Mahler regressa<br />
a Portugal para realizar três concertos<br />
Um ano<br />
após a<br />
morte <strong>de</strong> João<br />
Aguar<strong>de</strong>la, A<br />
Naifa está <strong>de</strong> volta.<br />
Sob a forma <strong>de</strong> livro dvd<br />
Or<strong>que</strong>stra Juvenil Gustav Mahler<br />
Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 5ª às 19h00. Tel.:<br />
217823700. 12,5€ a 25€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório. Obras <strong>de</strong><br />
Strauss, Janacek e Stravinsky.<br />
A Or<strong>que</strong>stra Juvenil Gustav Mahler<br />
(OJGM), formação <strong>que</strong> no ano<br />
passado protagonizou <strong>um</strong>a<br />
memorável interpretação da Sinfonia<br />
nº3 <strong>de</strong> Mahler no Coliseu <strong>de</strong> Lisboa,<br />
regressa a Portugal para realizar três<br />
concertos no âmbito do ciclo<br />
Or<strong>que</strong>stra Convidadas e em<br />
Residência da temporada<br />
Gulbenkian. O primeiro (dia 8, às<br />
19h) será preenchido com <strong>um</strong><br />
aliciante programa on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>remos<br />
apreciar separadamente os seu<br />
excelentes instr<strong>um</strong>entistas <strong>de</strong> cordas<br />
e sopros. Serão interpreta<strong>dos</strong> o<br />
Prelúdio para Sexteto <strong>de</strong> Cordas da<br />
ópera “Capriccio” e “Metamorfoses”,<br />
estudo para 23 instr<strong>um</strong>entos <strong>de</strong><br />
cordas solistas, <strong>de</strong> Richard Strauss;<br />
“Mladi” ( Juventu<strong>de</strong>), para sexteto <strong>de</strong><br />
sopros, <strong>de</strong> Leos Janacék; e o Octeto<br />
para sopros, <strong>de</strong> Igor Stravinsky. No<br />
dia 11, a OJGM tocará o “Adagio” da<br />
Sinfonia nº10, <strong>de</strong> Mahler, e a Sinfonia<br />
nº 13, <strong>de</strong> Chostakovich, sob a<br />
direcção <strong>de</strong> David Afkham, e no dia<br />
16 regressa à música <strong>de</strong><br />
Chostakovitch e R. Strauss sob a<br />
batuta <strong>de</strong> Antonio Pappano e tendo<br />
como solista a jovem violoncelista<br />
coreana Han-na Chang.<br />
Criada em 1986 pelo maestro<br />
Claudio Abbado, a OJGM <strong>de</strong>stinava-se<br />
inicialmente à colaboração entre os<br />
jovens instr<strong>um</strong>entistas austríacos e os<br />
seus colegas das então Repúblicas<br />
Socialistas da Checoslováquia e da<br />
Hungria. A partir <strong>de</strong> 1992, a or<strong>que</strong>stra<br />
passou a admitir também elementos a<br />
partir <strong>dos</strong> 26 anos, provenientes <strong>de</strong><br />
toda a Europa e selecciona<strong>dos</strong> em<br />
biográfico <strong>dos</strong> primeiros<br />
quatro anos <strong>de</strong> carreira<br />
e digressão nacional.<br />
Neste regresso aos<br />
palcos, Luís Varatojo<br />
e Maria Antónia<br />
audições anuais feitas em mais <strong>de</strong> 25<br />
cida<strong>de</strong>s por <strong>um</strong> júri presidido por<br />
Claudio Abbado. A maior parte <strong>dos</strong><br />
membros transita <strong>de</strong>pois para as<br />
principais or<strong>que</strong>stras mundiais,<br />
beneficiando assim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
experiência prévia ao mais alto nível.<br />
A OJGM tem sido dirigida por<br />
maestros <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> envergadura<br />
(além <strong>de</strong> Abbado <strong>de</strong>stacam-se Boulez,<br />
Haitink, Jansons, Ozawa e Welser-<br />
Möst) e tem colaborado com solistas<br />
tão ilustres como Martha Argerich,<br />
Yuri Bashmet, Evgeni Kissin, Radu<br />
Lupu, Anne-Sophie Mutter, Jessye<br />
Norman, Anne Sofie von Otter ou<br />
Maxim Vengerov. O seu repertório<br />
esten<strong>de</strong>-se da música clássica até à<br />
contemporânea, mas são as <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />
Fernando Miguel Jalôto: cravo e direcção<br />
do Ludovice Ensemble<br />
Men<strong>de</strong>s contam com a<br />
companhia <strong>de</strong> Sandra<br />
Baptista (ex-Sitia<strong>dos</strong>)<br />
no baixo e <strong>de</strong> Samuel<br />
Palitos (ex-Sitia<strong>dos</strong> e<br />
Censura<strong>dos</strong>) na bateria.<br />
obras sinfónicas do século XIX e do<br />
Romantismo tardio <strong>que</strong> formam o seu<br />
núcleo principal <strong>de</strong> especialização.<br />
Cantatas francesas<br />
pelo Ludovice<br />
Ensemble<br />
Ludovice Ensemble<br />
Fernando Miguel Jalôto (cravo e<br />
direcção), Hugo Oliveira (barítono)<br />
Lisboa, Instituto Franco-Português, dia 7, às 19h<br />
(transmissão em directo pela RDP-Antena 2).<br />
Espinho, Auditório <strong>de</strong> Espinho, dia 8, às 21h30.<br />
Fundado em 2004 pelo cravista<br />
Fernando Miguel Jalôto e pela flautista<br />
Joana Amorim, o Ludovice Ensemble<br />
é <strong>um</strong> agrupamento <strong>de</strong> câmara<br />
especializado na interpretação <strong>de</strong><br />
música antiga <strong>que</strong> tem centrado a sua<br />
activida<strong>de</strong> no repertório <strong>dos</strong> séculos<br />
XVII e XVIII, com <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> para a<br />
música francesa. O nome do grupo<br />
p<strong>resta</strong> homenagem ao arquitecto e<br />
ourives alemão Johann Friedrich<br />
Ludwig (1673-1752) <strong>que</strong> esteve ao<br />
serviço <strong>de</strong> D. João V e foi <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />
pilares da reforma artística e cultural<br />
efectuada pelo Rei Magnânimo.<br />
Sediado em Portugal, o Ludovice<br />
Ensemble conta com a colaboração<br />
<strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entistas e cantores <strong>de</strong><br />
várias nacionalida<strong>de</strong>s, cujo número<br />
varia em função <strong>dos</strong> projectos.<br />
Testemunho do salto qualitativo <strong>que</strong><br />
a música antiga <strong>de</strong>u em Portugal<br />
graças à formação especializada <strong>que</strong><br />
<strong>um</strong> consi<strong>de</strong>rável número <strong>de</strong> jovens<br />
músicos obteve no estrangeiro, o<br />
Ludovice Ensemble distingue-se pelo<br />
cuidado na concepção <strong>dos</strong> seus<br />
programas, os quais dão gran<strong>de</strong><br />
atenção ao contexto histórico e<br />
remetem para áreas temáticas<br />
específicas, escolas estilísticas ou<br />
relações com outras artes.<br />
46 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Concertos<br />
Tem nome <strong>de</strong> multidão<br />
mas é <strong>um</strong> duo. Susanna<br />
and The Magical Orchestra<br />
é o projecto <strong>que</strong>, pela<br />
mão <strong>de</strong> Morten Qvenild,<br />
combina elementos da pop,<br />
da electrónica e do jazz em<br />
ambientes hipnóticos aos<br />
quais somos conduzi<strong>dos</strong><br />
pelo canto <strong>de</strong> sereia <strong>de</strong><br />
Susanna Wall<strong>um</strong>rød. Os<br />
noruegueses têm tripla<br />
data marcada para o<br />
nosso país – Ovar (Centro<br />
<strong>de</strong> Arte, dia 9), Braga<br />
(Theatro Circo, 10) e<br />
Lisboa (Teatro Maria <strong>de</strong><br />
Matos, 12).<br />
Jorge Cruz com<br />
Diabo na Cruz<br />
Agenda<br />
sexta 2<br />
Santos & Jahmmin Band<br />
Lisboa. Armazém F. R. Cintura Porto Lisboa,<br />
Armazém 65, Cais do Gás, às 00h00. Tel.:<br />
213220160. 20€. Pré-venda: 18€.<br />
Black Uhuru, Burning Spear, Bob<br />
Marley... Os <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> do reggae<br />
pairam sobre “Escape from Babylon”,<br />
<strong>de</strong> Alborosie. O músico, <strong>que</strong> é<br />
apontado como <strong>um</strong>a das maiores<br />
esperanças da música jamaicana,<br />
mostra como se fazem pontes entre a<br />
herança e os dias <strong>de</strong> hoje.<br />
Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong><br />
Lisboa<br />
Direcção Musical: Boguslav<br />
Dawidow. Com Hakan Rosengren<br />
(clarinete), Ana Quintans (soprano),<br />
Armando Possante (barítono). Com<br />
Coro Sinfónico Lisboa Cantat.<br />
Lisboa. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h30.<br />
Tel.: 217967624. Entrada livre.<br />
13.º Encontro Internacional <strong>de</strong><br />
Clarinete <strong>de</strong> Lisboa.<br />
Rodrigo Amado Quarteto + Luís<br />
Lopes<br />
Lisboa. Galeria Zé <strong>dos</strong> Bois. R. da Barroca, 59 -<br />
Bairro Alto, às 23h00. Tel.: 213430205. 6€.<br />
Samuel Úria<br />
Guimarães. CC Vila Flor. Av. D. Afonso Henri<strong>que</strong>s,<br />
701, às 00h00. Tel.: 253424700. 4€.<br />
Diabo Na Cruz<br />
Com Jorge Cruz (guitarra e voz), B<br />
Fachada (viola braguesa e voz),<br />
Bernardo Barata (baixo e voz), João<br />
Gil (sintes), João Pinheiro (bateria e<br />
percussão).<br />
Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Pç. da<br />
Republica, 39, às 22h00. Tel.: 245307498. 5€. No<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório. M4.<br />
Claire Michael Quarteto<br />
Com Thierry Le Gall (bateria),<br />
Patrick Chartol (baixo), Jean-Michel<br />
Vallet (piano), Claire Michael<br />
(saxofones; flute e voz).<br />
Lisboa. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7 - ao Campo das<br />
Cebolas, às 22h30. Tel.: 919184867. 7€.<br />
Virgem Suta<br />
Igreja. Kastrus River Klub. Av. Eng. Arantes Oliveira<br />
- Complexo das Piscinas, às 23h00. Tel.: 962557267.<br />
sábado 3<br />
Carminho<br />
Vilamoura. Tivoli Marina. Sáb, 21h30. Tel.:<br />
289303303. 15€.<br />
Vânia Fernan<strong>de</strong>s + Júlio<br />
Resen<strong>de</strong><br />
Lisboa. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7 - ao<br />
Campo das Cebolas, às 22h30.<br />
Tel.: 919184867. 7€.<br />
Gomo<br />
Tomar. Cine-Teatro Paraíso.<br />
R. da Infantaria, 15 - Ed.<br />
Teatro, às 21h30. Tel.: 249329190. 9190.<br />
5€.<br />
Tomar Jovem 2010.<br />
Apresentação <strong>de</strong><br />
“Nosy”. Cinco anos <strong>de</strong>pois, Gomo<br />
regressa com mais música colorida,<br />
animada e exuberante. “Nosy” é o<br />
novo trabalho, <strong>que</strong> vai ser<br />
apresentado em Tomar, a 3 <strong>de</strong> Abril.<br />
Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />
Direcção Musical: António Vassalo<br />
Lourenço. Com José Corvelo (baixo),<br />
João Cipriano Martins (tenor), Paula<br />
Dória (mezzo-soprano), Isabel<br />
Alcobia (soprano). Com Coro<br />
Odysseia, Coro Regina Coeli.<br />
Óbi<strong>dos</strong>. Santuário do Senhor Jesus da Pedra. Lg.<br />
Igreja Senhor da Pedra, às 18h00. 5€.<br />
Diabo Na Cruz<br />
Com Jorge Cruz (guitarra e voz), B<br />
Fachada (viola braguesa e voz),<br />
Bernardo Barata (baixo e voz), João<br />
Gil (sintes), João Pinheiro (bateria e<br />
percussão).<br />
Sines. Centro <strong>de</strong> Artes. R. Cândido <strong>dos</strong> Reis (centro<br />
histórico), às 21h30. Tel.: 269860080. 5€.<br />
Kirk Lightsey<br />
Olival Basto. CC da Malaposta. R. Angola, às 21h30.<br />
Tel.: 219383100. 10€ (sujeito a <strong>de</strong>sconto). No<br />
auditório.<br />
domingo 4<br />
JazzMingus<br />
Lisboa. R. <strong>dos</strong> Bacalhoeiros, 125 - 2º, às 21h30. Tel.:<br />
218864891.<br />
Com Cat’s Craddle e Dubfunkey (dia<br />
4), Oh It’s Better Again e<br />
JellyJ<strong>um</strong>pers (dia 11), Selma Uamusse<br />
Nu-Jazz Ensemble e DJ Or<strong>que</strong>stra<br />
Invisível (dia 18), Rita Martins & Ana<br />
Paula Sousa e DJ Or<strong>que</strong>stra Invisível<br />
(dia 25).<br />
segunda 5<br />
Leaves Eyes<br />
Lisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />
Santiago, 19. 2ª às 21h30. Tel.: 218884503. 22€.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “Njord”.<br />
terça 6<br />
Lisa Germano + Philip Selway<br />
Lisboa. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h00<br />
(portas abrem às 20h). Tel.: 217967624. 22€ a 30€.<br />
Dee Dee Bridgewater<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>, às 22h00. Tel.: 220120220. 30€.<br />
Jantar-concerto: 45€. Na Sala Suggia.<br />
To Billie with Love - A Celebration of<br />
“Lady Day”. 5 Anos Casa da Música.<br />
Carlos Barretto Trio: Lokomotiv<br />
Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175, às<br />
21h30. Tel.: 213103400. 5€. Na Sala 1. M4.<br />
quarta 7<br />
Tokio Hotel<br />
Lisboa. Pavilhão Atlântico. Pq. das Nações, às 19h30<br />
(portas abrem às 18h). Tel.: 218918409. 8 28€ a 40€.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “H<strong>um</strong>anoid”.<br />
Lisa Germano +<br />
Philip<br />
Selway<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>. 4ª às 21h30. Tel.: 220120220. 22€. Na<br />
Sala 2.<br />
Red Trio + John Butcher<br />
Com Rodrigo Pinheiro (piano),<br />
Hernâni Faustino (contrabaixo),<br />
Gabriel Ferrandini (bateria), John<br />
Butcher (saxofone).<br />
Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD, às<br />
21h30. Tel.: 217905155. 5€. No Pe<strong>que</strong>no Auditório. M 12.<br />
Ciclo Isto É Jazz?<br />
Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />
Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175, às<br />
21h30. Tel.: 213103400. 18€ a 30€.<br />
Na Sala 1. Apresentação <strong>de</strong><br />
“Penínsulas & Continentes”.<br />
quinta 8<br />
Sepultura + Crowbar + Hamlet +<br />
Armed For Apocalypse<br />
Corroios. Cine-Teatro do Ginásio Clube. R. Ginásio<br />
Clube <strong>de</strong> Corroios, 19, às 20h00 (portas abrem às<br />
19h). Tel.: 212532666. 25€. Pré-venda: 23€.<br />
Foge Foge Bandido<br />
Lisboa. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h30.<br />
Tel.: 217967624. 18€ a 22,5€.<br />
Apresentação <strong>de</strong> “O Amor Dá-me<br />
Tesão.<br />
Não Fui Eu <strong>que</strong> Estraguei”. Manel<br />
Cruz, o ex-Ornatos Violeta dotado <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a veia lírica ímpar, lançou-se<br />
recentemente a solo. Foge Foge<br />
Bandido é o nome do projecto com<br />
<strong>que</strong> se apresenta.<br />
Diabo Na Cruz<br />
Com Jorge Cruz (guitarra e voz), B<br />
Fachada (viola braguesa e voz),<br />
Bernardo Barata (baixo e voz), João<br />
Gil (sintes), João Pinheiro (bateria e<br />
percussão).<br />
Guarda. Teatro Municipal da Guarda. R. Batalha<br />
Reis, 12, às 22h00. Tel.: 271205241. 4€.<br />
Café-concerto. Apresentação <strong>de</strong><br />
“Virou!”.<br />
Red Trio + John Butcher<br />
Com Rodrigo Pinheiro (piano),<br />
Hernâni Faustino (contrabaixo),<br />
Gabriel Ferrandini (bateria), John<br />
Butcher (saxofone).<br />
Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Praça da<br />
Republica, 39, às 22h00. Tel.: 245307498. 5€. No<br />
Pe<strong>que</strong>no Auditório. M4.<br />
Samuel Úria<br />
No dia 7, às 19h, o Ludovice<br />
Ensemble apresenta no Instituto<br />
Franco-Português, em Lisboa, o<br />
programa “Amour, viens animer ma<br />
voix !”, composto por cantatas<br />
francesas do início do século XVIII,<br />
com a colaboração do barítono Hugo<br />
Oliveira. O concerto será transmitido<br />
em directo pela RDP-Antena 2 e<br />
repetido no dia seguinte, às 21h30, no<br />
Auditório <strong>de</strong> Espinho. O programa<br />
versa temáticas como os mitos <strong>de</strong><br />
Orfeu e Pigmalião e inclui as cantatas<br />
“Pygmalion”, <strong>de</strong> Clérambault; “Le<br />
Jaloux”, <strong>de</strong> Campra; “L’Enlévement<br />
d’Orithie”, <strong>de</strong> Montéclair; e “Orphée”,<br />
<strong>de</strong> Courbois; bem como trechos<br />
instr<strong>um</strong>entais (“Concerts <strong>de</strong><br />
Simphonies”) <strong>de</strong> Dornell. C.F.<br />
O mais sereno <strong>dos</strong><br />
“Requiem”<br />
Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong><br />
Lisboa<br />
Coro Sinfónico Lisboa Cantat<br />
Ana Quintans (soprano), Armando<br />
Possante (barítono), Hakan<br />
Rosengren (clarinete), Robertas<br />
Servenikas (direcção)<br />
Lisboa, Aula Magna da Reitoria da Universida<strong>de</strong><br />
Clássica, dia 2, às 21h30.<br />
“É tão suave como eu”, escreveu<br />
Gabriel Fauré (1845-1924) n<strong>um</strong>a carta<br />
a <strong>um</strong> amigo a propósito do seu<br />
“Requiem”, obra <strong>que</strong> troca o<br />
dramatismo da morte expresso pela<br />
maior parte <strong>dos</strong> compositores <strong>que</strong> o<br />
prece<strong>de</strong>ram pela serenida<strong>de</strong><br />
consoladora e por <strong>um</strong>a estética<br />
<strong>de</strong>spojada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a beleza etérea.<br />
“Mais do <strong>que</strong> o terror da morte, o<br />
meu Requiem expressa o sossego do<br />
<strong>de</strong>scanso eterno. É assim <strong>que</strong> eu<br />
visualizo a morte: <strong>um</strong>a feliz re<strong>de</strong>nção,<br />
<strong>um</strong>a aspiração a <strong>de</strong>leites mais<br />
eleva<strong>dos</strong> e não <strong>um</strong>a transição lúgubre<br />
para <strong>um</strong> sinistro <strong>de</strong>sconhecido”,<br />
escreveu o compositor.<br />
Foi esta obra célebre, estreada<br />
n<strong>um</strong>a versão mais reduzida em 1888<br />
na Igreja da Ma<strong>de</strong>leine <strong>de</strong> Paris e<br />
objecto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a or<strong>que</strong>stração mais<br />
ampla para a apresentação em 1900<br />
por ocasião da Exposição<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 47
Concertos<br />
Regresso<br />
Robert Plant vai<br />
ressuscitar <strong>um</strong>a banda<br />
para lançar novo disco -<br />
entre o Verão e o Outono<br />
- e voltar à estrada, mas<br />
arrefeçam os ânimos:<br />
não são os Led Zeppelin.<br />
Band of Joy é o nome <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> projecto <strong>que</strong> Plant e<br />
o baterista John Bonham<br />
criaram ainda antes<br />
<strong>de</strong> se tornarem lendas<br />
da música. O vocalista<br />
recrutou quatro novos<br />
elementos com os quais,<br />
em Julho, vai percorrer<br />
doze palcos norteamericanos.<br />
Universal da capital francesa, <strong>que</strong><br />
a Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />
seleccionou para o seu Concerto <strong>de</strong><br />
Páscoa <strong>de</strong>ste ano. Hoje, às 21h30,<br />
será possível apreciar a sua<br />
interpretação na Aula Magna da<br />
Reitoria da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa,<br />
sob a direcção <strong>de</strong> Robertas<br />
Servenikas. Serão solistas a soprano<br />
Ana Quintans – a <strong>que</strong>m cabe <strong>um</strong>a<br />
das passagens mais famosas da<br />
composição (“Pie Jesu”) — e o<br />
barítono Armando Possante. O<br />
programa do concerto inclui ainda<br />
<strong>um</strong>a peça relativamente pouco<br />
interpretada: o Concerto para<br />
Clarinete e Or<strong>que</strong>stra, Op. 57, do<br />
compositor dinamarquês Carl<br />
Nielsen (1865-1931), com Hakan<br />
Rosengren como solista. C.F.<br />
Pop<br />
Phil Selway não<br />
é só baterista <strong>dos</strong><br />
Radiohead<br />
Philip Selway+ Lisa Germano<br />
Lisboa. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, 3ª, 6, às<br />
21h00 (portas abrem às 20h). Tel.: 217967624. 22€ a<br />
30€.<br />
Philip Selway + Lisa Germano<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>. 4ª, 7, às 21h30. Tel.: 220120220. 22€.<br />
Na Sala 2.<br />
Estamos habitua<strong>dos</strong> a vê-lo no fundo<br />
do palco, <strong>de</strong> crânio luzidio e bom<br />
to<strong>que</strong> <strong>de</strong> ba<strong>que</strong>ta, mas Phil Selway, o<br />
baterista <strong>dos</strong> Radiohead, não é<br />
“apenas o baterista”. Selway pega na<br />
guitarra e canta e, se já o faz <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
2001 nos 7 Worlds Colli<strong>de</strong>, a banda<br />
<strong>de</strong> beneficência reunida por Neil<br />
Finn, o ex-Crow<strong>de</strong>d House, agora<br />
tudo é mais sério. Está a gravar <strong>um</strong><br />
álb<strong>um</strong> a solo e marcou <strong>um</strong>a<br />
digressão para mostrar as suas<br />
canções Europa fora. Actua em<br />
Portugal terça-feira, no Pe<strong>que</strong>no<br />
Auditório do Centro Cultural <strong>de</strong><br />
Belém (o concerto esteve marcado<br />
para a Aula Magna, mas o local foi<br />
alterado esta semana), sobe ao<br />
Porto, à Casa da Música, no dia<br />
seguinte, e vem em boa companhia.<br />
Lisa Germano, a cantora <strong>de</strong><br />
neuroses e psicoses, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a invulgar<br />
violência lírica, ela <strong>que</strong> marcou a<br />
década <strong>de</strong> 1990 com álbuns como<br />
“Excerpts from a love circus”,<br />
conheceu Selway nos 7 Worlds<br />
Colli<strong>de</strong> e ocupar-se-á das primeiras<br />
partes <strong>dos</strong> concertos. Reúne-se<br />
<strong>de</strong>pois ao baterista <strong>que</strong> não é só<br />
baterista e, com a companhia do<br />
baixista Sebastian Steinberg, o trio<br />
apresentará em formato mais<br />
<strong>de</strong>spido a música do álb<strong>um</strong> <strong>que</strong><br />
ouviremos no final do ano. Selway<br />
está a gravá-lo com os companheiros<br />
<strong>de</strong> digressão, mas também com dois<br />
Wilco, o baterista Glenn Kotche e o<br />
multi-instr<strong>um</strong>entista Pat Sansone.<br />
A banda <strong>que</strong><br />
Tarantino ainda não<br />
<strong>de</strong>scobriu<br />
Vermillion Sands + Black Leather<br />
Leiria, Orfeão Velho, hoje, 22h30; tel.: 962312547 /<br />
910255776. Bilhetes a 5€ (sócios Fa<strong>de</strong> In), 6€ (venda<br />
antecipada) e 7,5€ (no próprio dia)<br />
Algures n<strong>um</strong>a crítica escreve-se <strong>que</strong><br />
os Vermillion Sands são a banda<br />
<strong>que</strong> Quentin Tarantino ainda não<br />
<strong>de</strong>scobriu. E se não os <strong>de</strong>scobriu,<br />
ele <strong>que</strong> é homem atento, será<br />
menos por <strong>de</strong>satenção e mais<br />
por<strong>que</strong> é difícil pôr a vista em cima<br />
<strong>de</strong>sta banda. Falamos, afinal, <strong>de</strong><br />
pessoal <strong>que</strong> resgatou nome a <strong>um</strong><br />
livro <strong>de</strong> contos <strong>de</strong> J.G. Ballard, <strong>que</strong><br />
edita pela Fat Poss<strong>um</strong> e <strong>que</strong> toca<br />
<strong>um</strong> rock’n’roll mais americano <strong>que</strong><br />
a América, com <strong>um</strong>a magnífica<br />
vocalista <strong>de</strong> timbre familiar ao da<br />
igualmente magnífica Holy<br />
Golighlty. Acontece <strong>que</strong> os<br />
Vermillion Sands, pessoal <strong>de</strong><br />
rugosida<strong>de</strong>s “garage” e faiscar fuzz,<br />
são <strong>de</strong> Treviso, no Norte <strong>de</strong> Itália.<br />
Por isso perdoamos a Quentin<br />
Tarantino não ter ainda reparado<br />
neles e agra<strong>de</strong>cemos à história ter<br />
feito <strong>de</strong>sta coisa chamada<br />
rock’n’roll expressão universal.<br />
Estes Vermillion Sands <strong>que</strong><br />
chegam ao Orfeão Velho, em Leiria,<br />
incluí<strong>dos</strong> na programação do Fa<strong>de</strong><br />
In 2010, vivem da personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Anna Barattin, ela <strong>que</strong> plana na<strong>que</strong>la<br />
dimensão “miúda co<strong>que</strong>tte, mulher<br />
vivida” <strong>que</strong> dá às canções <strong>um</strong><br />
<strong>de</strong>licioso travo <strong>de</strong> perversida<strong>de</strong>.<br />
Depois, têm os músicos certos para<br />
construir os cenários indica<strong>dos</strong> aos<br />
passeios da<strong>que</strong>la voz. Há memórias<br />
<strong>de</strong> country & western, há garage<br />
para <strong>que</strong> a dança se instale, há a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criar standards on<strong>de</strong> cabe<br />
toda a iconografia rock’n’roll<br />
americana. Standards com a noção<br />
certa das coisas: “Wake me when I<br />
die”, como ouvimos cantar algures a<br />
vivíssima Anna Barattin A primeira<br />
parte será assegurada pelos<br />
portugueses Black Leather, pinta<strong>dos</strong><br />
a negro gótico e com <strong>um</strong>a versão <strong>de</strong><br />
“Sweet Dreams” a condizer. M.L.<br />
Jazz<br />
Labirintos<br />
Apresentação, ao vivo, do<br />
novo registo <strong>dos</strong> Lokomotiv,<br />
<strong>um</strong>a das <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> formações<br />
do jazz português. Rodrigo<br />
Amado<br />
Carlos Barretto Lokomotiv<br />
Com Mário Delgado e José Salgueiro<br />
Lisboa São Jorge, 6, 21h30; 5 euros<br />
Carlos Barretto, contrabaixista luso<br />
<strong>de</strong> excepção, sempre teve como<br />
ponto forte o ritmo, revelando <strong>um</strong>a<br />
capacida<strong>de</strong> única para a construção<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a po<strong>de</strong>rosa teia rítmica, feita<br />
do pós-bop <strong>que</strong> tocou durante anos<br />
e marcado ainda por forte influência<br />
mediterrânica. Recrutado<br />
fre<strong>que</strong>ntemente por figuras <strong>de</strong> topo<br />
do jazz nacional, como Bernardo<br />
Sassetti ou Carlos Martins, é nos<br />
seus próprios projectos <strong>que</strong> alcança<br />
<strong>um</strong>a maior consistência e equilíbrio;<br />
a solo, com o projecto Solo<br />
Pictórico, com os In Loko, sexteto<br />
vocacionado para <strong>um</strong>a fusão entre<br />
rock, funk e jazz, ou com os<br />
Lokomotiv, trio <strong>que</strong> partilha com<br />
duas outras <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> figuras do jazz,<br />
o guitarrista Mário Delgado e o<br />
baterista<br />
percussionista José Salgueiro.<br />
Com <strong>um</strong> único registo gravado<br />
em 2003 para a editora Clean Feed<br />
e <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> concertos realiza<strong>dos</strong>,<br />
os Lokomotiv constituem <strong>um</strong><br />
veículo <strong>de</strong> excepção para a música<br />
<strong>de</strong> Carlos Barretto e para a<br />
exuberante criativida<strong>de</strong><br />
instr<strong>um</strong>ental <strong>dos</strong> seus três músicos.<br />
Conjugando elementos do jazz, do<br />
rock e da música tradicional<br />
portuguesa, integra ainda<br />
influências <strong>dos</strong> muitos nomes<br />
internacionais com os quais<br />
Barretto colaborou, entre eles<br />
figuras como Lee Konitz, Gary<br />
Bartz, Steve Lacy, Kirk Lightsey ou<br />
Mal Waldron.<br />
48 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Discos<br />
Meia-dúzia <strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> canções<br />
e mais <strong>um</strong> punhado <strong>de</strong> muito<br />
razoáveis melodias – nada mau<br />
para <strong>um</strong> mini-super-duo<br />
Pop<br />
Mini-superduo<br />
Este disco respira os vapores<br />
arroxea<strong>dos</strong> <strong>que</strong> ainda hoje<br />
emanam <strong>de</strong> obras-primas<br />
como “Pet Sounds”, <strong>dos</strong><br />
Beach Boys, ou “O<strong>de</strong>ssey and<br />
Oracle”, <strong>dos</strong> Zombies. João<br />
Bonifácio<br />
Broken Bells<br />
Broken Bells<br />
Col<strong>um</strong>bia; distri. Sony<br />
mmmmn<br />
Os super-grupos,<br />
como a obra <strong>dos</strong><br />
Travelling Wilburys<br />
tão bem <strong>de</strong>monstra,<br />
não cost<strong>um</strong>am ser<br />
<strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia.<br />
Mas os Broken Bells não são bem <strong>um</strong><br />
super-grupo, antes <strong>um</strong> ajuntamento<br />
<strong>de</strong> mini médias estrelas. Ou, vá, <strong>um</strong><br />
duo <strong>de</strong> valentes lanternas, já <strong>que</strong><br />
Lançamento<br />
tanto o produtor Danger Mouse<br />
como James Mercer são gente<br />
conhecida mas estão longe <strong>de</strong> ter a<br />
exposição ridícula <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Lady<br />
Gaga.<br />
Danger Mouse surpreen<strong>de</strong>u o<br />
mundo com o seu “Grey Alb<strong>um</strong>”, em<br />
<strong>que</strong> misturava Beatles e Jay-Z, e<br />
encetou proveitosas colaborações<br />
com os Gorillaz, Cee-Lo (nos Gnarls<br />
Barkley) e com Mark Linkous <strong>dos</strong><br />
Sparklehorse.<br />
Mercer foi o lí<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> Shins, <strong>que</strong><br />
fizeram <strong>um</strong> extraordinário disco,<br />
“Oh, Inverted World” (2001), e mais<br />
dois engraçadinhos. Ambos são<br />
fanáticos da pop <strong>dos</strong> anos 50 e 60,<br />
tolinhos da psych, da exótica e seus<br />
<strong>de</strong>riva<strong>dos</strong>, pelo <strong>que</strong> não admira <strong>que</strong><br />
o disco seja atravessado por <strong>um</strong>a<br />
indie-pop vagamente psicadélica. As<br />
melodias são tão melosas como <strong>um</strong>a<br />
namoradinha adolescente e os<br />
arranjos polvilham cada canção <strong>de</strong><br />
ganchos e tru<strong>que</strong>s pop<br />
<strong>de</strong>liberadamente retro e<br />
referenciais. “Vaporize” vive <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>liciosos órgãos vintage, “The<br />
ghost insi<strong>de</strong>” tem beat impecável,<br />
ritmo semi-disco, palminhas e<br />
falsete, registo <strong>que</strong> regressa em “The<br />
Mall & Misery”, enquanto “Sailing to<br />
nowhere” tem órgãos à Procol<br />
Har<strong>um</strong> em dueto com <strong>um</strong> beat<br />
quase-bossa. Nos seus melhores<br />
momentos o disco respira os<br />
vapores arroxea<strong>dos</strong> <strong>que</strong> ainda hoje<br />
emanam <strong>de</strong> obras-primas como “Pet<br />
Sounds”, <strong>dos</strong> Beach Boys, ou<br />
“O<strong>de</strong>ssey and Oracle”, <strong>dos</strong> Zombies.<br />
Exemplo disso é a sinfónica “Your<br />
head is on fire”, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />
encontro entre Esquivel e os Olivia<br />
Tremor Control, “Trap doors”,<br />
cruzamento <strong>de</strong> banda-sonora <strong>de</strong><br />
jogo para o Spectr<strong>um</strong> com singles<br />
obscuros <strong>de</strong> Martin Denny e a<br />
magnífica “High road”. Meia-dúzia<br />
<strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> canções e mais <strong>um</strong><br />
punhado <strong>de</strong> muito razoáveis<br />
melodias – nada mau para <strong>um</strong> minisuper-duo.<br />
Erudição<br />
festiva<br />
Trio <strong>de</strong> miú<strong>dos</strong> afroamericanos<br />
causam<br />
sensação, <strong>de</strong>sencantando<br />
sons es<strong>que</strong>ci<strong>dos</strong> no baú <strong>dos</strong><br />
avós. Luís Maio<br />
Carolina Chocolate Drops<br />
Genuine Negro Jig<br />
Nonesuch, distri. Warner<br />
mmmmn<br />
Ben Harper e os<br />
Relentless 7, o trio<br />
<strong>que</strong> o acompanha<br />
há dois anos,<br />
preparam-se para<br />
lançar novo disco<br />
e contam com <strong>um</strong><br />
convidado especial.<br />
“Give ‘Till It’s<br />
Começam por ser<br />
<strong>um</strong>a novida<strong>de</strong> na<br />
rubrica “música <strong>de</strong><br />
outros tempos”. Os<br />
Carolina Chocolate<br />
Drops são <strong>um</strong> trio<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Gone” foi concluído<br />
e, n<strong>um</strong>a faixa,<br />
teve Ringo Starr<br />
sentado na bateria.<br />
O lançamento do<br />
sucessor <strong>de</strong> “White<br />
Lies for Dark Times”<br />
está previsto para<br />
Outubro.<br />
“Genuine Negro Jig” surpreen<strong>de</strong> pela erudição e pela ousadia<br />
<strong>de</strong> jovens afro-americanos <strong>de</strong> classe<br />
média e educação académica <strong>que</strong><br />
mergulhou a fundo n<strong>um</strong> estilo <strong>de</strong><br />
música ancestral, originário da<br />
região do Piedmont, na Carolina do<br />
Norte. É a tradição das “string<br />
bands”, bandas <strong>de</strong> negros<br />
conjugando banjo, “fiddle” e<br />
guitarra n<strong>um</strong> estilo <strong>de</strong> música<br />
festiva, a meio caminho entre o<br />
blues, o hillbilly e os jigs irlan<strong>de</strong>ses.<br />
Uma fatia ultra refundida e insólita –<br />
as origens africanas do banjo, a<br />
apropriação negra da música <strong>dos</strong><br />
brancos - <strong>que</strong> os Drops recriam<br />
n<strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> ainda mais aberta e<br />
<strong>de</strong>scomplexada.<br />
Há temas tradicionais, a começar<br />
por “Genuine negro jig”, <strong>que</strong> dá<br />
nome ao álb<strong>um</strong>, original <strong>de</strong> Dan<br />
Emmett com 200 anos, “standards”<br />
como “Why don’t you do right?”<br />
(1936), à mistura com versões <strong>de</strong><br />
títulos tão recentes como “Hit ‘em<br />
up style”, êxito na voz da cantora<br />
soul Blu Cantrell em 2001 e<br />
“Trampled rose” <strong>de</strong> Tom Waits.<br />
Todo o alinhamento sem excepção<br />
recebe o tratamento típico das<br />
“string bands” com Justin Robinson<br />
em “fiddle”, Rhiannon Gid<strong>de</strong>ns no<br />
banjo e Don Flemons em percussões<br />
(<strong>que</strong> envolvem tamborilar ritmos<br />
nos joelhos e em caixas <strong>de</strong> sapatos).<br />
Mas eles rambém gostam <strong>de</strong> mudar<br />
<strong>de</strong> posições e cada <strong>um</strong> é voz solista<br />
n<strong>um</strong> par <strong>de</strong> canções.<br />
São confessas as influências do<br />
guitarrista Joe Thompson, veterano<br />
do som <strong>dos</strong> Appalaches, agora com<br />
90 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, mas também do<br />
canto das gargantas profundas <strong>de</strong><br />
Tuba, e a conexão celta está patente<br />
na solene versão do tradicional<br />
“Reynadine” na voz <strong>de</strong> Rhiannon.<br />
De modo geral o som clássico das<br />
“string bands” é abordado com <strong>um</strong>a<br />
atitu<strong>de</strong> actual. Há <strong>um</strong> baile punk, ou<br />
<strong>um</strong> sarau hip hop latente nos temas<br />
dançantes, enquanto nas baladas<br />
espreita a sensibilida<strong>de</strong> da folk mais<br />
negra e confissional.<br />
“Genuine Negro Jig” surpreen<strong>de</strong><br />
pela erudição e pela ousadia, pelo<br />
notável ziguezague entre passado e<br />
presente <strong>que</strong> as suas canções põem<br />
em jogo. Largamente investigado,<br />
intelectualizado e sempre com<br />
várias camadas <strong>de</strong> leitura, nem por<br />
isso <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> disco tão<br />
brincalhão e festivo quanto se<br />
pres<strong>um</strong>e <strong>que</strong> o eram as antigas<br />
string bands.<br />
Field Music<br />
Field Music<br />
Memprhis Industries; distri. Popstock<br />
mmmmn<br />
O duplo disco<br />
homónimo <strong>dos</strong><br />
Field Music, sendo<br />
<strong>um</strong> disco duplo,<br />
não tem –<br />
felizmente –<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 49
Discos<br />
Os Libertines<br />
estão <strong>de</strong> volta. O<br />
hiato já durava<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004, mas o<br />
resfriar das <strong>que</strong>zílias<br />
entre Pete Doherty e Carl<br />
Barât parece ter <strong>um</strong> preço.<br />
Segundo o “Guardian”,<br />
os valores propostos<br />
Regresso<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
pelos festivais <strong>de</strong><br />
Reading e Leeds,<br />
ambos com datas<br />
marcadas para<br />
Agosto, permitem<br />
o regresso da banda <strong>de</strong><br />
“Can’t stand me now”.<br />
Novas datas e até a<br />
criação <strong>de</strong> novo reportório<br />
são <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong>.<br />
Tudo isto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do<br />
<strong>de</strong>sfecho do mais recente<br />
escândalo em torno<br />
<strong>de</strong> Doherty, preso por<br />
alegado envolvimento<br />
na morte por “over<strong>dos</strong>e”<br />
da cineasta Robin<br />
Whitehead.<br />
qual<strong>que</strong>r significado<br />
transcen<strong>de</strong>ntal associado, antes é<br />
atravessado por canções <strong>que</strong><br />
disparam em todas as direcções:<br />
riffalhada à Jimi<br />
Hendrix,<br />
cordas<br />
Field Music: Não é tudo<br />
grandioso, mas espremido<br />
temos <strong>um</strong>a <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> tremendas<br />
canções com <strong>um</strong>a imaginação<br />
como já não se vê<br />
s<strong>um</strong>ptuosas, funk branco, soluções<br />
melódicas à XTC e até baladas. Mas<br />
mais <strong>que</strong> profusão <strong>de</strong> géneros o <strong>que</strong><br />
faz <strong>de</strong> “Field Music” <strong>um</strong> gran<strong>de</strong><br />
disco é a baixa percentagem <strong>de</strong><br />
faixas falhadas e a criativida<strong>de</strong> das<br />
soluções <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> cada<br />
canção. “Let’s<br />
write a book”<br />
tem a i<strong>de</strong>ia<br />
maluca <strong>de</strong><br />
unir <strong>um</strong>a<br />
percussão<br />
sintética a<br />
<strong>um</strong> xilofone dissonante, como se<br />
Prince dançasse n<strong>um</strong> tan<strong>que</strong> com<br />
lixívia. “Them that do nothing”<br />
estrutura-se em guitarras à XTC<br />
antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar a estrutura prévia,<br />
n<strong>um</strong>a saudável <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
sabotagem. A sombra <strong>dos</strong> Beatles<br />
acerca-se no jogo <strong>de</strong> cordas <strong>de</strong><br />
“Measure”. O tru<strong>que</strong>, aqui, resi<strong>de</strong> no<br />
uso do contra-ponto. Por diversas<br />
vezes temos versões brancas <strong>de</strong> riffs<br />
hendrixianos a coincidirem com<br />
quase-falsetes ou a acabarem em<br />
refrões melosos. N<strong>um</strong> momento <strong>de</strong><br />
suprema inspiração, “Choosing<br />
n<strong>um</strong>bers”, a percussão lo-fi parece<br />
emular o grau <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />
melhores momentos <strong>dos</strong> Beach Boys<br />
e raiar a música exótica antes <strong>de</strong> se<br />
abrir n<strong>um</strong> refrão solar. O irmão<br />
Dennis Wilson parece tutelar o<br />
empernanço <strong>de</strong> piano e metais em<br />
“See you later” e os Big Star levam a<br />
segunda parte <strong>de</strong> “First comes the<br />
wish” a <strong>um</strong> lugar <strong>de</strong> beleza. No<br />
resto, proto-funk <strong>de</strong>slavado convive<br />
com plágios aos Beatles, guitarrada<br />
fatela acaba em dança, canções pop<br />
<strong>de</strong>saguam em codas sinfónicas. Não<br />
é tudo grandioso, mas espremido<br />
temos <strong>um</strong>a <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> tremendas<br />
canções com <strong>um</strong>a imaginação como<br />
já não se vê. Vão ser tão <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />
quanto a inteligência h<strong>um</strong>ana<br />
permitir. João Bonifácio<br />
Um trovador<br />
competente<br />
Tiago Bettencourt & Mantha<br />
Em Fuga<br />
Universal<br />
mmmnn<br />
Em crítica a<br />
“Jardim”, o<br />
primeiro álb<strong>um</strong><br />
<strong>de</strong> Tiago<br />
Bettencourt no<br />
pós-Toranja,<br />
escrevemos <strong>que</strong> se i<strong>de</strong>ntificavam<br />
nele dois caminhos possíveis. O do<br />
pianista <strong>de</strong> baladas <strong>de</strong> coração<br />
exposto, <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong>vedor <strong>de</strong><br />
Jorge Palma, e <strong>um</strong>a libertação <strong>de</strong>ssas<br />
amarras, com Bettencourt<br />
<strong>de</strong>scobrindo alg<strong>um</strong>a vivacida<strong>de</strong> rock<br />
e novas soluções estéticas. “Em<br />
Fuga”, o seu segundo álb<strong>um</strong>,<br />
mostra-nos <strong>que</strong> os Toranja estão lá<br />
longe, perdi<strong>dos</strong> n<strong>um</strong>a memória<br />
distante, e <strong>que</strong> o meio Bettencourt<br />
<strong>que</strong> víramos antes é agora<br />
Bettencourt inteiro. Um cantor <strong>de</strong><br />
“amores”, sempre amores, com o<br />
outro, o amado, como inspiração e<br />
receptor <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os versos.<br />
N<strong>um</strong> álb<strong>um</strong> dominado pelas<br />
guitarras acústicas e pelo piano,<br />
novamente produzido por Howard<br />
Bilerman (Arca<strong>de</strong> Fire, Godspeed<br />
You! Black Emperro), Tiago<br />
Bettencourt mostra-se <strong>um</strong><br />
competentíssimo escritor <strong>de</strong><br />
canções. Não existe ferida a exigir<br />
<strong>que</strong> a voz se liberte ou sensação <strong>de</strong><br />
Tiago Bettencourt oferece conforto a vidas confortáveis<br />
arrebatamento, antes estas melodias<br />
com “pa pa pás” no sítio certo<br />
(“Chocámos tu e eu”), <strong>um</strong> pouco <strong>de</strong><br />
sonoplastia americana em cenário<br />
<strong>de</strong> trovador português (“Parece <strong>que</strong><br />
o <strong>de</strong>stino nos <strong>que</strong>brou”, a melhor<br />
canção do álb<strong>um</strong>), <strong>um</strong> híbrido<br />
Coldplay / Jorge Palma em “Só mais<br />
<strong>um</strong>a volta” (sendo <strong>que</strong> Bettencourt é<br />
melhor <strong>que</strong> os primeiros mas não<br />
atinge a profundida<strong>de</strong> do segundo)<br />
e, genericamente, <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />
canções escorreitas on<strong>de</strong> o verbo é<br />
conselho e carícia para vidas sem<br />
sobressaltos. Há muitos anos, Cat<br />
Stevens serviu <strong>de</strong> psicanalista para<br />
<strong>um</strong>a geração <strong>que</strong> não sabia o <strong>que</strong><br />
fazer <strong>dos</strong> seus <strong>sonhos</strong> <strong>de</strong>sfeitos – e<br />
ele <strong>de</strong>u-lhes o conforto do r<strong>um</strong>o<br />
apontado em “Father & son”.<br />
Tiago Bettencourt, <strong>que</strong> não<br />
psicanalisa, até po<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r<br />
momentaneamente à “rockalhada”<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes afia<strong>dos</strong> (“O Lobo”,<br />
curiosamente), mas é <strong>um</strong> pouco<br />
como Cat Stevens: oferece conforto<br />
(a vidas confortáveis). M.L.<br />
Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />
Penínsulas & Continentes<br />
Universal<br />
mmmmn<br />
A rodagem em<br />
palco do bem<br />
recebido “A Little<br />
More Blue” levou<br />
Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />
a ampliar a sua<br />
primeira aventura no canto.<br />
“Penínsulas & Continentes”, <strong>que</strong> daí<br />
Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros: muito<br />
bons arranjos, bom reportório;<br />
<strong>que</strong>mais pedir?<br />
Fhjn<br />
resultou, já não é só mais <strong>um</strong> passo<br />
lateral <strong>de</strong> <strong>um</strong>a actriz <strong>que</strong> canta mas<br />
o esteio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a faceta ass<strong>um</strong>ida na<br />
sua carreira. Dito isto, o cinema<br />
continua a marcar a dramaturgia <strong>dos</strong><br />
sons, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo na escolha <strong>de</strong> três<br />
temas <strong>de</strong> Nino Rota (“La dolce vita”,<br />
“Speak soflty love”, “Che scherzi fa<br />
l’amore”; ou Fellini, Coppola,<br />
Wertmüller) ou em canções <strong>que</strong><br />
podiam ser pe<strong>que</strong>nos filmes: “Te<br />
recuerdo Amanda”, <strong>de</strong> Victor Jara,<br />
ou “Não vás contar <strong>que</strong> mu<strong>de</strong>i a<br />
fechadura”, <strong>de</strong> Sérgio Godinho,<br />
n<strong>um</strong>a versão, aliás, pouco<br />
convincente. Já a interpretação <strong>de</strong><br />
três temas <strong>de</strong> José Afonso (“O<br />
homem voltou”, “Paz, poeta e<br />
pombas” e “Coro da primavera”) é<br />
efusiva e brilhante, como brilhante é<br />
a abordagem a dois catalães ilustres,<br />
Raimon e Toti Soler (“Epigrama” é<br />
<strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na maravilha na voz<br />
<strong>de</strong>la). “Muxima”, do Duo Ouro<br />
Negro, e “Velha chica”, <strong>de</strong> Wal<strong>de</strong>mar<br />
Bastos, têm versões elo<strong>que</strong>ntes e<br />
dignas e “A jazmín”, do grupo<br />
espanhol El Último <strong>de</strong> la Fila, meio<br />
r<strong>um</strong>ba, meio bolero, respira<br />
espreguiçando-se. Por último,<br />
“Quem à janela”, <strong>de</strong> Amélia Muge,<br />
surpreen<strong>de</strong> n<strong>um</strong>a batida rock meio<br />
“bluesy” com refrão a piscar o olho<br />
aos “riffs” <strong>de</strong> bailes antigos. Muito<br />
bons arranjos, bom reportório, bom<br />
disco. Que mais pedir? Nuno<br />
Pacheco<br />
Jazz<br />
One man<br />
band<br />
Pat Metheny volta a<br />
surpreen<strong>de</strong>r com <strong>um</strong><br />
<strong>dos</strong> trabalhos mais<br />
experimentais da sua<br />
carreira. Paulo Barbosa<br />
Pat Metheny<br />
Orchestrion<br />
Nonesuch, distri.Warner<br />
mmmmn<br />
Em “Or<strong>que</strong>strion” a música é<br />
produzida por <strong>um</strong>a imensa<br />
50 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
Pat Metheny: <strong>um</strong> improvisador em forma superior<br />
of the air”. Não obstante,<br />
“Orchestrion” apresenta motivos<br />
<strong>de</strong> sobra para <strong>que</strong> não sejam<br />
apenas os mais fiéis seguidores do<br />
guitarrista a <strong>de</strong>dicar-lhe atenção.<br />
Odisseia<br />
sem chama<br />
Incapaz <strong>de</strong> <strong>um</strong> disco<br />
mau, o clarinetista e<br />
saxofonista assina <strong>um</strong><br />
disco sem a chama <strong>que</strong> lhe<br />
é reconhecida. Rodrigo<br />
Amado<br />
panóplia <strong>de</strong><br />
instr<strong>um</strong>entos<br />
(guitarras,<br />
baixos, pianos,<br />
marimba,<br />
vibrafone,<br />
percussões diversas) e <strong>de</strong> vários<br />
outros artefactos, tendo em vista a<br />
sua a<strong>de</strong>quação à arquitectura<br />
sonora típica do universo <strong>de</strong><br />
Metheny, mais concretamente o <strong>de</strong><br />
“Still Life (Talking)” e “Letter From<br />
Home”, ambos da década <strong>de</strong> 80, e<br />
do mais ambicioso “Secret Story”<br />
(1992).<br />
Sem <strong>que</strong> tenha aqui lugar <strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong>talhada explanação do processo<br />
<strong>de</strong> criação das diferente partes<br />
<strong>de</strong>ste “Orchestrion” e do modo<br />
incrivelmente preciso através do<br />
guitarrista o coloca em acção, o<br />
aspecto mais louvável <strong>de</strong> toda esta<br />
aventura – <strong>um</strong> sonho <strong>de</strong> infância<br />
para Metheny – será o facto <strong>de</strong><br />
apenas em alguns momentos bem<br />
concretos a música acusar o<br />
carácter mecânico <strong>que</strong> está na<br />
base da sua criação. Se a isso se<br />
adicionar a presença <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
improvisador em forma<br />
claramente superior à<strong>que</strong>la em<br />
<strong>que</strong> o havíamos encontrado nas<br />
suas parcerias com o pianista Brad<br />
Mehldau ou no trio <strong>que</strong> formou<br />
com Christian McBri<strong>de</strong> e Antonio<br />
Sanchez, “Orchestrion” <strong>de</strong>verá ser<br />
visto como o mais interessante<br />
registo do trajecto recente do<br />
guitarrista.<br />
Em “Soul search”, tema mais<br />
fraco do álb<strong>um</strong>, dá-se <strong>um</strong>a<br />
situação problemática quando o<br />
guitarrista, na tentativa <strong>de</strong> abrir<br />
espaço para a sua faceta mais<br />
fundada em Wes Montgomery e<br />
Kenny Burrell, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> dar or<strong>de</strong>ns<br />
ao seu “orchestrion” para (tentar)<br />
“swingar”, efeito <strong>que</strong> <strong>um</strong>a<br />
máquina, ainda <strong>que</strong> tão<br />
perfeitamente concebida e<br />
manuseada, jamais seria capaz <strong>de</strong><br />
reproduzir. Há ainda a lamentar a<br />
simulação <strong>de</strong> <strong>um</strong> procedimento<br />
característico do Pat Metheny<br />
Group <strong>que</strong> se ouve no final <strong>de</strong><br />
“Expansions”, on<strong>de</strong> o guitarrista<br />
incorre n<strong>um</strong>a série <strong>de</strong> trocas com<br />
os instr<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> percussão do<br />
seu “orchestrion”, tentativa cujo<br />
resultado volta a <strong>de</strong>nunciar a<br />
artificialida<strong>de</strong> do processo,<br />
sensação <strong>que</strong> se repete ainda na<br />
forma como <strong>um</strong> baixo eléctrico<br />
“telecomandado” introduz “Spirit<br />
Louis Sclavis<br />
Louis Sclavis<br />
Lost On The Way<br />
ECM, dist. Dargil<br />
mmmnn<br />
A maior virtu<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> “Lost On The<br />
Way”, oitavo<br />
áb<strong>um</strong> gravado<br />
por Louis Sclavis<br />
para a ECM, é<br />
dar-nos a confirmação <strong>de</strong> <strong>que</strong> o<br />
clarinetista e saxofonista francês<br />
não grava nunca dois álbuns iguais,<br />
apesar do seu som inconfundível e<br />
da personalida<strong>de</strong> musical forte<br />
como poucas. Um <strong>dos</strong> mais<br />
brilhantes músicos europeus,<br />
habituou-nos a não esperar <strong>de</strong>le <strong>um</strong><br />
conceito musical fechado, antes<br />
pelo contário: fez sempre <strong>que</strong>stão<br />
<strong>de</strong> abordar as mais diversas áreas,<br />
do folk à música progressiva, free<br />
jazz, clássica contemporânea ou<br />
mesmo rock, utilizando como<br />
elemento unificador a sua própria<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> musical, e ultrapassando<br />
em muito o rótulo <strong>que</strong> lhe é colado<br />
como músico <strong>de</strong> free jazz ou <strong>de</strong><br />
vanguarda.<br />
Inspirado na “Odisseia” <strong>de</strong><br />
Homero e gravado com <strong>um</strong><br />
quinteto – Sclavis em clarinetes e<br />
saxofone soprano, Matthieu<br />
Metzger em saxofones alto e<br />
soprano, Maxime Delpierre na<br />
guitarra, Olivier Lété no baixo e<br />
François Merville na bateria –<br />
“Lost On The Way” é <strong>um</strong> <strong>dos</strong> seus<br />
registos mais convencionais, com<br />
alg<strong>um</strong>as partes da guitarra e do<br />
baixo <strong>de</strong>masiado sintetizadas,<br />
acentuadas ainda pelos uníssonos<br />
<strong>de</strong> clarinete e saxofone. É nas<br />
partes em <strong>que</strong> Sclavis se liberta da<br />
rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> Metzger (longe da<br />
frescura <strong>de</strong> Marc Baron), fazendo<br />
soar o seu clarinete sobre os<br />
ritmos orgânicos <strong>de</strong> Merville, <strong>que</strong><br />
a música mais vibra. Com alg<strong>um</strong>as<br />
excelentes composições e<br />
improvisações brilhantes por parte<br />
<strong>de</strong> Sclavis e Delpierre, “Lost On<br />
The Way” fica preso n<strong>um</strong>a<br />
excessiva formatação<br />
<strong>dos</strong> arranjos.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 51
Discos<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Comentário<br />
A ignorância mata e o hip-hop<br />
também salva<br />
João<br />
Bonifácio<br />
No dia 14 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong>ste ano foi publicada no “DN” <strong>um</strong>a crónica <strong>que</strong> faria corar <strong>de</strong><br />
inveja os mais prenda<strong>dos</strong> revisionistas históricos ao serviço do regime estalinista. No<br />
texto, intitulado “O hip-hop também mata”, Alberto Gonçalves, sociólogo, parte da<br />
morte <strong>de</strong> <strong>um</strong> rapper, MC Snake, às mãos da polícia, em circunstâncias ainda por<br />
apurar, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a tese <strong>de</strong> <strong>que</strong> os responsáveis pelo estereótipo <strong>que</strong> a polícia<br />
tem sobre os rappers negros é da exclusiva responsabilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> próprios rappers negros.<br />
Gonçalves afirma <strong>que</strong> o hip-hop, “no seu primarismo”, “tem pouco a ver com música e muito<br />
a ver com <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> confronto face a <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> <strong>que</strong> [...]se imagina discriminatória”,<br />
atitu<strong>de</strong> verificável “no vestuário ridículo e nos gestos animalescos”, bem como nas letras<br />
<strong>que</strong> “além <strong>de</strong> analfabetas”, são “manifestações <strong>de</strong> rancor social” e “glorificações do crime e<br />
panfletos misóginos”. Res<strong>um</strong>indo: “O hip hop nasceu na América enquanto braço “musical” e<br />
tardio do “black power” e a “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> negra” <strong>de</strong>fine-se “n<strong>um</strong>a postura <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio e fúria <strong>que</strong><br />
a ‘inteligência’ julga legitimada por <strong>um</strong>a suposta opressão”.<br />
Isto não é <strong>um</strong>a tese – é tentar ser politicamente incorrecto à força para irritar o povo. É <strong>um</strong>a<br />
manifestação <strong>de</strong> exibicionismo. É, no fundo, <strong>um</strong> pedido <strong>de</strong> ajuda e merece a nossa pena.<br />
Quando Gonçalves usa “primarismo” para qualificar o hip-hop não está certamente falar <strong>de</strong><br />
música, já <strong>que</strong> o hip-hop é <strong>um</strong> género musical múltiplo e quase inqualificável, <strong>que</strong> usa os mais<br />
varia<strong>dos</strong> ritmos, tem técnicas difíceis <strong>de</strong> dominar e implica – para os MCs – <strong>um</strong> controlo da<br />
métrica assinalável.<br />
É certo <strong>que</strong> no início era feito com dois pratos e <strong>um</strong> microfone e nesse sentido esse hip-hop<br />
específico é “primário” – tal como o rock’n’roll, a folk, o fado e o tango, a salsa e o blues o<br />
são. Nesse sentido, toda a música “popular” é “primária”, o <strong>que</strong> não impediu Haydn, Sibelius,<br />
Brahms, Mendhelson, Bartók e Wagner <strong>de</strong> irem lá pilhar melodias. Aplicando o critério<br />
<strong>que</strong> Gonçalves usa para recusar o valor musical do hip-hop (o<br />
“primarismo”) teríamos <strong>de</strong> atirar para o lixo toda a música popular<br />
Façamos <strong>um</strong> exercício<br />
à sr. Gonçalves. Uma<br />
senhora entra n<strong>um</strong><br />
bairro <strong>de</strong> gandulos<br />
vestida com <strong>um</strong>a minisaia<br />
vermelha, é<br />
perseguida por eles e<br />
violada. Segundo o sr.<br />
Gonçalves, é possível<br />
<strong>que</strong> tenha sido violada<br />
por causa <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
estereótipo, mas a<br />
responsabilida<strong>de</strong> do<br />
estereótipo é inteirinha<br />
<strong>de</strong>la<br />
<strong>que</strong> inspirou estes compositores e conse<strong>que</strong>ntemente a obra <strong>de</strong>stes,<br />
por usarem melodias “primárias”.<br />
É igualmente sintomático <strong>que</strong> Gonçalves use o adjectivo “ridículo”<br />
para o vestuário das gentes do hip-hop e “animalesco” para os gestos.<br />
Ser sociólogo e <strong>de</strong>spachar qual<strong>que</strong>r leitura <strong>que</strong> se possa fazer da<br />
ind<strong>um</strong>entária e da dança <strong>de</strong> <strong>um</strong> grupo social com <strong>um</strong> comentário <strong>de</strong><br />
porteirinha é o mesmo <strong>que</strong> ser antropólogo e perante <strong>um</strong> vaso do<br />
Neolítico homenageando a Deusa-Mãe dizer <strong>que</strong> aquilo é tudo cacos<br />
e a mulher pintada é gorda e parola.<br />
Vamos ser claros: Gonçalves, com esta escolha <strong>de</strong> palavras, <strong>que</strong>r<br />
chamar símios analfabetos aos hip-hoppers. Que, segundo o cronista,<br />
fazem “glorificações do crime e panfletos misóginos”. Mesmo<br />
fazendo <strong>de</strong> conta <strong>que</strong> não existe hip-hop <strong>que</strong> fale <strong>de</strong> outros assuntos<br />
ou <strong>que</strong> advirta contra a violência e a misoginia, fico perplexo com a<br />
ignorância literária <strong>de</strong> Gonçalves: a Bíblia, por ter pragas, homens<br />
<strong>que</strong> subjugam mulheres, crimes e vinganças é <strong>um</strong>a glorificação do<br />
crime e <strong>um</strong> panfleto misógino? “O Teatro <strong>de</strong> Sabath”, <strong>de</strong> Philip Roth,<br />
o “Psicopata Americano”, <strong>de</strong> Bret Easton Ellis, são glorificações<br />
<strong>de</strong> crimes e panfletos misóginos? E a “Kalevala”? A “Me<strong>de</strong>ia”? A<br />
“Odisseia”?<br />
A ignorância <strong>de</strong> Gonçalves chega ao cúmulo quando diz <strong>que</strong> o<br />
hip-hop é o braço “rapado” do black power. O “black power” era<br />
<strong>um</strong> “slogan” usado nos anos 60 por i<strong>de</strong>ólogos negros, estando<br />
liga<strong>dos</strong> a movimentos não-violentos. Nos anos 60 não havia hip-hop,<br />
<strong>que</strong> começou no Bronx, na década <strong>de</strong> 70, sem qual<strong>que</strong>r conotação<br />
política: tratava-se apenas <strong>de</strong> fazer festas <strong>que</strong> juntavam o maior<br />
número <strong>de</strong> pessoas possível (incluindo gangs rivais). Os primeiros temas <strong>de</strong> hip-hop politizado<br />
surgem já nos anos 80 e só com os Public Enemy é <strong>que</strong> o hip-hop <strong>de</strong>vém <strong>um</strong> veículo <strong>de</strong> reflexão<br />
sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> negra.<br />
Façamos então <strong>um</strong> exercício à sr. Gonçalves só para <strong>que</strong> se perceba a periculosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas<br />
brinca<strong>de</strong>iras irresponsáveis. Uma senhora entra n<strong>um</strong> bairro <strong>de</strong> gandulos vestida com <strong>um</strong>a minisaia<br />
vermelha, é perseguida por eles e violada. Segundo o sr. Gonçalves, é possível <strong>que</strong> tenha<br />
sido violada por causa <strong>de</strong> <strong>um</strong> estereótipo, mas a responsabilida<strong>de</strong> do estereótipo é inteirinha<br />
<strong>de</strong>la. Um pensamento nada primário, <strong>que</strong> daria origem a <strong>um</strong>a belíssima socieda<strong>de</strong>.<br />
52 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
A obra <strong>de</strong> Chafes e <strong>de</strong> Carneiro,<br />
possuem em com<strong>um</strong> o<br />
pensamento sobre <strong>um</strong> corpo<br />
ausente<br />
BommmmmmExcelentee<br />
Os lugares representa<strong>dos</strong> por Rosa Carvalho têm algo <strong>de</strong> inóspito, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estranheza inquietante<br />
mapeamentos das <strong>de</strong>soladas<br />
O lugar entre paisagens do extremo norte <strong>de</strong><br />
Os prazeres<br />
Portugal, fixadas em fotografia e<br />
o <strong>de</strong>senho<br />
doc<strong>um</strong>entação abundante, on<strong>de</strong> o<br />
da<br />
escultor se mostrava<br />
simultaneamente como agente <strong>de</strong><br />
e o mundo<br />
<strong>um</strong>a inscrição primordial na terra ou<br />
imaginação<br />
na pedra e receptor da energia<br />
Dois <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> nomes da<br />
gerada por essa acção. Em Rui<br />
As pinturas <strong>de</strong> Rosa<br />
Chafes, pelo contrário, é a história e a<br />
escultura portuguesa<br />
pujança do metal <strong>que</strong> o motivam, Carvalho convidam o<br />
apresentam <strong>um</strong>a exposição <strong>de</strong>s<strong>de</strong> anos 90, como elo <strong>de</strong> espectador a embrenhar-se<br />
conjunta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho. Luísa ligação entre a contemporaneida<strong>de</strong> e nas paisagens. Óscar Faria<br />
a história. Ciente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a perda <strong>de</strong><br />
Soares <strong>de</strong> Oliveira<br />
raiz romântica, Chafes persegue<br />
In a Different Place<br />
Khora<br />
incansavelmente essa ausência <strong>que</strong>,<br />
De Rosa Carvalho.<br />
De Alberto Carneiro, Rui Chafes.<br />
como a “khora” platónica, nunca<br />
Porto. Galeria Presença. Rua Miguel Bombarda 570.<br />
será preenchida.<br />
Lisboa. Fundação Carmona e Costa. Ed <strong>de</strong> Espanha<br />
Tel.: 226060188. Até 10/04. 2ª a 6ª das 10h às 12h30<br />
Os <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> Chafes traduzem, e das 15h às 19h30. Sáb das 15h às 19h30.<br />
ExposaMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito 217803003. Até 21/05. 4ª a Sáb. das 15h às 20h. quase labirinticamente, esta<br />
Pintura.<br />
Desenho, Escultura, Outros.<br />
<strong>de</strong>manda original. N<strong>um</strong> traço muito<br />
fino e preciso, órgãos por i<strong>de</strong>ntificar,<br />
mmmmn<br />
mmmmn<br />
vísceras, seres aparentemente<br />
unicelulares primordiais e, em geral, A categoria estética do sublime é<br />
Rui Chafes e Alberto Carneiro têm<br />
obras e percursos incontornáveis<br />
quando se consi<strong>de</strong>ra a escultura<br />
portuguesa contemporânea. Em<br />
Khora, exposição conjunta<br />
comissariada por Sara Antónia Matos<br />
para a Fundação Carmona e Costa,<br />
<strong>que</strong> tem <strong>de</strong>dicado atenção a esta<br />
disciplina, provam como é possível<br />
trabalhar conjuntamente sem per<strong>de</strong>r<br />
as características <strong>que</strong> <strong>de</strong>finem a arte<br />
<strong>de</strong> cada <strong>um</strong> consi<strong>de</strong>rada<br />
individualmente.<br />
“Khora”, termo vindo <strong>de</strong><br />
Platão, <strong>de</strong>fine <strong>um</strong> lugar <strong>que</strong>,<br />
paradoxalmente, apenas existe<br />
em termos conceptuais. Antes<br />
do mito,<br />
antes da palavra, as<br />
dicotomias <strong>que</strong> fundam o<br />
pensamento po<strong>de</strong>riam ser<br />
resolvidas neste conceito<br />
<strong>que</strong>, literalmente,<br />
significa “lugar” ou<br />
“região”. Contudo,<br />
segundo a mo<strong>de</strong>rna<br />
filosofia, este lugar<br />
não é fixo: trata-se da<br />
zona da instabilida<strong>de</strong>, da<br />
errância, do mutável, e <strong>que</strong><br />
por isso pré-existe a toda a<br />
nomeação e classificação.<br />
A obra <strong>de</strong> Chafes e <strong>de</strong><br />
Carneiro, <strong>que</strong> possuem<br />
em<br />
com<strong>um</strong> o<br />
pensamento sobre <strong>um</strong><br />
corpo ausente, situam-<br />
se conceptualmente<br />
neste lugar não<br />
nomeável, indizível.<br />
Há obviamente<br />
diferenças entre os<br />
dois. Activo <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
os anos 60,<br />
Carneiro<br />
construiu a sua<br />
obra n<strong>um</strong><br />
enraizamento<br />
profundo entre<br />
autor, corpo e<br />
tudo o <strong>que</strong> está para lá da pele vai-se<br />
<strong>de</strong>svelando na folha <strong>de</strong> papel, por<br />
vezes em ambos os la<strong>dos</strong> <strong>de</strong> cada<br />
suporte. Tudo o <strong>que</strong> se cobre da<br />
aparência <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>que</strong> o próprio<br />
acto <strong>de</strong> ver encerra é exposto,<br />
<strong>de</strong>senhado, coberto com líqui<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />
cores francas <strong>que</strong> nos dizem ser<br />
medicamentos ou chás. N<strong>um</strong>a ou<br />
noutra obra, <strong>um</strong> corpo fragmentado<br />
– silhueta, penteado, <strong>um</strong> braço ou <strong>um</strong><br />
ombro – acentuam <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> visão<br />
<strong>que</strong> a comissária classifica como<br />
estetoscópica. Em certas salas,<br />
esculturas <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> projectam<br />
sombras <strong>que</strong> se constituem como<br />
duplos das linhas <strong>de</strong>senhadas sobre o<br />
papel, reforçando a constituição <strong>de</strong><br />
fronteiras (<strong>de</strong> peles) entre a aparente<br />
or<strong>de</strong>m do traço e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m da<br />
forma.<br />
De Alberto Carneiro não se<br />
mostram esculturas, mas séries<br />
específicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos <strong>que</strong><br />
reforçam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />
ancoragem do corpo na matéria da<br />
terra <strong>de</strong> <strong>que</strong> falávamos no início.<br />
“Sobre o meu corpo o rasto da<br />
serpente”, <strong>um</strong>a peça <strong>de</strong> 71, apresenta<br />
aliás <strong>um</strong>a dupla composição em duas<br />
bandas horizontais, on<strong>de</strong> a imagem<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> chão <strong>de</strong> flo<strong>resta</strong> se encima<br />
pelos olhos do artista, duplica<strong>dos</strong><br />
pelos <strong>de</strong><strong>dos</strong> a imitar a forma <strong>de</strong><br />
óculos. Noutra peça, “Raízes, caules,<br />
folhas, flores e frutos”, <strong>de</strong> 1966, as<br />
imagens são quase idênticas às <strong>de</strong> Rui<br />
Chafes, sendo apenas o título <strong>que</strong> nos<br />
permite diferenciar a referência <strong>de</strong><br />
cada trabalho.<br />
A montagem da exposição concluise<br />
com <strong>um</strong> <strong>de</strong>senho feito<br />
directamente na pare<strong>de</strong> por<br />
Carneiro: <strong>um</strong>a linha sinuosa <strong>que</strong> liga<br />
a última sala ao corredor, e a frase<br />
‘esta linha <strong>que</strong> percorre as memórias<br />
<strong>dos</strong> nossos tempos vivos é <strong>um</strong>a obra<br />
<strong>de</strong> arte’. Neste caso, o <strong>de</strong>senho<br />
reforça a união entre as obras <strong>dos</strong><br />
abordada por Rosa Carvalho (Lisboa,<br />
1952) nas suas pinturas. Esta<br />
dimensão adquire particular<br />
relevância nas obras em <strong>que</strong> a artista<br />
representa paisagens. Na galeria, são<br />
<br />
<br />
natureza.<br />
dois escultores, mesmo quando elas,<br />
Recor<strong>de</strong>m-se<br />
no trabalho do dia a dia <strong>que</strong> mais os<br />
caracteriza, se afastam <strong>um</strong>a da outra.<br />
Esta é, também por este motivo, <strong>um</strong>a<br />
notável exposição.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
três os trabalhos <strong>que</strong> traduzem esta<br />
pesquisa, to<strong>dos</strong> homónimos do nome<br />
da exposição, “In a different place”,<br />
<strong>que</strong> se po<strong>de</strong> traduzir como “N<strong>um</strong><br />
lugar diferente”. Este título encerra<br />
em si <strong>um</strong> <strong>de</strong>slocamento: não é no<br />
presente nem na racionalida<strong>de</strong> <strong>que</strong><br />
se <strong>de</strong>vem ler as telas e as ma<strong>que</strong>tas<br />
agora reveladas, elas constituem<br />
antes portas abertas para o passado e<br />
para o sonho. Um espaço <strong>de</strong> fantasia<br />
repleto <strong>de</strong> microcosmos.<br />
Mais do <strong>que</strong> buscar a solução para<br />
estas pinturas em “Acerca do<br />
sublime”, escrito por <strong>um</strong> anónimo, o<br />
chamado Pseudo-Longino, cuja vida<br />
é situada entre os século III e I a.C.,<br />
talvez seja exercício mais produtivo<br />
ler “Pleasures of the imagination”,<br />
<strong>um</strong>a série <strong>de</strong> artigos publica<strong>dos</strong> por<br />
Joseph Addison na revista “The<br />
Spectator”, em 1712 (números 411 a<br />
421) – os textos sintetizavam i<strong>de</strong>ias<br />
trabalhadas no âmbito da filosofia<br />
empirista britânica –, nos quais cria<br />
ainda <strong>um</strong>a nova categoria: o<br />
pitoresco. “(…) <strong>um</strong> horizonte<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 53
Expos<br />
aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Da figura do artista e do culto da celebrida<strong>de</strong> aos h<strong>um</strong>ores do sistema<br />
artístico, quase nada tem sido poupado ao beliscão <strong>de</strong> Sara e André<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
VSP - Visual Street Performance<br />
2010<br />
De HBSR, Hi<strong>um</strong>, Klit, Mar, Vhils,<br />
Caos, Mr.Dheo, Oker, Youth One,<br />
Best & Ever.<br />
Porto. Fundação Escultor José Rodrigues. R. da<br />
Fábrica Social. Tel.: 220109020. De 08/04 a 11/04.<br />
5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 14h30 às 02h00.<br />
Pintura, Graffiti, Outros.<br />
Continuam<br />
A Matéria Negra da Luz <strong>dos</strong><br />
Media<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210. Tel.: 226156500. Até 04/07. 3ª a 6ª das 10h às<br />
17h. Sáb., Dom. e Feria<strong>dos</strong> das 10h às 20h.<br />
Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />
Um Percurso, Dois Senti<strong>dos</strong><br />
- A Colecção do MNAC-MC, da<br />
actualida<strong>de</strong> a 1850.<br />
De Col<strong>um</strong>bano Bordalo Pinheiro,<br />
José Malhoa, Ama<strong>de</strong>o <strong>de</strong> Souza-<br />
Car<strong>dos</strong>o, Eduardo Viana, Almada<br />
Negreiros, Paula Rego, Helena<br />
Almeida, Julião Sarmento, Pedro<br />
Cabrita Reis, João Tabarra,<br />
Alexandre Estrela, entre outros.<br />
Lisboa. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto,<br />
4. T. 213432148. Até 6/6. 3ª a dom. das 10h às 18h.<br />
Pintura, Outros.<br />
Outros Olhares<br />
De Col<strong>um</strong>bano Bordalo Pinheiro,<br />
Julião Sarmento.<br />
Lisboa. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto,<br />
4. T. 213432148. Até 18/5. 3ª a dom. das 10h às 18h.<br />
Obras em <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> na Colecção do MNAC.<br />
Conversa com José Augusto França: “O Grupo do<br />
Leão” <strong>de</strong> Col<strong>um</strong>bano Bordalo Pinheiro, 18/4 às 13h;<br />
Conversa com Alexandre Melo: “Landscape” <strong>de</strong><br />
Julião Sarmento, 18/5 às 13h.<br />
Pintura, Outros.<br />
A Privilege of Autovalorization<br />
De Koenraad Dedobbeleer.<br />
Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />
Tel.: 217905155. Até 18/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às<br />
19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feria<strong>dos</strong> das 14h às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
Instalação, Outros.<br />
And<br />
Or<br />
De Asier Mendizabal.<br />
Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />
Tel.: 217905155. Até 18/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às<br />
19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feria<strong>dos</strong> das 14h às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
Escultura.<br />
Supervisão<br />
De Alexandre Estrela.<br />
Porto. Culturgest. Av. <strong>dos</strong> Alia<strong>dos</strong>, 104 - Ed. da<br />
CGD. Tel.: 222098116. Até 10/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />
11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feria<strong>dos</strong> das 14h às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
Desenho.<br />
Lour<strong>de</strong>s Castro e Manuel<br />
Zimbro: A Luz da Sombra<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210. Tel.: 226156500. Até 13/06. 3ª a 6ª das 10h às<br />
17h. Sáb., Dom. e Feria<strong>dos</strong> das 10h às 22h.<br />
Escultura, Outros.<br />
Sem Re<strong>de</strong><br />
De Joana Vasconcelos.<br />
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império<br />
- CCB. Tel.: 213612878. Até 18/05. Sáb. das 10h às<br />
22h (última admissão às 21h30). 2ª a 6ª, Dom. e<br />
Feria<strong>dos</strong> das 10h às 19h (última admissão às<br />
18h30).<br />
Instalação, Outros.<br />
Judith Barry<br />
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império<br />
- CCB. Tel.: 213612878. Até 25/04. Sáb. das 10h às<br />
22h(última admissão às 21h30). 2ª a 6ª e Dom. das<br />
10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />
Ví<strong>de</strong>o, Instalação, Outros.<br />
BES Photo 2009<br />
De André Cepeda, Filipa César,<br />
Patrícia Almeida.<br />
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império<br />
- CCB. Tel.: 213612878. Até 04/04. Sáb. das 10h às<br />
22h(última admissão às 21h30). 2ª a 6ª e Dom. das<br />
10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />
Fotografia.<br />
Jane e Louise Wilson: Tempo<br />
Suspenso<br />
De Jane & Louise Wilson.<br />
Lisboa. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 18/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Ví<strong>de</strong>o, Escultura, Outros.<br />
O Ofício <strong>de</strong> Viver<br />
De Daniel Blaufuks.<br />
Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. R.<br />
Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. Até<br />
15/05. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 12h às<br />
19h30.<br />
Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />
Lost Istambul<br />
(Anos 50-60)<br />
De Ara Güler.<br />
Lisboa. CCB. Pç. do Império. Tel.: 213612400. Até<br />
01/04. 2ª a 6ª das 14h às 18h. Sáb. e Dom. das 14h<br />
às 19h. Na Galeria Mário Cesariny.<br />
Fotografia.<br />
Auto-Retratos do Mundo :<br />
Annemarie Schwarzenbach<br />
(1908-1942)<br />
De Annemarie Schwarzenbach.<br />
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império<br />
- CCB. Tel.: 213612878. Até 25/04. Sáb. das 10h às<br />
22h (última admissão às 21h30). 2ª a 6ª e Dom. das<br />
10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />
Fotografia.<br />
Poignant<br />
Adaptation<br />
De Lawrence Weiner.<br />
Lisboa. Cristina Guerra - Contemporary Art. R.<br />
Santo António à Estrela, 33. Tel.: 213959559. Até<br />
17/04. 3ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 12h às 20h.<br />
Instalação.<br />
amplo é <strong>um</strong>a imagem <strong>de</strong><br />
liberda<strong>de</strong> no qual o olho tem<br />
espaço para se abrir ao<br />
exterior, para espalhar-se e na<br />
imensidão das vistas, e para<br />
per<strong>de</strong>r-se na varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
objectos <strong>que</strong> se oferecem à<br />
sua observação. Tais<br />
amplas e ilimitadas vistas s<br />
são tão agradáveis à<br />
fantasia como à<br />
compreensão o são as<br />
especulações acerca da<br />
eternida<strong>de</strong> e do<br />
infinito”, po<strong>de</strong> ler-se na<br />
publicação fundada<br />
por a<strong>que</strong>le ensaísta<br />
inglês.<br />
As pinturas <strong>de</strong> Rosa<br />
Carvalho convidam o<br />
espectador a embrenhar-se nas<br />
paisagens. Contudo, esse e<br />
chamamento po<strong>de</strong> conter em si <strong>um</strong>a<br />
armadilha: os lugares representa<strong>dos</strong><br />
têm algo <strong>de</strong> inóspito, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
estranheza inquietante. A visível<br />
natureza parece escon<strong>de</strong>r <strong>um</strong><br />
qual<strong>que</strong>r perigo - a paleta <strong>de</strong> cores<br />
escolhida ajuda a intensificar a<br />
perturbação presente em cada tela;<br />
há fenómenos atmosféricos <strong>que</strong><br />
parecem estar a formar-se, sem ser<br />
possível i<strong>de</strong>ntificar quais as<br />
consequências <strong>de</strong>ssas situações<br />
perceptíveis sobretudo na forma<br />
como são trata<strong>dos</strong> os céus. Há <strong>um</strong><br />
certo terror <strong>que</strong> habita estas telas:<br />
<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> solidão em confronto<br />
com <strong>um</strong> território não só indomável,<br />
<strong>de</strong>sabitado, mas também sedutor na<br />
sua imensidão, propícia à fantasia.<br />
Se as categorias <strong>de</strong> paisagem e <strong>de</strong><br />
sublime têm sido abordadas por Rosa<br />
Carvalho em inúmeras obras – vejase,<br />
por exemplo, o livro publicado<br />
pela Assírio & Alvim em 1998, <strong>que</strong><br />
abre justamente com <strong>um</strong>a pintura <strong>de</strong><br />
<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> dimensões datada <strong>de</strong>sse<br />
mesmo ano –, a gran<strong>de</strong> surpresa da<br />
exposição é, porém, <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />
oito ma<strong>que</strong>tas realizadas em 2009, as<br />
quais po<strong>de</strong>m ser lidas enquanto<br />
contraponto, complemento ou<br />
mesmo prolongamento das pinturas.<br />
O elemento h<strong>um</strong>ano, ausente das<br />
telas, surge agora em trabalhos <strong>que</strong><br />
<strong>de</strong>screvem situações situadas entre o<br />
sonho e a realida<strong>de</strong>. O carácter<br />
enigmático das peças, visualmente<br />
apelativas, é novamente evi<strong>de</strong>nte.<br />
Uma rocha fendida, <strong>um</strong> círculo <strong>de</strong><br />
pessoas sentadas, <strong>um</strong>a varanda,<br />
casas <strong>de</strong>struídas: nada nos oferece<br />
<strong>um</strong>a resposta para a proveniência<br />
<strong>de</strong>stas imagens. Sente-se, porém, <strong>que</strong><br />
ao serem retiradas do incessante<br />
fluxo do quotidiano, elas produzem<br />
<strong>um</strong>a qual<strong>que</strong>r ressonância: visíveis<br />
n<strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na ilha, instala<strong>dos</strong> sobre<br />
plintos, corta<strong>dos</strong> ao meio, esmaga<strong>dos</strong><br />
por <strong>um</strong> aci<strong>de</strong>nte, estes objectos<br />
constituem-se também enquanto<br />
fragmentos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a fábula sem<br />
princípio nem fim. Hipotéticos<br />
mon<strong>um</strong>entos à imaginação, eles<br />
evocam igualmente <strong>um</strong>a infância<br />
distante, quanto tudo parecia<br />
possível.<br />
O beliscão da<br />
Sara & André<br />
A terceira exposição<br />
individual <strong>de</strong>sta dupla serve<br />
<strong>de</strong> pausa para revisão <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a obra <strong>que</strong> não se esgota<br />
na ironia. José Marmeleira<br />
Claim To Fame<br />
De Sara e André.<br />
Lisboa. Espaço Fundação PLMJ. R. Rodrigues<br />
Sampaio, 29. Tel.: 210964103. Até 15/05. 4ª, 5ª, 6ª e<br />
Sáb. das 15h às 19h.<br />
Escultura, Outros.<br />
mmmnn<br />
As obras <strong>de</strong> Sara & André têm h<strong>um</strong>or,<br />
<strong>um</strong> efeito <strong>de</strong>sopilante e, entre a<br />
abordagem conceptual e a irrisão<br />
mais ou menos livre, lá vão trilhando<br />
esse corpo <strong>que</strong> dá pelo nome <strong>de</strong> arte<br />
contemporânea (portuguesa?). Da<br />
figura do artista e do culto da<br />
celebrida<strong>de</strong> aos h<strong>um</strong>ores do sistema<br />
artístico, quase nada tem sido<br />
poupado ao seu beliscão. Basta, para<br />
isto confirmar, dar <strong>um</strong> pulo ao<br />
Espaço Fundação PLMJ e ver “Claim<br />
to Fame”, individual centrada nos<br />
primeiros anos da dupla (2004-<br />
2007), embora com espaço para<br />
trabalhos mais recentes (incluindo<br />
<strong>um</strong> inédito).<br />
Sara & André nasceram,<br />
respectivamente, em 1980 e 1979. Ela<br />
estudou Realização Plástica do<br />
Espectáculo na Escola Superior <strong>de</strong><br />
Teatro e Cinema, ele cursou Artes<br />
Plásticas na Escola Superior <strong>de</strong> Arte e<br />
Design, nas Caldas da Rainha. E são<br />
<strong>um</strong> “casal”, <strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na<br />
“socieda<strong>de</strong>” <strong>que</strong> nesta exposição dá a<br />
(re)ver <strong>um</strong> corpo <strong>de</strong>finido <strong>de</strong><br />
trabalhos.<br />
Mas voltemos ao “beliscão”. O<br />
território <strong>de</strong> Sara & André é o <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
arte com ambições críticas <strong>que</strong><br />
ass<strong>um</strong>e, com prazer, o uso da<br />
<strong>de</strong>rrisão ou da ironia: têm<br />
interrogado <strong>de</strong> forma recorrente, e<br />
em obras<br />
distintas, as<br />
noções <strong>de</strong> autoria<br />
e originalida<strong>de</strong>, os<br />
mecanismos <strong>de</strong><br />
legitimação e a<br />
construção da<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />
artista.<br />
O gesto,<br />
todavia,<br />
não é novo<br />
(tal como<br />
os seus<br />
objectos)<br />
e n<strong>um</strong>a<br />
primeira<br />
leitura até<br />
parece espúrio.<br />
Acontece<br />
<strong>que</strong> não<br />
reivindica<br />
<strong>um</strong> lugar<br />
acima do estado das<br />
coisas; pelo<br />
contrário<br />
avança apressadamente<br />
para o seu interior, não se<br />
furtando às ambiguida<strong>de</strong>s<br />
<strong>que</strong> o acompanham.<br />
Veja-se o ví<strong>de</strong>o “Sara e<br />
André chegam ao Porto” (2007), <strong>um</strong>a<br />
sequência <strong>de</strong> planos fixos da dupla<br />
transformada em celebrida<strong>de</strong> pelos<br />
flashes <strong>dos</strong> paparazzi. Fascínio ou<br />
repulsa? Prazer ou <strong>de</strong>sdém? Ou os<br />
textos manipula<strong>dos</strong> <strong>de</strong> “Claim to<br />
Fame” (2004) on<strong>de</strong> Sara & André<br />
roubam para si os parágrafos<br />
consagra<strong>dos</strong> a outros artistas:<br />
apropriação <strong>que</strong> sorri<br />
respeitosamente diante <strong>dos</strong> processo<br />
<strong>de</strong> legitimação, ou riso escarninho<br />
dirigido à própria produção <strong>de</strong> textos<br />
<strong>de</strong> arte? Há <strong>um</strong> lado lúdico, até<br />
primário, nestes mo<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fazer e a<br />
paródia está sempre por perto. Por<br />
exemplo, em “Sara André comeram<br />
Dan Graham” (2007) ou “Sara e<br />
André são mais rápi<strong>dos</strong> <strong>que</strong><br />
Duchamp” (2007), frases pintadas<br />
nas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Lisboa por Miguel,<br />
<strong>um</strong> autor <strong>de</strong> grafitis. Na sala da<br />
Fundação PLMJ, doc<strong>um</strong>entos<br />
revelam aquilo <strong>que</strong> lhes <strong>de</strong>u: <strong>um</strong>a<br />
colaboração, estratégia <strong>que</strong> matiza<br />
<strong>um</strong>a boa parte do percurso <strong>dos</strong> dois<br />
artistas.<br />
Por vezes, também se <strong>de</strong>scobre <strong>um</strong><br />
traço mais introspectivo, como nas<br />
imagens da série “Flash”. Vemos o<br />
“casal” auto-retratado no interior <strong>de</strong><br />
lugares on<strong>de</strong> expôs individualmente;<br />
espectros não muito distantes <strong>dos</strong><br />
rostos “indiferentes”, protegi<strong>dos</strong> por<br />
molduras douradas, <strong>de</strong> “Auto-retrato<br />
(2007). Mas este beliscão, <strong>de</strong>sferido<br />
na história e no mundo <strong>de</strong> arte (com<br />
as suas disputas, regras e faces),<br />
corre o risco <strong>de</strong> ser pouco mais <strong>que</strong><br />
<strong>um</strong> to<strong>que</strong> na pele. Violento, rápido,<br />
mas indolor. Será talvez mais<br />
interessante pensá-lo partir <strong>de</strong> outros<br />
lugares. A saber: a condição <strong>de</strong> Sara<br />
& André enquanto artistas-curadores<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a exposição cujo “tema” é a<br />
sua obra (ver a série “Fundação); e a<br />
colaboração-encomenda como <strong>um</strong><br />
encontro regenerador com outros<br />
artistas (Paulo Men<strong>de</strong>s, Isabel Brisson<br />
ou Gonçalo Pena) e áreas (o grafiti <strong>de</strong><br />
Miguel, a música <strong>de</strong> Norberto Lobo<br />
em “My son Bruno Martelli”). A<br />
recriação generosa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a arte<br />
crítica po<strong>de</strong> passar por esses lugares.<br />
54 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon
2009<br />
ANA BRAGA, INÊS MOURA E SUSANA PEDROSA<br />
APRESENTAM OS TRABALHOS PREMIADOS PELA<br />
5ª EDIÇÃO DO BES REVELAÇÃO.<br />
DE 15 DE ABRIL A 18 DE JUNHO<br />
/// ENTRADA GRATUITA<br />
// MORADA<br />
Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal<br />
nº3, 1250-161 Lisboa<br />
// TELEFONE<br />
21 359 73 58<br />
// HORÁRIO<br />
Segunda a Sexta<br />
das 9h às 21h<br />
// EMAIL<br />
besarte.financa@bes.pt
CENTRO CULTURAL DE BELÉM<br />
www.ccb.pt BILHETEIRA ONLINE . TRAGA O SEU BILHETE DE CASA
INFORMAÇÕES<br />
PREÇOS DOS BILHETES<br />
Concerto Inaugural 10 ‹ galerias 5<br />
Gran<strong>de</strong> Auditório 8 ‹ galerias 5<br />
Restantes Salas 6<br />
Sala Amália Rodrigues 4<br />
Concertos para as Famílias 4<br />
Bilhete <strong>de</strong> Recinto 3 (Permite o acesso apenas às activida<strong>de</strong>s<br />
complementares: concertos nos espaços Música Livre,<br />
encontros com os artistas Aqui há conversas com... (Sala<br />
<strong>de</strong> Leitura), venda <strong>de</strong> livros, CD e zonas <strong>de</strong> <strong>resta</strong>uração.<br />
Não há Descontos.<br />
Não se aceitam reservas <strong>de</strong> bilhetes.<br />
VENDA DE BILHETES<br />
HORÁRIOS<br />
Sexta-feira dia 23 <strong>de</strong> Abril ‹ o Concerto Inaugural<br />
tem início às 21h<br />
Sábado dia 24 <strong>de</strong> Abril ‹ abertura do recinto às 10h,<br />
os concertos têm início às 11h<br />
Domingo dia 25 <strong>de</strong> Abril ‹ abertura do recinto às 10h,<br />
os concertos tem início às 11h<br />
Nº DE CONCERTOS<br />
São 72 concertos em 7 salas.<br />
ITINERÁRIOS<br />
Para o ajudar na escolha <strong>dos</strong> concertos <strong>de</strong>senhámos<br />
6 itinerários: Diversida<strong>de</strong>, Viagens no tempo, Invulgar,<br />
Espírito Livre, Romântico e Sortilégios da voz.<br />
OUTROS ESPAÇOS<br />
Música Livre Nos espaços <strong>de</strong> circulação <strong>de</strong>correm<br />
concertos e recitais por alguns <strong>dos</strong> intérpretes presentes,<br />
assim como por alunos e professores <strong>de</strong> música convida<strong>dos</strong>.<br />
Pianos avulso Uma série <strong>de</strong> pianos estão instala<strong>dos</strong> no<br />
CCB para <strong>que</strong> o público possa dar pe<strong>que</strong>nos concertos ou<br />
<strong>de</strong>scobrir este instr<strong>um</strong>ento.<br />
Aqui há conversas com... Encontros informais entre<br />
o público e os artistas na Sala <strong>de</strong> Leitura (Centro <strong>de</strong><br />
Reuniões).<br />
e ainda: Espaço <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> CD, livros e outros objectos<br />
alusivos ao Festival.<br />
NA CINEMATECA PORTUGUESA<br />
Esta edição <strong>dos</strong> Dias da Música em Belém conta ainda com<br />
<strong>um</strong>a parceria com a Cinemateca Portuguesa: entre 14 e 22<br />
<strong>de</strong> Abril, nas instalações da Cinemateca, po<strong>de</strong>rá assistir a<br />
<strong>um</strong> ciclo <strong>de</strong> 5 filmes também <strong>de</strong>dicado às Paixões da Alma:<br />
14 ABRIL \ 21H30<br />
I’ve Always Loved You <strong>de</strong> F. Borzage<br />
19 ABRIL \ 22H<br />
Eika Katappa <strong>de</strong> Wener Schroeter<br />
20 ABRIL \ 19H30<br />
Herr Arnes Pengar (O Tesouro <strong>de</strong> Arne) <strong>de</strong> Mauritz Stiller<br />
21 ABRIL \ 19H30<br />
Neskolko Dnej Iz I. I. Oblomova <strong>de</strong> N. Mikhalkov<br />
22 ABRIL \ 21H30<br />
Song of Love <strong>de</strong> Clarence Brown<br />
WWW.CCB.PT ‹ Bilheteira online: Traga o seu bilhete <strong>de</strong> casa<br />
\ Bilheteiras do CCB \ www.ticketline.pt \ Lojas FNAC: Chiado \<br />
Colombo \ CascaiShopping \ Almada Fór<strong>um</strong> \ GaiaShopping \<br />
Braga Par<strong>que</strong> NorteShopping \ Santa Catarina \ Atri<strong>um</strong> Saldanha<br />
\ Centro Vasco da Gama \ AlgarveShopping \ Fór<strong>um</strong> Coimbra \<br />
Ma<strong>de</strong>iraShopping \ Worten \ Abep \ Alvala<strong>de</strong> \ El Corte Inglês \<br />
C.C. Dolce Vita \ Agência Abreu e Mega Re<strong>de</strong>.<br />
NUMERAÇÃO DOS CONCERTOS<br />
A n<strong>um</strong>eração <strong>dos</strong> concertos é sempre antecedida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
letra. A letra A correspon<strong>de</strong> aos concertos <strong>de</strong> Sexta-feira, a<br />
letra B aos concertos <strong>de</strong> Sábado e a letra C, aos <strong>de</strong><br />
Domingo. Não há lugares marca<strong>dos</strong>, excepto no Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. Os lugares são ocupa<strong>dos</strong> por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> chegada.<br />
Faça a sua escolha com antecedência e leve a n<strong>um</strong>eração <strong>dos</strong><br />
concertos já preparada para ser mais fácil e rápida a compra<br />
<strong>dos</strong> bilhetes.<br />
PROGRAMAÇÃO PARA OS MAIS NOVOS<br />
Nos dias 24 e 25 <strong>de</strong> Abril encontra no CCB/Fábrica das<br />
Artes <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> oficinas pensadas para os mais novos.<br />
As oficinas funcionam sábado e domingo a partir das 10h,<br />
nos espaços da Fábrica das Artes (situada no Jardim das<br />
Oliveiras). As marcações <strong>de</strong>verão ser feitas até ao dia 23 <strong>de</strong><br />
Abril através do tel. 213 612 899, ou no CCB/ Fábrica das<br />
Artes nos dias do festival. Crianças até aos 7 anos só po<strong>de</strong>m<br />
participar nas oficinas acompanhadas por <strong>um</strong> adulto.<br />
A participação nestas oficinas é sujeita à capacida<strong>de</strong> das salas<br />
para <strong>que</strong>m possua <strong>um</strong> bilhete para <strong>um</strong> concerto <strong>dos</strong> Dias da<br />
Música, ou <strong>um</strong> bilhete <strong>de</strong> recinto. Crianças até aos 4 anos<br />
não pagam entrada.<br />
CONCURSO ESCOLAS EM PALCO<br />
Reconhecendo o êxito da parceria <strong>de</strong>senvolvida com o<br />
Ministério da Educação, os Dias da Música em Belém<br />
reedita, este ano, <strong>um</strong>a programação <strong>de</strong> concertos<br />
apresenta<strong>dos</strong> por alunos das escolas <strong>de</strong> música <strong>de</strong> todo<br />
o país, intitulada Escolas em Palco nos Dias da Música.<br />
Sábado e Domingo na Sala Amália Rodrigues e no Espaço<br />
Música Livre.<br />
LINHA DE INFORMAÇÃO<br />
Através do telefone 213 612 555, to<strong>dos</strong> os dias das<br />
10h às 19h.<br />
A programação po<strong>de</strong> ser alterada por motivos<br />
imprevistos.<br />
PRODUÇÃO PARCEIROS INSTITUCIONAIS PATROCINADORES PARCEIRO MEDIA CONCURSO ESCOLAS EM PALCO<br />
APOIOS
Em 1649, ano em <strong>que</strong> parte para Estocolmo a convite da rainha Cristina da Suécia, René<br />
Descartes (1596-1650) publica o Tratado das Paixões, correntemente conhecido como<br />
As Paixões da Alma. Descartes aprofunda aí a sua especulação sobre o pensamento h<strong>um</strong>ano,<br />
<strong>de</strong>smistificando a crença <strong>de</strong> <strong>que</strong> os sentimentos se localizavam no coração e insistindo em <strong>que</strong> é<br />
o cérebro <strong>que</strong> comanda todas as manifestações exteriores das paixões da alma, e contribui para<br />
<strong>um</strong>a longa tradição <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong> sistematização das paixões.<br />
Dos artigos 53 a 67 en<strong>um</strong>era todas as paixões, mas no artigo 69 sustenta <strong>que</strong> há apenas seis<br />
“<strong>que</strong> são simples e primitivas”. Todas as outras <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong>stas. Ei-las: a admiração, o amor,<br />
o ódio, o <strong>de</strong>sejo, a alegria e a tristeza.<br />
Este conjunto <strong>de</strong> paixões revelou-se o ponto <strong>de</strong> partida perfeito para os Dias da Música 2010.<br />
Na escolha das obras e compositores a ser apresenta<strong>dos</strong> nesta edição do festival, procurámos<br />
abranger os mais varia<strong>dos</strong> géneros e épocas, fazendo apelo à comunida<strong>de</strong> musical para <strong>que</strong><br />
reflectisse connosco <strong>um</strong>a programação transversal aos séculos, abrangente e, esperamos,<br />
surpreen<strong>de</strong>nte na evocação das paixões <strong>que</strong> cada obra inspira. No fundo, <strong>que</strong>remos proporcionar-lhe<br />
três dias em <strong>que</strong> possa divertir-se, <strong>de</strong>sfrutando <strong>de</strong> obras já bem conhecidas e <strong>de</strong> outras<br />
por <strong>de</strong>scobrir, tudo sob <strong>um</strong>a perspectiva diferente: a das paixões da alma.<br />
Assim, como já é tradição, o Centro Cultural <strong>de</strong> Belém vai acolher centenas <strong>de</strong> músicos <strong>de</strong> proveniências,<br />
gerações e afinida<strong>de</strong>s diferentes nas sete salas <strong>de</strong> concerto <strong>que</strong> funcionam em<br />
simultâneo. Vai acolher miú<strong>dos</strong>, graú<strong>dos</strong> e famílias inteiras <strong>que</strong> vão “pôr as mãos na massa” na<br />
Fábrica das Artes. Vai revelar os talentos <strong>de</strong> amanhã com o projecto Escolas em Palco, <strong>um</strong>a<br />
parceria com o Ministério da Educação, e com os concertos <strong>de</strong> entrada gratuita do espaço<br />
Música Livre. Vai apresentar conferências, conversas e ainda filmes (na Cinemateca Portuguesa)<br />
para to<strong>dos</strong> a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> <strong>que</strong>rem saber ainda mais. E, claro, vai ter pianos espalha<strong>dos</strong> pelo<br />
centro, para <strong>que</strong> to<strong>dos</strong> possam experimentar e dar voz às suas próprias paixões da alma.<br />
Sejam bem-vin<strong>dos</strong>!
PROGRAMAÇÃO<br />
Sexta-feira 23 Abril<br />
PEQUENO AUDITÓRIO<br />
SALA EDUARDO PRADO COELHO<br />
GRANDE AUDITÓRIO<br />
11h ‹ SÓ PARA ESCOLAS<br />
As palavras na barriga<br />
Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />
Coro Leioa Kantika Korala<br />
Vasco Negreiros DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />
A1<br />
21h ‹ CONCERTO INAUGURAL<br />
GEORGE FRIDERIC HANDEL<br />
L’Allegro, il Penseroso ed il Mo<strong>de</strong>rato, HWV55<br />
Retrospect Ensemble, coro e or<strong>que</strong>stra<br />
Matthew Halls DIRECÇÃO<br />
DURAÇÃO APROX. 2H20<br />
PROGRAMAÇÃO<br />
Sábado 24 Abril<br />
GRANDE AUDITÓRIO<br />
PEQUENO AUDITÓRIO<br />
12h<br />
B1<br />
Obras <strong>de</strong> BRAHMS, BRUCKNER E SCHUBERT<br />
Oscar Camacho PIANO<br />
Coro da Fundação Príncipe das Astúrias<br />
José Esteban García Miranda DIRECÇÃO<br />
11h<br />
B8<br />
As Palavras na Barriga<br />
Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />
Coro Leioa Kantika Korala<br />
Vasco Negreiros DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />
SALA LUÍS DE FREITAS BRANCO<br />
14h<br />
16h<br />
18h<br />
B2<br />
B3<br />
B4<br />
CHOPIN Concerto para piano n.º 2, em Fá menor<br />
MOZART Sinfonia n.º 35, em Ré maior, Haffner<br />
Jorge Moyano PIANO<br />
Or<strong>que</strong>stra <strong>de</strong> Câmara Portuguesa<br />
Pedro Carneiro \ José Eduardo Gomes DIRECÇÃO<br />
Os Elementos<br />
JEAN-FÉRY REBEL Les Éléments, simphonie nouvelle<br />
RAMEAU Suite <strong>de</strong> Pigmaleão<br />
Retrospect Ensemble, or<strong>que</strong>stra<br />
Matthew Halls DIRECÇÃO<br />
BERLIOZ Sinfonia Fantástica, op.14<br />
Or<strong>que</strong>stra Sinfónica Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />
Nir Kabaretti DIRECÇÃO<br />
B9<br />
B10<br />
B11<br />
T<strong>um</strong>ultos Passionais nos Conventos Portugueses<br />
Música e Textos do Barroco Português Seiscentista<br />
Capela Joanina & Flores <strong>de</strong> Música<br />
João Paulo Janeiro DIRECÇÃO \ Luísa Cruz LEITURAS<br />
Degli <strong>um</strong>ani affetti<br />
TELEMANN Abertura burlesca e outras obras<br />
VANNI MORETTO Degli <strong>um</strong>ani affetti, sete ostinatos<br />
para or<strong>que</strong>stra <strong>de</strong> cordas<br />
Or<strong>que</strong>stra Atalanta Fugiens<br />
Vanni Moretto DIRECÇÃO<br />
Anima e Corpo<br />
Obras <strong>de</strong> CASTELLO, MONTEVERDI, MARCO ANTONIO<br />
FERRO, B. MARINI, B. STROZZI, M. WECKMANN<br />
Céline Scheen SOPRANO<br />
Ensemble La Fenice<br />
Jean Tubéry DIRECÇÃO<br />
B14<br />
B15<br />
B16<br />
Poemário Música Coral a cappella <strong>de</strong><br />
compositores portugueses<br />
Obras <strong>de</strong> PEDRO F. GOMES, JOÃO CAMACHO, EURICO<br />
CARRAPATOSO, VASCO PEARCE DE AZEVEDO, NUNO<br />
CORTE-REAL E FERNANDO LOPES-GRAÇA<br />
Coro <strong>de</strong> Câmara Lisboa Cantat<br />
Jorge Carvalho Alves DIRECÇÃO<br />
Flaming Heart I<br />
Obras <strong>de</strong> CLAUDIO MONTEVERDI<br />
Ensemble I Fagiolini<br />
Robert Hollingworth DIRECÇÃO<br />
Cantigas <strong>de</strong> Amigo <strong>de</strong> Martin Codax<br />
Ensemble Eloqventia<br />
Mariví Blasco CANTO \ Rami Alqhai VIELA<br />
David Mayoral SALTÉRIO E PERCUSSÃO<br />
Alejandro Villar FLAUTAS E DIRECÇÃO MUSICAL<br />
20h<br />
B5<br />
ERKKI-SVEN TÜÜR Ardor, para marimba e orq.<br />
<strong>de</strong> câmara<br />
BEETHOVEN Sinfonia n.º 3, op.55, Eroica<br />
Or<strong>que</strong>stra <strong>de</strong> Câmara Portuguesa<br />
Pedro Carneiro MARIMBA E DIRECÇÃO<br />
B12<br />
Bem-me-<strong>que</strong>r, mal-me-<strong>que</strong>r<br />
WAGNER O Idílio <strong>de</strong> Siegfried<br />
MAHLER/SCHOENBERG Canções <strong>de</strong> <strong>um</strong> Viandante<br />
Ensemble Mediterrain<br />
Bruno Borralhinho DIRECTOR ARTÍSTICO E VIOLONCELO<br />
B17<br />
Palavras e Paixões<br />
Obras <strong>de</strong> MONTEVERDI, GESUALDO E SCHOENBERG<br />
Retrospect Ensemble, coro<br />
Matthew Halls DIRECÇÃO<br />
22h<br />
B6<br />
Vozes Ibéricas<br />
Oscar Camacho PIANO<br />
Coro da Fundação Príncipe das Astúrias<br />
José Esteban García Miranda DIRECÇÃO<br />
B13<br />
LEONID CHIZHIK Fantasia sobre Rondo Krakowiac<br />
<strong>de</strong> Chopin / Fantasia sobre <strong>um</strong> tema <strong>de</strong> Mozart<br />
Leonid Chizhik PIANO<br />
Or<strong>que</strong>stra do Algarve<br />
Osvaldo Ferreira DIRECÇÃO<br />
B18<br />
O amor é…<br />
Obras <strong>de</strong> HANDEL, RAMEAU, VIVALDI, BACH, TELEMANN<br />
La Basse Discontinue<br />
Orlanda Isidro Velez SOPRANO<br />
António Carrilho FLAUTAS DE BISEL<br />
Anne Hermant VIOLONCELO BARROCO<br />
Cécile Pomorski CRAVO<br />
24h<br />
B7<br />
Gospel<br />
London Community Gospel Choir
RETROSPECT ENSEMBLE, CORO E ORQUESTRA<br />
ORQUESTRA SINFÓNICA METROPOLITANA DE LISBOA<br />
ORQUESTRA ATALANTA FUGIENS<br />
ENSEMBLE I FAGIOLINI<br />
CORO SINFÓNICO LISBOA CANTAT<br />
ORQUESTRA SINFÓNICA PORTUGUESA<br />
DIVINO SOSPIRO<br />
ORQUESTRA DE CÂMARA PORTUGUESA<br />
ORQUESTRA DO ALGARVE<br />
CORO DA FUNDAÇÃO PRÍNCIPE DAS ASTÚRIAS<br />
ENSEMBLE LA FENICE<br />
ENSEMBLE ELOQVENTIA<br />
QUARTETO AVIV<br />
LEIPZIGER STRING QUARTET<br />
LONDON COMMUNITY GOSPEL CHOIR<br />
ORCHESTRUTOPICA<br />
OS MÚSICOS DO TEJO<br />
SCHOSTAKOVICH ENSEMBLE<br />
SA CHEN, FAZIL SAY, COREY HARRIS,<br />
LEONID CHIZHIK, MIGUEL BORGES COELHO,<br />
JORGE MOYANO, JEAN TUBÉRY, MICHAL KANKA,<br />
LUÍSA TENDER, BRUNO BORRALHINHO,<br />
SOLVEIG KRINGELBORN, ANA QUINTANS,<br />
MARIE-PIERRE LANGLAMET, ENTRE OUTROS.<br />
CONSULTE A PROGRAMAÇÃO<br />
DETALHADA EM WWW.CCB.PT<br />
SALA AMÁLIA RODRIGUES<br />
SALA ALMADA NEGREIROS SALA SOPHIA DE MELLO BREYNER SALA FERNANDO PESSOA<br />
B34<br />
Escolas em Palco - I<br />
Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />
<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />
com o Ministério da Educação.<br />
12h<br />
B19<br />
SCHUBERT Sonata para arpeggione e piano<br />
JANÁCEK Fairy Tales<br />
MARTIN U Variações sobre <strong>um</strong> tema eslovaco<br />
Michal Kanka VIOLONCELO<br />
Miguel Borges Coelho PIANO<br />
B24<br />
Alma Russa<br />
Obras <strong>de</strong> BORODIN, BALAKIREV, CÉSAR CUI,<br />
RIMSKY-KORSAKOV, MUSSORGSKY<br />
Filipe Pinto-Ribeiro PIANO<br />
B29<br />
Crystal Organ<br />
Obras <strong>de</strong> CHICK COREA, MOZART,<br />
RÖLLIG, BLOCH, VON HOLT SOMBACH,<br />
MICHEL REDOLFI<br />
Thomas Bloch HARMÓNICA DE VIDRO<br />
14h<br />
B20<br />
LIGETI Seis Bagatelas p/ Quinteto <strong>de</strong> Sopros<br />
BRAHMS Sonata p/ violoncelo, quinteto <strong>de</strong><br />
sopros e contrabaixo \ CARRAPATOSO Cinco<br />
Miniaturas p/ Quinteto <strong>de</strong> Sopros<br />
Ensemble Mediterrain<br />
Bruno Borralhinho DIRECTOR ARTÍSTICO E VIOLONCELO<br />
B25<br />
BRAHMS Intermezzi op. 117<br />
BEETHOVEN Sonata n.º 8, op.12, Patética<br />
LISZT Sonetos <strong>de</strong> Petrarca n.ºs 47 e 104<br />
Luísa Ten<strong>de</strong>r PIANO<br />
B30<br />
HAYDN Quarteto <strong>de</strong> cordas, op.76/3,<br />
Imperador<br />
SCHOSTAKOVICH Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 3<br />
Quarteto Aviv<br />
B35<br />
Escolas em Palco - II<br />
Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />
<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />
com o Ministério da Educação.<br />
16h<br />
B21<br />
No Teatro das Emoções<br />
Canções <strong>de</strong> SCHUBERT, DEBUSSY, WOLF, F. PIRES,<br />
BRAHMS, BRITTEN, FILIPE DE SOUSA, MAHLER,<br />
SCHUMANN, NED ROREM, A. FRAGOSO, SATIE,<br />
BERNSTEIN, POULENC e CORIGLIANO<br />
O Guardador <strong>de</strong> Canções (canto e piano)<br />
B26<br />
BEETHOVEN Sonata n.º 17, op. 31/2,<br />
A Tempesta<strong>de</strong><br />
BACH/BUSONI Chaconne, BWV 1004<br />
WAGNER/LISZT A morte <strong>de</strong> Isolda<br />
Fazil Say PIANO<br />
B31<br />
L’âme en peine<br />
Música <strong>de</strong> LOUIS COUPERIN, FRANÇOIS<br />
COUPERIN, J. J. FROBERGER<br />
Fernando Miguel Jalôto CRAVO<br />
18h<br />
B22<br />
Schubertíada<br />
FRANZ SCHUBERT Quinteto <strong>de</strong> Cordas,<br />
em Dó maior, D. 956<br />
Schostakovich Ensemble<br />
B27<br />
GUBAIDULINA Chaconne<br />
PROKOFIEV Sarcasmos, op. 17, n.º 1 \<br />
Visions Fugitives (selecção)<br />
MUSSORGSKY Quadros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Exposição<br />
Sa Chen PIANO<br />
B32<br />
BACH Suite para violoncelo n.º 3<br />
HINDEMITH Sonata solo, op. 25 n.º 3<br />
KODÁLY Sonata para violoncelo, op. 8<br />
FELD Partita Solo<br />
Michal Kanka VIOLONCELO<br />
B36<br />
Escolas em Palco - III<br />
Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />
<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />
com o Ministério da Educação.<br />
20h<br />
B23<br />
O velho e o novo tango<br />
Obras <strong>de</strong> ASTOR PIAZZOLLA, RAÚL GARELLO,<br />
MARIANO MORES, PEDRO LAURENZ,<br />
ALEJANDRO SCARPINO/JUAN CALDARELLA,<br />
JULIAN PLAZA<br />
Lusotango<br />
B28<br />
ARENSKI Trio em Ré menor<br />
BRAHMS Trio em Dó Maior<br />
Trio.pt<br />
Pedro Morais Andra<strong>de</strong> VIOLINO<br />
Paulo Gaio Lima VIOLONCELO<br />
Paulo Pacheco PIANO<br />
B33<br />
Blues a solo<br />
Corey Harris GUITARRA E VOZ<br />
22h
PROGRAMAÇÃO Domingo 25 Abril<br />
GRANDE AUDITÓRIO<br />
PEQUENO AUDITÓRIO<br />
SALA LUÍS DE FREITAS BRANCO<br />
11h<br />
C1<br />
Amor Vincit Omnia<br />
Obras <strong>de</strong> GEORG MUFFAT, GIOVANNI BONONCINI,<br />
VIVALDI, HANDEL<br />
Pietro Prosser ALAÚDE<br />
Cenk Karaferya CONTRATENOR<br />
Divino Sospiro<br />
Massimo Mazzeo DIRECÇÃO<br />
C7<br />
As Palavras na Barriga<br />
Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />
Coro Leioa Kantika Korala<br />
Vasco Negreiros DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />
C12<br />
Cantigas <strong>de</strong> Amor <strong>de</strong> D. Dinis <strong>de</strong> Portugal<br />
Ensemble Eloqventia<br />
Mariví Blasco CANTO<br />
Rami Alqhai VIELA<br />
David Mayoral SALTÉRIO E PERCUSSÃO<br />
Alejandro Villar FLAUTAS E DIRECÇÃO MUSICAL<br />
13h<br />
C2<br />
Árias <strong>de</strong> Ópera <strong>de</strong> Haydn e Mozart<br />
Solveig Kringelborn SOPRANO<br />
Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />
Cesário Costa DIRECÇÃO<br />
C8<br />
Anima e Corpo<br />
Obras <strong>de</strong> CASTELLO, MONTEVERDI, MARCO ANTONIO<br />
FERRO, MARINI, STROZZI, WECKMANN<br />
Céline Scheen SOPRANO<br />
Ensemble La Fenice<br />
Jean Tubéry DIRECÇÃO<br />
C13<br />
Flaming Heart II<br />
Obras <strong>de</strong> CLAUDIO MONTEVERDI<br />
Ensemble I Fagiolini<br />
Robert Hollingworth DIRECÇÃO<br />
15h<br />
C3<br />
HANDEL O<strong>de</strong> para o Dia <strong>de</strong> Sta. Cecília<br />
Gillian Keith SOPRANO<br />
James Gilchrist TENOR<br />
Retrospect Ensemble, coro e or<strong>que</strong>stra<br />
Matthew Halls DIRECÇÃO<br />
C9<br />
Il combattimento <strong>de</strong>lle passioni <strong>um</strong>ani<br />
Obras <strong>de</strong> GLUCK, TELEMANN, DITTERSDORF<br />
Or<strong>que</strong>stra Atalanta Fugiens<br />
Vanni Moretto DIRECÇÃO<br />
C14<br />
A Paixão Segundo Gesualdo<br />
Música <strong>de</strong> CARLO GESUALDO DI VENOSA<br />
Vocal Ensemble<br />
Vasco Negreiros DIRECÇÃO<br />
17h<br />
C4<br />
MOZART Requiem<br />
Dora Rodrigues SOPRANO \ Cátia Moreso CONTRALTO<br />
Musa Nkuna TENOR \ Nuno Dias BAIXO<br />
Coro do Teatro Nacional <strong>de</strong> São Carlos<br />
Or<strong>que</strong>stra Sinfónica Portuguesa<br />
Michael Guettler DIRECÇÃO<br />
C10<br />
Poemas <strong>de</strong> Amor<br />
ISAAC ALBÉNIZ Poèmes d’Amour e Suite Española<br />
Ensemble Mediterrain<br />
Bruno Borralhinho DIRECÇÃO ARTÍSTICA E VIOLONCELO<br />
C15<br />
Pentagrama, ou a longa sombra do peripatético<br />
Obras <strong>de</strong> HOLBORNE, BYRD, ANTÓNIO CARREIRA,<br />
GIOVANNI TRABACI, FRESCOBALDI, ROSENMÜLLER,<br />
PIERRE ATTAIGNANT,CLEMENS NON PAPA<br />
A Imagem da Melancolia<br />
Inês Moz Caldas, Marco Magalhães, Paulo Gonzalez,<br />
Susanna Borsch, Pedro Sousa Silva FLAUTAS DE BISEL<br />
19h<br />
C5<br />
SÉRGIO AZEVEDO Concerto para piano e or<strong>que</strong>stra*<br />
MANUEL DE FALLA El Amor Brujo<br />
António Rosado PIANO<br />
Or<strong>que</strong>stra do Algarve<br />
Osvaldo Ferreira DIRECÇÃO<br />
* Estreia absoluta | Encomenda CCB/Dias da Música 2010<br />
C11<br />
Anima<br />
Obras <strong>de</strong> GÉRARD GRISEY, JOÃO PEDRO OLIVEIRA,<br />
LUÍS ANTUNES PENA, VASCO MENDONÇA<br />
OrchestrUtopica<br />
Pedro Pinto Figueiredo DIRECÇÃO<br />
C16<br />
Sementes do Fado<br />
Os Músicos do Tejo<br />
Marcos Magalhães CRAVO E DIRECÇÃO<br />
Ana Quintans CANTO<br />
Ricardo Rocha GUITARRA PORTUGUESA<br />
21h<br />
C6<br />
CONCERTO DE ENCERRAMENTO<br />
BEETHOVEN Sinfonia n.º 9, op. 125, Coral<br />
Sónia Alcobaça SOPRANO \ Paz Martinez CONTRALTO<br />
Mário Alves TENOR \ Alfredo García BARÍTONO<br />
Coro Sinfónico Lisboa Cantat<br />
Jorge Alves DIRECÇÃO DO CORO<br />
Or<strong>que</strong>stra Sinfónica Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />
Cesário Costa DIRECÇÃO<br />
ESPECTÁCULO<br />
IMAGEM BEATRIZ SILVA<br />
OFICINAS Sábado/Domingo 24/25 Abril<br />
OBRA EM<br />
ESTREIA<br />
As palavras na barriga<br />
Vasco Negreiros \ Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />
23 Abril 11h > escolas<br />
24 e 25 Abril 11h > famílias<br />
a partir <strong>dos</strong> 6 anos<br />
Ópera infantil baseada no livro O menino<br />
<strong>que</strong> guardava as palavras na barriga,<br />
<strong>de</strong> Juva Batella.<br />
DIRECÇÃO MUSICAL VASCO NEGREIROS<br />
ENCENAÇÃO LUCA APREA<br />
MAESTRO DO CORO BASÍLIO ASTULEZ<br />
CENOGRAFIA E FIGURINOS LUÍS SANTOS<br />
DESENHO DE LUZ ANTÓNIO DA COSTA<br />
PERSONAGENS E INTÉRPRETES<br />
BEATRIZ BAGULHO GÚNDÚNGÚM<br />
CAMILA ROBERT JOAQUINZINHO<br />
REBECA AMORIM MARILÚ<br />
CORO LEIOA KANTIKA KORALA (PAÍS BASCO, ESPANHA)<br />
ORQUESTRA FILARMONIA DAS BEIRAS<br />
CO-PRODUÇÃO<br />
CCB/FÁBRICA DAS ARTES | ORQUESTRA FILARMONIA DAS BEIRAS<br />
COM O APOIO DA EMBAIXADA DE ESPANHA<br />
PROGRAMAÇÃO PARA A FAMÍLIA<br />
O som <strong>dos</strong> sentimentos<br />
Joana Bagulho \ Joana Amorim<br />
14h e 17h duração > 1h<br />
M/4 anos<br />
Por <strong>que</strong> é <strong>que</strong> a música nos acelera o<br />
coração? Por <strong>que</strong> é <strong>que</strong> esta música me<br />
faz chorar? O espectáculo é protagonizado<br />
por <strong>um</strong> actor e dois músicos <strong>que</strong> constroem<br />
<strong>um</strong>a história com as crianças, montando <strong>um</strong>a<br />
obra musical com base n<strong>um</strong>a história sem<br />
tempo, mas repleta <strong>de</strong> sentimentos e emoções.<br />
A composição será baseada nos princípios <strong>de</strong><br />
Retórica Musical <strong>de</strong> J. Burmeister e em peças<br />
renascentistas.<br />
COMPONENTE MUSICAL COMPOSTA E ARRANJADA<br />
VASCO NEGREIROS<br />
ACTOR F. PEDRO OLIVEIRA<br />
CRAVO JOANA BAGULHO<br />
TRAVERSO RENASCENTISTA E FLAUTA DE BISEL JOANA AMORIM<br />
FIGURINOS KUSTURICAS<br />
Só cordas!<br />
11h \ 14h30 \ 16h<br />
3 aos 6 anos<br />
A Clara, o Ri e o Nete eram bons amigos.<br />
Brincavam juntos... dançavam juntos. Mas o<br />
melhor <strong>de</strong> tudo era gostarem <strong>de</strong> tocar juntos.<br />
Um dia viram outros instr<strong>um</strong>entos a caminho<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a festa e quiseram juntar-se a eles… mas<br />
não foi nada fácil entrar na festa das cordas...<br />
A apresentação <strong>dos</strong> instr<strong>um</strong>entos e <strong>dos</strong><br />
elementos musicais é feita a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
história, n<strong>um</strong> trabalho <strong>dos</strong> alunos do curso <strong>de</strong><br />
Música na Comunida<strong>de</strong> da Escola Superior <strong>de</strong><br />
Música <strong>de</strong> Lisboa e Escola Superior <strong>de</strong> Educação<br />
<strong>de</strong> Lisboa.<br />
CONCEPÇÃO E REALIZAÇÃO DOS ALUNOS DO PRIMEIRO ANO<br />
DO CURSO DE MÚSICA NA COMUNIDADE<br />
ADÉRITO COSTA \ ANDRÉ MENDÃO \ ÂNGELO SALVADO<br />
MARIA MEIRELES \ NUNO VARÃO \ PATRÍCIA SILVA \<br />
PEDRO MOTA \ VÍTOR ANJO<br />
COLABORAÇÃO DOS PROFESSORES<br />
JOANA BAGULHO \ PAULO RODRIGUES \ MANON MARQUES
SALA ALMADA NEGREIROS SALA SOPHIA DE MELLO BREYNER SALA FERNANDO PESSOA<br />
SALA AMÁLIA RODRIGUES<br />
C17<br />
BEETHOVEN Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 11, op.95<br />
P. GLASS Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 2, Company<br />
HUGO RIBEIRO Mensagens Soltas*<br />
ANDRÉ CAPLET Conto fantástico p/ quarteto<br />
<strong>de</strong> cordas e harpa<br />
Leipzig String Quartet e convida<strong>dos</strong><br />
* estreia em Portugal<br />
C22<br />
ARVO PÄRT Für Alina<br />
SCHUMANN Três Fantasiestücke, op.111<br />
CHOPIN Mazurkas; Polonaise, op.44<br />
RAVEL La Valse<br />
Sa Chen PIANO<br />
C27<br />
Crystal Organ<br />
Obras <strong>de</strong> CHICK COREA, MOZART,<br />
RÖLLIG, BLOCH, SOMBACH, REDOLFI,<br />
ROLIN<br />
Thomas Bloch HARMÓNICA DE VIDRO<br />
C32<br />
Escolas em Palco - IV<br />
Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />
<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />
com o Ministério da Educação.<br />
11h<br />
C18<br />
BEETHOVEN Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 16, op.135<br />
JANÁCEK Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 1,<br />
Sonata a Kreutzer<br />
Quarteto Aviv<br />
C23<br />
PROKOFIEV Sonata para piano n.º 7<br />
BERG Sonata, op.1<br />
FAZIL SAY Black Earth<br />
MOZART Doze Variações sobre<br />
“Ah, vous dirais-je, Maman”<br />
Fazil Say PIANO<br />
C28<br />
Blues a solo<br />
Corey Harris GUITARRA E VOZ<br />
13h<br />
C19<br />
BRITTEN Quarteto Fantasia, para oboé<br />
e cordas<br />
BARTÓK Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 6<br />
Ricardo Lopes OBOÉ<br />
Quarteto Vianna da Motta<br />
C24<br />
DEBUSSY Pour le piano<br />
SCHOENBERG Suite op.25<br />
SCRIABIN 5 prelúdios, op. 74<br />
BARTÓK En plein air<br />
Miguel Borges Coelho PIANO<br />
C29<br />
As Formas <strong>dos</strong> Sentimentos<br />
CONCERTO COMENTADO<br />
SOR Sonata Prima “Grand Solo”<br />
WALTON Bagatelas \ BACH Prelúdio e Fuga<br />
da Suite p/ alaú<strong>de</strong>, em Dó menor<br />
PONCE Thème Variée et Finale<br />
Eurico Pereira GUITARRA SOLO<br />
E COMENTÁRIOS<br />
C33<br />
Escolas em Palco - V<br />
Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />
<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />
com o Ministério da Educação.<br />
15h<br />
C20<br />
DEBUSSY Prélu<strong>de</strong> à l’après-midi d’un Faune<br />
DANIEL MOREIRA Trio para flauta, clarinete<br />
e piano<br />
JACQUES IBERT Aria<br />
MAURICE EMMANUEL Sonata<br />
Trio Impressões<br />
C25<br />
Erik Satie, o “peripatético”<br />
Obras <strong>de</strong> SATIE, ADAMS,<br />
MARECOS, PÄRT, SCRIABIN<br />
Joana Gama PIANO<br />
C30<br />
Cartas Íntimas<br />
MENDELSSOHN Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 6,<br />
Requiem para Fanny<br />
JANÁCEK Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 2,<br />
Cartas Íntimas<br />
Leipzig String Quartet<br />
17h<br />
C21<br />
Tchaikovskiana<br />
TCHAIKOVSKI Souvenir d’un lieu cher /<br />
Souvenir <strong>de</strong> Florence<br />
Schostakovich Ensemble<br />
C26<br />
SCHUMANN Kreisleriana, op.16<br />
CHOPIN Sonata n.º 3, op.58<br />
Miguel Henri<strong>que</strong>s PIANO<br />
C31<br />
Impromptu<br />
Obras <strong>de</strong> FAURÉ, ROUSSEL, SCHUBERT,<br />
GLIÈRE, CRAS E PIERNÉ<br />
Marie-Pierre Langlamet HARPA<br />
C34<br />
Escolas em Palco -VI<br />
Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />
<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />
com o Ministério da Educação.<br />
19h<br />
Cantar juntos 2<br />
10h \ 12h30 \ 15h30 duração > 40m<br />
<strong>dos</strong> 0 aos 6 anos<br />
Agora com o segundo livro (com CD) da<br />
série Cantar juntos, como objecto inspirador,<br />
esta oficina / concerto preten<strong>de</strong>, mais <strong>um</strong>a vez,<br />
envolver pais e crianças n<strong>um</strong> universo musical<br />
com raízes na tradição oral. A palavra, o som e<br />
o gesto interagem, transportando-nos para <strong>um</strong><br />
mundo mágico e surpreen<strong>de</strong>nte. Este projecto<br />
musical é promovido pela Associação Apren<strong>de</strong>r<br />
em Parceria, no âmbito do Projecto A PAR, <strong>um</strong>a<br />
iniciativa <strong>de</strong> intervenção educativa social.<br />
DIRECÇÃO MUSICAL E PEDAGÓGICA<br />
ANA SOFIA SEQUEIRA \ RUTE PRATES \ MARIA PRATES<br />
MÚSICOS ANA SOFIA SEQUEIRA (GUITARRA)<br />
FLÁVIA ALMEIDA CASTRO (CRAVO) \ JAIME BACHAREL (VOZ)<br />
JOANA AMORIM (FLAUTAS) \ LUÍS SILVA (VIOLONCELO)<br />
MARCO SANTOS (PERCUSSÃO) \ FILIPA COSTA MACEDO (VOZ)<br />
CORO INFANTIL DE SANTO ANTÓNIO DE CAMPOLIDE<br />
DIRECÇÃO RUTE PRATES<br />
Sons senti<strong>dos</strong><br />
(Há som no laboratório)<br />
Nuno Cintrão \ Catarina Vasconcelos \<br />
José Oliveira<br />
10h30 \ 14h \ 17h duração > 1h30<br />
M/5 anos<br />
Há sons por toda a parte e, por vezes, há<br />
sons <strong>que</strong> estão por perto e <strong>dos</strong> quais nem nos<br />
apercebemos. Existem sons <strong>que</strong> nos metem<br />
medo, outros <strong>que</strong> nos acalmam. Mas será <strong>que</strong><br />
nós vibramos mesmo com o som ou será <strong>que</strong><br />
é ele <strong>que</strong> vibra connosco? E seremos nós a ter<br />
sons preferi<strong>dos</strong> ou será <strong>que</strong> são eles <strong>que</strong> nos<br />
escolhem? E os sons também po<strong>de</strong>m namorar<br />
ou serão só amigos? Nesta oficina vamos ouvir,<br />
<strong>de</strong>scobrir, inventar e brincar com universos<br />
sonoros e musicais.<br />
Conversas com músicos<br />
Artistas <strong>dos</strong> Dias da Música em Belém<br />
Sessões <strong>de</strong> 20m<br />
a partir <strong>dos</strong> 4 anos<br />
Nesta sala vais po<strong>de</strong>r conhecer músicos <strong>de</strong><br />
verda<strong>de</strong>, ouvir e vê-los tocar mesmo perto <strong>de</strong> ti<br />
e, finalmente, fazer todas as perguntas <strong>que</strong><br />
sempre <strong>de</strong>sejaste fazer.<br />
Todas as oficinas <strong>de</strong>correm<br />
no espaço CCB / Fábrica<br />
das Artes, Jardim das Oliveiras.<br />
Inscrições pelo telefone<br />
213 612 899
ITINERÁRIOS<br />
Propomos <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> 6<br />
itinerários para <strong>um</strong>a possível<br />
viagem, nos dias 24 e 25<br />
<strong>de</strong> Abril, às Paixões da Alma:<br />
DIVERSIDADE<br />
‹ Diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estilos, perío<strong>dos</strong>,<br />
compositores, instr<strong>um</strong>entos e<br />
formações.<br />
12h<br />
14h<br />
16h<br />
18h<br />
DIA 24<br />
B1<br />
B2<br />
B10<br />
B31<br />
DIVERSIDADE<br />
DIA 25<br />
11h C27<br />
13h C23<br />
15h C3<br />
17h C30<br />
SORTILÉGIOS DA VOZ<br />
DIA 24<br />
12h<br />
14h<br />
16h<br />
18h<br />
B1<br />
B14<br />
B15<br />
B21<br />
11h<br />
13h<br />
15h<br />
17h<br />
DIA 25<br />
C12<br />
C2<br />
C14<br />
C4<br />
SORTILÉGIOS DA VOZ<br />
‹ Um itinerário em torno da<br />
música vocal e coral. Para se<br />
<strong>de</strong>ixar enfeitiçar pela magia <strong>que</strong> a<br />
voz h<strong>um</strong>ana exerce sobre nós.<br />
20h<br />
22h<br />
24h<br />
B27<br />
B33<br />
B7<br />
19h<br />
21h<br />
C31<br />
C6<br />
20h<br />
22h<br />
24h<br />
B17<br />
B6<br />
B7<br />
19h<br />
21h<br />
C16<br />
C6<br />
VIAGENS NO TEMPO<br />
‹ Percorra n<strong>um</strong> só dia vários<br />
perío<strong>dos</strong> da história da música.<br />
Viaje através <strong>dos</strong> séculos no<br />
mesmo concerto.<br />
12h<br />
VIAGENS NO TEMPO<br />
DIA 24 DIA 25<br />
B1 11h C22<br />
ROMÂNTICO<br />
DIA 24<br />
12h B1<br />
11h<br />
DIA 25<br />
C1<br />
ROMÂNTICO<br />
‹ Um itinerário romântico nos<br />
dois senti<strong>dos</strong> da palavra. Música<br />
inspirada no amor e <strong>um</strong>a viagem<br />
pela música do período do<br />
romantismo.<br />
14h<br />
16h<br />
18h<br />
20h<br />
B9<br />
B30<br />
B16<br />
B32<br />
13h<br />
15h<br />
17h<br />
19h<br />
C8<br />
C9<br />
C20<br />
C11<br />
14h<br />
16h<br />
18h<br />
20h<br />
B24<br />
B25<br />
B4<br />
B12<br />
13h<br />
15h<br />
17h<br />
19h<br />
C13<br />
C19<br />
C10<br />
C26<br />
ESPÍRITO LIVRE<br />
‹ Para <strong>que</strong>m prefere o imprevisto,<br />
<strong>um</strong> itinerário <strong>que</strong> privilegia a<br />
música improvisada e a música<br />
<strong>de</strong> compositores <strong>que</strong> ficaram<br />
célebres pelo seu espírito livre.<br />
INVULGAR<br />
‹ Conheça instr<strong>um</strong>entos e<br />
formações invulgares.<br />
Oiça instr<strong>um</strong>entos fora<br />
do seu contexto habitual.<br />
22h<br />
24h<br />
12h<br />
14h<br />
16h<br />
B23<br />
B7<br />
DIA 24<br />
B1<br />
B19<br />
B3<br />
21h C6<br />
ESPÍRITO LIVRE<br />
DIA 25<br />
11h C27<br />
13h C18<br />
15h C24<br />
22h B28<br />
24h B7<br />
INVULGAR<br />
DIA 24<br />
12h B1<br />
14h B29<br />
16h B20<br />
21h<br />
11h<br />
13h<br />
15h<br />
C6<br />
DIA 25<br />
C17<br />
C28<br />
C29<br />
Encontra no quadro ao<br />
lado a or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong> concertos<br />
n<strong>um</strong>era<strong>dos</strong> a <strong>que</strong> se refere<br />
cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> 6 itinerários.<br />
18h<br />
20h<br />
22h<br />
24h<br />
B26<br />
B5<br />
B13<br />
B7<br />
17h<br />
19h<br />
21h<br />
C25<br />
C5<br />
C6<br />
18h<br />
20h<br />
22h<br />
24h<br />
B11<br />
B22<br />
B18<br />
B7<br />
17h<br />
19h<br />
21h<br />
C15<br />
C21<br />
C6