13.03.2015 Views

O que resta dos grandes sonhos de um país pequeno - Fonoteca ...

O que resta dos grandes sonhos de um país pequeno - Fonoteca ...

O que resta dos grandes sonhos de um país pequeno - Fonoteca ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Sexta-feira<br />

2 Abril 2010<br />

www.ipsilon.pt<br />

Pedro Costa Clarice Lispector Field Music Manuel Alegre Tiago Bettencourt<br />

NUNO FERREIRA SANTOS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7302 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

O <strong>que</strong> <strong>resta</strong> <strong>dos</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> <strong>sonhos</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> país pe<strong>que</strong>no<br />

Com“Ruínas” Manuel Mozos faz <strong>um</strong> belíssimo filme-ensaio sobre Portugal


Flash<br />

S<strong>um</strong>ário<br />

Manuel Mozos 6<br />

Filma, em “Ruínas”, <strong>um</strong><br />

Portugal mais <strong>de</strong> misérias do<br />

<strong>que</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zas<br />

O som e a fúria 11<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a geração<br />

Jens Lapidus 16<br />

Um advogado <strong>que</strong> escreve na<br />

pele do criminoso<br />

Manuel Alegre 18<br />

Uma escrita <strong>que</strong> puxa pela<br />

memória<br />

Clarice Lispector 20<br />

Chegou a hora da estrela<br />

Field Music 22<br />

São ingleses, gostam <strong>de</strong><br />

futebol e fizeram <strong>um</strong> gran<strong>de</strong><br />

disco duplo<br />

Tiago Bettencourt 26<br />

A música <strong>que</strong> faz não<br />

é a música <strong>que</strong> ouve<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />

(adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho, Carla<br />

Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografia Miguel<br />

Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

Anda mal<br />

o casamento<br />

<strong>de</strong> Julianne Moore<br />

“Chloe”, o novo filme <strong>de</strong> Atom<br />

Egoyan, é <strong>um</strong>a análise à instituição<br />

casamento. Conta a história <strong>de</strong><br />

Catherine Stewart, <strong>um</strong>a médica<br />

( Julianne Moore) <strong>que</strong> se sente<br />

infeliz com o casamento. Quando<br />

suspeita da traição <strong>de</strong> David, o<br />

marido (Liam Neeson), <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

contratar Chloe, acompanhante<br />

<strong>de</strong> luxo (Amanda Seyfried). O<br />

combinado era <strong>que</strong> Chloe revelasse<br />

a Catherine os pormenores <strong>dos</strong><br />

encontros com David, mas Chloe<br />

parece ter os seus próprios planos,<br />

<strong>que</strong> po<strong>de</strong>rão mesmo <strong>de</strong>struir a<br />

família <strong>de</strong> Catherine. “Este filme é<br />

sobre <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong>sencantada<br />

com o seu casamento. Começa<br />

a sentir <strong>que</strong> já não é a mesma,<br />

mas escolhe <strong>um</strong>a maneira muito<br />

particular para tentar compreen<strong>de</strong>r<br />

o marido”, disse Julianne Moore ao<br />

“The Washington Post”.<br />

A MTV e as Spice<br />

Girls mataram a<br />

fúria feminina<br />

A pergunta é colocada do ponto <strong>de</strong><br />

vista <strong>de</strong> <strong>que</strong>m se recorda <strong>de</strong> Joan<br />

Jett, do punk <strong>de</strong> Siouxsie Sioux e do<br />

“riot grrrl” das Bikini Kill, <strong>de</strong> <strong>que</strong>m<br />

se vê agora n<strong>um</strong> cenário on<strong>de</strong><br />

figuras femininas estão no topo das<br />

tabelas e concentram atenção<br />

mediática como nunca antes. Dessa<br />

posição, surgiu no “Guardian” a<br />

pergunta: “O <strong>que</strong> aconteceu às<br />

estrelas femininas furiosas?”<br />

“Nos últimos vinte anos – aponta<br />

Tahita Bulmer, vocalista <strong>dos</strong> New<br />

Young Pony Club, ao diário<br />

britânico –, as mulheres jovens<br />

aceitaram <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada<br />

‘persona’. Há a i<strong>de</strong>ia <strong>que</strong> tens <strong>de</strong> ser<br />

obcecada pela fama, e parecer<br />

convencional ou sensual”. A culpa,<br />

arg<strong>um</strong>enta-se no artigo, tem dois<br />

nomes. MTV e Spice Girls. A<br />

primeira, escreve-se, transformou a<br />

cultura popular, <strong>de</strong>ixando para trás<br />

bandas punk feministas como Slits<br />

ou Raincoats: “A imagem tornou-se<br />

o mais importante, e mulheres<br />

zangadas <strong>que</strong> não <strong>que</strong>riam saber<br />

<strong>de</strong>la não se enquadravam nesse<br />

cenário”. Já as segundas,<br />

apropriaram-se do vocabulário das<br />

“riot grrrls” e proclamaram “girl<br />

power”, mas, arg<strong>um</strong>enta Ju<strong>de</strong><br />

Rogers, a autora do artigo, fizeramno<br />

seguindo o “mo<strong>de</strong>lo<br />

convencional <strong>de</strong> banda pop<br />

fabricada por homens para<br />

mulheres adolescentes”.<br />

Cazz Balse, co-autora do livro<br />

“Riot Grrrl: Revolution Girl Style<br />

Now!”, assinala <strong>que</strong>, n<strong>um</strong> mundo<br />

<strong>de</strong> X-Factors e Ídolos, arriscar é<br />

perigoso. “Perseguindo a música<br />

Julianne Moore em “Chloe”<br />

Charlotte Rampling interpreta<br />

Yourcenar no Festival <strong>de</strong> Almada<br />

A actriz inglesa Charlotte<br />

Rampling vai estar na<br />

próxima edição do Festival<br />

<strong>de</strong> Teatro Almada, em Julho,<br />

com “Yourcenar/Cavafy”,<br />

<strong>um</strong> diálogo ficcionado entre<br />

a autora <strong>de</strong> “Memórias <strong>de</strong><br />

Adriano” e o poeta grego <strong>de</strong><br />

Alexandria, interpretado<br />

pelo actor Polydoros<br />

Vogiatzis. O espectáculo,<br />

concebido por Jean-Clau<strong>de</strong><br />

Feugnet a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

cenografia <strong>de</strong> Lambert<br />

Wilson, será apresentado no<br />

Teatro Nacional <strong>de</strong> S. João,<br />

no Porto (16 <strong>de</strong> Julho), e na<br />

sala Garrett do Teatro<br />

Nacional D. Maria II (dias 17 e<br />

18).<br />

Mais conhecida pelos seus<br />

papéis no cinema – ao longo<br />

<strong>de</strong> quase meio século <strong>de</strong><br />

carreira, trabalhou com<br />

Roger Corman, Luchino<br />

Visconti, Liliana Cavani,<br />

Woody Allen, Sidney L<strong>um</strong>et,<br />

Nagisa Oshima, Clau<strong>de</strong><br />

Lelouch ou, mais<br />

recentemente, te, François<br />

Ozon e Todd d Solondz –,<br />

Rampling nunca<br />

<strong>de</strong>ixou inteiramente<br />

o palco, ao qual<br />

agora regressa sa com<br />

este “Yourcenar/<br />

Cavafy”, <strong>que</strong> tem<br />

itinerado por vários<br />

países da Europa.<br />

Cruzando<br />

excertos <strong>de</strong><br />

romances e<br />

ensaios <strong>de</strong><br />

Marguerite<br />

Yourcenar<br />

(1903-1987),<br />

como<br />

“Memórias <strong>de</strong><br />

Adriano”, “A<br />

Obra ao Negro”<br />

ou “Fogos”, e<br />

poemas <strong>de</strong><br />

Konstandinos os<br />

Kavafis (1863-<br />

1933), esta<br />

espécie <strong>de</strong><br />

conversa<br />

literária<br />

imagina <strong>um</strong><br />

encontro <strong>que</strong> nunca existiu a<br />

três dimensões. Yourcenar<br />

passou o Verão <strong>de</strong> 1936 em<br />

Atenas e foi nessa ocasião<br />

<strong>que</strong> conheceu a poesia <strong>de</strong><br />

Kavafis, através <strong>de</strong><br />

Konstandinos Dimaras. O<br />

poeta tinha morrido três<br />

anos antes, <strong>de</strong> cancro na<br />

laringe, e a primeira edição<br />

reunida <strong>dos</strong> seus poemas<br />

fora post<strong>um</strong>amente<br />

publicada em 1935.<br />

A romancista rapidamente<br />

se apercebeu <strong>de</strong> <strong>que</strong> tinha<br />

bastante em com<strong>um</strong> com o<br />

esteta <strong>de</strong> Alexandria.<br />

Homossexual, hedonista,<br />

fascinado pela História,<br />

Kavafis viveu em Inglaterra,<br />

durante a sua infância e<br />

adolescência, mas, <strong>de</strong> resto,<br />

salvo alg<strong>um</strong>as breves<br />

viagens, raramente saiu <strong>de</strong><br />

Alexandria, on<strong>de</strong> era<br />

corretor da Bolsa. Escreveu<br />

pouco mais <strong>de</strong><br />

centena ena e<br />

meia <strong>de</strong><br />

poemas,<br />

muitos <strong>de</strong>les<br />

relaciona<strong>dos</strong><br />

com<br />

temas da<br />

história<br />

grega e<br />

romana,<br />

outros <strong>de</strong> teor<br />

homoerótico,<br />

apresenta<strong>dos</strong> como<br />

rememorações da<br />

juventu<strong>de</strong>.<br />

Yourcenar começou a<br />

traduzi-lo nos anos<br />

quarenta, mas só em 1958<br />

saiu na Gallimard a sua<br />

tradução integral <strong>dos</strong><br />

poemas <strong>de</strong> Kavafis, coassinada<br />

com Dimaras, <strong>que</strong><br />

contestou muitas das<br />

soluções propostas pela<br />

romancista, mas <strong>que</strong><br />

raramente a terá conseguido<br />

persuadir <strong>dos</strong> seus pontos<br />

<strong>de</strong> vista. Dimaras veio<br />

mesmo a dizer, mais tar<strong>de</strong>,<br />

<strong>que</strong> Yourcenar não captou<br />

“o clima particular da poesia<br />

<strong>de</strong> Kavafis” e <strong>que</strong> a sua<br />

tradução é, sobretudo, “a<br />

obra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> estilista<br />

francesa”. O próprio<br />

executor literário <strong>de</strong> Kavafis,<br />

Alexandros Singopoulos,<br />

não apreciou o trabalho <strong>de</strong><br />

Yourcenar, cuja publicação<br />

terá procurado impedir, e<br />

apadrinhou a tradução<br />

francesa <strong>de</strong> G. A.<br />

Papoutsakis, editada no<br />

mesmo ano.<br />

Em Portugal, o primeiro<br />

tradutor <strong>de</strong> Kavafis foi Jorge<br />

<strong>de</strong> Sena, <strong>que</strong> publicou em<br />

1970, na editora Inova,<br />

“Constantino Cavafy: 90 e<br />

Mais<br />

Quatro Poemas”. As<br />

suas<br />

versões foram<br />

altamente elogiadas pela<br />

própria Yourcenar, n<strong>um</strong>a<br />

extensa carta <strong>que</strong> esta lhe<br />

enviou.<br />

No final <strong>dos</strong> anos 80, o poeta<br />

e ensaísta Joaquim Manuel<br />

Magalhães e Nikos Pratsinis<br />

começaram a traduzir e a<br />

publicar poemas e prosas <strong>de</strong><br />

Kavafis, tendo finalmente<br />

saído, em 2005, na Relógio<br />

d’Água, a tradução integral<br />

<strong>dos</strong> 154 poemas <strong>que</strong> o<br />

poeta, antes <strong>de</strong> morrer,<br />

consi<strong>de</strong>rara termina<strong>dos</strong>.<br />

Luís Miguel Queirós<br />

Rampling é Yourcenar n<strong>um</strong> espectáculo<br />

<strong>que</strong> ficciona <strong>um</strong> diálogo entre a autora<br />

<strong>de</strong> “Memórias <strong>de</strong> Adriano” e o poeta<br />

grego Konstandinos Kavafis


Flash<br />

Concertos<br />

Gala Drop<br />

e Manuel<br />

Mota farão<br />

a primeira<br />

parte <strong>dos</strong><br />

concertos <strong>dos</strong><br />

Sonic Youth<br />

em Lisboa. Não foi escolha ao<br />

acaso, antes pedido expresso<br />

<strong>dos</strong> nova-iorquinos. Dia 22 <strong>de</strong><br />

Abril, no Coliseu <strong>de</strong> Lisboa,<br />

estará a banda <strong>de</strong> Nélson Gomes,<br />

Tiago Miranda, Afonso Simões e<br />

Guilherme<br />

Gonçalves, com<br />

disco homónimo reeditado<br />

(<strong>um</strong> <strong>dos</strong> <strong>de</strong>sta<strong>que</strong>s <strong>de</strong> 2008) e<br />

semanas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> abrir para<br />

outro histórico, o ex-Can Holger<br />

Czukai (9 <strong>de</strong> Abril, Lux). Dia 23,<br />

no Coliseu do Porto, chegado <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a digressão pela Bélgica e<br />

por França, a vez do guitarrista<br />

Manuel Mota.<br />

MARTA PINA<br />

como o equivalente a <strong>um</strong><br />

emprego das nove às cinco, e<br />

<strong>que</strong>rendo tê-lo durante muitos<br />

anos, é do seu interesse não agitar<br />

as águas.” Estaremos então<br />

resigna<strong>dos</strong> a esta formatação do<br />

feminino na música popular<br />

urbana, on<strong>de</strong> artistas como<br />

Florence And The Machine –<br />

consi<strong>de</strong>ra Tahita Bulmer – são<br />

quase “<strong>um</strong> regresso à i<strong>de</strong>ia<br />

vitoriana da mulher histérica”?<br />

Não necessariamente. A<br />

reportagem aponta brechas.<br />

Refere <strong>que</strong>, actualmente, as<br />

formas <strong>de</strong> expressar essa “fúria<br />

feminina” são diversas do<br />

passado.<br />

Surgem <strong>de</strong> forma discreta em<br />

cantoras como Laura Viers ou<br />

Laura Marling ou, mais<br />

exuberante, em Rihanna ou Lady<br />

Gaga. “A Monster Ball Tour <strong>de</strong><br />

Lady Gaga – <strong>de</strong>screve Cazz Balse –<br />

baseia-se na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> monstruoso,<br />

e nessa expressão zangada do<br />

feminino. Ele po<strong>de</strong> não o estar a<br />

gritar, e a sua música não é punk,<br />

mas esses sentimentos estão lá”.<br />

“Sinto <strong>que</strong> estamos a<br />

regressar<br />

Rihana:<br />

a fúria<br />

feminina<br />

à espreita?<br />

Marina Abramovic no átrio do MoMA<br />

a terreno fértil, quando as pessoas<br />

se fartam do estado <strong>de</strong> coisas.”<br />

“Uma nova geração está a pegar em<br />

guitarras e baterias e a dizer: ‘Estou<br />

aqui! Vamos lá!” A conclusão é <strong>de</strong><br />

Joan Jett, “rock’n’roller” furiosa<br />

original.<br />

Marina Abramovic<br />

impressiona os<br />

visitantes do MoMA<br />

Marina Abramovic senta-se em<br />

silêncio a <strong>um</strong>a<br />

pe<strong>que</strong>na mesa, no<br />

átrio do Museu<br />

<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong><br />

Nova Ior<strong>que</strong> (MoMA). Sem<br />

pestanejar, fixa os visitantes <strong>que</strong> se<br />

sentarem a seu<br />

lado. A<br />

performance faz parte da<br />

retrospectiva sobre a artista <strong>que</strong> o<br />

MoMa apresenta até 31 <strong>de</strong> Maio.<br />

“Marina Abramovic: The Artist is<br />

Present” é <strong>um</strong>a exposição<br />

cronológica <strong>de</strong><br />

50 trabalhos, <strong>que</strong><br />

abrange os 40 anos <strong>de</strong><br />

performances, fotografias,<br />

instalações e ví<strong>de</strong>os imagina<strong>dos</strong> por<br />

Abramovic.<br />

O <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> vai<br />

para a peça “Rhythm<br />

O”, <strong>de</strong> 1974. Marina utilizou facas<br />

afiadas, fita a<strong>de</strong>siva, gaze, loção <strong>de</strong><br />

barbear, <strong>um</strong>a rosa <strong>de</strong> pé comprido<br />

e <strong>um</strong>a arma carregada e pediu a <strong>um</strong><br />

grupo <strong>de</strong> napolitanos <strong>que</strong> usasse os<br />

objectos à vonta<strong>de</strong>, no corpo da<br />

artista. Quando<br />

<strong>um</strong> homem pegou<br />

na arma, outro<br />

parou a<br />

performance. Na altura, Marina<br />

disse <strong>que</strong>rer “explorar o limite e o<br />

quanto podia aguentar”.<br />

Marina Abramovic nasceu na<br />

Jugoslávia em 1946, filha <strong>de</strong> dois<br />

dirigentes do Partido Comunista<br />

Jugoslavo. Estudou na Aca<strong>de</strong>mia<br />

<strong>de</strong> Belas-Artes em Belgrado e em<br />

Zagreb e <strong>de</strong>u aulas em Novi Sad,<br />

na Sérvia.<br />

Nessa altura,<br />

começou a fazer<br />

performances. Em 1976,<br />

mudou-se para<br />

Amesterdão, on<strong>de</strong><br />

conheceu o artista<br />

alemão Uwe Laysiepen,<br />

conhecido como Ulay.<br />

Os ví<strong>de</strong>os <strong>que</strong><br />

resultaram da parceria<br />

<strong>de</strong> 12 anos <strong>de</strong> Marina<br />

e Ulay também estão no MoMA. O<br />

trabalho <strong>dos</strong> dois consistiu em<br />

testar os limites do público<br />

europeu, em intransigentes<br />

façanhas <strong>de</strong> resistência e loucura, a<br />

<strong>que</strong> os dois chamaram<br />

“trabalho <strong>de</strong> relação”.<br />

Em 1977, sentaram-se<br />

<strong>de</strong> costas, sem<br />

se mexerem ou<br />

falarem, liga<strong>dos</strong><br />

pelo cabelo, durante 16<br />

horas. Essa é <strong>um</strong>a das cinco<br />

performances <strong>de</strong> Abramovic<br />

recriadas ao vivo, pela<br />

primeira vez, para esta<br />

exposição. Foi ela <strong>que</strong> treinou<br />

os intérpretes.<br />

Os trabalhos <strong>de</strong> Abramovic<br />

exploram a relação<br />

entre o performer e o<br />

público, os limites<br />

do corpo, as<br />

possibilida<strong>de</strong>s da<br />

mente, <strong>de</strong>safiam o<br />

perigo.<br />

Linda Yablonsky,<br />

crítica <strong>de</strong> arte do<br />

“Washington Post”,<br />

Ví<strong>de</strong>os <strong>de</strong> Lady Gaga<br />

ultrapassam mil<br />

milhões <strong>de</strong> visitas<br />

na Web<br />

Lady<br />

Gaga<br />

tornou-se<br />

na primeira<br />

artista a superar mil<br />

milhões <strong>de</strong> visitas nas<br />

plataformas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o online.<br />

O portal Visible<br />

Measures precisou <strong>de</strong> somar<br />

apenas os números <strong>de</strong><br />

visualizações <strong>de</strong> três singles<br />

da<strong>que</strong>la <strong>que</strong> muitos apelidam <strong>de</strong><br />

“nova rainha da pop”. Extraí<strong>dos</strong><br />

<strong>dos</strong> dois discos da saga “The<br />

Fame”, “Poker Face”, “Bad<br />

Romance” e “Just Dance”<br />

contribuíram, cada <strong>um</strong>, com<br />

valores entre os 380 e 270<br />

milhões <strong>de</strong> visitas para a soma<br />

recordista. Curiosamente,<br />

nenh<strong>um</strong> <strong>de</strong>les entra, por si só,<br />

no top 5 geral, no qual constam<br />

quatro ví<strong>de</strong>os musicais. Uma<br />

estrela global da actualida<strong>de</strong><br />

musical (Beyoncé com “Single<br />

Ladies” em 3.º), <strong>um</strong> ídolo cujo<br />

<strong>de</strong>saparecimento impulsionou<br />

<strong>um</strong>a revitalização do legado<br />

(Michael Jackson com “Thriller”<br />

em 4.º) e <strong>um</strong> ví<strong>de</strong>o musical da<br />

categoria infantil (“The G<strong>um</strong>my<br />

Bear Song” em 5.º) suce<strong>de</strong>m à<br />

excepção proveniente do cinema<br />

(“Lua Nova”, da saga “Twilight”,<br />

em 2.º) na lista li<strong>de</strong>rada por <strong>um</strong><br />

artista cujo reconhecimento é<br />

<strong>de</strong>sproporcional nos dois la<strong>dos</strong><br />

do Atlântico: “Crank dat”, do<br />

norte-americano Soulja Boy, <strong>que</strong><br />

já superou os 700 milhões <strong>de</strong><br />

visitas. N<strong>um</strong>a lista com 65<br />

ví<strong>de</strong>os – 37 respon<strong>de</strong>m à<br />

temática música –, com<br />

presenças <strong>de</strong> artistas como Miley<br />

Cyrus, Katy Perry, Avril Lavigne,<br />

Alicia Keys ou Mariah Carey, não<br />

encontramos nomes <strong>de</strong> bandas<br />

europeias às quais<br />

cost<strong>um</strong>amos apontar o epíteto<br />

<strong>de</strong> fenómenos <strong>de</strong><br />

popularida<strong>de</strong> como os U2,<br />

Muse ou Arctic Monkeys. O<br />

primeiro ví<strong>de</strong>o musical<br />

europeu a integrar a lista –<br />

<strong>de</strong>scontamos o 9.º lugar do<br />

<strong>de</strong>spontar <strong>de</strong> Susan Boyle no<br />

Britain’s Got Talent – é da<br />

britânica Leona Lewis<br />

(“Bleeding Love” em 18.º), ao<br />

qual se segue <strong>um</strong> vi<strong>de</strong>oclip<br />

<strong>dos</strong> Coldplay (“Viva la Vida”,<br />

em 40.º).<br />

chama-lhe a “imperatriz<br />

internacional da performance<br />

artística”. Diz <strong>que</strong> a performance <strong>de</strong><br />

Marina no MoMA “é <strong>um</strong>a presença<br />

imponente e benevolente <strong>que</strong> não<br />

se escon<strong>de</strong>, com o propósito <strong>de</strong><br />

arranjar tempo para <strong>que</strong> os outros<br />

se vejam a si próprios no reflexo<br />

<strong>de</strong>la. A i<strong>de</strong>ia é eliminar to<strong>dos</strong> os<br />

pensamentos do passado ou do<br />

futuro e viver apenas o<br />

momento presente”.<br />

4 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entrada livre<br />

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO<br />

LANÇAMENTO<br />

OS SORRISOS DO DESTINO<br />

Filme <strong>de</strong> Fernando Lopes<br />

A Fnac e a Clap Filmes apresentam o lançamento, em DVD, do último filme <strong>de</strong> Fernando Lopes. Com a<br />

presença do realizador, do protagonista Rui Morrison e do crítico <strong>de</strong> cinema Jorge Leitão Ramos.<br />

06.04. 19H00 FNAC CHIADO<br />

AO VIVO<br />

THE SOAKED LAMB<br />

Hats & Chairs<br />

Os The Soaked Lamb apresentam o seu segundo álb<strong>um</strong>, inspirado pela música das décadas <strong>de</strong> 1920 a 1940.<br />

03.04. 17H00 FNAC CHIADO<br />

04.04. 17H00 FNAC ALFRAGIDE<br />

07.04. 21H30 FNAC COLOMBO<br />

09.04. 21H30 FNAC CASCAIS<br />

10.04. 17H00 FNAC COIMBRA<br />

14.04. 21H30 FNAC ALMADA<br />

16.04. 18H00 FNAC STA. CATARINA<br />

17.04. 16H00 FNAC GUIMARÃESHOPPING<br />

18.04. 17H00 FNAC GAIASHOPPING<br />

AO VIVO<br />

HOMENS DA LUTA<br />

A Cantiga é <strong>um</strong>a Arma<br />

Nesta apresentação os Homens da Luta, Jel e Falâncio, contam-lhe tudo sobre a nova arma da revolução:<br />

o Lpod.<br />

O álb<strong>um</strong> <strong>de</strong> estreia “A Cantiga É <strong>um</strong>a Arma” tem data <strong>de</strong> lançamento prevista para dia 1 <strong>de</strong> Maio.<br />

07.04. 16H30 FNAC CHIADO<br />

AO VIVO<br />

TIAGO BETTENCOURT & MANTHA<br />

Em Fuga<br />

Após o sucesso do disco, O Jardim, com o single Canção Simples; Tiago Bettencourt e os Mantha apresentam,<br />

ao vivo, o seu mais recente trabalho intitulado Em Fuga. Para ver e ouvir ao vivo, no Fór<strong>um</strong> Fnac.<br />

09.04. 21H30 FNAC VASCO DA GAMA<br />

EXPOSIÇÃO<br />

RETROSPECTIVA CINEMA PORTUGUÊS<br />

Composta por material pertencente ao Arquivo Fotográfico da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema,<br />

esta série <strong>de</strong> fotografias <strong>de</strong> rodagem, feitas entre os anos 20 e os anos 70, focaliza-se sobretudo em<br />

dois perío<strong>dos</strong>: o período clássico do cinema português, nos anos 30 e 40, e o Cinema Novo, nos anos 60.<br />

20.03. - 20.05.2010 FNAC MAR SHOPPING<br />

Consulte a agenda cultural Fnac em<br />

Apoio:


Manuel Mozos<br />

nas ruínas das gra<br />

O cineasta Manuel Mozos filmou edifícios em <strong>de</strong>cadência e<br />

textos fala-se, em “Ruínas”, <strong>de</strong> <strong>um</strong> país mais <strong>de</strong> misérias do<br />

mas, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa mesquinhez, <strong>um</strong>a<br />

NUNO FERREIRA SANTOA<br />

Capa<br />

Há quanto tempo ninguém andava<br />

por aqui? Quem se lembra ainda do<br />

<strong>que</strong> aqui se passou?<br />

Manuel Mozos tem por hábito ir<br />

anotando n<strong>um</strong> ca<strong>de</strong>rno coisas <strong>de</strong>stas:<br />

lugares, <strong>um</strong>a notícia <strong>que</strong> leu n<strong>um</strong>a<br />

revista, <strong>um</strong>a referência <strong>de</strong> <strong>um</strong> texto.<br />

O <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria fazer em “Ruínas” – o<br />

filme, <strong>um</strong>a produção <strong>de</strong> O Som e a<br />

Fúria, <strong>que</strong> estreou esta semana – era<br />

cruzar essas coisas. Queria filmar os<br />

espaços vazios, sim, mas <strong>que</strong>ria povoá-los,<br />

dar-lhes vozes, sons, fazê-los<br />

habitar por fantasmas <strong>que</strong>, se calhar,<br />

não eram os fantasmas <strong>de</strong>sses espaços<br />

– eram outros, <strong>que</strong> obrigaram os<br />

primeiros a chegar-se para o lado e a<br />

<strong>de</strong>ixá-los instalar-se também.<br />

“Ruínas” é <strong>um</strong>a sucessão <strong>de</strong> imagens<br />

<strong>de</strong> espaços <strong>que</strong> o país <strong>de</strong>ixou<br />

para trás, <strong>que</strong> es<strong>que</strong>ceu, mas <strong>que</strong> não<br />

<strong>de</strong>sapareceram. Muitos permanecem,<br />

<strong>de</strong> pé, n<strong>um</strong>a dignida<strong>de</strong> silenciosa,<br />

abandona<strong>dos</strong> mas não venci<strong>dos</strong>.<br />

Ninguém passa por eles, mas eles ainda<br />

ali estão.<br />

“O <strong>que</strong> me interessa, <strong>que</strong>r nos espaços<br />

<strong>que</strong>r nos outros materiais <strong>que</strong><br />

utilizo no filme, é serem coisas <strong>que</strong><br />

acho interessantes e <strong>que</strong> se diluem,<br />

se per<strong>de</strong>m. Achava importante darlhes<br />

alg<strong>um</strong>a vida, tentar <strong>que</strong> não<br />

<strong>de</strong>saparecessem completamente”,<br />

diz o realizador. Não se trata <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

olhar nostálgico ou sau<strong>dos</strong>ista, sublinha.<br />

“Mas são sítios <strong>que</strong> têm <strong>um</strong><br />

lado poético, <strong>de</strong> coisas <strong>que</strong> existiram,<br />

<strong>que</strong> fizeram parte <strong>de</strong> histórias<br />

<strong>de</strong>ste país.”<br />

Inicialmente pensou usar excertos<br />

<strong>de</strong> filmes antigos, postais, ou até encontrar<br />

pessoas <strong>que</strong> pu<strong>de</strong>ssem contar<br />

histórias sobre a<strong>que</strong>les sítios. Pensou,<br />

inclusivamente, em alargar o filme a<br />

outras coisas <strong>que</strong> estavam a <strong>de</strong>saparecer,<br />

“profissões, jardins, matas,<br />

falar da transformação <strong>de</strong> certas coisas,<br />

da construção <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> golfe<br />

ou do efeito das auto-estradas nos<br />

percursos <strong>dos</strong> animais”, não n<strong>um</strong>a<br />

perspectiva sociológica mas apenas<br />

como <strong>um</strong>a constatação <strong>de</strong> <strong>que</strong> é assim.<br />

Mas à medida <strong>que</strong> ia filmando<br />

foi abandonando essa i<strong>de</strong>ia. O filme<br />

“Penso <strong>que</strong> não<br />

fugimos a <strong>um</strong> lado<br />

pe<strong>que</strong>nino mesmo<br />

quando se tentam<br />

coisas mais<br />

majestosas<br />

ou grandiosas”<br />

6 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


an<strong>de</strong>s esperanças<br />

ofereceu-lhes histórias. Nesse cruzamento <strong>de</strong> imagens e <strong>de</strong><br />

<strong>que</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zas. Isto é Portugal. “De <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> esperanças<br />

coisa <strong>de</strong> remediado”. Belíssimo. Alexandra Prado Coelho<br />

Mozos tem por<br />

hábito anotar<br />

n<strong>um</strong> ca<strong>de</strong>rno<br />

coisas <strong>de</strong>stas:<br />

lugares,<br />

notícias em<br />

revistas,<br />

referências<br />

textos. Em<br />

“Ruínas” quis<br />

cruzar isso;<br />

filmar os<br />

espaços<br />

vazios, mas<br />

dar-lhes<br />

vozes, fazê-los<br />

habitar por<br />

fantasmas<br />

foi-se tornando cada vez mais <strong>de</strong>purado<br />

até chegar ao essencial: espaços<br />

vazios e sons.<br />

O <strong>que</strong> vemos e o <strong>que</strong> ouvimos<br />

E o <strong>que</strong> faz a força <strong>de</strong> “Ruínas” é esse<br />

cruzamento, sempre ligeiramente<br />

<strong>de</strong>slocado, entre o <strong>que</strong> os nossos<br />

olhos vêem e a história <strong>que</strong> estamos<br />

a ouvir. No Restaurante Panorâmico<br />

<strong>de</strong> Monsanto, enquanto a câmara<br />

mostra <strong>um</strong>a escadaria, a janela panorâmica,<br />

os murais, <strong>um</strong>a voz lê <strong>um</strong>a<br />

ementa <strong>de</strong> <strong>um</strong> livro <strong>de</strong> receitas do<br />

século XVI – <strong>um</strong>a lista <strong>de</strong> iguarias <strong>que</strong>,<br />

para Mozos, “se conjugava com a<strong>que</strong>la<br />

mon<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong>”.<br />

Às vezes, como no caso do sanatório<br />

das Penhas da Saú<strong>de</strong>, o <strong>que</strong> ouvimos<br />

– neste caso: relatórios médicos<br />

com to<strong>dos</strong> os pormenores sobre o<br />

estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>dos</strong> doentes à entrada<br />

e à saída do internamento – tem a<br />

ver com a história do sítio. Outras vezes<br />

é apenas <strong>um</strong>a história <strong>que</strong> podia<br />

pertencer à<strong>que</strong>le lugar, e só por acaso<br />

não pertenceu – como a carta a<br />

perguntar quais os preços <strong>de</strong> <strong>um</strong> fim<strong>de</strong>-semana<br />

para <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> amigos<br />

n<strong>um</strong> hotel, lida sobre a imagem da<br />

Estalagem <strong>de</strong> São José, em Porto da<br />

Barca, junto ao mar, <strong>um</strong> sítio on<strong>de</strong><br />

Mozos chegou a ficar alojado antes <strong>de</strong><br />

o estabelecimento fechar e começar<br />

a resvalar para o es<strong>que</strong>cimento.<br />

“Na recolha <strong>de</strong> textos interessavame<br />

ir para coisas <strong>que</strong> não ficam como<br />

gran<strong>de</strong> literatura, procurava mais literatura<br />

<strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l, epistolar, relatórios,<br />

ementas”. Ficaram três poemas.<br />

O resto são textos como o edital “Ao<br />

povo do Barreiro sobre o lançamento<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a bomba”, <strong>de</strong> 1934, ou <strong>um</strong>a carta<br />

com <strong>um</strong> pedido <strong>de</strong> empréstimo –<br />

“coisas <strong>um</strong> pouco fúteis, do dia-a-dia,<br />

<strong>que</strong> as pessoas guardam, mas <strong>que</strong><br />

nunca ficarão como nada <strong>de</strong> importante<br />

a não ser para <strong>que</strong>m faz e para<br />

<strong>que</strong>m recebe”.<br />

Os “makavenkos” [“Memórias e<br />

Receitas Culinárias <strong>dos</strong> Makavenkos”,<br />

<strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Almeida Gran<strong>de</strong>lla,<br />

1919], por exemplo, aparecem mais<br />

do <strong>que</strong> <strong>um</strong>a vez, sem qual<strong>que</strong>r ligação<br />

aparente com o <strong>que</strong> estamos a ver.<br />

Mas este clube <strong>de</strong> “bon vivants”, formado<br />

para os prazeres da comida,<br />

fundado em 1884 por Gran<strong>de</strong>lla e alguns<br />

amigos, apareceu naturalmente<br />

no processo <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> Mozos.<br />

“Vi <strong>um</strong>a vez n<strong>um</strong>a revista <strong>um</strong>a notícia<br />

sobre a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> sanatório<br />

<strong>que</strong> nunca tinha sido terminado<br />

no Cabeço <strong>de</strong> Montachi<strong>que</strong>, e percebi<br />

<strong>que</strong> o Gran<strong>de</strong>lla, <strong>dos</strong> Armazéns<br />

Gran<strong>de</strong>lla, tinha feito parte das pessoas<br />

<strong>que</strong> se juntaram para esse projecto.”<br />

Mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scobriu n<strong>um</strong>a livraria<br />

o livro <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong>lla e interessouse<br />

primeiro pelo lado da gastronomia.<br />

Só <strong>de</strong>pois encontrou <strong>um</strong>a<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 7


Às vezes,<br />

como no caso<br />

do sanatório<br />

das Penhas da<br />

Saú<strong>de</strong>, o <strong>que</strong><br />

ouvimos em<br />

som –<br />

relatórios<br />

médicos com<br />

os<br />

pormenores<br />

sobre o estado<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

doentes – tem<br />

a ver com a<br />

história do<br />

sítio. Outras<br />

vezes é<br />

apenas <strong>um</strong>a<br />

história <strong>que</strong><br />

podia<br />

pertencer<br />

à<strong>que</strong>le lugar, e<br />

só por acaso<br />

não pertenceu<br />

série <strong>de</strong> outras histórias. “Havia<br />

<strong>um</strong>a lenda <strong>de</strong> <strong>que</strong> haveria <strong>um</strong> cofre<br />

enterrado no Cabeço <strong>de</strong> Montachi<strong>que</strong><br />

com moedas a <strong>que</strong> eram para pagar<br />

o sanatório. O edifício é estranhíssimo,<br />

tem <strong>um</strong>a configuração <strong>de</strong> estrela,<br />

o <strong>que</strong> tem a ver com [socieda<strong>de</strong>s<br />

secretas como] as maçonarias, as carbonárias.”<br />

Soube <strong>que</strong> o realizador<br />

António Macedo fizera lá <strong>um</strong> filme,<br />

e quis vê-lo. Depois filmou o sanatório<br />

<strong>que</strong> nunca chegou a existir, mas<br />

as imagens acabaram por praticamente<br />

não entrar no filme, à excepção<br />

<strong>de</strong> dois planos ao cair da noite –<br />

como se o edifício não conseguisse<br />

libertar-se da maldição <strong>de</strong> nunca conseguir<br />

materializar-se.<br />

Um país pe<strong>que</strong>no<br />

Mas os textos <strong>dos</strong> “makavenkos” ficaram,<br />

entre a história <strong>de</strong> “Henri<strong>que</strong>ta,<br />

<strong>um</strong>a heroína do século XIX” e o<br />

livro <strong>de</strong> ciências naturais para a 4.ª<br />

Classe do Ensino Primário e Elementar<br />

do ano <strong>de</strong> 1961. Com esses textos,<br />

os espectadores são conduzi<strong>dos</strong> para<br />

a história <strong>que</strong> o realizador <strong>que</strong>r contar,<br />

seguem atrás <strong>dos</strong> fantasmas <strong>que</strong><br />

ele ali quis projectar. Mozos não tem<br />

“Na recolha <strong>de</strong> textos<br />

interessava-me ir<br />

para coisas <strong>que</strong> não<br />

ficam como gran<strong>de</strong><br />

literatura, procurava<br />

mais literatura<br />

<strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l, epistolar,<br />

relatórios, ementas”<br />

dúvidas sobre isso. “Um texto ligado<br />

a <strong>um</strong>a imagem atira obviamente para<br />

<strong>um</strong> lado.” As mesmas imagens com<br />

outro texto contariam outra história.<br />

Durante a montagem experimentou<br />

vários textos (houve <strong>um</strong> enorme trabalho<br />

<strong>de</strong> pesquisa prévia sobre os<br />

lugares, com Ana Gomes e Dulce<br />

Men<strong>de</strong>s) combina<strong>dos</strong> com diferentes<br />

imagens. “A construção ia-se fazendo<br />

por experiências, justaposição <strong>de</strong><br />

imagens com sons, até eu achar <strong>que</strong><br />

ficava assim. Mas era <strong>um</strong> jogo <strong>que</strong><br />

podia tornar-se infindável.”<br />

O <strong>que</strong> ficou é também <strong>um</strong>a história<br />

do país. Ou melhor, são histórias <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> certo país. Alguns espaços po<strong>de</strong>m<br />

ser grandiosos, mas o <strong>que</strong> ouvimos<br />

são histórias pe<strong>que</strong>nas, pe<strong>que</strong>nas<br />

misérias. Um país pe<strong>que</strong>no?<br />

“Penso <strong>que</strong> não fugimos a <strong>um</strong> lado<br />

pe<strong>que</strong>nino mesmo quando se tentam<br />

coisas mais majestosas ou grandiosas.<br />

Em alguns <strong>dos</strong> textos há <strong>um</strong>a espécie<br />

<strong>de</strong> impotência, <strong>um</strong> lado quase tragicómico.<br />

Como na primeira história<br />

<strong>dos</strong> ‘makavenkos’, <strong>de</strong> <strong>um</strong> senhor <strong>que</strong><br />

<strong>que</strong>r muito escrever <strong>um</strong>a peça <strong>de</strong> teatro<br />

e nunca consegue, ou o rapazinho<br />

<strong>que</strong> eles adoptam e <strong>de</strong>pois a mãe<br />

leva embora. Há <strong>um</strong> lado, <strong>que</strong> sinto<br />

<strong>que</strong> é <strong>um</strong> bocadinho o país, <strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />

esperanças mas, ao mesmo tempo,<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa mesquinhez, <strong>um</strong>a<br />

coisa <strong>de</strong> remediado.”<br />

Não é <strong>um</strong> filme sobre o Estado Novo,<br />

mas este insiste em espreitar aqui<br />

e ali, nos textos, nas imagens – nos<br />

velhos livros <strong>de</strong> escola e mapas do<br />

Centro Educativo do Mosteiro <strong>de</strong> Santa<br />

Clara ou no en<strong>um</strong>erar <strong>de</strong> serviços<br />

disponíveis (por categorias) para os<br />

funcionários da Hidro-Eléctrica do<br />

Douro. “Apercebi-me <strong>de</strong> <strong>que</strong>, se calhar,<br />

estaria excessivamente centrado<br />

no Estado Novo, mas não era isso <strong>que</strong><br />

<strong>que</strong>ria, para mim era o século XX,<br />

por<strong>que</strong> é o <strong>que</strong> eu conheço bem, vivi<br />

nele <strong>um</strong>a parte razoável da minha<br />

vida.”<br />

Há, em todo o filme, <strong>um</strong>a única<br />

cena com pessoas. É logo no início,<br />

no cemitério do Prado do Repouso,<br />

no Porto, no dia <strong>de</strong> Fina<strong>dos</strong>. Antes<br />

disso, apenas <strong>um</strong>a imagem: a implosão<br />

das torres <strong>de</strong> Tróia. “Quer esse<br />

plano <strong>de</strong> Tróia (quis filmar antes da<br />

implosão mas não foi possível) <strong>que</strong>r<br />

a sequência no Prado do Repouso<br />

têm <strong>um</strong> carácter metafórico para o<br />

resto do filme. O primeiro por<strong>que</strong> é<br />

a única coisa em todo o filme <strong>que</strong> <strong>de</strong>saparece.<br />

Depois da implosão só fica<br />

pó. E essa i<strong>de</strong>ia do pó conduz-nos à<br />

<strong>que</strong>stão do cemitério. Se não houvesse<br />

pessoas, o filme seria lido <strong>de</strong> outro<br />

modo. Nós, pessoas, temos <strong>um</strong>a memória.<br />

Mesmo quando as coisas <strong>de</strong>saparecem<br />

ficamos liga<strong>dos</strong> a elas.”<br />

É por isso <strong>que</strong> os espaços vazios<br />

estão cheios <strong>de</strong> vozes.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> filme págs. 42 e segs<br />

Cemitério do Prado do Repouso<br />

Manuel Mozos encontrou <strong>um</strong> dia <strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na notícia<br />

<strong>que</strong> falava <strong>de</strong> <strong>um</strong> jazigo no cemitério do Prado do<br />

Repouso, no Porto, e contava <strong>que</strong> no dia <strong>de</strong> To<strong>dos</strong> os<br />

Santos havia <strong>um</strong>a romaria à campa para <strong>de</strong>positar<br />

flores no local on<strong>de</strong> estavam enterradas duas mulheres:<br />

Henri<strong>que</strong>ta e Etelvina. A história, <strong>que</strong> vem contada no<br />

livro “Henri<strong>que</strong>ta ou <strong>um</strong>a heroína do século XIX”, <strong>de</strong><br />

A. J. Duarte Júnior, “tem <strong>um</strong> lado macabro, mas tem <strong>um</strong><br />

lado <strong>de</strong> paixão entre elas <strong>que</strong> acho muito bonito”, diz<br />

Mozos. Henri<strong>que</strong>ta fora vítima <strong>de</strong> abusos e ficara orfã<br />

cedo, e aos 16 anos começou a viver sozinha e a <strong>de</strong>dicarse<br />

à prostituição. Tomou sob sua protecção Etelvina, e as<br />

duas prometeram nunca mais se separar. Mas Etelvina<br />

tinha <strong>um</strong>a saú<strong>de</strong> débil e acabou por morrer. Henri<strong>que</strong>ta<br />

conseguiu ficar a sós com o corpo, cortou-lhe a cabeça<br />

e guardou-a para sempre consigo em casa. Quando<br />

morreu foi enterrada no jazigo <strong>que</strong> mandara construír<br />

para Etelvina, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, apesar <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a <strong>de</strong>las<br />

ter <strong>de</strong>ixado família, no dia <strong>dos</strong> fina<strong>dos</strong> há sempre flores<br />

frescas na campa.<br />

Centro Educativo do Mosteiro<br />

<strong>de</strong> Santa Clara<br />

Quando Mozos filmou, o espaço estava vazio há pouco<br />

tempo. Até 2003 funcionou como <strong>um</strong> reformatório<br />

para rapazes. E o <strong>que</strong> o cineasta encontrou parecia<br />

exactamente isso: <strong>um</strong> reformatório do Estado Novo,<br />

parado no tempo. “É <strong>um</strong> edifício enorme, com partes <strong>que</strong><br />

é impossível visitar. No interior havia mapas e muito<br />

material espalhado, bandas <strong>de</strong>senhadas, catecismos.<br />

Tudo aquilo remetia para a minha infância, parecia<br />

<strong>que</strong> estava nos anos 60 e já não no século XXI”. Havia<br />

as camaratas <strong>dos</strong> rapazes, as oficinas, os campos <strong>de</strong><br />

bas<strong>que</strong>te, <strong>um</strong> ginásio. Mas o <strong>que</strong> mais o impressionou<br />

foi a forma como as coisas tinham sido <strong>de</strong>ixadas. “Em<br />

toda a ala médica, a sensação era a <strong>de</strong> <strong>que</strong> tinha vindo<br />

alg<strong>um</strong> exército e as pessoas tinham abandonado tudo<br />

<strong>de</strong> repente”. Instr<strong>um</strong>entos médicos <strong>de</strong>sarr<strong>um</strong>a<strong>dos</strong>,<br />

<strong>de</strong>ixa<strong>dos</strong> em cima <strong>de</strong> mesas, <strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntista,<br />

com a broca, como se pu<strong>de</strong>sse começar a funcionar<br />

a qual<strong>que</strong>r momento. “Por vezes parecia <strong>um</strong>a<br />

coisa <strong>de</strong> ficção científica pós-apocalíptica em <strong>que</strong><br />

<strong>de</strong>sapareceram to<strong>dos</strong> os seres vivos”.<br />

Sanatório das Penhas da Saú<strong>de</strong><br />

O problema era a rádio. Conta Mariana Morais no<br />

jornal on-line “urbi et orbi” (texto lido no filme) <strong>que</strong><br />

nos anos 40 alguns doentes tuberculosos do Sanatório<br />

<strong>dos</strong> Ferroviários das Penhas da Saú<strong>de</strong>, na Serra da<br />

Estrela, criaram <strong>um</strong>a rádio a <strong>que</strong> chamaram Pinóquio.<br />

O entusiasmo era tanto, a <strong>de</strong>dicação tão absoluta, <strong>que</strong> “a<br />

certa altura, os médicos aperceberam-se <strong>que</strong> os doentes<br />

em vez <strong>de</strong> melhorar pioravam”, já não c<strong>um</strong>priam os<br />

tratamentos, <strong>de</strong>scuidavam-se com a alimentação. As<br />

divergências levaram a <strong>que</strong> a rádio fosse transferida<br />

para a papelaria Sicol “na rua Ruy Faleiro, em frente<br />

ao antigo Banco <strong>de</strong> Portugal”. A partir <strong>de</strong>sse posto<br />

“faziam emissões diárias <strong>de</strong> <strong>de</strong>z horas. Desdobravamse<br />

em activida<strong>de</strong>s múltiplas. Programas <strong>de</strong> discos<br />

pedi<strong>dos</strong>, divulgação do folclore, espectáculos para<br />

os doentes pelo Natal, tudo era feito apenas com o<br />

trabalho voluntário e o entusiasmo <strong>dos</strong> colaboradores.<br />

A Rádio Pinóquio foi das primeiras rádios regionais<br />

a acompanhar o Sporting da Covilhã nos jogos fora<br />

<strong>de</strong> casa.” Hoje a Rádio Pinóquio está silenciosa e o<br />

sanatório vazio.<br />

8 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Destroços<br />

O filme <strong>de</strong> Manuel Mozos não se ocupa <strong>de</strong> nós como somos, mas como acabámos <strong>de</strong> ser. Paulo Varela Gomes*<br />

“Ruínas” é sobre os <strong>de</strong>stroços do passado<br />

recente, muito recente, o passado<br />

<strong>de</strong> há 50 anos. Estes <strong>de</strong>stroços<br />

estão mesmo ao nosso lado, mesmo<br />

à nossa vista (tanto <strong>que</strong> não os vemos),<br />

ou estão escondi<strong>dos</strong> por <strong>de</strong>trás<br />

<strong>dos</strong> nossos separadores <strong>de</strong> autoestrada,<br />

es<strong>que</strong>ci<strong>dos</strong> para lá das colinas<br />

das nossas eólicas, no meio das<br />

nossas matas <strong>de</strong> eucalipto.<br />

O filme começa com <strong>um</strong>a história<br />

do século XIX, <strong>um</strong>a história excessiva,<br />

pela qual perpassa a paixão à<br />

qual o filme recusa <strong>de</strong>pois ce<strong>de</strong>r,<br />

servindo-nos a emoção apenas a frio.<br />

É <strong>um</strong>a história <strong>que</strong> nos coloca imediatamente<br />

fora do nosso tempo mas<br />

não muito longe do nosso tempo, não<br />

n<strong>um</strong> passado histórico dignificado<br />

pela distância. A<strong>que</strong>le é o passado<br />

em <strong>que</strong> os nossos avós morriam <strong>de</strong><br />

amor.<br />

To<strong>dos</strong> os <strong>de</strong>stroços <strong>que</strong> o filme<br />

mostra estão n<strong>um</strong> estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>lapidação<br />

e abandono completos (por<br />

isso os <strong>de</strong>signo por <strong>de</strong>stroços), cujo<br />

símbolo maior talvez seja a Estalagem<br />

Gado Bravo na chamada “recta<br />

do Pegões”, por on<strong>de</strong> passavam to<strong>dos</strong><br />

os veraneantes <strong>que</strong>, antes <strong>de</strong><br />

haver auto-estradas, escolhiam seguir<br />

para o Algarve pela ponte <strong>de</strong><br />

Vila Franca. É <strong>um</strong> edifício digno <strong>que</strong><br />

ainda está ali, cada vez mais escancarado<br />

e partido. Merece <strong>de</strong> nós <strong>um</strong><br />

olhar <strong>de</strong> esguelha, quanto muito.<br />

Manuel Mozos foi gravar a sua <strong>de</strong>struição<br />

e o seu ruído <strong>de</strong> fundo, o impie<strong>dos</strong>o<br />

z<strong>um</strong>bido do trânsito.<br />

As imagens e a banda sonora <strong>de</strong><br />

“Ruínas” não são, portanto, sobre <strong>um</strong><br />

passado <strong>de</strong> ruínas ou mon<strong>um</strong>entos.<br />

Vemos antes a <strong>de</strong>vastação, tão calma<br />

e distante <strong>que</strong> arrepia, do belíssimo<br />

<strong>resta</strong>urante panorâmico <strong>de</strong> Monsanto.<br />

Vemos o silêncio do Bairro <strong>de</strong> Habitação<br />

Económica do Estado Novo<br />

no Alvito, os edifícios abandona<strong>dos</strong><br />

da Hidroeléctrica do Douro, a ruína<br />

da Pousada das Penhas da Saú<strong>de</strong>.<br />

Vemos <strong>um</strong> extraordinário hotel sobre<br />

o mar, sossega<strong>dos</strong> sanatórios do início<br />

do século XX. Tudo isto são restos<br />

<strong>de</strong> épocas em <strong>que</strong> os empreendimentos<br />

do Estado alimentavam centenas<br />

<strong>de</strong> famílias e lhes garantiam casa,<br />

cuidavam da paisagem e da arquitectura,<br />

<strong>de</strong>ixavam <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong><br />

e segurança em cada pedra<br />

assente n<strong>um</strong> parapeito, em cada viga<br />

<strong>de</strong> betão lançada sobre o vazio. Mozos<br />

filmou também minas, barcaças<br />

e estações <strong>de</strong> caminho <strong>de</strong> ferro varridas<br />

pelo vento e o <strong>de</strong>smazelo, a ferrugem<br />

<strong>que</strong> restou <strong>dos</strong> <strong>sonhos</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Portugal autónomo industrialmente.<br />

E gravou para a banda sonora <strong>de</strong>stroços<br />

<strong>de</strong> quando se utilizavam fórmulas<br />

<strong>de</strong> boas maneiras <strong>que</strong> não<br />

eram menos sinceras <strong>que</strong> as nossas<br />

mensagens <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cordialida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

teclado e se escreviam cartas pondo<br />

<strong>um</strong> tempo vagaroso em cada frase,<br />

cartas <strong>que</strong> eram escritas tanto para<br />

o seu <strong>de</strong>stinatário quanto para a arte<br />

<strong>de</strong> escrever cartas.<br />

Os <strong>de</strong>stroços materiais para <strong>que</strong><br />

este filme olha fixamente, sem o pestanejar<br />

ou o exame mais empenhado<br />

<strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong> câmara, foram<br />

quase to<strong>dos</strong> magníficas peças<br />

da arquitectura e da arte mo<strong>de</strong>rnas<br />

e também isso intensifica a estranheza<br />

com <strong>que</strong> olhamos a sua <strong>de</strong>crepitu<strong>de</strong>.<br />

São os melhores <strong>sonhos</strong><br />

<strong>de</strong> ontem, o melhor Estado <strong>de</strong> ontem,<br />

as melhores maneiras <strong>de</strong> ontem, <strong>que</strong><br />

“Ruínas” expõe como obsoletos e<br />

<strong>de</strong>spreza<strong>dos</strong>.<br />

Os melhores<br />

<strong>sonhos</strong> <strong>de</strong> ontem<br />

“Ruínas” não é sobre o país <strong>de</strong>gradado,<br />

o país-subúrbio, o país-lixo em<br />

<strong>que</strong> se transformou todo o Portugal<br />

entre a costa e 50 km para o interior<br />

por causa do sucessivo falhanço do<br />

Estado nas sucessivas mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>s:<br />

a do il<strong>um</strong>inismo após Pombal,<br />

a do liberalismo oitocentista, a da<br />

mo<strong>de</strong>rnização a partir da década <strong>de</strong><br />

1960. As imagens da Cova do Vapor<br />

e da Fonte da Telha incluídas no filme<br />

<strong>de</strong>viam, em minha opinião, ter<br />

ficado <strong>de</strong> fora na montagem final<br />

(embora sejam testemunho da obsolescência<br />

rapidíssima <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vida<br />

<strong>que</strong> é suburbana e pobre mas<br />

também digna e al<strong>de</strong>ã, certamente<br />

melhor do <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la <strong>que</strong> <strong>de</strong>corre<br />

nos horríveis arredores <strong>de</strong> Lisboa<br />

ou do Porto).<br />

Ao país-subúrbio <strong>de</strong>dicou em<br />

2006 Daniel Blaufuks o seu filme<br />

“Um pouco mais pe<strong>que</strong>no <strong>que</strong> o Indiana”,<br />

<strong>um</strong>a obra à qual a “opinião”<br />

preferiu o politicamente correcto<br />

“Lisboetas” <strong>de</strong> Sérgio Tréfaut, mais<br />

conforme as canções <strong>de</strong> embalar<br />

<strong>que</strong> gostamos <strong>de</strong> nos cantar a nós<br />

próprios sobre nós próprios. Durante<br />

muito tempo, o país-subúrbio foi<br />

“<strong>de</strong>scoberto”, fotografado, pensado,<br />

apenas pelos arquitectos e por a<strong>que</strong>les<br />

<strong>que</strong> com eles privavam. Hoje,<br />

vem ainda da cultura <strong>dos</strong> arquitectos<br />

– e <strong>de</strong> geógrafos como Álvaro<br />

Domingues – a consciência <strong>de</strong> <strong>que</strong><br />

esse país não tem já remédio, e <strong>que</strong><br />

o feio, o subúrbio, terá <strong>de</strong> constituir<br />

a base sobre a qual construir <strong>um</strong>a<br />

vida com a civilida<strong>de</strong> possível.<br />

O filme <strong>de</strong> Manuel Mozos não se<br />

ocupa disso. Não se ocupa <strong>de</strong> nós<br />

como somos, mas como acabámos<br />

<strong>de</strong> ser... há tão pouco tempo <strong>que</strong>, nas<br />

imagens <strong>de</strong> <strong>um</strong> consultório <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntista<br />

os instr<strong>um</strong>entos estão larga<strong>dos</strong><br />

sobre as mesas como se o médico<br />

tivesse ido lá fora por <strong>um</strong> momento,<br />

talvez aten<strong>de</strong>r o telefone.<br />

“Ruínas” não é bom título para o<br />

filme. O conceito <strong>de</strong> ruínas tem <strong>um</strong>a<br />

linhagem pesada. Imagens figurando<br />

mon<strong>um</strong>entos arruina<strong>dos</strong> constituíram<br />

<strong>um</strong> tema muito importante<br />

para a cultura europeia do final do<br />

Ancién Régime. Face às ruínas, filósofos<br />

e pensadores sentiam mais<br />

agudamente o Fim da História <strong>que</strong><br />

se aproximava, <strong>que</strong> as Revoluções<br />

confirmariam, <strong>que</strong> Hegel constataria.<br />

Ora, não é o futuro <strong>que</strong> interessou<br />

Manuel Mozos e o seu filme não<br />

tem nada <strong>que</strong> ver com o Fim da História,<br />

antes com a suspensão portuguesa<br />

da história. Aliás, é neste ponto<br />

<strong>que</strong> “Ruínas” <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser apenas<br />

(mais) <strong>um</strong>a meditação em imagem<br />

e palavra sobre a transitorieda<strong>de</strong> ou<br />

a distracção mo<strong>de</strong>rnas e passa a ser<br />

também <strong>um</strong> testemunho português<br />

sobre Portugal.<br />

Os <strong>de</strong>stroços <strong>de</strong> Manuel Mozos são<br />

a história recente <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

Portugal orgulhoso e <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino próprio,<br />

<strong>que</strong> fazemos em <strong>de</strong>stroços sem<br />

dignida<strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a e tentamos escon<strong>de</strong>r<br />

no escuro, no sítio on<strong>de</strong> <strong>de</strong>saparece<br />

a garrafa <strong>de</strong> plástico <strong>que</strong><br />

atiramos pela janela do carro, o lugar<br />

para lá <strong>dos</strong> arbustos e do lixo on<strong>de</strong><br />

jaz a faixa <strong>de</strong> estrada morta, sem<br />

princípio nem fim, <strong>que</strong> ainda hoje as<br />

raposas têm medo <strong>de</strong> atravessar.<br />

Mas “Ruínas” não nos mete pelos<br />

olhos e ouvi<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ntro apenas a obsolescência<br />

<strong>de</strong>stes <strong>de</strong>stroços. Faznos<br />

também pressentir a sua ensur<strong>de</strong>cedora<br />

recusa <strong>de</strong> partir em paz<br />

para <strong>de</strong>ntro da noite, recusa <strong>que</strong> a<br />

opinião dominante portuguesa gostaria<br />

<strong>que</strong> o passado tivesse o bom<br />

gosto <strong>de</strong> abdicar. Em Portugal é preciso<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>que</strong> à memória colectiva<br />

mais recente caia a tinta, apodreça<br />

o tecto, enferrujem as dobradiças e<br />

os carris, corroa a erva daninha, se<br />

partam com o vento as vidraças. Portugal<br />

não <strong>que</strong>r recordar nem <strong>que</strong>r<br />

ver aquilo <strong>que</strong> foi ontem, ainda ontem,<br />

há bocadinho. Quando aceita<br />

fazê-lo, escon<strong>de</strong> a vergonha e o remorso<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> estatísticas (<strong>que</strong><br />

mentem e triunfam por<strong>que</strong> simplificam<br />

tudo).<br />

Há no filme <strong>um</strong> plano enigmático:<br />

vemos nele a tranquilida<strong>de</strong> do mar<br />

embalado pela praia. A vista per<strong>de</strong>se-nos<br />

no horizonte aberto. Que faz<br />

aqui o mar, entre ma<strong>de</strong>iras podres,<br />

estu<strong>que</strong>s caí<strong>dos</strong>, carris ferrugentos.<br />

Descansa-nos os olhos? Aponta-nos<br />

o caminho secular da fuga? Gosto <strong>de</strong><br />

pensar <strong>que</strong> está ali a assegurar-nos<br />

<strong>de</strong> <strong>que</strong> tudo será <strong>um</strong> dia limpo pelo<br />

sal e pelo sol e <strong>que</strong> os crânios <strong>dos</strong><br />

animais <strong>de</strong> <strong>um</strong> passado morto ainda<br />

ontem, <strong>que</strong> surgem aqui e ali nas<br />

imagens, serão transforma<strong>dos</strong> nas<br />

formas reverberantes <strong>de</strong> brancura<br />

<strong>que</strong> encontramos por vezes na areia<br />

e conseguimos tomar por vestígios<br />

fósseis <strong>de</strong> <strong>um</strong> tempo imemorial.<br />

*Historiador<br />

O filme <strong>de</strong><br />

Mozos ocupase<br />

<strong>de</strong> nós como<br />

acabámos <strong>de</strong><br />

ser... há tão<br />

pouco tempo<br />

<strong>que</strong>, nas<br />

imagens <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong><br />

consultório <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntista os<br />

instr<strong>um</strong>entos<br />

estão larga<strong>dos</strong><br />

sobre as<br />

mesas como se<br />

o médico<br />

tivesse ido lá<br />

fora por <strong>um</strong><br />

momento,<br />

talvez aten<strong>de</strong>r<br />

o telefone.<br />

Os <strong>de</strong>stroços <strong>de</strong> Mozos são a história recente <strong>de</strong> Portugal, <strong>de</strong> <strong>um</strong> Portugal<br />

orgulhoso , <strong>que</strong> fazemos em <strong>de</strong>stroços sem dignida<strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 9


O irmão<br />

mais velho<br />

A presença <strong>de</strong> Mozos no cinema português tem <strong>um</strong>a função<br />

simbólica crucial: ele é <strong>um</strong>a testemunha <strong>de</strong> algo <strong>que</strong> <strong>de</strong>ixou<br />

<strong>de</strong> ser o <strong>que</strong> noutro tempo foi. Luís Miguel Oliveira<br />

Que “Ruínas” (o filme <strong>de</strong> Manuel Mozos) se estreie em conjunto com<br />

“Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>” (o filme <strong>de</strong> João Nicolau) será <strong>um</strong> facto<br />

ditado por <strong>que</strong>stões <strong>de</strong> conveniência logística - os dois filmes têm<br />

origem na mesma produtora, a O Som e a Fúria. Mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sse<br />

facto concreto, a porta fica aberta para <strong>um</strong> simbolismo interessante,<br />

<strong>que</strong> mais não é do <strong>que</strong> a confirmação <strong>de</strong> outro facto: a relação<br />

privilegiada entre Mozos (<strong>que</strong> nasceu em 1959 e começou a filmar<br />

no final <strong>dos</strong> anos 80) e <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> cineastas mais novos do <strong>que</strong><br />

ele, nasci<strong>dos</strong> já nos anos 70. Como <strong>que</strong> <strong>um</strong> apadrinhamento e <strong>um</strong>a<br />

adopção, mútuos e simultâneos.<br />

É verda<strong>de</strong> <strong>que</strong> a maior parte <strong>de</strong>sses cineastas gravita em torno da O<br />

Som e a Fúria - Mozos participou em mais do <strong>que</strong> <strong>um</strong> filme <strong>de</strong> Miguel<br />

Gomes, e montou “Tony”, a estreia na realização <strong>de</strong> Bruno Lourenço,<br />

também <strong>um</strong>a produção O Som e a Fúria recentemente distribuida<br />

em sala - tornando natural <strong>que</strong> também ele tenha chegado a essa<br />

produtora com “Ruínas”. Mas não só: vimo-lo no “Veneno Cura”<br />

<strong>de</strong> Ra<strong>que</strong>l Freire e, coincidência ou não, João Salaviza, o jovem<br />

realizador do premiado “Arena”, foi actor no “...Quando Troveja” <strong>que</strong><br />

Mozos dirigiu em 1999.<br />

Que afinida<strong>de</strong>s existem entre o cinema <strong>de</strong> uns e <strong>de</strong> outros, o <strong>que</strong> é<br />

<strong>que</strong> está na origem <strong>de</strong>sta transformação <strong>de</strong> Mozos n<strong>um</strong>a espécie<br />

<strong>de</strong> “irmão mais velho” <strong>de</strong> cineastas nasci<strong>dos</strong> <strong>de</strong>z, quinze, vinte<br />

anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le? Convém registar <strong>um</strong> dado curioso <strong>que</strong> se liga aos<br />

mo<strong>dos</strong> (e aos tempos) da recepção <strong>dos</strong> filmes <strong>de</strong> toda este gente.<br />

A carreira <strong>de</strong> Mozos, se bem <strong>que</strong> iniciada em finais da década <strong>de</strong><br />

80, foi fértil em impasses e azares tremen<strong>dos</strong>. Do seu primeiro<br />

filme - “Um Passo, Outro Passo e Depois”, 1989 - <strong>de</strong>spareceram os<br />

materiais originais, e só se po<strong>de</strong> vê-lo hoje em transcrições ví<strong>de</strong>o<br />

<strong>que</strong> danificam as qualida<strong>de</strong>s da imagem e do som. “Xavier”, <strong>que</strong><br />

teria sido o seu filme seguinte, encontrou problemas <strong>de</strong> produção<br />

<strong>que</strong> atrasaram significativamente a sua conclusão e a sua estreia<br />

- rodado em 1992, só chegou a <strong>um</strong>a versão “acabada” já no século<br />

XXI. De certa maneira, a obra <strong>de</strong> Mozos só “arrancou”, em termos<br />

<strong>de</strong> regularida<strong>de</strong> e visibilida<strong>de</strong>, n<strong>um</strong>a data relativamente recente:<br />

1999 e “...Quando Troveja”. O <strong>que</strong> vale por dizer <strong>que</strong>, em termos <strong>de</strong><br />

recepção, se tivesse criado <strong>um</strong> efeito <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong> entre<br />

os filmes <strong>de</strong> <strong>um</strong> e <strong>de</strong> outros, e a “<strong>de</strong>scoberta” <strong>de</strong> Mozos fosse, <strong>de</strong> facto,<br />

simultânea à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Gomes, Sandro Aguilar, João Nicolau...<br />

Fazer cinema em Portugal já é difícil mesmo sem ter em conta<br />

a indiferença do público, as eventuais injustiças da crítica e a<br />

hostilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “opinion makers” enfatua<strong>dos</strong>. O percurso <strong>de</strong> Mozos<br />

faz <strong>de</strong>le <strong>um</strong> “sobrevivente”, e <strong>um</strong> exemplo vivo <strong>de</strong> obstinação<br />

perante as dificulda<strong>de</strong>s, <strong>um</strong> exemplo <strong>de</strong> “resiliência” - e isto é algo<br />

<strong>que</strong> os mais jovens vêem e admiram nele. Por outro lado, pelos seus<br />

filmes passa ainda a sombra <strong>de</strong> <strong>um</strong> cinema português (o <strong>dos</strong><br />

anos 80) <strong>que</strong> viveu - visto <strong>de</strong> hoje, com inusitada felicida<strong>de</strong><br />

- a encruzilhada entre a afirmação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> “familiar” a toda a<strong>que</strong>la geração <strong>de</strong> cineastas<br />

(os do Cinema Novo, os <strong>que</strong> vieram logo a seguir) <strong>que</strong><br />

praticamente construiu a própria noção <strong>de</strong> “cinema<br />

Comentário português”. O cinema português e a noção <strong>de</strong> “cinema<br />

português” mudaram na última década e meia, mas ainda<br />

há algo <strong>que</strong> respon<strong>de</strong> a esse cinema português <strong>dos</strong> anos<br />

70 e <strong>dos</strong> anos 80. Quando se vê <strong>um</strong> filme como “Canção <strong>de</strong><br />

Amor e Saú<strong>de</strong>” percebe-se bem <strong>que</strong>, sendo já “outra coisa”, é<br />

ainda <strong>um</strong> filme <strong>que</strong> tem algo a <strong>de</strong>ver (e <strong>que</strong> sabe <strong>que</strong> tem algo<br />

a <strong>de</strong>ver) a João César Monteiro. Os “filhos” já não serão “filhos”<br />

mas reconhecem os “pais”, e mesmo <strong>que</strong> seja para partir para outros<br />

territórios esse reconhecimento mais ou menos próximo, mais ou<br />

menos remoto, ainda está nos filmes. Nessa medida a presença<br />

<strong>de</strong> Mozos no cinema português actual tem <strong>um</strong>a função simbólica<br />

crucial: ele é <strong>um</strong>a testemunha <strong>de</strong> algo <strong>que</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o <strong>que</strong><br />

noutro tempo foi, mas <strong>que</strong> <strong>de</strong>sse tempo traz ainda alg<strong>um</strong>a coisa para<br />

transmitir e para <strong>de</strong>positar junto <strong>dos</strong> <strong>que</strong> vieram - <strong>dos</strong> <strong>que</strong> nasceram<br />

- <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. Alguém dirá <strong>que</strong> “Ruínas”, obra sobre lugares<br />

abandona<strong>dos</strong> e memórias adormecidas, não é justamente <strong>um</strong> filme<br />

sobre isto mesmo?<br />

10 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Canções, amor<br />

e fantasia<br />

A acompanhar a exibição <strong>de</strong> “Ruínas”, <strong>de</strong> Mozos está “Canção <strong>de</strong> Amor<br />

e Saú<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> João Nicolau. É mais <strong>um</strong>a produção O Som e a Fúria: filmes<br />

marca<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> fantasioso imaginário <strong>que</strong> irrompe pelo quotidiano <strong>dos</strong><br />

protagonistas. Sem aviso nem fricção. Francisco Valente<br />

MIGUEL MANSO<br />

Em “Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>”,<br />

João Nicolau filma o músico<br />

Norberto Lobo como<br />

empregado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a loja <strong>de</strong><br />

chaves n<strong>um</strong> centro comercial.<br />

Os seus dias divi<strong>de</strong>m-se entre<br />

a procura <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo amor e a<br />

tentativa <strong>de</strong> compreensão do<br />

seu mistério<br />

Na sua primeira obra, “Rapace”<br />

(2006) – Gran<strong>de</strong> Prémio do 14º Festival<br />

<strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong> –, João Nicolau<br />

mostrava-nos <strong>um</strong> recém-licenciado<br />

com pouca vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentar as<br />

responsabilida<strong>de</strong>s. O filme passava-se<br />

no bairro <strong>de</strong> Telheiras, em Lisboa, e<br />

a personagem preferia refugiar-se em<br />

códigos <strong>de</strong> fantasia e comunicação<br />

nos seus encontros. Nos locais <strong>que</strong><br />

filmou, entre a casa e a rua, Nicolau<br />

abria portas para a intervenção do<br />

imaginário no quotidiano do protagonista,<br />

juntando, por vezes no mesmo<br />

plano, elementos realistas a <strong>um</strong>a<br />

fantasia regressiva, infantil.<br />

Na nova curta, “Canção <strong>de</strong> Amor e<br />

Saú<strong>de</strong>”, <strong>que</strong> acompanha a exibição<br />

<strong>de</strong> “Ruínas”, Nicolau passa a <strong>um</strong>a nova<br />

cida<strong>de</strong>: Porto. Aí, Norberto Lobo<br />

(músico e amigo do realizador) é João,<br />

empregado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a loja <strong>de</strong> chaves<br />

n<strong>um</strong> centro comercial. Os seus dias,<br />

tempera<strong>dos</strong> pela realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> espaço<br />

comercial vazio no centro da<br />

cida<strong>de</strong>, acabam por se dividir entre a<br />

procura <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo amor e a tentativa<br />

<strong>de</strong> compreensão do seu mistério.<br />

Após alguns encontros (reais ou sonha<strong>dos</strong>),<br />

João conhecerá Marta do<br />

Monte, <strong>que</strong> lhe entregará a chave <strong>que</strong><br />

irá abrir a porta do seu imaginário.<br />

Ao contrário <strong>de</strong> “Rapace”, em <strong>que</strong><br />

a personagem tenta fugir a regras <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> comportamento adulto, João Nicolau<br />

concentrou-se, em “Canção <strong>de</strong><br />

“A música é<br />

a associação<br />

<strong>de</strong> acontecimentos<br />

sonoros no tempo<br />

e é também utilizada<br />

em ‘Canção <strong>de</strong> Amor<br />

e Saú<strong>de</strong>’ <strong>de</strong> maneiras<br />

diversas, para<br />

o tempo correr mais<br />

rápido ou para<br />

se criar <strong>um</strong>a bolha,<br />

como na sequência<br />

vermelha do filme,<br />

<strong>que</strong> o dilata”<br />

João Nicolau<br />

Amor e Saú<strong>de</strong>”, na passagem da inocência<br />

para a assunção <strong>dos</strong> sentimentos<br />

e, porventura, na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a vida adulta.<br />

“‘Rapace’ é <strong>um</strong> filme fundado na<br />

impossibilida<strong>de</strong> do encontro amoroso.<br />

‘Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>’ é o contrário:<br />

acaba com <strong>um</strong> beijo. O João é<br />

<strong>um</strong> jovem <strong>que</strong> já trabalha. E, no entanto,<br />

há sempre <strong>um</strong> reduto <strong>de</strong> inocência,<br />

<strong>que</strong> <strong>de</strong>pois possibilita o amor.<br />

O Hugo, no ‘Rapace’, acabou os estu<strong>dos</strong>,<br />

está n<strong>um</strong> momento <strong>de</strong> pausa.<br />

Mas é curioso ver <strong>que</strong> esses redutos<br />

mais íntimos não têm a ver com o<br />

amor ou com o trabalho, mas com<br />

resignação ou, outras vezes, com o<br />

<strong>que</strong>rer romper com o mundo <strong>que</strong> nos<br />

ro<strong>de</strong>ia. O <strong>que</strong> me interessa é o momento<br />

em <strong>que</strong> isso po<strong>de</strong> ser transformado”.<br />

Em “Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>” essa<br />

transformação surge quando João<br />

abre a porta da loja com a chave <strong>de</strong><br />

Marta do Monte. No plano seguinte,<br />

os dois encontram-se n<strong>um</strong> jardim, <strong>um</strong><br />

local aberto para viverem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a fábula. Algo só possível graças à<br />

fantasia <strong>que</strong> o cinema <strong>de</strong> Nicolau conce<strong>de</strong><br />

aos seus lugares, n<strong>um</strong> jogo permanente<br />

entre o físico filmado e o<br />

imaginário <strong>que</strong> este sugere.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 11


“Quando faço esses planos em <strong>que</strong><br />

vejo o Norberto a entrar na cave do<br />

pai, e quando a Marta lhe dá a chave<br />

e eles passam para o jardim, o <strong>que</strong> me<br />

interessou, também, foi tirar o lado<br />

metafórico. Ali, há o lado físico, são<br />

mesmo portas <strong>que</strong> se abrem. É por<br />

isso <strong>que</strong> os ‘décors’ são tão importantes:<br />

conferem essa materialida<strong>de</strong> <strong>que</strong><br />

não está nas personagens, <strong>que</strong> são<br />

quase seres fantasiosos”.<br />

O jardim é o da Fundação <strong>de</strong> Serralves<br />

(“se pu<strong>de</strong>sse, filmava <strong>um</strong> filme<br />

só com pássaros”), on<strong>de</strong> as personagens<br />

<strong>de</strong> repente falam <strong>um</strong>a nova língua:<br />

o francês. “Uma semana antes<br />

da rodagem, o Canal+ comunicou <strong>que</strong><br />

para apoiar o filme ele teria <strong>de</strong> ser<br />

falado, em 50 por cento, em francês.<br />

Essa dificulda<strong>de</strong> acabou por jogar melhor<br />

com o tempo <strong>dos</strong> planos, e com<br />

a lógica <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> décor, <strong>de</strong> língua<br />

e <strong>de</strong> relação”.<br />

Méliès e L<strong>um</strong>ière<br />

A <strong>que</strong>bra das normas nos filmes <strong>de</strong><br />

João Nicolau (com <strong>um</strong>a primeira longa,<br />

“A Espada e a Rosa”, para breve),<br />

tanto em termos espaciais como narrativos,<br />

é <strong>um</strong>a das marcas mais importantes<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> filmes<br />

Há sempre <strong>um</strong><br />

lado infantil em cada<br />

espectador quando<br />

se <strong>de</strong>ixa levar pelo<br />

filme. Isso sempre fez<br />

parte do imaginário<br />

cinematográfico”<br />

Bruno Lourenço<br />

Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> “Tony” , <strong>de</strong><br />

Bruno Lourenço, é passado<br />

n<strong>um</strong> clube on<strong>de</strong> imitadores <strong>de</strong><br />

figuras conhecidas da música<br />

portuguesa se juntam para<br />

recriarem as interpretações<br />

das vidas com <strong>que</strong> sonham.<br />

<strong>que</strong> têm chegado ao cinema português:<br />

marca<strong>dos</strong> por <strong>um</strong> fantasioso<br />

imaginário, <strong>que</strong> irrompe pelo quotidiano<br />

<strong>dos</strong> protagonistas sem aviso<br />

nem fricção, pontua<strong>dos</strong> por <strong>um</strong>a liberda<strong>de</strong><br />

musical e <strong>um</strong> interesse pelas<br />

possibilida<strong>de</strong>s da sua representação.<br />

E há colaborações recorrentes entre<br />

colegas. Miguel Gomes, realizador<br />

<strong>de</strong> “A Cara <strong>que</strong> Mereces” (2004) e<br />

“A<strong>que</strong>le Querido Mês <strong>de</strong> Agosto”<br />

(2009), tem contado com João Nicolau<br />

para vários papéis nos seus filmes.<br />

Na curta <strong>de</strong> Gomes “Cântico das Criaturas”<br />

(2006), Nicolau foi actor e<br />

montador, tendo mais tar<strong>de</strong> sido actor<br />

em “A Cara <strong>que</strong> Mereces”, on<strong>de</strong><br />

as personagens cantam sem aviso e<br />

recusam viver segundo a realida<strong>de</strong> da<br />

vida adulta. Participam em jogos tira<strong>dos</strong><br />

da infância, testando até <strong>que</strong> ponto<br />

po<strong>de</strong>rão continuar a viver na fábula<br />

<strong>que</strong> criaram. O cinema, aqui, surge<br />

ainda como plataforma privilegiada<br />

para o imaginário.<br />

“O cinema serve para isso”, diz Miguel<br />

Gomes. “Esta dupla vertente do<br />

Méliès e do L<strong>um</strong>ière, <strong>um</strong>a <strong>que</strong> tem a<br />

ver com o registo do real e outra <strong>que</strong><br />

tem a ver com a criação <strong>de</strong> mun<strong>dos</strong><br />

paralelos ao nosso, está na origem do<br />

cinema <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início”.<br />

“Aos doze anos”, continua, “li ‘As<br />

Mil e Uma Noites’, <strong>um</strong> livro sobre a<br />

necessida<strong>de</strong> e o prazer <strong>de</strong> escutar histórias,<br />

on<strong>de</strong> fazê-lo é literalmente<br />

<strong>que</strong>stão <strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> morte. Dentro<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a história vem outra, e <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>ssa história vem outra, até à vertigem...<br />

O cinema, para mim, vem também<br />

das ‘Mil e Uma Noites’. Tem essa<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguirmos voltar<br />

a olhar para o mundo <strong>de</strong> maneira<br />

mais livre: há <strong>um</strong> lado libertário, a<br />

evocação da infância serve para isso,<br />

para as coisas po<strong>de</strong>rem voltar a ser<br />

possíveis. Existe <strong>um</strong>a ligação muito<br />

forte entre sonho, infância e cinema,<br />

as regras são muito mais flexíveis e<br />

livres do <strong>que</strong> no universo normativo<br />

on<strong>de</strong> vivemos”.<br />

Bruno Lourenço, assistente <strong>de</strong><br />

realização nos filmes <strong>de</strong> Miguel Gomes<br />

(conheceram-se na mesma turma<br />

da escola <strong>de</strong> cinema), lançou recentemente<br />

“Tony” nas salas, a sua primeira<br />

curta (on<strong>de</strong> João Nicolau também<br />

participa como actor). É centrada<br />

n<strong>um</strong> jovem <strong>que</strong> imita o seu ídolo,<br />

o cantor Tony <strong>de</strong> Matos, e o realizador<br />

sublinha a importância da infância no<br />

filme: “Mas tudo isso tem a ver com<br />

o cinema, é como ir ver <strong>um</strong> filme. Há<br />

sempre <strong>um</strong> lado infantil em cada espectador<br />

quando se <strong>de</strong>ixa levar pelo<br />

filme. Isso sempre fez parte do imaginário<br />

cinematográfico”.<br />

Quem canta,<br />

os males espanta<br />

Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> “Tony” é passado<br />

nesse clube on<strong>de</strong> imitadores <strong>de</strong> figuras<br />

conhecidas da música portuguesa<br />

se juntam para recriarem as interpretações<br />

das vidas com <strong>que</strong> sonham.<br />

“A<strong>que</strong>le Querido Mês <strong>de</strong> Agosto”, <strong>de</strong><br />

Miguel Gomes, oferecia <strong>um</strong> regresso<br />

a <strong>um</strong> local <strong>de</strong> férias, em Arganil, para<br />

o retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a paixão adolescente<br />

<strong>de</strong> Verão no cenário musical e festivo<br />

<strong>dos</strong> verda<strong>de</strong>iros habitantes da região<br />

PEDRO CUNHA<br />

12 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


on<strong>de</strong> o filme foi rodado. Em cada palco<br />

os músicos dão aos espectadores<br />

e a <strong>que</strong>m os filma a interpretação <strong>dos</strong><br />

seus sentimentos e das histórias <strong>de</strong><br />

amor criadas nesse local.<br />

“A primeira i<strong>de</strong>ia para o filme foi<br />

tentar construir <strong>um</strong> melodrama a partir<br />

da<strong>que</strong>le universo musical físico,<br />

das festas <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia com a<strong>que</strong>las canções”,<br />

diz Gomes. Como <strong>que</strong>m chega<br />

a <strong>um</strong> novo local e observa a realida<strong>de</strong><br />

por entre as notas escritas pelos protagonistas,<br />

tirando daí o seu cinema.<br />

A canção surge, então, como <strong>um</strong>a<br />

oportunida<strong>de</strong>, <strong>um</strong> lugar on<strong>de</strong> as personagens<br />

po<strong>de</strong>m partilhar o <strong>que</strong> sentem.<br />

“Isso vem do meu gosto pela<br />

música, <strong>de</strong> sentir <strong>que</strong> faz parte da minha<br />

vida escutar canções e <strong>de</strong> achar<br />

<strong>que</strong> há espaço para isso no cinema”.<br />

Interessa-lhe “perceber até <strong>que</strong> ponto<br />

<strong>um</strong>a canção consegue sintetizar o<br />

universo mental e emocional <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

personagem n<strong>um</strong> momento”.<br />

Para João Nicolau, o cinema e a música<br />

estão também próximos na sua<br />

vida. Nicolau integra o grupo München,<br />

a banda escreve os momentos<br />

musicais <strong>dos</strong> seus filmes. “N<strong>um</strong>a lógica<br />

<strong>de</strong> prazer <strong>que</strong> procuro manter<br />

para orientar a minha activida<strong>de</strong>,<br />

aquilo <strong>que</strong> gosto <strong>de</strong> ver n<strong>um</strong> filme é<br />

a experiência do tempo. A música é<br />

a associação <strong>de</strong> acontecimentos sonoros<br />

no tempo e é também utilizada<br />

em ‘Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong>’ <strong>de</strong> maneiras<br />

diversas, para o tempo correr<br />

mais rápido ou para se criar <strong>um</strong>a bolha,<br />

como na sequência vermelha do<br />

filme, <strong>que</strong> o dilata”.<br />

“Há <strong>um</strong> momento no ‘Cara <strong>que</strong> Mereces”,<br />

diz, por seu lado, Miguel Gomes,<br />

“em <strong>que</strong> as personagens começam<br />

a entoar a melodia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a canção<br />

<strong>que</strong> se ouve n<strong>um</strong> filme, ‘Rio<br />

Bravo’ [Howard Hawks]. É o momento<br />

em <strong>que</strong> <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m tomar <strong>um</strong>a série<br />

<strong>de</strong> soporíferos e entrar para <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> quarto on<strong>de</strong> vive <strong>um</strong> monstro.<br />

A canção surge no ‘Rio Bravo’ no momento<br />

em <strong>que</strong> os protagonistas se<br />

metem na prisão com o bandido e<br />

esperam <strong>que</strong>, a qual<strong>que</strong>r momento,<br />

entre o gangue <strong>de</strong>le para os matar a<br />

to<strong>dos</strong>. E cantam para não ter medo,<br />

tal como as minhas personagens cantam<br />

para não ter medo”.<br />

Recordações <strong>de</strong> João César<br />

A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes filmes traz recordações<br />

do cinema português: personagens<br />

<strong>que</strong> recusam a responsabilida<strong>de</strong><br />

das normas, preferindo o mundo<br />

fantasioso <strong>que</strong> os protege. São<br />

recordações <strong>de</strong> <strong>um</strong>a casa <strong>de</strong> outras<br />

cores, recordações <strong>de</strong> João César<br />

Monteiro.<br />

De to<strong>dos</strong>, João Nicolau é a<strong>que</strong>le a<br />

<strong>que</strong>m tem sido <strong>de</strong>tectada <strong>um</strong>a colagem<br />

mais forte ao cineasta. Foi o montador<br />

<strong>de</strong> “Vai-e-Vem” (2003), último<br />

filme <strong>de</strong> Monteiro, e trabalhou, dois<br />

anos <strong>de</strong>pois, na organização do catálogo<br />

<strong>de</strong>dica do ao realizador editado<br />

pela Cinemateca Portuguesa. Reconhece<br />

a importância <strong>de</strong> Monteiro no<br />

seu percurso, sem ver, contudo, <strong>um</strong>a<br />

herança: “Muitas vezes sou apresentado<br />

como discípulo, o <strong>que</strong> não faz<br />

sentido. Claro <strong>que</strong> é <strong>um</strong> realizador<br />

importantíssimo. É alguém <strong>que</strong> nos<br />

diz muito pela liberda<strong>de</strong> <strong>que</strong> trouxe<br />

aos filmes. No meu caso pelos diálogos,<br />

no caso do Miguel [Gomes] pelo<br />

olhar mais doc<strong>um</strong>ental”.<br />

Miguel Gomes salienta a importância<br />

<strong>de</strong> “Recordações da Casa Amarela”<br />

(1989): “A minha relação com o<br />

cinema português passou muito por<br />

esse filme, <strong>que</strong> vi quando tinha 16 ou<br />

17 anos, e <strong>que</strong> me impressionou pelo<br />

facto <strong>de</strong> se perceber <strong>que</strong> era possível<br />

filmar Lisboa, a minha cida<strong>de</strong>, da<strong>que</strong>la<br />

maneira, <strong>que</strong> era possível articular<br />

<strong>um</strong> filme com a<strong>que</strong>la liberda<strong>de</strong>. Foi<br />

marcante”.<br />

Talvez a homenagem mais directa<br />

“Esta dupla vertente<br />

do Méliès e do<br />

L<strong>um</strong>ière, <strong>um</strong>a <strong>que</strong><br />

tem a ver com<br />

o registo do real<br />

e outra <strong>que</strong> tem a ver<br />

com a criação<br />

<strong>de</strong> mun<strong>dos</strong> paralelos<br />

ao nosso, está<br />

na origem do cinema<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início”<br />

Miguel Gomes<br />

esteja em “Tony” <strong>de</strong> Bruno Lourenço:<br />

o plano final evoca o plano <strong>de</strong> abertura<br />

<strong>de</strong>sse filme <strong>de</strong> Monteiro, com a<br />

entrada na Lisboa <strong>de</strong> Alfama pelas<br />

águas do Tejo. Bruno Lourenço confirma:<br />

“Sinto Lisboa ali, no plano do<br />

barco. É <strong>um</strong>a homenagem ao Tony <strong>de</strong><br />

Matos, por causa da<strong>que</strong>la música maravilhosa<br />

<strong>de</strong> <strong>que</strong> gosto muito, e ao<br />

César Monteiro, a pessoa <strong>que</strong> melhor<br />

filmou Lisboa”.<br />

No entanto, dizem to<strong>dos</strong>, trata-se<br />

menos <strong>de</strong> <strong>um</strong> legado, do <strong>que</strong> <strong>de</strong> manter<br />

<strong>um</strong> olhar atento ao <strong>que</strong> os ro<strong>de</strong>ia.<br />

João Nicolau: “Há outros realizadores<br />

contemporâneos do João César Monteiro,<br />

o Luc Moullet, o [Otar] Iosseliani,<br />

o [Aki] Kaurismäki, <strong>que</strong> recusam<br />

e ao mesmo tempo interagem com o<br />

<strong>que</strong> os ro<strong>de</strong>ia; o próprio Godard. Esta<br />

relação <strong>de</strong> estar ou não estar com<br />

o mundo é necessária à construção<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> filme: esse <strong>de</strong>sfasamento, esse<br />

lado fora da lei, é o <strong>que</strong> faz existir <strong>um</strong>a<br />

tensão qual<strong>que</strong>r sobre a personagem<br />

no filme”.<br />

PEDRO VILELA<br />

Na curta <strong>de</strong> Miguel Gomes<br />

“Cântico das Criaturas” (2006-<br />

em baixo) João Nicolau foi<br />

actor e montador, tendo mais<br />

tar<strong>de</strong> sido actor em “A Cara<br />

<strong>que</strong> Mereces”, on<strong>de</strong> as<br />

personagens cantam sem<br />

aviso e recusam viver segundo<br />

a realida<strong>de</strong> da vida adulta (ao<br />

lado, a curta “Inventário <strong>de</strong><br />

Natal”)<br />

Que lugar para <strong>um</strong>a geração<br />

E to<strong>dos</strong> estes filmes se juntam ainda<br />

n<strong>um</strong> ponto: são produzi<strong>dos</strong> pela O<br />

Som e a Fúria, produtora criada em<br />

1998 e gerida por Luís Urbano e Sandro<br />

Aguilar. “Há <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> comunicações<br />

e colaborações <strong>de</strong> trabalho”,<br />

reconhece Sandro, também realizador.<br />

“Nunca houve <strong>um</strong> espírito <strong>de</strong><br />

movimento, cada <strong>um</strong> é muito individualista<br />

e <strong>que</strong>r o seu próprio universo.<br />

Os filmes são muito diferentes. Ao<br />

mesmo tempo, há <strong>que</strong>m diga <strong>que</strong> se<br />

reconhece o <strong>que</strong> sai <strong>de</strong> O Som e a Fúria.<br />

Isso não tem a ver com a especificida<strong>de</strong><br />

da linguagem, tem a ver com<br />

<strong>um</strong> mesmo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> afirmar <strong>um</strong> universo<br />

individual e procurar <strong>que</strong> os<br />

filmes traduzam <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> ver o<br />

cinema. O <strong>que</strong> há <strong>de</strong> com<strong>um</strong> é <strong>que</strong><br />

raramente são filmes <strong>de</strong> rotina”.<br />

“To<strong>dos</strong> eles têm <strong>um</strong>a coisa com<strong>um</strong>”,<br />

continua Luís Urbano, “<strong>um</strong>a<br />

lógica <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> criativa, <strong>que</strong> não<br />

é <strong>de</strong> restrição na produção mas <strong>de</strong><br />

parceria, sendo <strong>que</strong> na maior parte<br />

<strong>dos</strong> projectos estamos na sua génese,<br />

do início até ao fim”.<br />

Daí a empatia criada no seio <strong>de</strong>ste<br />

grupo, baseada no respeito pela liberda<strong>de</strong><br />

criativa <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> intervenientes.<br />

Daí, também, a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> pacto entre o espectador e o<br />

imaginário <strong>que</strong> lhe é oferecido. Nada<br />

<strong>de</strong> novo no cinema, mas algo muito<br />

discutido actualmente em Portugal.<br />

“Os filmes <strong>que</strong> fazemos, e é essa a força<br />

do cinema português”, enfatiza<br />

Luís Urbano, “não tentam conduzir<br />

o espectador. Um filme como ‘Rapace’<br />

ou ‘A<strong>que</strong>le Querido Mês <strong>de</strong> Agosto’,<br />

<strong>que</strong> foi muito bem sucedido comercialmente,<br />

apresentam <strong>um</strong> imaginário,<br />

<strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> imagens e<br />

sons, <strong>um</strong> esboço <strong>de</strong> narrativa, mas<br />

procuram estar sempre cheios <strong>de</strong> espaços<br />

abertos para serem preenchi<strong>dos</strong><br />

pelo espectador. E neste momento<br />

é muito complicado quando existe<br />

<strong>um</strong>a cultura audiovisual <strong>que</strong> tem <strong>um</strong><br />

pavor <strong>de</strong>sse espaço vazio”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 13


Fontainhas não é palavra para <strong>um</strong><br />

americano, apesar <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> território<br />

familiar em certos circuitos – cinéfilos,<br />

críticos – <strong>dos</strong> EUA, e <strong>de</strong>, por estes dias,<br />

aparecer impressa em publicações<br />

como o “New York Times”, a “New<br />

Yorker” ou a “Interview”, a revista<br />

fundada por Andy Warhol.<br />

“Não sei dizê-lo correctamente, por<br />

isso nem vou tentar”, adverte Kim Hendrickson,<br />

produtora <strong>de</strong> DVDs na Criterion.<br />

Seria <strong>de</strong> imaginar <strong>que</strong> alguém<br />

pensasse duas vezes antes <strong>de</strong> lançar<br />

<strong>um</strong>a caixa <strong>de</strong> quatro DVDs com <strong>um</strong><br />

título <strong>que</strong> não consegue pronunciar –<br />

“Letters From Fontainhas” –, mas a<br />

Criterion não é conhecida por escolher<br />

o caminho fácil, e Kim Hendrickson<br />

encontrou alternativas para se referir<br />

à trilogia <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> Pedro Costa <strong>que</strong><br />

a<strong>que</strong>la editora acaba <strong>de</strong> lançar no mercado<br />

norte-americano.<br />

Anunciada em 2008, na sequência<br />

da “<strong>de</strong>scoberta” <strong>de</strong> Costa nos EUA<br />

(<strong>um</strong>a retrospectiva da sua filmografia<br />

<strong>que</strong> entre 2007 e 2008 percorreu as<br />

principais cida<strong>de</strong>s norte-americanas),<br />

a caixa contém os três filmes <strong>que</strong> o cineasta<br />

português realizou entre 1997<br />

e 2006, “Ossos”, “No Quarto da Vanda”<br />

e “Juventu<strong>de</strong> em Marcha”, em resultado<br />

do seu encontro com o bairro<br />

das Fontainhas, no concelho da Amadora,<br />

e com a sua comunida<strong>de</strong> maioritariamente<br />

composta por imigrantes<br />

cabo-verdianos. A edição <strong>de</strong>sta trilogia<br />

em DVD é justificadíssima, por<strong>que</strong> permite<br />

avaliar a evolução do “corpus”<br />

cinematográfico <strong>de</strong> Costa no interior<br />

da mesma unida<strong>de</strong> territorial e temática<br />

(e, apetece dizer, ética), e também<br />

por<strong>que</strong> os dois últimos filmes em particular<br />

são reconheci<strong>dos</strong> como obras<br />

maiores, <strong>de</strong> expansão, <strong>que</strong>r da filmografia<br />

do autor, <strong>que</strong>r do próprio cinema<br />

contemporâneo “tout court”.<br />

“Estes filmes, nomeadamente ‘No<br />

Quarto da Vanda’ e ‘Juventu<strong>de</strong> em Marcha’”,<br />

res<strong>um</strong>e Kim Hendrickson, “são<br />

os <strong>que</strong> valeram ao Pedro a atenção <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> público internacional mais vasto,<br />

por causa da sua singular temática e<br />

cenário, mas também por causa das<br />

suas opções estilísticas e estéticas.”<br />

A imprensa americana não está a<br />

reagir como se fosse <strong>um</strong> pe<strong>que</strong>no<br />

RICHARD DUMAS<br />

Os americanos apren<strong>de</strong>m a dizer<br />

Fontainhas<br />

A América está-se nas tintas para os filmes <strong>de</strong> <strong>um</strong> cineasta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cinematografia periférica e<br />

Portugal é <strong>um</strong> reduto <strong>de</strong> cinefilia? Pensem duas vezes: a Criterion acaba <strong>de</strong> lançar <strong>um</strong>a caixa<br />

<strong>de</strong> DVDs com a “trilogia” <strong>de</strong> Pedro Costa sobre as Fontainhas.. Kathleen Gomes, em Nova Ior<strong>que</strong><br />

14 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Na “New<br />

Yorker”,<br />

Richard Brody<br />

qualificou o<br />

lançamento<br />

<strong>dos</strong> filmes <strong>de</strong><br />

Costa pela<br />

Criterion<br />

como<br />

“histórico”<br />

As curtas<br />

“Tarrafal” e<br />

“The Rabbit<br />

Hunters”<br />

como bónus<br />

da edição da<br />

Criterion<br />

acontecimento: na “New Yorker”, Richard<br />

Brody qualificou o lançamento<br />

<strong>dos</strong> filmes <strong>de</strong> Costa pela Criterion como<br />

“histórico”, o <strong>que</strong> atesta o estatuto<br />

(e a <strong>de</strong>fesa apaixonada) <strong>que</strong> o realizador<br />

conquistou entre os críticos<br />

americanos, mas também é <strong>um</strong> elogio<br />

à atitu<strong>de</strong> temerária <strong>de</strong> <strong>um</strong>a editora em<br />

apostar n<strong>um</strong> autor <strong>que</strong> nunca teve<br />

distribuição comercial nas salas <strong>de</strong><br />

cinema <strong>dos</strong> EUA. E reconheça-se: a<br />

Criterion ganhou reputação intocável<br />

graças ao seu catálogo <strong>de</strong> clássicos do<br />

cinema <strong>de</strong> autor, filmes <strong>que</strong> já passaram<br />

há muito o teste do tempo – Bergman,<br />

Fellini, Antonioni, Godard, Truffaut<br />

–, portanto a edição <strong>de</strong> <strong>um</strong> cineasta<br />

exigente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cinematografia<br />

periférica dificilmente po<strong>de</strong> ser acusada<br />

<strong>de</strong> golpe comercial; parece <strong>um</strong>a<br />

coisa <strong>que</strong> se volatilizou, em especial<br />

nos agentes <strong>de</strong> distribuição, exibição<br />

e edição cinematográfica: a boa e velha<br />

cinefilia.<br />

“Ele é <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio, não é <strong>um</strong> cineasta<br />

fácil”, admitia Kim Hendrickson em<br />

Novembro <strong>de</strong> 2008, quando o Ípsilon<br />

visitou pela primeira vez a Criterion<br />

em Nova Ior<strong>que</strong>, n<strong>um</strong>a altura em <strong>que</strong><br />

o trabalho sobre a edição estava n<strong>um</strong>a<br />

fase inicial. “Não temos muitos filmes<br />

<strong>de</strong>sse género no nosso catálogo. Temos<br />

alguns”, dizia, acrescentando, a<br />

título <strong>de</strong> exemplo, o cineasta experimental<br />

Stan Brakhage. É o tipo <strong>de</strong> “experiência<br />

cinematográfica”, explica,<br />

<strong>que</strong> precisa <strong>de</strong> <strong>um</strong> contexto para chegar<br />

a gran<strong>de</strong> parte das pessoas. “E nós<br />

temos capacida<strong>de</strong> para trazer esse<br />

contexto aos filmes <strong>de</strong>le <strong>que</strong> mais nin-<br />

guém conseguiu trazer antes.”<br />

No início <strong>de</strong> Março, regressámos<br />

à Criterion. Apesar <strong>de</strong><br />

a<br />

caixa ainda não ter sido lançada<br />

nessa altura, perguntámos<br />

a Hendrickson se já havia<br />

reacções por parte da comunida<strong>de</strong><br />

cinéfila sobre a edição <strong>dos</strong><br />

filmes <strong>de</strong> Costa. “Muitas pessoas<br />

reagiram com surpresa. Não no<br />

mau sentido, mas por<strong>que</strong> já não fazíamos<br />

<strong>um</strong> projecto como este há<br />

alg<strong>um</strong> tempo, em <strong>que</strong> apostássemos<br />

tanto n<strong>um</strong> novo cineasta. Outra <strong>que</strong>stão:<br />

ele é adorado pelos críticos e tem<br />

reputação junto da comunida<strong>de</strong> cinéfila,<br />

mas não há muita gente <strong>que</strong> o conheça<br />

cá. Espero <strong>que</strong> isso mu<strong>de</strong> com<br />

esta caixa.”<br />

A melhor do mundo<br />

Hendrickson, <strong>que</strong> está a trabalhar<br />

nas edições em DVD <strong>de</strong> “Deserto<br />

Vermelho” <strong>de</strong> Antonioni, e vários<br />

títulos <strong>de</strong> Ozu e Kurosawa, explica<br />

como é <strong>que</strong> surgiu a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> editar<br />

Pedro Costa na Criterion. “Temos<br />

imensos amigos no mundo do cinema.<br />

E eles estão constantemente a<br />

enviar-nos sugestões: ‘Deviam fazer<br />

isto, <strong>de</strong>viam fazer aquilo...’ E nós<br />

valorizamos essas recomendações,<br />

aliás, perguntamos-lhe: quais são os<br />

filmes <strong>que</strong> <strong>de</strong>víamos conhecer? É<br />

<strong>um</strong>a <strong>que</strong>stão com a qual temos <strong>de</strong><br />

lidar o tempo todo: se vamos introduzir<br />

<strong>um</strong>a cinematografia nova, por<br />

exemplo, cineastas brasileiros, por<br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>vemos começar? Temos <strong>de</strong><br />

fazer algo <strong>que</strong> não assuste as pessoas<br />

ao ponto <strong>de</strong> nunca mais <strong>que</strong>rerem<br />

ver outro filme brasileiro e <strong>que</strong> ao<br />

mesmo tempo seja representativo<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a história do cinema, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

cultura. Esse é o tipo <strong>de</strong> perguntas<br />

a <strong>que</strong> temos <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r constantemente.<br />

E por isso pedimos ajuda<br />

a amigos, <strong>que</strong> nos fornecem todo o<br />

tipo <strong>de</strong> informações sobre <strong>que</strong>m são<br />

os realizadores, a <strong>que</strong>m é <strong>que</strong> <strong>de</strong>víamos<br />

estar atentos... No caso do Pedro,<br />

podia mostrar-lhe a quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mails <strong>que</strong> recebi <strong>de</strong> pessoas a dizer:<br />

‘O Pedro vem cá, vais encontrarte<br />

com ele?’ Foi através <strong>de</strong> abordagens<br />

<strong>de</strong>sse género <strong>que</strong> consegui, por<br />

fim, ver os filmes <strong>de</strong>le e começar <strong>um</strong><br />

diálogo.”<br />

Os escritórios da Criterion ficam no<br />

quinto andar <strong>de</strong> <strong>um</strong> edifício junto a<br />

Union Square. É <strong>um</strong> “open space” <strong>de</strong><br />

150 ou 200 metros quadra<strong>dos</strong>, e com<br />

divisórias <strong>que</strong> separam diferentes zonas<br />

<strong>de</strong> trabalho – <strong>um</strong> escritório com<br />

melhores posters na pare<strong>de</strong> (“Eclipse”,<br />

“O Império <strong>dos</strong> Senti<strong>dos</strong>”, “Berlin Alexan<strong>de</strong>rplatz”...<br />

com a<strong>que</strong>la excelência<br />

gráfica a <strong>que</strong> a Criterion nos habituou<br />

com as capas das suas edições) e cheio<br />

<strong>de</strong> luz, o <strong>que</strong> o torna acolhedor.<br />

Do lado direito situam-se as salas<br />

do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> controlo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

e <strong>resta</strong>uro <strong>de</strong> imagem e <strong>de</strong> som<br />

– vários cubículos semelhantes a salas<br />

<strong>de</strong> montagem on<strong>de</strong> técnicos trabalham<br />

frente a computadores. A Criterion<br />

não aceita cópias <strong>de</strong> terceiros,<br />

mas reúne os melhores materiais originais<br />

em arquivos, cinematecas americanas<br />

e internacionais e <strong>de</strong>tentores<br />

<strong>dos</strong> direitos para produzir a sua própria<br />

remasterização digital em alta<br />

<strong>de</strong>finição. No caso <strong>de</strong> “Ossos”, Costa<br />

trabalhou com <strong>um</strong> técnico da Tóbis,<br />

Gonçalo Ferreira, em Lisboa, no <strong>resta</strong>uro,<br />

correcção <strong>de</strong> cor e transferência<br />

digital (<strong>dos</strong> três filmes, é o único em<br />

película <strong>de</strong> 35 mm), <strong>que</strong> <strong>de</strong>pois serviu<br />

<strong>de</strong> referência para a Criterion, <strong>que</strong><br />

criou a sua cópia. Com os outros dois<br />

filmes, esse processo teve lugar em<br />

Burbank, Califórnia, on<strong>de</strong> Costa trabalhou<br />

com Joe Gawler, “étalonneur”<br />

(técnico <strong>de</strong> correcção <strong>de</strong> cor) <strong>de</strong> Jim<br />

Jarmusch ou Wes An<strong>de</strong>rson. Costa<br />

nota com ironia <strong>que</strong> na sala ao lado se<br />

trabalhava em “Avatar”.<br />

É na fase seguinte <strong>que</strong> os filmes chegam<br />

aos escritórios <strong>de</strong> Nova Ior<strong>que</strong>,<br />

on<strong>de</strong> são submeti<strong>dos</strong> processos <strong>de</strong> limpeza<br />

<strong>de</strong> imagem e <strong>de</strong> som. “Basicamente,<br />

isto é Photoshop em movimento”,<br />

res<strong>um</strong>e Russell Smith, técnico <strong>de</strong> <strong>resta</strong>uro<br />

<strong>de</strong> imagem. A sua função é escrutinar<br />

pacientemente, fotograma a<br />

fotograma, e ampliando a imagem, a<br />

qualida<strong>de</strong> visual da cópia, para reparar<br />

os danos provoca<strong>dos</strong> pelo tempo e pelo<br />

uso, e eliminar todo o tipo <strong>de</strong> “ruído”<br />

visual <strong>que</strong> se tenha introduzido nos<br />

originais – poeira, cabelos, riscos. N<strong>um</strong><br />

filme como “Os Sete Samurais” <strong>de</strong> Kurosawa<br />

esse processo levou mais <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

mês. No caso <strong>de</strong> “Deserto Vermelho”,<br />

em curso, Russell diz <strong>que</strong> consegue<br />

corrigir cinco minutos <strong>de</strong> filme por dia<br />

e <strong>que</strong> isso é <strong>um</strong> ritmo rápido... Noutra<br />

sala, Ryan Hullings, supervisor áudio,<br />

faz o mesmo com o som do filme. “O<br />

nosso processo <strong>de</strong> <strong>resta</strong>uro é subtractivo:<br />

implica sempre retirar coisas. Não<br />

po<strong>de</strong>mos acrescentar <strong>um</strong> som fantástico<br />

aos filmes”, ri-se. “O som fantástico<br />

tem <strong>de</strong> estar lá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, e nós<br />

limitamo-nos a retirar todo o tipo <strong>de</strong><br />

distorção sonora – estalos, silvos, esse<br />

género <strong>de</strong> coisas. A i<strong>de</strong>ia por trás <strong>de</strong><br />

to<strong>dos</strong> os nossos <strong>resta</strong>uros é tentar atingir<br />

a<strong>que</strong>le estado original em <strong>que</strong> o<br />

realizador proclamou: ‘É assim <strong>que</strong> eu<br />

<strong>que</strong>ro <strong>que</strong> o filme soe’.” O objectivo é<br />

não <strong>de</strong>ixar qual<strong>que</strong>r impressão digital<br />

MARIANA VIEGAS<br />

ou qual<strong>que</strong>r traço do nosso trabalho,<br />

mas, antes, ser o mais transparente<br />

possível.”<br />

Este rigor, juntamente com a ri<strong>que</strong>za<br />

e qualida<strong>de</strong> editorial <strong>que</strong> a Criterion<br />

cost<strong>um</strong>a incutir nas suas edições –<br />

com <strong>um</strong>a abordagem aos filmes comparável<br />

à <strong>de</strong> <strong>um</strong> “curator”, <strong>um</strong> programador<br />

ou comissário, <strong>que</strong> não tem<br />

apenas a preocupação <strong>de</strong> mostrar <strong>um</strong><br />

objecto, mas também ou sobretudo a<br />

<strong>de</strong> como mostrá-lo, criando <strong>um</strong> contexto<br />

para a sua recepção – é o <strong>que</strong> faz<br />

com <strong>que</strong> seja consi<strong>de</strong>rada a melhor<br />

editora <strong>de</strong> DVDs do mundo. E é <strong>um</strong>a<br />

prática, diz Kim Hendrickson, <strong>que</strong><br />

vem do alto: “A maneira como toda a<br />

gente aqui encara o trabalho é <strong>um</strong>a<br />

coisa <strong>que</strong> já vem da atitu<strong>de</strong> do Peter<br />

[Becker] e do John [Jonathan B. Turell,<br />

fundadores da Criterion] para com o<br />

trabalho <strong>que</strong> fazemos aqui. Se tivermos<br />

<strong>um</strong> problema n<strong>um</strong> <strong>dos</strong> nossos<br />

DVDs, eles nunca dirão: ninguém vai<br />

“Já não fazíamos <strong>um</strong><br />

projecto como este há<br />

alg<strong>um</strong> tempo, em <strong>que</strong><br />

apostássemos tanto<br />

n<strong>um</strong> novo cineasta”<br />

Kim Hendrickson,<br />

produtora <strong>de</strong> DVDs<br />

na Criterion<br />

notar. Nesse sentido, este sítio é fora<br />

do com<strong>um</strong>.”<br />

Os extras<br />

O quarto disco <strong>de</strong> “Letters From Fontainhas”<br />

é composto <strong>de</strong> suplementos,<br />

como acontece nas edições da Criterion<br />

(o DVD <strong>de</strong> cada filme também inclui<br />

bónus, nomeadamente, em to<strong>dos</strong> eles,<br />

<strong>um</strong>a conversa entre Costa e o cineasta<br />

e crítico Jean-Pierre Gorin). Eles incluem<br />

<strong>um</strong> comentário do crítico francês Cyril<br />

Neyrat e do filósofo Jean Rancière a cenas<br />

<strong>de</strong> “Juventu<strong>de</strong> em Marcha”, as curtas<br />

“Tarrafal” e “The Rabbit Hunters”,<br />

o doc<strong>um</strong>entário <strong>de</strong> Aurélien Gerbault<br />

sobre Costa e as Fontainhas “Tout Refleurit”,<br />

rodado durante a filmagem e<br />

montagem <strong>de</strong> “Juventu<strong>de</strong> em Marcha”,<br />

e a instalação “Minino Macho, Minino<br />

Fêmea”, composta por dois ecrãs com<br />

imagens não-editadas <strong>de</strong> “No Quarto<br />

da Vanda” e “Juventu<strong>de</strong> em Marcha” e<br />

<strong>que</strong> foi mostrada em vários museus. A<br />

caixa inclui ainda <strong>um</strong> “booklet” <strong>de</strong> 46<br />

páginas, com seis ensaios, cinco <strong>de</strong>les<br />

inéditos (gran<strong>de</strong> parte <strong>dos</strong> nomes são<br />

reinci<strong>de</strong>ntes da monografia “Cem Mil<br />

Cigarros” <strong>que</strong> Costa publicou no ano<br />

passado em Portugal).<br />

É ao falar <strong>dos</strong> suplementos <strong>que</strong> surge<br />

a tal palavra <strong>que</strong> Kim não consegue<br />

pronunciar. “Era esse mundo [Fontainhas]<br />

– e eu não sei dizê-lo correctamente,<br />

por isso nem se<strong>que</strong>r vou tentar<br />

– <strong>que</strong> <strong>que</strong>ríamos apresentar aqui, em<br />

todas as encarnações e possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>que</strong> conseguíssemos.”<br />

Enquanto a filmografia <strong>de</strong> Costa vai<br />

sendo alvo <strong>de</strong> atenção e edições criteriosas<br />

noutros países – Japão, Espanha,<br />

Reino Unido, EUA, França – em Portugal<br />

“No Quarto da Vanda” e “Juventu<strong>de</strong><br />

em Marcha” nunca tiveram edição<br />

em DVD.<br />

DVD<br />

As longas<br />

“Ossos”,<br />

“No Quarto<br />

<strong>de</strong> Vanda”<br />

e “Juventu<strong>de</strong><br />

em Marcha”, a<br />

“Trilogia das<br />

Fontainhas”<br />

junta<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 15


A capa anuncia “<strong>um</strong> romance cru e<br />

urbano sobre a droga, a máfia e a justiça<br />

no submundo <strong>de</strong> Estocolmo”.<br />

Aha, <strong>um</strong> policial sueco? Jens Lapidus,<br />

o autor <strong>de</strong> “Easy Money”, diz <strong>que</strong> não.<br />

“Queria escrever algo <strong>que</strong> se pu<strong>de</strong>sse<br />

chamar a antítese da novela policial<br />

sueca. Na Europa é <strong>um</strong> fenómeno novo,<br />

mas na Suécia já tem 20 ou 30<br />

anos. Estava cansado, por<strong>que</strong> é quase<br />

sempre a mesma coisa. Disse para<br />

mim próprio: vou escrever <strong>um</strong> livro<br />

<strong>que</strong> vire isso do avesso”, contou ao<br />

Ípsilon.<br />

O primeiro livro <strong>de</strong> Lapidus já ven<strong>de</strong>u<br />

600 mil exemplares na Suécia, já<br />

foi traduzido para várias línguas europeias<br />

– a inglês, no entanto, só chega<br />

no final do ano. “Na Suécia temos<br />

<strong>um</strong> termo para a literatura policial,<br />

‘<strong>de</strong>ckare’, histórias <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectives, mas<br />

os críticos não chamam isto aos meus<br />

livros. E está correcto, por<strong>que</strong> pertencem<br />

mais a <strong>um</strong>a tradição americana”,<br />

afirma.<br />

Certo é <strong>que</strong> “Easy Money” já se<br />

transformou n<strong>um</strong> filme (sueco), <strong>que</strong><br />

estreou há dois meses, em <strong>que</strong> as três<br />

personagens principais ganharam<br />

corpo na tela: Mrado, o mafioso sérvio<br />

<strong>que</strong> opera na Suécia caído em <strong>de</strong>sgraça;<br />

J.W., o jovem arrivista, <strong>que</strong> vem<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a família h<strong>um</strong>il<strong>de</strong> mas se fez<br />

amigo <strong>de</strong> ricos quando veio para Estocolmo<br />

estudar, ocultando as suas<br />

origens, e acabou por se transformar<br />

em traficante <strong>de</strong> cocaína, a estoirar<br />

<strong>de</strong> dinheiro; e Jorge, o imigrante chileno<br />

traficante <strong>de</strong> cocaína, <strong>que</strong> faz<br />

<strong>um</strong>a espectacular fuga da prisão. To<strong>dos</strong><br />

acabam por convergir por causa<br />

da coca e, vai-se percebendo, estão<br />

uni<strong>dos</strong> pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vingança.<br />

Lapidus c<strong>um</strong>priu o seu objectivo<br />

<strong>de</strong> ser o anti-policial nórdico: “Não<br />

ter <strong>um</strong> polícia, ou <strong>um</strong> inspector como<br />

personagem principal. Quis fazer o<br />

livro do ponto <strong>de</strong> vista <strong>dos</strong> criminosos<br />

e ser autêntico, escrever sobre aquilo<br />

<strong>que</strong> está a acontecer nas ruas <strong>de</strong> Estocolmo”,<br />

explicou o autor, n<strong>um</strong>a<br />

passagem por Lisboa para promover<br />

o livro.<br />

“A maioria <strong>dos</strong> policiais suecos são<br />

acerca <strong>de</strong> homicídios, mas só acontecem<br />

35 homicídios por ano na Suécia.<br />

O crime não acontece como nos livros”.<br />

Ele sabe, por<strong>que</strong> é advogado<br />

criminal – trabalha n<strong>um</strong> escritório <strong>de</strong><br />

advoga<strong>dos</strong> especializado na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />

acusa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos graves, nada <strong>de</strong><br />

crimes <strong>de</strong> colarinho branco. “Decidi<br />

<strong>que</strong> ia escrever como realmente acontece.”<br />

Está a contar os seus próprios casos,<br />

Jens Lapidus? “Não. Não posso<br />

16 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon<br />

“Não há muitos<br />

escritores na Suécia<br />

<strong>que</strong> tentem retratar<br />

o mundo do crime.<br />

Na verda<strong>de</strong>, não<br />

conheço nenh<strong>um</strong>.<br />

Normalmente,<br />

escrevem sobre<br />

a classe média, sobre<br />

outra parte<br />

da socieda<strong>de</strong>. Mas eu<br />

escrevo sobre<br />

os marginaliza<strong>dos</strong>,<br />

os guetos, os jovens”<br />

A Estocolmo <strong>de</strong> “Easy Money” é<br />

<strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> perigosa. O autor<br />

diz <strong>que</strong> a imagem feita da<br />

Suécia, <strong>de</strong> <strong>um</strong> paraíso do Estado<br />

providência, “não é verda<strong>de</strong> nos<br />

últimos 20 anos, e se calhar<br />

nunca foi verda<strong>de</strong>”<br />

escrever sobre pessoas reais, nem casos<br />

reais, pelo menos sobre os meus<br />

clientes, não seria ético. Tenho <strong>de</strong> estabelecer<br />

fronteiras muito claras entre<br />

a minha escrita e o meu trabalho como<br />

advogado. E isso torna-se complicado,<br />

por causa da memória – muitas<br />

vezes não consigo lembrar-me se <strong>um</strong>a<br />

i<strong>de</strong>ia me veio do trabalho ou não. Mas<br />

sou muito cuida<strong>dos</strong>o, peço aos meus<br />

colegas para lerem o <strong>que</strong> escrevo.”<br />

Chama no coração<br />

Os clientes <strong>de</strong> Jens Lapidus são, sobretudo,<br />

homens jovens. Que crimes<br />

cometeram? “Que a acusação diz <strong>que</strong><br />

cometeram”, corrige, zombeteiro, o<br />

advogado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa-escritor. “Po<strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong> tudo. Des<strong>de</strong> <strong>um</strong>a zaragata n<strong>um</strong><br />

bar, <strong>que</strong> não é muito grave, só uns<br />

socos, até tráfico <strong>de</strong> droga, assaltos a<br />

bancos, qual<strong>que</strong>r coisa.”<br />

E como é <strong>que</strong> alguém escolhe <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

estes crimes? “Depen<strong>de</strong> da<br />

pessoa <strong>que</strong> se é, acho. Antes trabalhava<br />

em direito comercial, é complexo,<br />

intelectualmente estimulante, e muito<br />

bem pago. Já o trabalho <strong>de</strong> direito<br />

criminal não é bem remunerado, mas<br />

trabalha-se com seres h<strong>um</strong>anos. E<br />

para mim, mudar para direito criminal<br />

teve a ver com...fogo. Precisava<br />

<strong>de</strong> me sentir ar<strong>de</strong>r, sentir <strong>que</strong> fazia<br />

algo <strong>que</strong> me <strong>de</strong>spertava <strong>um</strong>a chama<br />

no coração”, diz, com <strong>um</strong>a chispa nos<br />

olhos muito azuis.<br />

“Trabalhar em direito comercial é<br />

algo <strong>que</strong> se faz com o cérebro, enquanto<br />

o direito criminal se faz directamente<br />

com seres h<strong>um</strong>anos, <strong>de</strong> carne<br />

e osso, trabalha-se com os assassinos<br />

da socieda<strong>de</strong>. Assegura-se, to<strong>dos</strong><br />

os dias, o direito a <strong>um</strong> julgamento justo,<br />

garante-se a aplicação <strong>dos</strong> direitos<br />

Na pele do<br />

criminos<br />

As ruas <strong>de</strong> Estocolmo escon<strong>de</strong>m <strong>um</strong> mundo negro <strong>de</strong> crime <strong>que</strong> se esperaria mais ver n<strong>um</strong><br />

“Easy Money”, <strong>um</strong> advogado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa criminal, diz <strong>que</strong> quis escrever o


so<br />

DANIEL ROCHA<br />

h<strong>um</strong>anos, <strong>que</strong> ninguém seja con<strong>de</strong>nado<br />

sendo inocente. Para mim pareceu-me<br />

certo, ainda <strong>que</strong> não me<br />

tenha parecido bem reduzir o salário<br />

em 50 por cento.”<br />

O trabalho do dia-a-dia, então, é a<br />

sua fonte <strong>de</strong> inspiração. “Tenho acesso<br />

a material <strong>que</strong> muito poucos autores<br />

terão, to<strong>dos</strong> os dias leio relatórios<br />

policiais, falo com testemunhas, leio<br />

relatórios laboratoriais – isto são coisas<br />

reais, não estou a falar <strong>de</strong> CSI na<br />

televisão, é o <strong>que</strong> faço to<strong>dos</strong> os dias.<br />

É <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> inspiração.<br />

Mas o contraponto, claro, é <strong>que</strong> me<br />

limita.”<br />

Livros<br />

Motas e máfia sérvia<br />

A Estocolmo <strong>de</strong> “Easy Money” é <strong>um</strong>a<br />

cida<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>ntemente perigosa,<br />

com tantos pobres escondi<strong>dos</strong> sob<br />

o brilho da superfície <strong>que</strong> enoja. É<br />

mesmo assim tão feia a capital sueca,<br />

se a <strong>de</strong>sembrulharmos como <strong>um</strong> rebuçado?<br />

“Isso tem muito a ver com a<br />

imagem feita da Suécia, <strong>que</strong> é muito<br />

romanceada, <strong>de</strong> <strong>um</strong> paraíso do Estado<br />

providência, sem pessoas pobres,<br />

muito seguro”, respon<strong>de</strong> Lapidus.<br />

“Não é verda<strong>de</strong> nos últimos 20 anos,<br />

e se calhar nunca foi verda<strong>de</strong>. Estocolmo<br />

é como as outras <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> cida<strong>de</strong>s<br />

europeias, tem bastante crime, e<br />

tem crime organizado”.<br />

O <strong>que</strong> ele <strong>de</strong>screve é <strong>um</strong> submundo<br />

<strong>de</strong> crime organizado, em <strong>que</strong> a máfia<br />

jugoslava (sérvia) é <strong>um</strong>a força importante,<br />

dominada por homens liga<strong>dos</strong><br />

aos Tigres <strong>de</strong> Arkan, <strong>que</strong> lançaram o<br />

terror na guerra da ex-Jugoslávia, nos<br />

anos 1990, e continuam ainda hoje a<br />

dominar re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> mulheres<br />

para prostituição, tabaco, álcool e<br />

droga. Mas há ainda os gangues <strong>de</strong><br />

moto<strong>que</strong>iros, os Hell’s Angels e os<br />

Bandi<strong>dos</strong>, <strong>que</strong> não são apenas pacíficos<br />

apreciadores <strong>de</strong> motas: tornaramse<br />

forças importantes <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong><br />

droga, extorsão e outras activida<strong>de</strong>s<br />

criminais na Escandinávia. Nos anos<br />

1990, <strong>um</strong>a guerra entre eles travou-se<br />

com rockets, granadas e armas antitan<strong>que</strong>,<br />

fazendo várias vítimas mortais<br />

– não foi, <strong>de</strong>cididamente, <strong>um</strong>a<br />

brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> vikings monta<strong>dos</strong> em<br />

motocicletas.<br />

“Os gangs <strong>de</strong> moto<strong>que</strong>iros foram<br />

importa<strong>dos</strong> do EUA, via Alemanha,<br />

Dinamarca e Europa Central, há cerca<br />

<strong>de</strong> 15 anos, e representam <strong>um</strong>a<br />

percentagem importante do crime<br />

organizado. Os gangs <strong>de</strong> prisão, outro<br />

fenómeno americano, também estão<br />

a crescer, e funcionam fora das prisões.<br />

Os grupos étnicos também se<br />

organizam para cometer crimes [como<br />

o gang <strong>de</strong> Naser, albanês, e os Original<br />

Gangsters, <strong>de</strong> base síria, mas<br />

juntando outras etnias, incluindo latinos<br />

e nórdicos]. A máfia jugoslava é<br />

<strong>um</strong> problema relativo, não é como a<br />

máfia italiana, com acesso aos políticos<br />

e à polícia. Mas é crime organizado.<br />

Isto começou a acontecer durante<br />

os anos 90, antes não existia crime<br />

organizado na Suécia”, explica Lapidus.<br />

“Mas a Suécia é ainda <strong>um</strong> bom sítio<br />

para se viver, comparando com a Rússia,<br />

ou outros países, há menos corrupção,<br />

menos crime. Mas há crime,<br />

e eu <strong>de</strong>screvo-o”, afirma. Só <strong>que</strong> o faz<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma diferente <strong>dos</strong> outros<br />

escritores: põe-se na pele <strong>dos</strong> criminosos.<br />

“Não há muitos escritores na<br />

Suécia <strong>que</strong> tentem retratar o mundo<br />

do crime. Na verda<strong>de</strong>, não conheço<br />

nenh<strong>um</strong>. Normalmente, escrevem<br />

sobre a classe média, sobre outra parte<br />

da socieda<strong>de</strong>. Mas eu escrevo sobre<br />

os marginaliza<strong>dos</strong>, os guetos, os jovens.”<br />

Os clientes do advogado sabem <strong>que</strong><br />

ele é também escritor? “Claro. Toda<br />

a Suécia me conhece.” E confiam nele?<br />

“Penso <strong>que</strong> a maioria <strong>dos</strong> meus<br />

clientes consi<strong>de</strong>ra <strong>que</strong> compreendo<br />

a forma como vivem e como vêem o<br />

mundo, e confiam mais em mim.”<br />

Agora <strong>que</strong> começou a retratar o<br />

submundo <strong>de</strong> Estocolmo, <strong>que</strong> parece<br />

fasciná-lo esta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relatar,<br />

ficcionando – já está a escrever o terceiro<br />

livro <strong>de</strong>sta trilogia, aliás passou<br />

por Lisboa a caminho <strong>de</strong> Paris, on<strong>de</strong><br />

ia fazer trabalho <strong>de</strong> campo para o terceiro<br />

vol<strong>um</strong>e, o <strong>que</strong> vem a seguir?<br />

“Para ser honesto, não disse <strong>que</strong> ia<br />

necessariamente escrever <strong>um</strong>a trilogia,<br />

disse <strong>que</strong> ia escrever mais do <strong>que</strong><br />

<strong>um</strong> livro, talvez três, ou quatro, a editora<br />

é <strong>que</strong> pensou n<strong>um</strong>a trilogia. Mas<br />

para mim o importante é <strong>de</strong>screver<br />

esta arena <strong>que</strong> é Estocolmo: a cida<strong>de</strong><br />

é como <strong>um</strong> círculo e eu <strong>de</strong>screvo <strong>um</strong>a<br />

fatia. Senti <strong>que</strong> precisava <strong>de</strong> mais do<br />

<strong>que</strong> <strong>um</strong> livro para terminar este trabalho.<br />

Mas tenho muito medo <strong>de</strong> ficar<br />

preso neste es<strong>que</strong>ma tradicional do<br />

policial escandinavo, <strong>de</strong> ficar preso<br />

na mesma personagem. Para mim<br />

escrever é expandir as fronteiras do<br />

<strong>que</strong> po<strong>de</strong> ser boa ficção, experimentar.<br />

Depois do meu segundo livro fiz<br />

<strong>um</strong>a novela gráfica, foi a primeira vez<br />

<strong>que</strong> se fez algo assim na Suécia. É <strong>um</strong>a<br />

maneira <strong>de</strong> fazer algo novo, mudar a<br />

forma das pessoas lerem novelas <strong>de</strong><br />

crime”, sublinha.<br />

“Sabe, eu aborreço-me facilmente.<br />

Tenho <strong>de</strong> encontrar novas formas <strong>de</strong><br />

me expressar.”<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

ABR~1O<br />

CELINA<br />

PEREIRA<br />

e convida<strong>dos</strong><br />

entre mornas<br />

e fa<strong>dos</strong><br />

15 ABR<br />

QUINTA<br />

ÀS 21H00<br />

APOIOS<br />

SALA PRINCIPAL<br />

PRODUÇÃO<br />

PUBLICAR<br />

M/3<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

ABR~1O<br />

2O ABR<br />

especial<br />

José Salgueiro<br />

e José Peixoto<br />

participação especial <strong>de</strong><br />

Maria Berasarte<br />

TERÇA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL M/3<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

romance americano. Faz sentido: Jens Lapidus, o autor <strong>de</strong><br />

anti-policial sueco. Clara Barata<br />

APOIOS<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 17


Manuel Alegre<br />

soltou a memória<br />

e o livro fez-se<br />

O regresso <strong>de</strong> Manuel Alegre à prosa, com “O Miúdo Que Pregava Pregos N<strong>um</strong>a Tábua”, faz-se<br />

com <strong>um</strong>a escrita <strong>que</strong> puxa pela memória – e a memória puxa pela palavra. Isabel Coutinho<br />

Quando Manuel Alegre escrevia “O<br />

Miúdo Que Pregava Pregos N<strong>um</strong>a Tábua”,<br />

<strong>um</strong> amigo perguntou-lhe se era<br />

<strong>um</strong>a história. Na altura não soube<br />

respon<strong>de</strong>r-lhe. Agora já sabe. É isso<br />

<strong>que</strong> conta ao Ípsilon, n<strong>um</strong>a poltrona<br />

da sala <strong>de</strong> sua casa, em Lisboa. A pergunta<br />

foi feita pelo editor João Rodrigues,<br />

n<strong>um</strong> jantar no Algarve. “Matutei,<br />

reli alg<strong>um</strong>as coisas e achei <strong>que</strong><br />

sim.” Esta é a história <strong>de</strong> <strong>um</strong> miúdo<br />

<strong>que</strong> pregava pregos n<strong>um</strong>a tábua e <strong>de</strong>pois<br />

começou a contar as sílabas pelos<br />

<strong>de</strong><strong>dos</strong>. “A pergunta foi boa, por<strong>que</strong><br />

resolveu <strong>um</strong> problema <strong>que</strong> tinha comigo<br />

e com este livro, feito <strong>de</strong> vários<br />

fragmentos <strong>que</strong> têm <strong>um</strong>a certa coerência<br />

interna.”<br />

Trata-se, aqui, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a escrita sobre<br />

a escrita. “No fundo, é <strong>um</strong>a escrita<br />

<strong>que</strong> puxa pela memória. A palavra<br />

puxa palavra, a memória puxa palavra.<br />

É <strong>um</strong>a escrita sobre o processo<br />

<strong>que</strong> leva à escrita, sobre os muitos<br />

ritmos do mundo <strong>que</strong> fazem parte do<br />

meu ritmo <strong>de</strong> escrita, na poesia e na<br />

prosa”, explica o autor <strong>de</strong> “Trova do<br />

vento <strong>que</strong> passa”.<br />

Por impulso<br />

Esta novela começou mesmo pelo<br />

princípio e por a<strong>que</strong>las <strong>que</strong> são as suas<br />

primeiras frases: “É difícil escrever<br />

<strong>um</strong> livro. Não se sabe por on<strong>de</strong> começar<br />

nem por on<strong>de</strong> seguir.” No processo<br />

<strong>de</strong> criação <strong>de</strong> Alegre, <strong>um</strong> livro começa<br />

sempre por <strong>um</strong>a cadência (mesmo<br />

a prosa tem <strong>um</strong> ritmo próprio).<br />

“Não escrevo <strong>de</strong> maneira programada,<br />

escrevo por impulso e, às vezes,<br />

das maneiras mais inesperadas. Começa<br />

pela cadência e por <strong>um</strong>a frase”,<br />

explica. E <strong>de</strong>pois soltou a caneta, soltou<br />

a memória e o livro fez-se.<br />

Na escrita, tal como na vida, diz,<br />

“anda-se para a frente, anda-se para<br />

trás, escreve-se em ziguezague”. E,<br />

sobretudo, “a memória anda muito<br />

aos saltos. Há <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> buracos negros<br />

na memória. É muito selectiva”. Apesar<br />

disso, neste processo, <strong>que</strong> para<br />

Alegre está muito próximo do processo<br />

da escrita poética, <strong>de</strong>spertam-se<br />

coisas adormecidas. “Às vezes, já não<br />

sabemos se aquilo é realida<strong>de</strong> ou se<br />

é ficção. Ou on<strong>de</strong> acaba <strong>um</strong>a coisa e<br />

começa a outra.”<br />

No entanto, o livro começa com a<br />

memória mais antiga <strong>que</strong> Alegre tem<br />

<strong>de</strong> si mesmo: a <strong>de</strong> estar sentado n<strong>um</strong><br />

pátio, a pregar pregos n<strong>um</strong>a tábua.<br />

“De certa maneira to<strong>dos</strong> os livros começam<br />

por aí, pela primeira memória<br />

<strong>que</strong> se tem. Depois há as histórias <strong>que</strong><br />

nos contam e <strong>que</strong> nós contamos a nós<br />

próprios. Há coisas <strong>que</strong> não tenho a<br />

certeza <strong>de</strong> se terem passado exactamente<br />

assim: se as sonhei ou imaginei.<br />

Nem isso é importante.” Por isso,<br />

“O Miúdo Que Pregava Pregos N<strong>um</strong>a<br />

Tábua” (ed. Dom Quixote) não é <strong>um</strong>a<br />

autobiografia, nem <strong>um</strong>a biografia,<br />

nem historiografia. Mas tem muito da<br />

vivência do poeta.<br />

Aliás, o escritor já tinha contado<br />

muitas das histórias <strong>de</strong>ste livro. Mas<br />

tinha-as contado <strong>de</strong> outra maneira.<br />

“Não as tinha contado bem assim,<br />

nem eram bem as mesmas histórias.<br />

O clima, a vivência, a infância, não<br />

propriamente as histórias.”<br />

Por isso não só lhe <strong>de</strong>u prazer escrever<br />

este livro, como tinha necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> o fazer. Para <strong>que</strong> as coisas<br />

não se percam? “Ou para <strong>que</strong> eu não<br />

as per<strong>de</strong>sse para mim mesmo, para<br />

as transmitir a alguém”, talvez aos<br />

netos <strong>que</strong> acabam por aparecer em<br />

vários capítulos da história. Manuel<br />

Alegre quis também perceber por <strong>que</strong><br />

escreve assim, por <strong>que</strong> é <strong>que</strong> certas<br />

coisas o marcaram e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é <strong>que</strong><br />

vem a sonorida<strong>de</strong>, a estrutura rítmica<br />

<strong>que</strong> sempre marcou a sua poesia.<br />

Lembrou-se do pai a cantar fado, voz<br />

bonita e rouca; da tia-avó <strong>que</strong> lhe revelou<br />

a poesia; outra vez do pai, <strong>que</strong><br />

lhe lia Camões, mas também António<br />

Nobre; das lengalengas <strong>que</strong> as criadas<br />

lhe contavam. E <strong>de</strong>scobriu <strong>que</strong> sem<br />

tudo isso não escrevia como escreve.<br />

Ou nem escreveria. Lembrou-se da<br />

rua da sua infância e do <strong>que</strong> por lá se<br />

passava. Do circo <strong>que</strong> <strong>um</strong> dia se foi<br />

embora, <strong>dos</strong> ciganos com <strong>que</strong>m co-<br />

“To<strong>dos</strong> os livros<br />

começam pela<br />

primeira memória<br />

<strong>que</strong> se tem. Depois há<br />

as histórias <strong>que</strong> nos<br />

contam e <strong>que</strong><br />

contamos a nós<br />

próprios. Há coisas<br />

<strong>que</strong> não tenho<br />

a certeza <strong>de</strong> se terem<br />

passado assim: se as<br />

sonhei ou imaginei”<br />

mia ouriços, das idas à pesca, <strong>dos</strong> robalos,<br />

do rio, das feiras.<br />

“Na<strong>que</strong>la altura, n<strong>um</strong>a vila quase<br />

al<strong>de</strong>ia, em Águeda, na<strong>que</strong>la rua com<br />

muitos ofícios (o marceneiro, o sapateiro,<br />

a pa<strong>de</strong>ira) havia também os cegos<br />

<strong>que</strong> cantavam ‘rimances’ <strong>que</strong> distribuíam<br />

em folhas. Tudo isso ficava: a toada,<br />

as histórias das pessoas da terra, as<br />

criadas <strong>que</strong> contavam histórias <strong>de</strong> feiticeiras,<br />

<strong>de</strong> bruxas, <strong>de</strong> lobisomens. A<br />

história da Carmencita, a cigana mais<br />

bonita <strong>que</strong> havia na caravana, ouvia-a<br />

ali, na rua, antes <strong>de</strong> se ter transformado<br />

n<strong>um</strong> fado cantado.”<br />

Os tambores cá <strong>de</strong>ntro<br />

Aos sába<strong>dos</strong>, em Águeda, havia <strong>um</strong>a<br />

feira <strong>que</strong> “parecia saída <strong>de</strong> <strong>um</strong> poema<br />

<strong>de</strong> António Nobre”, on<strong>de</strong> mendigos<br />

e doentes expunham as suas chagas.<br />

“Gente muito pobre, <strong>de</strong>scalça, ven<strong>de</strong>dores<br />

<strong>de</strong> banha da cobra <strong>que</strong> também<br />

tinham a sua toada e muitos cantadores.<br />

Traziam os seus ‘rimances’<br />

e histórias, às vezes <strong>de</strong> factos aconteci<strong>dos</strong>,<br />

mortes matadas. Tudo isso fica<br />

a fazer parte <strong>de</strong> nós. São a música da<br />

língua e fazem parte da nossa estrutura<br />

rítmica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa música da<br />

língua. Isso marcou-me muito: a sonorida<strong>de</strong>.”<br />

De tal maneira <strong>que</strong>, quando começou<br />

a fazer versos, Alegre tinha necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> os ler imediatamente a<br />

alguém. Se não houvesse ninguém,<br />

lia-os em voz alta, e fez isso mesmo<br />

quando estava na prisão.<br />

“Escrevi alguns poemas da ‘Praça<br />

da Canção’ [1965] na prisão, sem papel,<br />

e dizia-os em voz alta. Mesmo<br />

<strong>de</strong>pois quando tinha papel, ia lá o Pi<strong>de</strong><br />

ver o <strong>que</strong> se passava e estava eu a<br />

dizer os poemas em voz alta. Isso <strong>de</strong>pois<br />

passou-me.” Porquê? Consequência<br />

da maturida<strong>de</strong>? “Não sei,<br />

talvez venha <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maior confiança<br />

na escrita. Talvez eu murmure aquilo<br />

silenciosamente para mim mesmo”,<br />

diz o poeta <strong>que</strong> contava as sílabas pelos<br />

<strong>de</strong><strong>dos</strong>. “Tenho realmente a coisa<br />

<strong>dos</strong> <strong>de</strong><strong>dos</strong>, mas a Sophia [<strong>de</strong> Mello<br />

Breyner]} também tinha e outros <strong>que</strong><br />

eu conheço também têm. Não <strong>que</strong>r<br />

dizer <strong>que</strong> se esteja a marcar o compasso<br />

das sete sílabas. São os tambores,<br />

os tambores cá <strong>de</strong>ntro.”<br />

Mas, a <strong>de</strong>terminada altura da sua<br />

vida, este miúdo per<strong>de</strong>u o ritmo. “N<strong>um</strong>a<br />

fase inicial, fazia uns poemas horríveis<br />

mas <strong>que</strong> tinham ritmo, tinham<br />

essa toada das coisas <strong>de</strong> <strong>que</strong> falámos.<br />

Depois comecei a ler Rilke, Pessoa, os<br />

poetas mo<strong>de</strong>rnos. Ficou <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong><br />

salgalhada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim e aconteceu-me<br />

como ao violino do João, foise<br />

o ritmo, foi-se a toada. Não tinha o<br />

meu próprio ritmo. Levou o seu tempo<br />

até <strong>que</strong> <strong>um</strong> dia me aparecesse <strong>um</strong><br />

verso <strong>que</strong> sentisse <strong>que</strong> era meu, <strong>que</strong><br />

era novo. Por acaso lembro-me <strong>de</strong>sse<br />

verso mas não digo. É segredo”, ri-se.<br />

Não <strong>que</strong>r mesmo <strong>de</strong>ixar <strong>um</strong>a pista aos<br />

estudiosos da sua obra? “Aparece<br />

n<strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> cinco poemas meus<br />

<strong>que</strong> foram publica<strong>dos</strong> na revista Via<br />

Latina.”<br />

A intervenção na História<br />

A verda<strong>de</strong> é <strong>que</strong> já não há muitos interlocutores<br />

com <strong>que</strong>m po<strong>de</strong> conversar<br />

sobre estas coisas. As pessoas vão <strong>de</strong>saparecendo.<br />

“Morreram os amigos, morreram<br />

os pais, morreu a tia, morreram<br />

as criadas, toda essa gente. Já não há<br />

muito com <strong>que</strong>m relembrar esses episódios<br />

e essas vivências. Mesmo às vezes<br />

quando conto certas histórias, os meus<br />

filhos já as sabem... Então há <strong>um</strong>a vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> as contar <strong>de</strong> outra maneira.<br />

Contá-las a mim mesmo e contá-las aos<br />

outros, escrevendo-as.”<br />

A <strong>de</strong>terminada altura <strong>de</strong>ste livro<br />

Alegre conta o seu encontro surrealista<br />

em Paris com Daniel Cohn-Bendit,<br />

fala <strong>de</strong> Che Guevara <strong>que</strong> conheceu<br />

em Argel e <strong>de</strong> “ter vivido na ilusão <strong>de</strong><br />

<strong>que</strong> a intervenção na História po<strong>de</strong>ria<br />

ser <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> poema em acto”.<br />

Esses tempos <strong>de</strong> utopia foram <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>silusão? “Não, não é isso. Na<strong>que</strong>la<br />

altura toda a gente estava convencida<br />

<strong>de</strong> <strong>que</strong> ia mudar o mundo. Cada <strong>um</strong><br />

ia fazer a revolução mais perfeita <strong>que</strong><br />

as outras. Era <strong>um</strong> período <strong>de</strong> utopia.<br />

Existiam os Beatles, os hippies, os<br />

guerrilheiros. Toda a gente tinha a<br />

nostalgia da guerrilha da Bolívia ou<br />

<strong>de</strong> outra parte do mundo. Se não se<br />

fazia na Bolívia, fazia-se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si<br />

mesmo, no Quartier Latin ou n<strong>um</strong><br />

café <strong>de</strong> Argel. Tínhamos a sensação<br />

ou a ilusão <strong>de</strong> <strong>que</strong> estávamos a mudar<br />

a História. Bem, alguns <strong>de</strong> nós – os<br />

portugueses, os angolanos, os caboverdianos,<br />

os moçambicanos – acabamos<br />

mesmo por contribuir para<br />

mudar a História. Não há dúvida. Mas<br />

não propriamente na<strong>que</strong>la perspectiva<br />

– e aí é <strong>que</strong> está a ilusão lírica da<br />

utopia – <strong>de</strong> acreditarmos <strong>que</strong> finalmente<br />

iríamos fazer a revolução <strong>que</strong><br />

nem russos, cubanos ou chineses foram<br />

capazes <strong>de</strong> fazer. Não foi<br />

assim por causa das lógicas<br />

da Guerra Fria, mas<br />

fizemos o essencial:<br />

a liberda<strong>de</strong>,<br />

a paz, a in<strong>de</strong>pendência das colónias<br />

portuguesas.”<br />

Em tempos, escreveu <strong>um</strong>a crónica<br />

em <strong>que</strong> dizia “Portugal é difícil, é difícil<br />

ser português.” E a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Portugal está presente neste livro, <strong>um</strong><br />

Portugal tradicional, do fado, <strong>dos</strong> touros.<br />

Mas quando se pensa na Es<strong>que</strong>rda<br />

não se pensa habitualmente nesse<br />

país... “A minha Es<strong>que</strong>rda, a da minha<br />

geração, pensava. Está na música do<br />

Carlos Pare<strong>de</strong>s, no Zeca Afonso, nas<br />

canções do Adriano também. Pensava<br />

por oposição até à mitificação <strong>que</strong><br />

o Salazar fez e à maneira como o salazarismo<br />

se apropriou e <strong>de</strong>formou<br />

alguns <strong>dos</strong> mitos fundadores. Acredito<br />

<strong>que</strong> <strong>um</strong> <strong>dos</strong> segre<strong>dos</strong> do êxito <strong>de</strong><br />

‘A Praça da Canção’ é a estrutura rítmica<br />

<strong>dos</strong> poemas, as trovas, e o ter<br />

virado esses mitos do avesso.”<br />

Repete ao longo do livro a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

<strong>que</strong> a poesia está aquém e além da<br />

literatura. Fala também <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa<br />

literatice? “Eram os movimentos literários,<br />

os compadrios literários, as<br />

revistas literárias. Para nós, a poesia<br />

era algo mais mágico, mais sagrado.<br />

Talvez fosse – como dizer? – <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong><br />

arrogante ou sobranceira em<br />

relação a outros poetas, mas acontece<br />

em todas as jovens gerações.”<br />

Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> crescido, o miúdo<br />

<strong>que</strong> pregava pregos n<strong>um</strong>a tábua<br />

está convencido <strong>de</strong> <strong>que</strong> a poesia é <strong>um</strong><br />

processo mágico.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> livros págs. 36 e segs<br />

18 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


ENRIC VIVES-RUBIO<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

ABR~1O<br />

13 ABR<br />

PEDRO JÓIA<br />

E ORQUESTRA DE<br />

CÂMARA MERIDIONAL<br />

convidado RICARDO RIBEIRO<br />

TERÇA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL M/3<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

ABR~1O<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

PRODUÇÃO APOIOS<br />

© Rita Carmo © Francisco Aragão<br />

Livros<br />

14 ABR<br />

ANTÓNIO<br />

ZAMBUJO<br />

GUIA<br />

QUARTA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL M/3<br />

PRODUÇÃO APOIOS<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 19


Chegou a hora<br />

da estrela para<br />

Clarice<br />

Lispector<br />

Benjamin Moser passou cinco anos a investigar<br />

a biografia <strong>de</strong> Clarice Lispector. Da Ucrânica ao Brasil,<br />

passando pela Suíça e EUA, traçou a geografia<br />

da enigmática escritora <strong>de</strong> nome estrangeiro <strong>que</strong><br />

mudou a literatura brasileira. “Why this World” foi <strong>um</strong><br />

sucesso no Brasil, acompanhando o “boom”<br />

<strong>de</strong> publicações sobre Lispector. Chega a Portugal<br />

em Setembro. Ra<strong>que</strong>l Ribeiro<br />

Quando Benjamin Moser, 33 anos,<br />

autor americano da primeira biografia<br />

em inglês sobre a escritora brasileira<br />

Clarice Lispector, ligou para a<br />

companhia KLM na madrugada do<br />

início do Festival Literário <strong>de</strong> Paraty<br />

<strong>de</strong> 2005, sabia <strong>que</strong> estava a cometer<br />

<strong>um</strong>a loucura. “‘Tem <strong>um</strong> voo para São<br />

Paulo ainda hoje?’ Nunca tinha feito<br />

<strong>um</strong>a coisa <strong>de</strong>ssas. Comprei a passagem<br />

e às onze da manhã estava a embarcar”,<br />

explicou Moser ao Ípsilon,<br />

n<strong>um</strong> português com sota<strong>que</strong> brasileiro<br />

nor<strong>de</strong>stino, n<strong>um</strong>a entrevista telefónica<br />

a partir da sua casa no Utrecht,<br />

na Holanda.<br />

O impulso foi <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado quando,<br />

no seu jardim, contava a <strong>um</strong> amigo<br />

<strong>que</strong>m era a<strong>que</strong>la figura, Clarice<br />

Lispector, <strong>que</strong> o “tinha pegado, como<br />

muito poucas coisas na vida”, era ainda<br />

estudante na Brown University,<br />

EUA. “Vivia com isso na cabeça: <strong>um</strong><br />

dia <strong>que</strong>ro fazer algo com ela, trazê-la,<br />

explicá-la para o mundo. Mas também<br />

<strong>que</strong>ria entendê-la eu próprio”, explica.<br />

Na<strong>que</strong>le Julho, o Festival <strong>de</strong> Paraty<br />

homenageava Clarice e o amigo<br />

perguntou-lhe: “O <strong>que</strong> está fazendo<br />

aqui, na Holanda? Você tem é <strong>que</strong> estar<br />

lá, com to<strong>dos</strong> os especialistas.<br />

Nunca vai haver tanta gente empolgada<br />

assim.”<br />

Foram cinco anos <strong>de</strong> pesquisa para<br />

publicar “Why This World”, biografia<br />

<strong>de</strong> 400 páginas <strong>que</strong> saiu em 2009 nos<br />

EUA (Oxford University Press). Após<br />

a tradução brasileira, a Civilização vai<br />

publicar a edição portuguesa em Setembro.<br />

A biografia era a melhor maneira<br />

<strong>de</strong> dar a ver “Clarice como <strong>um</strong>a<br />

coisa toda e não <strong>um</strong> pedaço: você lê<br />

os livros <strong>de</strong>la, lê a crítica, mas é sempre<br />

<strong>um</strong> lado”, diz Moser.<br />

Não foi fácil compor o puzzle da<br />

enigmática escritora <strong>de</strong> nome estrangeiro<br />

– Lispector –, <strong>um</strong>a das maiores<br />

da língua portuguesa do século XX.<br />

Moser começa a biografia com a visita<br />

<strong>de</strong> Clarice ao Egipto e com <strong>um</strong>a<br />

carta sua sobre a esfinge: “Não a <strong>de</strong>cifrei.<br />

Mas ela também não me <strong>de</strong>cifrou.”<br />

O mito vive aí, nessa bela figura<br />

esfíngica <strong>que</strong> “veio <strong>de</strong> <strong>um</strong> mistério”<br />

(escreveu Carlos Dr<strong>um</strong>mond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>).<br />

Ela era “estrangeira na terra”,<br />

e essa condição nunca a largou – o<br />

nome estranho, o sota<strong>que</strong> esquisito,<br />

a linguagem fragmentada, inovadora,<br />

difícil.<br />

Porquê este mundo<br />

Nascida em Tchechelnik, na Ucrânica,<br />

em Dezembro <strong>de</strong> 1920, Chaya Pinkhasovna<br />

Lispector, Clarice, é a mais nova<br />

<strong>de</strong> três irmãs, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a família judaica<br />

<strong>que</strong> fugiu para o Brasil em 1921<br />

na sequência das perseguições antisemitas<br />

na guerra civil russa. A família<br />

chegou ao nor<strong>de</strong>ste brasileiro on<strong>de</strong><br />

adoptou nomes portugueses, e fixouse<br />

no Recife. Aí Clarice passou a infância<br />

e adolescência.<br />

Do Recife ao Rio, estuda Direito,<br />

torna-se jornalista, casa com <strong>um</strong> diplomata.<br />

Segue-se Belém (do Pará),<br />

Nápoles, Berna, Torquay (Reino Unido),<br />

Washington, até regressar ao Rio,<br />

on<strong>de</strong> morre em 1977, <strong>de</strong> cancro. De<br />

“Perto do Coração Selvagem” (1943)<br />

a “A Hora da Estrela” (1977), a vida<br />

confun<strong>de</strong>-se com a obra.<br />

A biografia <strong>de</strong> Moser estabelece esse<br />

diálogo entre a vida e a obra da<br />

escritora, na procura <strong>de</strong> “ir <strong>de</strong>ntro, ir<br />

ao âmago <strong>que</strong> não é só fazer literatura:<br />

é ser assim”, explica Carlos Men<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Sousa, especialista em Lispector,<br />

professor <strong>de</strong> literatura brasileira<br />

na Universida<strong>de</strong> do Minho. Moser tentou<br />

<strong>de</strong>cifrar essa busca incessante:<br />

“Sei <strong>que</strong> me encontrei diante <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>dos</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> assuntos da cultura h<strong>um</strong>ana,<br />

perguntas sobre o <strong>que</strong> fazemos<br />

nesse mundo, por<strong>que</strong> estamos aqui,<br />

por<strong>que</strong> vamos morrer. Coisas <strong>que</strong><br />

nunca tinha visto pensadas <strong>de</strong> maneira<br />

tão profunda.”<br />

Daí o título, “Why this World”, <strong>que</strong><br />

vem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a citação <strong>de</strong> Lispector: “É<br />

<strong>que</strong> eu fui <strong>um</strong>a adolescente confusa<br />

e perplexa <strong>que</strong> tinha <strong>um</strong>a pergunta<br />

muda e intensa: ‘como é o mundo? E<br />

por <strong>que</strong> esse mundo?’”<br />

Para pintar o retrato <strong>de</strong>sta “mulher<br />

insolúvel” (disse o jornalista brasileiro<br />

Paulo Francis), Moser traçou a geografia<br />

<strong>dos</strong> lugares <strong>de</strong> Clarice. Foi à<br />

Ucrânia? “Fui.” E aos lugares on<strong>de</strong><br />

Clarice viveu? “Claro.” Isto foi quase<br />

<strong>um</strong>a volta ao mundo.<br />

“Boom” <strong>de</strong> publicações<br />

Esta biografia vem no momento em<br />

<strong>que</strong> os brasileiros andam “doi<strong>dos</strong> por<br />

Clarice”, <strong>que</strong> se reflecte no “boom”<br />

<strong>de</strong> publicações sobre a autora nos últimos<br />

anos. Em 2007, saiu “Clarice<br />

Lispector – Entrevistas” (Rocco), compilação<br />

das entrevistas da autora a<br />

personalida<strong>de</strong>s brasileiras, por Claire<br />

Williams, investigadora em Oxford;<br />

“Minhas Queridas” (Rocco, 2007),<br />

cartas inéditas da escritora às irmãs;<br />

“Só para Mulheres” (Rocco, 2008),<br />

colectânea <strong>de</strong> crónicas femininas;<br />

“Clarice na Cabeceira” (2009), contos<br />

escolhi<strong>dos</strong> por personalida<strong>de</strong>s; “Clarice<br />

Lispector, Fotobiografia” (2009),<br />

por Nádia Gotlib; e o doc<strong>um</strong>entário<br />

“De Corpo Inteiro” (2009), realizado<br />

por Nicole Algranti, sobrinha da escritora.<br />

Efeméri<strong>de</strong>s vencem-se to<strong>dos</strong> os<br />

anos. Isto, aliado às reedições <strong>dos</strong> mances e contos, edições limitadas e<br />

ro-<br />

novos grafismos, po<strong>de</strong> ajudar a explicar<br />

a febre.<br />

“Os livros <strong>de</strong>la estão à venda no<br />

metrô <strong>de</strong> São Paulo”, conta Moser.<br />

“Com quatro reais, n<strong>um</strong>a máquina,<br />

você compra <strong>um</strong> livro <strong>de</strong>la como<br />

<strong>que</strong>m compra <strong>um</strong>a coca-cola.” E não<br />

duvida: “Há <strong>um</strong> ‘moment<strong>um</strong>’ à volta<br />

<strong>de</strong>la. E só vai crescendo. Estamos vivendo<br />

a hora da estrela da Clarice.”<br />

Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa diz <strong>que</strong> a proliferação<br />

<strong>de</strong> publicações é “indiscutível”.<br />

Há semanas, regressava do Rio e, no<br />

aeroporto, entre “best-sellers” mun-<br />

Benjamin Moser: foram<br />

cinco anos <strong>de</strong> pesquisa<br />

para publicar “Why<br />

This World”, biografia<br />

<strong>de</strong> 400 páginas <strong>que</strong><br />

saiu em 2009 nos<br />

EUA<br />

TESSA POSTHUMA DE BOER<br />

diais estavam n<strong>um</strong> escaparate, lado a<br />

lado, a biografia <strong>de</strong> Benjamin Moser<br />

e “Clarice na cabeceira”. O livro <strong>de</strong><br />

Moser, explica, “tem <strong>um</strong> cunho americano<br />

muito forte, com <strong>um</strong> gran<strong>de</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> investigação, intercalando<br />

a biografia com a escrita da Clarice”.<br />

Será importante para “abrir Clarice<br />

para fora <strong>de</strong> <strong>um</strong> circuito académico”.<br />

Em vida, Clarice era <strong>um</strong>a escritora<br />

<strong>de</strong> culto “n<strong>um</strong> grupo restrito <strong>de</strong> intelectuais”<br />

brasileiros. Nos anos 80,<br />

com o impulso <strong>de</strong> Hélène Cixous e<br />

das feministas francesas, passa a pertencer<br />

à “literatura <strong>de</strong> mulheres”.<br />

Giovanni Ponteiro, professor em Manchester,<br />

tradutor <strong>de</strong> Saramago, tinha<br />

<strong>um</strong> projecto para <strong>um</strong>a biografia <strong>que</strong><br />

não chegou a concluir: <strong>que</strong>ria “tirar<br />

Clarice da gaveta das feministas”, conta<br />

Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa.<br />

Moser afirma ter sentido <strong>um</strong>a gran-<br />

20 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Tudo nela<br />

era raro,<br />

começando<br />

pelo “nome<br />

estranho e até<br />

<strong>de</strong>sagradável,<br />

pseudónimo<br />

sem dúvida”,<br />

escreveu <strong>um</strong><br />

crítico. Foi esse<br />

o jogo<br />

(pertencer,<br />

não-pertencer)<br />

<strong>que</strong> ela jogou<br />

toda a vida<br />

Livros<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para contar esta história,<br />

apesar <strong>dos</strong> r<strong>um</strong>ores <strong>de</strong> <strong>que</strong> os her<strong>de</strong>iros<br />

<strong>de</strong> Lispector controlam tudo o <strong>que</strong><br />

sai. Moser <strong>de</strong>smente: “Todo o mundo<br />

me falava isso, mas felizmente esse<br />

problema não apareceu.” Diz <strong>que</strong> há<br />

“a família” e há Paulo, filho <strong>de</strong> Lispector,<br />

<strong>de</strong>tentor <strong>dos</strong> direitos. “Paulo enten<strong>de</strong>u<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>que</strong> eu era <strong>um</strong>a<br />

pessoa muito séria e <strong>que</strong> estava a fazer<br />

<strong>um</strong>a coisa <strong>que</strong> era <strong>um</strong>a missão <strong>de</strong> divulgação<br />

muito gran<strong>de</strong> da obra <strong>de</strong>la<br />

fora do Brasil.”<br />

As suas origens judaicas, por exemplo,<br />

são <strong>um</strong> <strong>dos</strong> aspectos mais sublinha<strong>dos</strong><br />

no livro. “Não havia nada <strong>que</strong><br />

Clarice Lispector <strong>de</strong>sejasse mais do<br />

<strong>que</strong> reescrever a história do seu nascimento”,<br />

escreve Moser. “Sua reputação<br />

é <strong>de</strong> ter sido <strong>um</strong> tanto mentirosa.”<br />

Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa admite <strong>que</strong><br />

esse mistério “faz parte da complexida<strong>de</strong><br />

da figura, esse jogo <strong>de</strong> revelação<br />

e ocultação” <strong>que</strong> Clarice alimentava.<br />

Ela foi “sempre muito consciente do<br />

seu papel e <strong>de</strong>ssa encenação”.<br />

Nesse jogo <strong>de</strong> sombras, a fuga da<br />

Ucrânia é <strong>um</strong> <strong>dos</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> temas da<br />

sua vida. Moser foi a Tchechelnik<br />

comprovar a cena da violação da mãe<br />

<strong>de</strong> Clarice e <strong>um</strong>a crença, contada pela<br />

autora, <strong>de</strong> <strong>que</strong> a gravi<strong>de</strong>z po<strong>de</strong><br />

curar <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong> <strong>um</strong>a doença<br />

venérea. Foi <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia em al<strong>de</strong>ia à procura<br />

da resposta. O estupro era <strong>um</strong>a<br />

das polémicas <strong>que</strong> a família não <strong>de</strong>ixaria<br />

passar, mas Paulo Lispector <strong>de</strong>ixou:<br />

“Não houve nada <strong>de</strong> absolutamente<br />

censurado. Paulo levou bronca<br />

da família por<strong>que</strong> permitiu <strong>que</strong> isso<br />

fosse publicado.”<br />

Suspensa n<strong>um</strong>a vírgula<br />

Quando “Perto do Coração Selvagem”<br />

foi publicado em 1943, Lispector iniciava<br />

<strong>um</strong>a obra “ao contrário do <strong>que</strong><br />

FOTOGRAFIAS DE “CLARICE FOTOBIOGRAFIA”, DE NADIA BATTELLA GOTLIB<br />

era a or<strong>de</strong>m dominante, e nesse sentido,<br />

<strong>um</strong>a obra <strong>de</strong>sterritorializadora da<br />

tendência da literatura brasileira sobre<br />

a terra, o lugar, o ufanismo brasileiro”,<br />

explica Carlos Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa. Clarice<br />

rompe “com o mo<strong>de</strong>lo do romance<br />

nor<strong>de</strong>stino” e cria “<strong>um</strong>a obra estranha<br />

a todas essas referências”.<br />

Tudo nela era raro, começando pelo<br />

“nome estranho e até <strong>de</strong>sagradável,<br />

pseudónimo sem dúvida”, escreveu<br />

<strong>um</strong> crítico. Foi esse o jogo (pertencer,<br />

não-pertencer) <strong>que</strong> ela jogou toda a<br />

vida. “Tenho a certeza <strong>de</strong> <strong>que</strong> no berço<br />

a minha primeira vonta<strong>de</strong> foi a <strong>de</strong> pertencer,<br />

por motivos <strong>que</strong> aqui não importam,<br />

eu <strong>de</strong> alg<strong>um</strong> modo <strong>de</strong>via estar<br />

sentindo <strong>que</strong> não pertencia a nada e a<br />

ninguém”, escreveu Clarice.<br />

Clarice era assim: <strong>um</strong> animal em bruto<br />

como Joana <strong>de</strong> “Perto do Coração<br />

Selvagem”, e domesticada como a Lídia<br />

do mesmo romance, vivendo nessa<br />

“Os livros <strong>de</strong>la estão<br />

à venda no metrô<br />

<strong>de</strong> São Paulo. Com<br />

quatro reais, n<strong>um</strong>a<br />

máquina, você<br />

compra <strong>um</strong> livro <strong>de</strong>la<br />

como <strong>que</strong>m compra<br />

<strong>um</strong>a coca-cola”<br />

Benjamin Moser<br />

intensa contradição <strong>de</strong> ser mulher, feminina,<br />

esposa e mãe, e <strong>de</strong> ser rebel<strong>de</strong>,<br />

livre, no limiar da loucura, na explosão<br />

mística <strong>dos</strong> encontros com Espinosa,<br />

comendo a barata como G.H. <strong>de</strong> “A<br />

Paixão segundo G.H.”.<br />

Quando publica “Perto do Coração”<br />

é <strong>um</strong>a “mulher à frente do seu<br />

tempo”, a sua linguagem “é tão diferente,<br />

tão estranha”, diz Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Sousa, <strong>que</strong> “não houve <strong>um</strong> único mês<br />

em 1944 <strong>que</strong> não saísse <strong>um</strong>a crítica<br />

ao romance”. Tudo estava ali na novida<strong>de</strong><br />

“do fragmento, do interior, do<br />

feminino”.<br />

Essa estranheza na língua é tão<br />

gran<strong>de</strong> <strong>que</strong>, ainda hoje, conta Moser,<br />

os revisores da Cosac Naify, a editora<br />

brasileira da biografia, “tentaram corrigir<br />

o português da Clarice. São pessoas<br />

<strong>que</strong> trabalham com linguagem,<br />

acham <strong>que</strong> ela escreve português errado.<br />

O <strong>que</strong> é, <strong>de</strong> facto, verda<strong>de</strong>. Ela<br />

própria diz isso, mas ela escreve do<br />

jeito <strong>que</strong> <strong>que</strong>r, é <strong>um</strong>a escolha.”<br />

No fundo, Clarice é isto: “Não, não,<br />

nenh<strong>um</strong> Deus, <strong>que</strong>ro estar só! E <strong>um</strong><br />

dia virá, sim, <strong>um</strong> dia virá em mim [...],<br />

eu romperei to<strong>dos</strong> os nãos <strong>que</strong> existem<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim, provarei a mim<br />

mesma <strong>que</strong> nada há a temer, <strong>que</strong> tudo<br />

o <strong>que</strong> eu for será sempre on<strong>de</strong> haja<br />

<strong>um</strong>a mulher com meu princípio.” Ou<br />

ainda: “Basta me c<strong>um</strong>prir e então nada<br />

impedirá o meu caminho até a<br />

morte-sem-medo, <strong>de</strong> qual<strong>que</strong>r luta e<br />

<strong>de</strong>scanso me levantarei forte e bela<br />

como <strong>um</strong> cavalo novo.”<br />

Na edição brasileira o título é apenas<br />

“Clarice,”. Nessa vírgula, há <strong>um</strong>a<br />

vida <strong>que</strong> se suspen<strong>de</strong>. A vírgula está<br />

lá por<strong>que</strong> “Clarice é <strong>um</strong> assunto tão<br />

gran<strong>de</strong>, <strong>que</strong> nunca vai ser <strong>um</strong> Clarice<br />

ponto final, vai ser Clarice vírgula por<strong>que</strong><br />

não pretendia, nem pretendo,<br />

dizer a última palavra sobre ela.”<br />

Curiosamente, também o seu livro<br />

“Uma aprendizagem, ou o livro <strong>dos</strong><br />

prazeres” (1969) começa com <strong>um</strong>a<br />

vírgula e termina com dois pontos.<br />

Em Clarice, “nada está por acaso: a<br />

pontuação dá-nos a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> contínuo,<br />

<strong>de</strong> estar-entre, estar no meio”, explica<br />

Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa.<br />

Hoje, diz Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Sousa, Clarice<br />

“tem to<strong>dos</strong> os ingredientes para ser<br />

<strong>um</strong>a escritora <strong>de</strong> culto”. Em 100 anos,<br />

diz Moser, “Lispector vai ser <strong>um</strong> nome<br />

como Eça <strong>de</strong> Queirós, <strong>que</strong> até a<br />

criança na al<strong>de</strong>ia vai saber”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 21


Os rapazes n<br />

também têm<br />

Os Field Music s<br />

gran<strong>de</strong> disco d<br />

são arrogantes. Só q<br />

IANWEST<br />

Música<br />

No Reino Unido, terra em <strong>que</strong> <strong>um</strong> lalala<br />

vale ouro, os códigos da pop <strong>de</strong><br />

guitarras foram refina<strong>dos</strong> ao longo <strong>de</strong><br />

décadas ao ponto <strong>de</strong> sabermos o <strong>que</strong><br />

cada aspirante a estrela tem <strong>de</strong> fazer<br />

e dizer para atingir o seu alvo.<br />

No caso <strong>dos</strong> homens, tem <strong>de</strong> se ter<br />

guitarras, jurar <strong>de</strong>voção aos Beatles,<br />

ser a<strong>de</strong>pto <strong>de</strong> <strong>um</strong> clube <strong>de</strong> futebol,<br />

ter <strong>um</strong> passado <strong>de</strong> rufia, <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong><br />

arrogante e ser “working-class”. Mais<br />

ainda: ter orgulho em ser “workingclass”.<br />

Querelas com drogas também<br />

ajudam.<br />

A conjugação <strong>de</strong>stes factores, mediada<br />

por <strong>um</strong>a total inabilida<strong>de</strong> em<br />

raciocinar sobre os mesmos, conduz<br />

a futura estrela ao momento em <strong>que</strong>,<br />

preparando-se para lançar o primeiro<br />

single no mundo, anuncia: “Não há<br />

ninguém melhor <strong>que</strong> eu no mundo<br />

da pop e to<strong>dos</strong> os outros são lixo”.<br />

Este ritual foi praticado “in excelsis”<br />

até à boçalida<strong>de</strong> pelos Oasis, conjunto<br />

<strong>de</strong> iletra<strong>dos</strong> <strong>de</strong> Manchester <strong>que</strong><br />

<strong>de</strong>scobriu <strong>que</strong> trocando a or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong><br />

acor<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> Beatles mas mantendo o<br />

plágio às melodias, <strong>um</strong> tipo podia ter<br />

<strong>um</strong>a carreira e ganhar muito dinheiro<br />

à conta <strong>dos</strong> seus semelhantes.<br />

O ligeiro problema com o ritual foi<br />

ter-se tornado <strong>um</strong>a imagem única da<br />

pop <strong>de</strong> guitarras do Reino Unido.<br />

Mas cinco minutos ao telefone com<br />

Peter Brewis e eis <strong>que</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> arrogância<br />

<strong>dos</strong> “working-class brits” vai à<br />

vida. Peter, <strong>que</strong> com o irmão David<br />

li<strong>de</strong>ra os Field Music, louvável instituição<br />

pop <strong>que</strong> acaba <strong>de</strong> editar <strong>um</strong><br />

disco duplo, homónimo, <strong>de</strong> pop disfarçada<br />

<strong>de</strong> riffalhada, funk branco,<br />

balada melosa e o <strong>que</strong> mais quiserem,<br />

é o oposto <strong>dos</strong> Oasis <strong>de</strong>ste mundo. É<br />

<strong>um</strong> tipo com talento, sentido <strong>de</strong> h<strong>um</strong>or<br />

e à vonta<strong>de</strong> na arte <strong>de</strong> conversar<br />

<strong>de</strong> igual para igual.<br />

A dado momento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a conversa<br />

cujo tema era a grandiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

“Field Music”, Peter faz a mais cómica<br />

<strong>que</strong>ixa <strong>que</strong> alg<strong>um</strong>a vez ouvimos<br />

<strong>um</strong> músico inglês fazer. Reportan<strong>dos</strong>e<br />

ao passado <strong>que</strong> partilhou com o<br />

irmão, afirmou com bonomia e <strong>um</strong>a<br />

gargalhada no fim: “Nunca nos faltou<br />

comida, nunca nos metemos em <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />

problemas, crescemos bem. Não<br />

é nada sensual dizer isto, pois não?”<br />

Esticar a corda<br />

Talvez não. No entanto, as quase vinte<br />

canções <strong>de</strong> “Field Music” são-no:<br />

mapeiam os mais diversos territórios,<br />

conjurando os fantasmas <strong>dos</strong> XTC, <strong>de</strong><br />

Prince, <strong>dos</strong> Led Zeppelin e da música<br />

exótica, e criando <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais esplêndi<strong>dos</strong><br />

reportórios <strong>de</strong> música inglesa<br />

não-electrónica <strong>dos</strong> últimos<br />

anos – afirmação <strong>que</strong> po<strong>de</strong> em si conter<br />

alg<strong>um</strong> es<strong>que</strong>cimento factual, facto<br />

<strong>que</strong> <strong>de</strong>ve ser menorizado em nome<br />

do entusiasmo juvenilesco <strong>que</strong> o disco<br />

proporciona.<br />

22 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


normais<br />

talento<br />

são ingleses, irmãos e gostam <strong>de</strong> futebol. Fizeram <strong>um</strong><br />

duplo, à sombra <strong>de</strong> Prince, Led Zeppelin e XTC. Mas não<br />

<strong>que</strong>riam “fazer o melhor disco do mundo”. João Bonifácio<br />

Peter e David Brewis cresceram em<br />

Sun<strong>de</strong>rland, on<strong>de</strong> ainda vivem e, como<br />

bons ingleses, adoram futebol.<br />

Vêm da “working-class”, certo, mas<br />

os pais “safaram-se bem aca<strong>de</strong>micamente”<br />

e “melhoraram <strong>um</strong> pouco a<br />

sua situação”. Pelo menos ao ponto<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem comprar instr<strong>um</strong>entos<br />

musicais para os filhos – <strong>que</strong> hoje têm<br />

32 (Peter) e 29 anos (David).<br />

Os instr<strong>um</strong>entos foram postos a<br />

funcionar em 2004, com a dupla a ser<br />

acompanhada por Andrew Moore.<br />

Nessa altura os Field Music tinham os<br />

seus anátemas: “Não estávamos n<strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong> rock, <strong>de</strong> Led Zeppelin ou <strong>de</strong> Cream,<br />

e resolvemos não nos meter nisso.<br />

Queríamos Penguin Cafe Orchestra<br />

e Brian Eno, mas com a ‘experiência’<br />

integrada na estrutura”.<br />

Se quiséssemos ser simplistas podíamos<br />

dizer <strong>que</strong> eram <strong>um</strong>a banda<br />

indie, mas Peter rejeita o epíteto:<br />

“Quisemos fazer <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

princípios, voltar a<br />

dar amor a essa i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> álb<strong>um</strong> enquanto<br />

álb<strong>um</strong> e não mero<br />

conjunto <strong>de</strong> canções”<br />

Peter Brewis<br />

“Nem se<strong>que</strong>r sabia <strong>que</strong> fazíamos música<br />

indie. Queríamos fazer boas melodias<br />

e boas harmonias, só isso. Mas<br />

agora <strong>que</strong>ríamos esticar a corda”.<br />

O “agora” refere-se a “Field Music”,<br />

terceiro longa-duração e primeiro em<br />

três anos. No interregno os manos<br />

formaram cada <strong>um</strong> a sua banda, após<br />

o <strong>que</strong> renovaram os Field Music com<br />

as entradas <strong>de</strong> Kev Dosdale e Ian Black,<br />

<strong>que</strong> substituem Andrew Moore.<br />

E a corda foi esticada, não só em<br />

termos estilísticos como em duração:<br />

<strong>um</strong> duplo álb<strong>um</strong> tão diversificado é<br />

coisa <strong>que</strong> já não se usa. Mais ainda: é<br />

coisa <strong>de</strong> melómanos com <strong>um</strong>a crença<br />

in<strong>de</strong>fectível no LP. Mas por trás <strong>de</strong>sta<br />

ambição está também algo <strong>de</strong> retorcido<br />

e perverso: a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir contra<br />

as regras da indústria e, n<strong>um</strong>a altura<br />

em <strong>que</strong> toda a gente lança faixas<br />

<strong>de</strong> mp3, produzir em massa.<br />

“Vamos ser honestos. Eu estou com<br />

32 anos e o David está com 29 – está<br />

a ficar <strong>de</strong>masiado tar<strong>de</strong> para o sucesso.<br />

Estamos n<strong>um</strong> ponto em <strong>que</strong> só<br />

<strong>que</strong>remos fazer o melhor disco do<br />

mundo. Ou o melhor <strong>que</strong> conseguirmos<br />

fazer. Não espero <strong>que</strong> muita gente<br />

compre – mas <strong>de</strong>viam”.<br />

Foi esta vonta<strong>de</strong> <strong>que</strong> já não se usa<br />

<strong>de</strong> “fazer o melhor disco do mundo”<br />

e a certeza <strong>de</strong> <strong>que</strong> ninguém ligaria<br />

peva ao <strong>que</strong> fizessem <strong>que</strong> estiveram<br />

na base <strong>de</strong> “Field Music”. “Queríamos”,<br />

justifica Peter, “<strong>de</strong>ixar <strong>um</strong> testemunho,<br />

algo diferente, algo forte,<br />

por<strong>que</strong> antes fazíamos discos pe<strong>que</strong>nos”.<br />

Os manos começaram a reparar<br />

<strong>que</strong> “hoje toda a gente faz canções e<br />

não álbuns”, pelo <strong>que</strong> resolveram fazer<br />

o oposto: “Quisemos fazer <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> princípios, voltar a dar<br />

amor a essa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> álb<strong>um</strong> enquanto<br />

álb<strong>um</strong> e não mero conjunto <strong>de</strong> canções.<br />

Os álbuns têm <strong>de</strong> encontrar <strong>um</strong><br />

mundo próprio e são esses os discos<br />

<strong>de</strong> <strong>que</strong> gostamos”.<br />

Deram por si a colocar <strong>que</strong>stões<br />

existenciais pertinentes, como “O <strong>que</strong><br />

é lançar <strong>um</strong> álb<strong>um</strong>?”. Sabiam <strong>que</strong><br />

<strong>que</strong>riam “<strong>um</strong> disco <strong>que</strong> fosse <strong>um</strong>a<br />

experiência”. Pon<strong>de</strong>ravam na melhor<br />

forma <strong>de</strong> “subverter a indústria”.<br />

Começaram a namorar com a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> disco duplo, mas os discos duplos<br />

têm a<strong>que</strong>le velho problema <strong>de</strong><br />

serem conota<strong>dos</strong> com o rock-progressivo,<br />

conceitos estrambólicos e capas<br />

ridículas. Mas <strong>de</strong>pois pensaram “nos<br />

discos duplos <strong>dos</strong> Beatles, no ‘Sign O’<br />

The Times’ do Prince”, e concluíram<br />

<strong>que</strong> “esses discos disparam para todo<br />

o lado”. “À superfície parecem não<br />

fazer sentido mas têm <strong>um</strong>a coerência<br />

interna <strong>que</strong> os une. Por isso não é o<br />

comprimento e a varieda<strong>de</strong> <strong>que</strong> os<br />

torna coerentes”.<br />

E foi aí <strong>que</strong> a i<strong>de</strong>ia se cristalizou:<br />

“Fazer <strong>um</strong> disco incoerente”. Fazer<br />

o disco funcionar “exactamente por<br />

não funcionar”.<br />

“Por norma tentamos fazer <strong>um</strong> todo<br />

coerente, tentamos <strong>que</strong> <strong>um</strong> disco<br />

funcione como <strong>um</strong> todo, <strong>de</strong>sta vez<br />

<strong>que</strong>ríamos <strong>um</strong> disco incoerente”. É<br />

com pena <strong>que</strong> Peter anuncia <strong>que</strong> falharam,<br />

por<strong>que</strong> “apesar da varieda<strong>de</strong>”<br />

o disco lhe soa a Field Music.<br />

“Field Music” “tem os seus temas,<br />

mas não é <strong>um</strong>a narrativa fechada”,<br />

como <strong>um</strong> “Lamb Lies Down On Broadway”,<br />

<strong>dos</strong> Genesis. É, acima <strong>de</strong> tudo,<br />

<strong>um</strong> disco <strong>de</strong> <strong>que</strong>m papou muita<br />

música e <strong>de</strong> <strong>que</strong>m mandou às malvas<br />

o bom gosto.<br />

“Neste disco resolvemos não negar<br />

o nosso amor pelo Jimmy Page”, diz<br />

Peter, comentando o impressionante<br />

número <strong>de</strong> riffs oleosos <strong>que</strong> percorre<br />

o disco. “Que posso dizer? Gostamos<br />

<strong>de</strong> punk e <strong>de</strong> groove. Gostamos <strong>dos</strong><br />

Wire e do Prince e da soul. E resolvemos<br />

pôr isso tudo no álb<strong>um</strong>”.<br />

Chega ao cúmulo <strong>de</strong> dizer <strong>que</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />

influências foram bandas como<br />

Aerosmith ou Poison. “Nos anos 70<br />

faziam-se canções enormes <strong>que</strong> por<br />

vezes tinham graça”. Admite: gosta<br />

<strong>dos</strong> Poison. “Têm dois discos bonzinhos<br />

e alg<strong>um</strong>as canções muito boas”.<br />

Res<strong>um</strong>indo: “Queríamos divertir-nos<br />

e não <strong>que</strong>ríamos fingir <strong>que</strong> não nos<br />

divertimos”.<br />

Este tipo <strong>de</strong> admissão com o seu<br />

próprio mau gosto trouxe libertação<br />

à banda. Peter pára <strong>um</strong> pouco para<br />

reflectir sobre “Let’s write a book”,<br />

belíssimo tema <strong>de</strong> funk <strong>de</strong>slavado <strong>de</strong><br />

“Field Music” <strong>que</strong>, segundo diz, tem<br />

feito alg<strong>um</strong>as pessoas torcer o nariz.<br />

“Muita gente po<strong>de</strong> achar <strong>que</strong> é <strong>de</strong><br />

mau gosto. Mas temos prazer em tomar<br />

esses riscos. De qual<strong>que</strong>r modo<br />

ninguém compra os nossos discos,<br />

por isso não é assim <strong>um</strong> risco e tão<br />

gran<strong>de</strong>. E por não sê-lo pu<strong>de</strong>mos dizer<br />

‘Vamos ser funky’ e divertir-nos à<br />

gran<strong>de</strong>”.<br />

“Não <strong>que</strong>remos fazer <strong>de</strong> conta <strong>que</strong><br />

somos negros”, explica, “isso seria<br />

ridículo”. Por estes dias pensam em<br />

si próprios como “<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

Hall & Oates”, dupla <strong>que</strong> produziu<br />

sucessivos êxitos (não obrigatoriamente<br />

<strong>de</strong> bom gosto) e <strong>que</strong> “faziam<br />

funk, mas muito muito branco”.<br />

Mas a imprensa não tem ido nesta<br />

cantiga. Tem elogiado o disco, tem-se<br />

atirado ao ar com o disco, e inevitavelmente<br />

tem-nos comparado com os<br />

XTC. “Não percebo bem a comparação,<br />

por<strong>que</strong> não ouvi mais <strong>que</strong> os dois<br />

primeiros discos. Nunca ouvi o ‘Skylarking’<br />

e nunca gostei muito do ‘Nonesuch’”,<br />

confessa Peter, <strong>que</strong> levou logo<br />

ali <strong>um</strong>a ensaboa<strong>de</strong>la. “Mas se as pessoas<br />

conseguem ouvir coisas <strong>que</strong> eu<br />

não consigo, isso é óptimo. Mas a minha<br />

opinião é a mais importante”, diz,<br />

<strong>de</strong>satando a rir. “Não, se quiserem<br />

dizer <strong>que</strong> é <strong>um</strong>a merda também po<strong>de</strong>m”.<br />

Quem ainda não tem muita opinião<br />

sobre o disco é o próprio Peter. “Só o<br />

acabei há seis meses. Temos <strong>um</strong>a<br />

i<strong>de</strong>ia do <strong>que</strong> estamos a fazer, mas é<br />

<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia toldada pela ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fazer”.<br />

“Só agora” voltou a ouvir o disco.<br />

“Comprei <strong>um</strong> exemplar e gostei. Pensei<br />

‘Eu compraria isto’”. Perguntamos-lhe<br />

se o sucesso já chegou ao<br />

ponto <strong>de</strong> se disfarçar para comprar o<br />

seu disco. “Confesso: disfarcei-me<br />

para não ser reconhecido. Deixei crescer<br />

a barba e pus óculos <strong>de</strong> sol como<br />

o Joaquin Phoenix”. Desata a rir e <strong>de</strong>pois<br />

diz n<strong>um</strong> tom lamuriento verda<strong>de</strong>iramente<br />

cómico: “Honestamente:<br />

se eu fosse tão bonito quanto o Joaquin<br />

Phoenix ,não fazia música”.<br />

Da próxima vez <strong>que</strong> vos disserem<br />

<strong>que</strong> os músicos ingleses <strong>de</strong> talento são<br />

rufias arrogantes lembrem-se <strong>dos</strong><br />

Field Music.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 49 e segs.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 23


As canções <strong>de</strong> Maria<br />

take 2<br />

É possível unir Nino Rota e José Afonso, Toti Soler e Victor Jara? Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros acha <strong>que</strong><br />

sim e volta à aventura do canto com novo disco. “Penínsulas & Continentes” chega aos palcos<br />

portugueses a 7 e 8 <strong>de</strong> Abril, primeiro em Lisboa e <strong>de</strong>pois em Gaia. Nuno Pacheco<br />

Os primeiros sons ainda nos remetem<br />

para o Brasil: a secção rítmica, as notas<br />

sincopadas, a voz em onomatopeias.<br />

Mas é <strong>um</strong>a ilusão, por<strong>que</strong> Maria<br />

<strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros mudou <strong>de</strong> cenário. Da<br />

abordagem do reportório brasileiro<br />

(Chico, Caetano, Gil, Ivan Lins) <strong>que</strong><br />

fez em 2007 em “A Little More Blue”,<br />

o seu disco <strong>de</strong> estreia, a actriz, cineasta<br />

e cantora voltou-se agora para<br />

Portugal e, através <strong>de</strong>ste, para o mundo.<br />

“Penínsulas & Continentes” tem<br />

Nino Rota e José Afonso, Sérgio Godinho<br />

e Amélia Muge, Duo Ouro Negro<br />

e Wal<strong>de</strong>mar Bastos, Toti Soler e Raimon,<br />

Victor Jara e El Último <strong>de</strong> la Fila<br />

e, para ninguém dizer <strong>que</strong> não falou<br />

do Brasil, Lenine, n<strong>um</strong>a bela canção<br />

<strong>que</strong> ela adora.<br />

Mas há outros brasis no som do disco,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo nos músicos <strong>que</strong> nele<br />

tocam e <strong>que</strong>, com ela, co-assinam colectivamente<br />

os arranjos. Como, por<br />

exemplo, Edmundo Carneiro nas percussões.<br />

Não só. “As viagens”, diz Maria,<br />

“levaram-nos a enri<strong>que</strong>cer a formação,<br />

conhecendo artistas <strong>que</strong> tocaram<br />

connosco. É o caso do Itacyr<br />

Bocato, trombonista da Elis Regina,<br />

<strong>que</strong> tocou connosco em São Paulo e<br />

no Rio, ou o Rubem Dantas, o mítico<br />

percussionista do Paco <strong>de</strong> Lucía <strong>que</strong><br />

tocou connosco várias vezes Espanha.”<br />

E foi durante as muitas viagens<br />

<strong>que</strong> fez, cantando “A Little More Blue”<br />

<strong>que</strong> Maria foi dando corpo à i<strong>de</strong>ia do<br />

novo disco. Até <strong>que</strong> a UNESCO fez <strong>de</strong>la<br />

artista pela paz e se <strong>de</strong>u o cli<strong>que</strong>:<br />

“O concerto na se<strong>de</strong> da UNESCO fezme<br />

buscar <strong>um</strong> reportório <strong>que</strong> fosse<br />

muito português. Então à volta <strong>de</strong>sse<br />

reportório, <strong>que</strong> já por si é navegador<br />

e viajante, lancei este projecto.”<br />

Que nasceu em palco e só daí passou<br />

a disco. “O título veio a partir do reportório<br />

<strong>que</strong> se foi estabelecendo. Procurei<br />

<strong>um</strong> fio condutor, o <strong>que</strong> podia unir<br />

o Nino Rota ao Zeca Afonso, <strong>que</strong> é <strong>um</strong><br />

compositor justamente reconhecido<br />

em Portugal mas <strong>que</strong> ainda se po<strong>de</strong><br />

fazer muita coisa pelo seu reconhecimento<br />

fora do país. E ele tem <strong>um</strong>a dimensão<br />

à Nino Rota, é <strong>um</strong> compositor<br />

universal.” A José Afonso, Maria foi<br />

buscar três canções. “A primeira, ‘O<br />

homem voltou’, é talvez o meu tema<br />

favorito <strong>de</strong> entre todo o reportório <strong>de</strong>le.<br />

Aliás, integrei-o no filme ‘Capitães<br />

<strong>de</strong> Abril’, assim como o ‘Coro da Primavera’,<br />

pedi ao meu pai [o maestro<br />

António Victorino <strong>de</strong> Almeida] <strong>que</strong> lhe<br />

acrescentasse <strong>um</strong> troço sinfónico. ‘O<br />

homem voltou’ escrevi partes do guião<br />

a ouvi-lo, para mim tinha tudo a ver<br />

com a atmosfera <strong>dos</strong> militares, a<strong>que</strong>la<br />

coisa muito portuguesa e masculina.<br />

Já ‘Paz poeta e pombas’, adoro-a, achoa<br />

extraordinária, é muito atrevida. E<br />

tem a<strong>que</strong>le lado <strong>de</strong> salsa <strong>que</strong> remete<br />

para o continente sul-americano.”<br />

Mais híbrido<br />

Mas há mais, <strong>de</strong> Portugal. “Não vás<br />

contar <strong>que</strong> mu<strong>de</strong>i a fechadura”, <strong>de</strong><br />

PEDRO FERREIRA<br />

Música<br />

“Eu ouvia muitas<br />

músicas a pensar<br />

em bandas sonoras,<br />

agora talvez pense<br />

mais nelas com <strong>um</strong><br />

ouvido <strong>de</strong> cantora”<br />

Da abordagem do<br />

reportório brasileiro em<br />

“A Little More Blue”,<br />

Maria voltou-se agora<br />

para Portugal e, através<br />

<strong>de</strong>ste, para o mundo<br />

Sérgio Godinho: “Era o meu tema<br />

<strong>que</strong>rido. Os meus amigos riam-se,<br />

mas eu achava <strong>que</strong> esse é <strong>que</strong> era preciso<br />

fazer, é <strong>um</strong>a das minhas eleições<br />

<strong>de</strong> criança, quase.” E “Quem à janela”,<br />

<strong>de</strong> Amélia Muge: “O tema é lindíssimo.<br />

É impossível superar a versão<br />

do Camané em fado, <strong>que</strong> é absolutamente<br />

maravilhosa, a própria<br />

Amélia Muge canta-a maravilhosamente,<br />

então o <strong>que</strong> eu quis foi levá-lo<br />

para o universo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a adolescente,<br />

n<strong>um</strong>a garagem, aos berros, aproveitando<br />

os ecos da garagem e com dois<br />

amigos a fazer a secção rítmica.”<br />

Do Brasil, <strong>de</strong>sta vez, escolheu “Tudo<br />

por acaso”, <strong>de</strong> Lenine: “Adoro-a e<br />

i<strong>de</strong>ntifico-me muito com o conteúdo,<br />

por<strong>que</strong> muita coisa aconteceu na minha<br />

vida por acaso. Ele diz: por qual<strong>que</strong>r<br />

poesia, por qual<strong>que</strong>r magia. Eu<br />

tenho a sensação <strong>de</strong> <strong>que</strong> muitas das<br />

coisas me acontecem assim. Há alg<strong>um</strong>a<br />

coisa muito honesta, muito sincera,<br />

nessa canção.”<br />

E há África, claro. “Muxima”, popularizada<br />

pelo Duo Ouro Negro (“é<br />

emblemática em Angola, toda a gente<br />

a canta”) e “Velha chica”, <strong>de</strong> Wal<strong>de</strong>mar<br />

Bastos, on<strong>de</strong> pôs as suas duas filhas<br />

pe<strong>que</strong>nas, Júlia e Leonor, a cantar<br />

também. “Quis colocar-me na pele das<br />

crianças <strong>que</strong> perguntam à velha chica<br />

o sentido <strong>de</strong>ssa falta <strong>de</strong> razão <strong>que</strong> nos<br />

ro<strong>de</strong>ia.”<br />

O pai das meninas, o cenógrafo catalão<br />

Agustí Camps, marido e manager<br />

<strong>de</strong> Maria, ajudou-a na busca do<br />

reportório da Catalunha, e foi assim<br />

<strong>que</strong> ela <strong>de</strong>scobriu Toti Soler e Raimon.<br />

Já o grupo espanhol El Último<br />

<strong>de</strong> La Fila conheceu-o quando fez <strong>um</strong><br />

filme com Bigas Luna, nos anos 90. E<br />

o italiano Nino Rota apren<strong>de</strong>u a conhecê-lo<br />

melhor por via <strong>de</strong> <strong>um</strong> espectáculo<br />

<strong>que</strong> faz há anos com Mauro<br />

Gioia, com <strong>um</strong>a or<strong>que</strong>stra napolitana<br />

e cantoras como Catherine Ringer ou<br />

Martírio. “É <strong>um</strong>a festa, esse concerto.<br />

Tem andado por toda a Europa, infelizmente<br />

não foi a Portugal.” Por fim,<br />

Victor Jara e “Te recuerdo Amanda”,<br />

“canção essencial”: “Tentei abordá-la<br />

da forma mais nua possível, só voz e<br />

contrabaixo. É tão cinematográfica,<br />

a<strong>que</strong>la mulher <strong>que</strong> anda <strong>de</strong>baixo da<br />

chuva, o riso, a fábrica, tudo isso se<br />

constrói diante <strong>dos</strong> nossos olhos pelo<br />

po<strong>de</strong>r evocativo das palavras.”<br />

Apresentado só em Barcelona e<br />

Montreal, o disco é mostrado ao vivo<br />

em Lisboa dia 7 (no São Jorge) e em<br />

Gaia dia 8 (no Auditório Municipal).<br />

Com Maria Me<strong>de</strong>iros (voz) estarão<br />

Pascal Salmón (piano), Edmundo Carneiro<br />

(percussão) e Ricardo Feijão<br />

(baixo). No São Jorge, cantará pela<br />

primeira vez ao vivo com Legendary<br />

Tiger Man, em dueto.<br />

Mais híbrido do <strong>que</strong> o anterior, diz<br />

Maria, o disco aborda ainda “a música<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma dramatúrgica, quase<br />

cinematográfica”. Com <strong>um</strong>a diferença:<br />

“Eu ouvia muitas músicas a<br />

pensar em bandas sonoras, agora talvez<br />

pense mais nelas com <strong>um</strong> ouvido<br />

<strong>de</strong> cantora”.<br />

24 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


joana<br />

amendoeira<br />

sétimo<br />

fado<br />

espectáculo <strong>de</strong> apresentação do novo disco<br />

SÁB 10 ABR 23:00<br />

SALA 2<br />

DICK DALE & BAND<br />

THE SONICS<br />

YACHT & The Straight Gaze<br />

SALA SUGGIA<br />

MEN JD Samson, M O’Neill<br />

e Ginger Brooks Takahashi<br />

BARES 1 e 2<br />

PIXEL 82<br />

PFADFINDEREI VJ<br />

CYBERMUSICA<br />

BANSURICOLLECTIF<br />

SALA ROXA<br />

Álvaro Costa apresenta:<br />

Rock Progressivo: Yes or No?<br />

Um referendo na Sala Roxa…<br />

RESTAURANTE<br />

JETTOKI<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

9 <strong>de</strong> abril 21h00<br />

lisboa: ccb<br />

gran<strong>de</strong> auditório<br />

BARES 1 e 2<br />

AGORIA<br />

17 <strong>de</strong> abril 21h30<br />

porto: coliseu<br />

TODOS OS ESPAÇOS 18€<br />

OUTROS ESPAÇOS (TODOS EXCEPTO DICK DALE E THE SONICS) 7,5€<br />

ENTRADA LIMITADA À LOTAÇÃO DE CADA ESPAÇO<br />

MEDIA PARTNERS<br />

Apoios Concerto Lisboa<br />

Apoios Concerto Porto<br />

PATROCÍNIO<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

Bilhetes à venda em www.ticketline.pt Reservas 707234234<br />

Locais <strong>de</strong> Venda: Abreu | CC Dolce Vita | El Corte Inglés | Fnac | Megare<strong>de</strong> | Ticketline (se<strong>de</strong>) | Worten<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA O CLUBING (EXCEPTO DICK DALE E THE SONICS). OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.


Tiago Bettencourt<br />

não se comove por tudo e por nada<br />

O Tiago Bettencourt <strong>que</strong> nos fala <strong>de</strong> “emoção” e <strong>de</strong> “carga <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>” é a<strong>que</strong>le <strong>que</strong><br />

conhecemos. Mas essa é, parcialmente, <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia feita. Conclusões da jukebox Ípsilon?<br />

Tem os Radiohead no altar mas também se emociona com Michael Jackson; acha o reggae<br />

actual insuportável e o “mosh” prática digníssima. Mário Lopes<br />

Tiago Bettencourt estava atrasado<br />

para <strong>um</strong> programa <strong>de</strong> rádio e ainda<br />

tinha <strong>que</strong> passar pelo estúdio para<br />

apanhar a guitarra. Anda bastante<br />

atarefado, como se intui pelo primeiro<br />

lugar <strong>que</strong> “Em Fuga”, o seu segundo<br />

álb<strong>um</strong> a solo, ocupa na tabela <strong>de</strong><br />

vendas nacional. Tiago Bettencourt,<br />

recuperamos, estava atrasado e só<br />

tínhamos tempo <strong>de</strong> lhe mostrar mais<br />

<strong>um</strong>a canção. Já tinha elogiado <strong>um</strong><br />

concerto <strong>de</strong> Boyz Noise no Lux, já o<br />

ouvíramos <strong>de</strong>screver “moshada” (<strong>de</strong>le)<br />

durante os Arctic Monkeys, já percebêramos<br />

<strong>que</strong> Vampire Weekend<br />

não é com ele e <strong>que</strong> reggae menos<br />

ainda.<br />

Dado <strong>que</strong> Tiago Bettencourt, o ouvinte<br />

<strong>de</strong> música, se mostrara diferente<br />

da imagem <strong>que</strong> as suas canções<br />

projectam, achámos por bem “sacar<br />

<strong>um</strong> coelho da cartola” e encerrar em<br />

gran<strong>de</strong> a “jukebox” <strong>que</strong> preparámos<br />

para ele. O Rei da Pop. Michael Jackson,<br />

ele mesmo, gloriosamente disco-funk<br />

em “Rock with you”. Tiago<br />

lança <strong>um</strong> sorriso <strong>de</strong> satisfação. Conta-nos<br />

<strong>que</strong> o primeiro CD <strong>que</strong> comprou<br />

foi “Dangerous” (“ou <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />

Beach Boys”) e <strong>que</strong> há uns tempos<br />

se passou com a versão remasterizada<br />

<strong>de</strong> “Thriller”. Tiago, atentem, até<br />

foi ver “This Is It”, o filme da digressão<br />

<strong>que</strong> não chegou a acontecer. “Fi<strong>que</strong>i<br />

comovido com aquilo. Estava à<br />

espera <strong>que</strong> fosse horrível mas não.<br />

Saí <strong>de</strong> lá a pensar, ‘vou fazer música,<br />

vou fazer bem às pessoas, vou fazêlas<br />

todas felizes’”. Tiago comovido.<br />

Tiago em êxtase. Soaria a cliché dizer<br />

<strong>que</strong> é <strong>um</strong> homem <strong>de</strong> emoções, mas<br />

é verda<strong>de</strong> – ainda <strong>que</strong> não se comova<br />

por tudo e por nada. O seu novo<br />

álb<strong>um</strong>, assim como “Jardim”, o primeiro<br />

<strong>que</strong> assinou <strong>de</strong>pois do fim <strong>dos</strong><br />

Toranja, é maioritariamente viagem<br />

íntima: são cartas e conselhos <strong>de</strong><br />

amor, n<strong>um</strong> tom reflectivo com piano<br />

e guitarra acústica como pano <strong>de</strong><br />

fundo.<br />

Tiago Bettencourt nasceu em 1979<br />

e <strong>de</strong>spertou a sério para a música<br />

com o grunge. O <strong>que</strong> lhe ouvimos enquanto,<br />

em fundo, Kurt Cobain canta<br />

“Heart shaped box” soará familiar<br />

à<strong>que</strong>les <strong>que</strong> com ele partilham a mesma<br />

geração. Começar a tocar guitarra<br />

no 9º ano e apanhar com o “Nevermind”:<br />

“muito gritei Nirvana no<br />

meu quarto, com o meu irmão a gritar<br />

para <strong>que</strong> me calasse”. Ver os Nirvana<br />

na televisão pela primeira vez,<br />

“a cantar o ‘Lithi<strong>um</strong>’, ‘yeah yeah,<br />

yeh, yeeeeaaaah’, ver pela primeira<br />

vez <strong>um</strong> gajo a atirar-se para o público<br />

e pensar, ‘o <strong>que</strong> é isto? Está tudo doido?’”.<br />

O grunge “e a<strong>que</strong>la coisa muito<br />

<strong>de</strong> entranhas” <strong>de</strong>spertou-o verda<strong>de</strong>iramente<br />

para a música, mas não<br />

o comoviam. Isso, percebemos aqui,<br />

chegou <strong>de</strong>pois. Chegou quando os<br />

Radiohead enquanto jovens se fizeram<br />

ouvir nos escritórios da Univer-<br />

“Adoro Bob Marley, mas já não sei para on<strong>de</strong> <strong>que</strong>rem ir<br />

[as novas bandas]. São tão previsíveis. Sejam <strong>de</strong> <strong>que</strong> país<br />

forem, têm <strong>que</strong> ter pronúncia jamaicana, o <strong>que</strong> é<br />

absolutamente ridículo”<br />

“O meu pai é o maior fã <strong>que</strong><br />

conheço e <strong>um</strong>a das imagens <strong>que</strong><br />

guardo <strong>de</strong> pe<strong>que</strong>no é Jac<strong>que</strong>s Brel<br />

a cantar, empapado em suor.<br />

Pegar nas cassetes [ví<strong>de</strong>o] <strong>que</strong> o<br />

meu pai tinha e vê-lo a cantar<br />

a<strong>que</strong>le francês tão bem dito era<br />

das poucas coisas <strong>que</strong> me faziam<br />

sentar na sala”<br />

sal, on<strong>de</strong> instalámos a jukebox Ípsilon.<br />

Ainda vamos nos primeiros segun<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong> “Fake plastic trees” e ele já<br />

suspirou, “esta canção mudou toda<br />

a minha vida”, já se <strong>de</strong>ixou levar pela<br />

memória. Adolescência, pois claro:<br />

“Faz-me lembrar as férias em Porto<br />

Covo antes <strong>dos</strong> ‘hippies’ invadirem<br />

as praias. Esta canção era <strong>um</strong>a das<br />

minhas especialida<strong>de</strong>s”. Os Radiohead<br />

são tanto <strong>que</strong> Tiago Bettencourt<br />

não se importa <strong>de</strong> ser sacrílego. “Certa<br />

vez, fui vê-los a Londres e, poucos<br />

meses <strong>de</strong>pois, vi o Tom Waits em Barcelona”,<br />

conta antes <strong>de</strong> largar a bomba:<br />

“Ele não me tocou muito por<strong>que</strong><br />

ainda estava completamente fascinado<br />

com o concerto <strong>dos</strong> Radiohead. É<br />

muito bom, mas já não tem o Marc<br />

Ribot na guitarra e foi muito calminho.<br />

O concerto <strong>dos</strong> Radiohead? Fora<br />

do normal. Apesar <strong>de</strong> terem álbuns<br />

muito produzi<strong>dos</strong>, não se es<strong>que</strong>cem<br />

<strong>de</strong> pôr na música <strong>um</strong>a carga <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />

muito gran<strong>de</strong>. Ouves Radiohead<br />

e tens tudo”.<br />

A emoção é tudo<br />

O Tiago Bettencourt <strong>que</strong> nos fala <strong>de</strong><br />

“emoção” e <strong>de</strong> “carga <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>” é<br />

a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> conhecemos das canções<br />

e das entrevistas. Mas essa é, parcialmente,<br />

<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia feita. Há <strong>um</strong> momento<br />

na conversa em <strong>que</strong> lhe perguntamos<br />

se não será escolhido pela<br />

música <strong>que</strong> ouve. Isto por<strong>que</strong> lhe<br />

mostráramos os frenéticos Vampire<br />

Weekend <strong>de</strong> “Cousins” e, ele, primeiro<br />

pensativo, brinca <strong>de</strong>pois <strong>um</strong> pouco:<br />

“se se pusesse agora <strong>um</strong> saxofone,<br />

parecia Primitive Reason”. Pausa.<br />

“Faz-me lembrar skas, mas esta coisa<br />

do ska... ” Nova pausa: “Só te sei dizer<br />

26 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Música<br />

“Apesar <strong>de</strong> terem álbuns<br />

muito produzi<strong>dos</strong>, não se<br />

es<strong>que</strong>cem <strong>de</strong> pôr na<br />

música <strong>um</strong>a carga <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong>.<br />

Ouves Radiohead e tens<br />

tudo”<br />

“Ouves as canções [<strong>dos</strong> Beach House] e<br />

pensas <strong>que</strong>, ao vivo, serão melhores,<br />

maiores, mas o concerto não foi nada <strong>de</strong><br />

especial. Fi<strong>que</strong>i tão <strong>de</strong>siludido <strong>que</strong> ainda<br />

não comprei o CD”<br />

“Percebo <strong>que</strong> digam <strong>que</strong> [Fleet Foxes] é<br />

muito Mamas & Papas, mas eu <strong>que</strong> an<strong>de</strong>i<br />

no coro <strong>dos</strong> Salesianos do Estoril acho<br />

óptimo tornar isto cool. Está a trazer <strong>de</strong><br />

volta a fogueira”<br />

<strong>que</strong> isto não me toca”. Este “só” explica<br />

muita da relação <strong>que</strong> estabelece<br />

com a música. Se há <strong>um</strong> momento<br />

em <strong>que</strong> “a música não o toca”, segue<br />

em frente e <strong>de</strong>spe<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>la. Aconteceu-lhe<br />

com os Beach House, como<br />

<strong>de</strong>scobrimos ao oferecer-lhe<br />

“Norway”.<br />

Ouviu “Teen Dream” no MySpace,<br />

achou-o <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> disco e foi com<br />

<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> expectativas para o concerto<br />

da banda no último Super Bock em<br />

Stock. Saiu <strong>de</strong> lá <strong>de</strong>siludido: “Ouves<br />

as canções e pensas <strong>que</strong>, ao vivo, serão<br />

melhores, maiores, mas o concerto<br />

não foi nada <strong>de</strong> especial. Fi<strong>que</strong>i<br />

tão <strong>de</strong>siludido <strong>que</strong> ainda não comprei<br />

o CD”.<br />

Os Beach House não são caso único.<br />

Alg<strong>um</strong> tempo <strong>de</strong>pois, estava no<br />

meio da plateia <strong>de</strong> <strong>um</strong> Campo Pe<strong>que</strong>no<br />

lotado para ver os Arctic Monkeys.<br />

Anda bastante<br />

atarefado, com<br />

o primeiro lugar<br />

<strong>que</strong> “Em Fuga”<br />

ocupa na tabela<br />

<strong>de</strong> vendas<br />

nacional<br />

“Fi<strong>que</strong>i comovido com aquilo [“This is<br />

It”, com Michael Jackson]. Estava à espera<br />

<strong>que</strong> fosse horrível mas não. Saí <strong>de</strong> lá a<br />

pensar, ‘vou fazer música, vou fazer bem<br />

às pessoas, vou fazê-las todas a felizes’”<br />

sawsx<br />

Entrou lá “muito fã”, saiu <strong>de</strong> lá sem<br />

fanatismo. Justifica-o <strong>de</strong> forma curiosa,<br />

com <strong>um</strong>a lição <strong>de</strong> veterano sobre<br />

dinâmicas do “mosh”. “Des<strong>de</strong> muito<br />

cedo <strong>que</strong> vou para o ‘mosh’, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

os concertos <strong>dos</strong> Pearl Jam no Dramático<br />

[<strong>de</strong> Cascais] ou os primeiros<br />

[em Portugal] <strong>dos</strong> Metallica. O bom<br />

nestes concertos é estar a ‘bombar’,<br />

mas <strong>de</strong>pois haver pausas on<strong>de</strong> se cria<br />

tensão e se ganha força para voltar.<br />

E os Arctic Monkeys não tiveram pausas.<br />

A certa altura andava ali aos saltos<br />

a pensar <strong>que</strong> já não havia qual<strong>que</strong>r<br />

pretexto para o fazer”. Foi beber<br />

<strong>um</strong>a cerveja ao bar, achou <strong>que</strong> os Arctic<br />

Monkeys se submetem a <strong>um</strong>a fórmula<br />

e riscou-os da sua lista <strong>de</strong> preferências.<br />

A música <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> o tocar,<br />

abandonou-a.<br />

A melomania <strong>de</strong> Tiago Bettencourt<br />

reage impulsivamente. Os seus pais,<br />

<strong>de</strong>screve, “ignoraram tudo o <strong>que</strong> se<br />

passou <strong>de</strong>pois <strong>dos</strong> Beatles”. Em casa,<br />

a música disponível ia até José Afonso<br />

e, sendo a família <strong>de</strong> Coimbra,<br />

ouvia-se muito fado. Fado <strong>que</strong> ele recusou<br />

até tar<strong>de</strong>. Até <strong>que</strong>, aos 17 anos,<br />

<strong>um</strong> amigo o levou a <strong>um</strong>a casa <strong>de</strong> fa<strong>dos</strong><br />

e ele voltou, quinta-feira após quintafeira,<br />

“apaixonado por a<strong>que</strong>le ambiente”.<br />

Ouve-se “Com <strong>que</strong> voz”, <strong>de</strong><br />

Amália Rodrigues – “na mouche, é o<br />

meu fado preferido”.<br />

Jac<strong>que</strong>s Brel, por sua vez, ficou preservado<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância. Descobrimo-lo<br />

ao passar “Ne me quitte pas”:<br />

“O meu pai é o maior fã <strong>que</strong> conheço<br />

e <strong>um</strong>a das imagens <strong>que</strong> guardo <strong>de</strong><br />

pe<strong>que</strong>no é Jac<strong>que</strong>s Brel a cantar, empapado<br />

em suor. Pegar nas cassetes<br />

[ví<strong>de</strong>o] <strong>que</strong> o meu pai tinha e vê-lo a<br />

cantar a<strong>que</strong>le francês tão bem dito<br />

era das poucas coisas <strong>que</strong> me faziam<br />

sentar na sala”. Nos seus afectos musicais,<br />

tudo remete para a emoção,<br />

para a tal noção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Mais<br />

<strong>um</strong>a prova? Os Fleet Foxes. “Quiet<br />

houses” e <strong>um</strong>a exclamação: “Muito<br />

bons!” Se as harmonias vocais têm<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

1O ABR<br />

SALA PRINCIPAL<br />

Há uns tempos,<br />

estava no Lux a ver<br />

Boyz Noise, a dançar<br />

e a apanhar toda<br />

a<strong>que</strong>la <strong>de</strong>scarga<br />

rítmica. Aparece-lhe<br />

<strong>um</strong> tipo à frente:<br />

“Tu não és o gajo<br />

<strong>dos</strong> Toranja? E gostas<br />

<strong>de</strong> electrónica?”<br />

Na altura, limitou-se<br />

a respon<strong>de</strong>r <strong>que</strong> sim.<br />

Agora, aproveita<br />

a <strong>de</strong>ixa: “Gosto <strong>de</strong><br />

tudo o <strong>que</strong> me altera<br />

o organismo”<br />

alg<strong>um</strong>a predominância no seu último<br />

álb<strong>um</strong>, tal <strong>de</strong>ve-se aos bucólicos barbu<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong> Seattle. “Percebo <strong>que</strong> digam<br />

<strong>que</strong> é muito Mamas & Papas, mas eu<br />

<strong>que</strong> an<strong>de</strong>i no coro <strong>dos</strong> Salesianos do<br />

Estoril acho óptimo tornar isto cool.<br />

Está a trazer <strong>de</strong> volta a fogueira”. E<br />

Tiago, no <strong>que</strong> à “freakice” diz respeito,<br />

é “a favor da fogueira e contra o<br />

djembé”. Aliás, sempre contra a praga<br />

do djembé. Estão os Fleet Foxes a<br />

harmonizar vozes e guitarras acústicas<br />

e ele a lamentar, divertido, <strong>que</strong><br />

“a partir do momento em <strong>que</strong> apareceu<br />

o djembé, não havia música nenh<strong>um</strong>a<br />

<strong>que</strong> não o tivesse, por<strong>que</strong> o<br />

gajo <strong>que</strong> tem o djembé não consegue<br />

parar <strong>de</strong> tocar. E o pior é <strong>que</strong> normalmente<br />

toca mal”.<br />

Tiago Bettencourt continua a explicar<br />

por<strong>que</strong> se tornou insuportável<br />

a <strong>de</strong>mocratização do djembé, falanos,<br />

contraponto feliz, do quanto<br />

adora ir aos concertos <strong>de</strong> Buraka<br />

Som Sistema e atira ao ar <strong>um</strong> “não<br />

escolho géneros <strong>de</strong> <strong>que</strong> gosto”. Acto<br />

contínuo, acrescenta, “mas há coisas<br />

para as quais sei <strong>que</strong> não tenho paciência”.<br />

Como por exemplo? “Reggae.<br />

Adoro Bob Marley, mas já não<br />

sei para on<strong>de</strong> <strong>que</strong>rem ir [as novas<br />

bandas]. São tão previsíveis. Sejam<br />

<strong>de</strong> <strong>que</strong> país forem, têm <strong>que</strong> ter pronúncia<br />

jamaicana, o <strong>que</strong> é absolutamente<br />

ridículo”.<br />

Há uns tempos, estava no Lux a<br />

ver Boyz Noise, a dançar e a apanhar<br />

toda a<strong>que</strong>la <strong>de</strong>scarga rítmica.<br />

Aparece-lhe <strong>um</strong> tipo à frente, com<br />

ar espantado: “Tu não és o gajo <strong>dos</strong><br />

Toranja? E gostas <strong>de</strong> electrónica?”<br />

Na altura, limitou-se a respon<strong>de</strong>r<br />

<strong>que</strong> sim às duas perguntas. Agora,<br />

aproveita a <strong>de</strong>ixa e res<strong>um</strong>e-se enquanto<br />

ouvinte: “Gosto <strong>de</strong> tudo o<br />

<strong>que</strong> me altera o organismo”. Até,<br />

<strong>que</strong>m sabe, <strong>de</strong> <strong>um</strong> djembé tocado<br />

com a <strong>de</strong>vida perícia.<br />

Uma sonorida<strong>de</strong> doce, feita com referências ao pop,<br />

à bossa nova e ao jazz, enraizado naquilo <strong>que</strong><br />

tem <strong>de</strong> mais particular: a música portuguesa.<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

PRODUÇÃO APOIO À<br />

DIVULGAÇÃO<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 27


Música<br />

André Fernan<strong>de</strong>s, guitarrista,<br />

<strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais brilhantes improvisadores<br />

nacionais, dirige a editora Tone<br />

of a Pitch, <strong>que</strong> este fim <strong>de</strong> semana tem<br />

o seu primeiro festival, inteiramente<br />

<strong>de</strong>dicado a projectos nacionais<br />

Gerida a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estrutura minimal,<br />

a editora Tone of a Pitch (TOAP)<br />

tem marcado os caminhos do novo jazz<br />

português. Na verda<strong>de</strong>, é apenas o<br />

próprio André Fernan<strong>de</strong>s, guitarrista<br />

consagrado como <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais brilhantes<br />

improvisadores nacionais, colaborador<br />

habitual <strong>de</strong> figuras como Lee<br />

Konitz ou Mário Laginha, <strong>que</strong> ac<strong>um</strong>ula<br />

as activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> direcção, produção<br />

e promoção da editora. Com <strong>um</strong> catálogo<br />

<strong>que</strong> atinge já as 38 referências e<br />

<strong>que</strong> integra colaborações <strong>dos</strong> mais reputa<strong>dos</strong><br />

jazzmen nacionais - Mário<br />

Laginha, Bernardo Sassetti, João Paulo,<br />

Joana Machado, Pedro Moreira e Afonso<br />

Pais, entre outros - a TOAP proporciona<br />

aos músicos <strong>um</strong>a estrutura para<br />

editar, sem restrições artísticas, baseando-se<br />

n<strong>um</strong>a premissa apenas: qualida<strong>de</strong>.<br />

Quase 10 anos passa<strong>dos</strong> sobre a sua<br />

criação, surge o primeiro Festival TOAP<br />

Records. Porquê agora? “É <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia<br />

antiga <strong>que</strong> só agora foi possível concretizar”,<br />

diz André Fernan<strong>de</strong>s. “Um pouco<br />

por pressão <strong>dos</strong> próprios músicos<br />

<strong>que</strong> gravam para a editora. O local mais<br />

óbvio para o festival seria o Hot Clube<br />

mas, agora <strong>que</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir, surgiu<br />

a hipótese <strong>de</strong> o fazer na Lx Factory”,<br />

em Lisboa.<br />

“Gostava muito <strong>de</strong> o fazer to<strong>dos</strong> os<br />

anos”, continua. “Claro <strong>que</strong> esta primeira<br />

edição está a ser feita com condições<br />

precárias e estou a conseguir<br />

fazê-lo muito <strong>de</strong>vido à vonta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> músicos.<br />

Gostava também <strong>de</strong> alargar o<br />

festival a outros pontos do país ou convidar<br />

alguns músicos estrangeiros <strong>que</strong><br />

integram o catálogo”.<br />

I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional<br />

Apesar <strong>de</strong> ter no seu catálogo participações<br />

internacionais <strong>de</strong> peso - Ben<br />

Mon<strong>de</strong>r, Julian Arguelles, Avishai Cohen,<br />

David Binney, Geral Cleaver ou<br />

Dan Weiss, entre outros - esta primeira<br />

edição do festival surge inteiramente<br />

<strong>de</strong>dicada a projectos nacionais, integrando<br />

os grupos <strong>de</strong> Bruno Santos<br />

(Trioangular), Nuno Costa (em quinteto),<br />

Nelson Cascais (e Os Cossacos),<br />

“Quando viajo para<br />

Nova Ior<strong>que</strong><br />

ou alg<strong>um</strong>as cida<strong>de</strong>s<br />

europeias sinto <strong>que</strong><br />

as pessoas do meio<br />

conhecem a editora.<br />

Recebo muitas<br />

propostas”<br />

Todo esse Jazz<br />

Fundada em 2001 pelos irmãos<br />

André e Alexandre Fernan<strong>de</strong>s, a<br />

editora <strong>de</strong> jazz Tone of a Pitch<br />

assinala o 9º aniversário com a<br />

primeira edição do seu festival.<br />

Hoje e amanhã na Lx Factory.<br />

Rodrigo Amado<br />

Nelson Cascais e Os Cossacos<br />

RUI GAUDÊNCIO<br />

André Fernan<strong>de</strong>s (Imaginário), Demian<br />

Cabaud (o seu Group, em quarteto) e<br />

Jeff Davis (Haunted Gar<strong>de</strong>ns).<br />

“Tentei misturar projectos mais antigos,<br />

dando priorida<strong>de</strong> a músicos <strong>que</strong><br />

participam em vários discos do catálogo<br />

- casos do Bruno Pedroso, Alexandre<br />

Frazão, Bernardo Moreira ou Nelson<br />

Cascais - com grupos <strong>que</strong> editaram há<br />

pouco tempo, como Demian Cabaud,<br />

Jeff Davis ou Nuno Costa”.<br />

Em Portugal, pe<strong>que</strong>nas editoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<br />

como a Clean Feed, com<br />

o jazz <strong>de</strong> vanguarda, a Creative Sources,<br />

com <strong>um</strong>a música experimental, e<br />

a Tone of a Pitch, com <strong>um</strong> jazz mo<strong>de</strong>rno,<br />

mais próximo do “mainstream”,<br />

formam as bases e a estrutura para a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> jazz do país, sem apoios,<br />

lutando para conseguir <strong>um</strong> reconhecimento<br />

internacional.<br />

Sem estar <strong>de</strong>masiado preocupado<br />

com a visibilida<strong>de</strong> internacional do<br />

projecto, André ass<strong>um</strong>e <strong>um</strong>a evolução:<br />

“A certa altura, o catálogo da Tone of<br />

a Pitch começou a ganhar personalida<strong>de</strong>,<br />

consistência. Isso aconteceu <strong>de</strong><br />

forma natural e fez com <strong>que</strong> as propostas<br />

<strong>que</strong> recebo agora sejam todas relativamente<br />

ligadas ao perfil da editora.<br />

Quando viajo para Nova Ior<strong>que</strong> ou alg<strong>um</strong>as<br />

cida<strong>de</strong>s europeias sinto <strong>que</strong> as<br />

pessoas do meio conhecem a editora.<br />

Recebo muitas propostas. É <strong>um</strong> reconhecimento<br />

artístico <strong>que</strong> se dá mais<br />

no meio <strong>dos</strong> músicos”.<br />

Mas as dificulda<strong>de</strong>s são muitas. Às<br />

<strong>que</strong>stões características da conjuntura<br />

económica somam-se outras como<br />

o IVA (taxado a 5 por cento nos livros<br />

e 20 por cento na música) e a falta <strong>de</strong><br />

apoios à edição discográfica. Só <strong>um</strong>a<br />

enorme <strong>de</strong>dicação à causa as po<strong>de</strong><br />

vencer: “É ainda mais difícil ultrapassar<br />

alg<strong>um</strong>as dificulda<strong>de</strong>s pelo facto <strong>de</strong><br />

ser apenas eu a ac<strong>um</strong>ular todas as funções<br />

na editora. A minha vida é <strong>de</strong><br />

músico. Isto é <strong>um</strong>a coisa paralela ao<br />

<strong>que</strong> faço habitualmente e torna-se difícil<br />

dispen<strong>de</strong>r o tempo e energia necessários<br />

a <strong>um</strong>a eficaz promoção do<br />

catálogo. Mas é <strong>um</strong>a coisa <strong>que</strong> adorava<br />

fazer...e adorava ter alguém <strong>que</strong> me<br />

ajudasse a fazer isso.”<br />

N<strong>um</strong>a época em <strong>que</strong> é com<strong>um</strong> o<br />

facto <strong>de</strong> as pessoas <strong>de</strong>scarregarem<br />

música da net sem pagarem, sendo<br />

isso encarado pelas novas gerações<br />

como natural, <strong>um</strong> novo <strong>de</strong>safio se coloca<br />

às editoras. “Há várias possibilida<strong>de</strong>s<br />

para o futuro. Por <strong>um</strong> lado, os<br />

discos po<strong>de</strong>m passar a ser apenas <strong>um</strong><br />

meio <strong>de</strong> divulgação da música, ganhando<br />

o circuito <strong>de</strong> concertos <strong>um</strong>a<br />

outra importância na remuneração<br />

<strong>dos</strong> músicos - as editoras cada vez<br />

mais ac<strong>um</strong>ulam funções <strong>de</strong> agenciamento<br />

e ‘management’, exactamente<br />

para ir buscar alg<strong>um</strong> do dinheiro <strong>dos</strong><br />

concertos. Por outro lado, há a possibilida<strong>de</strong>,<br />

<strong>um</strong> pouco mais distante, <strong>de</strong><br />

ser criada <strong>um</strong>a taxa, a ser paga <strong>de</strong> diversas<br />

formas, nomeadamente pelos<br />

sites <strong>de</strong> ‘download’ gratuito <strong>de</strong> música,<br />

para ser <strong>de</strong>pois distribuída pelas<br />

editoras e pelos músicos”.<br />

Mas André revela optimismo relativamente<br />

ao futuro da editora. “Queria<br />

dar <strong>um</strong>a volta às limitações <strong>que</strong> tenho<br />

tido, sem <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> ambições irrealistas.<br />

Uma das coisas <strong>que</strong> surgiu, n<strong>um</strong>a conversa<br />

com o Pedro Gue<strong>de</strong>s da Or<strong>que</strong>stra<br />

Jazz <strong>de</strong> Matosinhos [OJM], foi a hipótese<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a parceria. Em princípio<br />

isso será concretizado em Maio. As edições<br />

da OJM passam a ser integradas<br />

no catálogo da Tone of a Pitch <strong>que</strong> passa,<br />

por seu lado, a beneficiar da estrutura<br />

da OJM. É <strong>um</strong>a parceria <strong>que</strong> nos<br />

dá excelentes perspectivas para as activida<strong>de</strong>s<br />

futuras da editora.”<br />

Hoje e amanhã, na LXFactory comprova-se<br />

a surpreen<strong>de</strong>nte vitalida<strong>de</strong><br />

do jazz feito no nosso país.<br />

Programação completa em www.toapmusic.com<br />

28 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Que fazer <strong>de</strong> Rob<br />

salvador e assas<br />

A vida <strong>de</strong> Robespierre confun<strong>de</strong>-se com a Revolução Francesa <strong>de</strong> 1789 e com os anos<br />

Quererá a França recordar? “Notre terreur”, em cena na Culturgest na próxima semana,<br />

Teatro<br />

Surge impecavelmente vestido, como<br />

se <strong>de</strong> <strong>um</strong> político do nosso século se<br />

tratasse. Camisa, gravata e calças <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> fato <strong>que</strong> para ser completo apenas<br />

precisaria <strong>de</strong> <strong>um</strong> blazer. Surge impecável,<br />

mas em <strong>de</strong>sconcerto. Entre ele<br />

e o abismo é apenas <strong>um</strong>a <strong>que</strong>stão <strong>de</strong><br />

tempo. Robespierre é <strong>um</strong> herói, sim,<br />

mas <strong>um</strong> herói por poucos meses.<br />

“Está a construir-se o cenário para<br />

a minha morte”, diz antes da <strong>que</strong>da.<br />

Mas isso será mais à frente, n<strong>um</strong> instante<br />

<strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, quando os espíritos<br />

entrarem em estado <strong>de</strong> embriaguez<br />

revolucionária e suicidária. Agora,<br />

ainda se está n<strong>um</strong> princípio. E o discurso<br />

<strong>de</strong> Robespierre é firme e elo<strong>que</strong>nte.<br />

Mas o olhar vagueia, o corpo<br />

estremece. Como se já soubesse.<br />

Nesse princípio, os revolucionários<br />

<strong>que</strong> agora governam no Comité da<br />

Salvação Pública esperam a sua chegada.<br />

É a ele <strong>que</strong> ouvem, é ele <strong>que</strong><br />

seguem, como a <strong>um</strong> respeitado lí<strong>de</strong>r.<br />

Para <strong>de</strong>pois nele <strong>de</strong>positarem a culpa<br />

e o peso do <strong>que</strong> <strong>de</strong> mais terrível aconteceu<br />

na Revolução Francesa.<br />

Lin<strong>de</strong>t, Billaut, Collot, Couthon e<br />

os outros – aqui representa<strong>dos</strong> como<br />

homens comuns, <strong>dos</strong> dias <strong>de</strong> hoje –<br />

aguardam então à volta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesa<br />

comprida. Um espaço, ocupado por<br />

nove homens, mas sobretudo <strong>de</strong> palavras,<br />

na criação colectiva <strong>que</strong> a companhia<br />

francesa “d’ores et déjà” traz<br />

na próxima semana a Lisboa. Palavras<br />

<strong>que</strong>, juntas, criam o equilíbrio justo<br />

entre o peso filosófico e a leveza poética.<br />

Palavras <strong>que</strong>, <strong>de</strong> tão verda<strong>de</strong>iras,<br />

não se esgotam. Sobre o i<strong>de</strong>al da<br />

revolução e o pesa<strong>de</strong>lo do seu reverso.<br />

“Notre terreur” (“O nosso terror”)<br />

estará em cena no Gran<strong>de</strong> Auditório<br />

da Culturgest nos dias 8, 9 e 10. A peça<br />

estreou em Setembro <strong>de</strong> 2009 no<br />

La Colline – Théâtre National. É <strong>um</strong>a<br />

criação sobre os anos do Terror (1793<br />

e 1794) <strong>que</strong> se seguiram à Revolução<br />

Francesa <strong>de</strong> 1789 <strong>que</strong> <strong>de</strong>rrubou a monarquia.<br />

E é colectiva por<strong>que</strong> nela não<br />

se distingue (nem se hierarquiza) o<br />

trabalho do encenador, Sylvain Creuzevault,<br />

e <strong>dos</strong> actores, Samuel Achache,<br />

Benoit Carré, Antoine Cegarra,<br />

Éric Charon, Pierre Devérines, Vladislav<br />

Galard, Lionel Gonzalez, Arthur<br />

Igual e Léo-Antonin Lutinier.<br />

É sempre esta a forma do grupo<br />

trabalhar. Mas nesta peça, serve <strong>de</strong><br />

via natural para os actores entrarem<br />

na cabeça e na pele <strong>dos</strong> revolucionários.<br />

São-no já na forma <strong>de</strong> fazer teatro.<br />

“O nosso objectivo é fazer <strong>de</strong> ‘Notre<br />

terreur’ <strong>um</strong> conflito <strong>que</strong> emane <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a experiência colectiva política e<br />

não <strong>de</strong> <strong>um</strong>a dominação psíquica e<br />

social <strong>de</strong> <strong>um</strong> encenador. [O nosso objectivo<br />

é] Quebrar os códigos da proprieda<strong>de</strong><br />

intelectual. Ficarmos <strong>de</strong> pé<br />

nas nossas posições, nunca senta<strong>dos</strong><br />

nos nossos lugares”, diz Creuzevault<br />

n<strong>um</strong>a entrevista por email antes da<br />

“troupe” vir para Lisboa.<br />

Mas nada <strong>que</strong> se possa visl<strong>um</strong>brar<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> discurso político na peça tem<br />

a ver com os dias <strong>de</strong> hoje. Nada do<br />

<strong>que</strong> aqui se diz é metáfora para os excessos<br />

do século XXI. “O terror <strong>de</strong><br />

então era totalmente diferente daquilo<br />

<strong>que</strong> hoje nomeamos o terrorismo<br />

<strong>de</strong> Estado”, esclarece o encenador.<br />

“O primeiro [terror] foi mais <strong>um</strong>a figura<br />

da resistência à opressão quando<br />

o segundo é <strong>um</strong>a opressão.” Porém<br />

reconhece: “Esta não é efectivamente<br />

<strong>um</strong>a peça histórica. É política por<br />

natureza, mas sem <strong>um</strong>a função política.”<br />

A escrita é também colectiva, feita<br />

“no tempo <strong>dos</strong> ensaios e <strong>que</strong> continua<br />

frente aos espectadores”, em cena,<br />

no palco, inspirada <strong>de</strong> alguns discursos<br />

<strong>de</strong> figuras da revolução, Georges<br />

Couthon, Saint-Just e Robespierre.<br />

Denunciar a impostura<br />

Maximilien Marie Isidore <strong>de</strong> Robespierre.<br />

Advogado, excelente orador,<br />

<strong>de</strong>putado da Convenção Nacional e<br />

<strong>um</strong> <strong>dos</strong> chefes do governo revolucionário.<br />

Revolucionário da ala mais radical<br />

<strong>dos</strong> jacobinos <strong>que</strong> combateu a<br />

facção <strong>dos</strong> girondinos, fundador do<br />

Comité <strong>de</strong> Salvação Pública e personalida<strong>de</strong><br />

da Revolução <strong>que</strong> mais divi<strong>de</strong><br />

os franceses. Figura sem medo no<br />

olho do furacão. Depois da vitoriosa<br />

revolta, personifica o Terror <strong>dos</strong> anos<br />

<strong>que</strong> se seguem. em.<br />

N<strong>um</strong> breve e momento<br />

<strong>de</strong> glória antes do<br />

fim, acredita <strong>que</strong> o<br />

seu nome sobreviverá<br />

à morte: ce Robespierre! A<br />

moi la gloire! (A<br />

“Pla-<br />

mim a Glória!)”.<br />

Mas a França,<br />

hoje, não o lebra. Ou mui-<br />

to pouco.<br />

ce-<br />

As poucas ruas<br />

ou praças com o seu<br />

nome não são em Paris<br />

– no ano passado a Câmara<br />

Municipal votou essa restrição.<br />

“Termos <strong>um</strong>a ‘rua Robespierre’<br />

em Paris significava dizer <strong>que</strong> se<br />

aceitava <strong>que</strong> Robespierre não foi<br />

aquilo <strong>que</strong>, durante muito po, se fez <strong>de</strong>le e <strong>que</strong> ainda hoje<br />

se faz. Só <strong>um</strong>a tradição marxis-<br />

temta<br />

tentou perceber o governo<br />

revolucionário e não apenas<br />

julgar Robespierre”, ra Sylvain Creuzevault.<br />

Por isso, também, só algu-<br />

consi<strong>de</strong>mas<br />

cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> políticas comunistas<br />

na chamada cintura<br />

vermelha em redor <strong>de</strong><br />

Paris, têm ruas, praças ou<br />

estações <strong>de</strong> metro (como<br />

30 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


É <strong>um</strong>a criação sobre os anos do<br />

Terror (1793 e 1794) <strong>que</strong> se<br />

seguiram à Revolução Francesa<br />

on<strong>de</strong> não se distingue o<br />

trabalho do encenador e <strong>dos</strong><br />

actores. É sempre esta a forma<br />

<strong>de</strong>ste grupo trabalhar, mas<br />

nesta peça isso serve <strong>de</strong> via<br />

natural para os actores<br />

entrarem na cabeça e na pele<br />

<strong>dos</strong> revolucionários<br />

bespierre,<br />

ssino?<br />

s <strong>de</strong> Terror <strong>que</strong> se seguiram. Mas em Paris não existe <strong>um</strong>a rua ou <strong>um</strong>a praça com o seu nome.<br />

, ass<strong>um</strong>e-se como experiência colectiva política. Ana Dias Cor<strong>de</strong>iro<br />

“Termos <strong>um</strong>a ‘rua<br />

Robespierre’ em Paris<br />

significava dizer<br />

<strong>que</strong> se aceitava<br />

<strong>que</strong> Robespierre não<br />

foi aquilo <strong>que</strong>,<br />

durante muito tempo,<br />

se fez <strong>de</strong>le e <strong>que</strong> ainda<br />

hoje se faz. Só <strong>um</strong>a<br />

tradição marxista<br />

tentou perceber<br />

o governo<br />

revolucionário e não<br />

apenas julgar<br />

Robespierre”<br />

Sylvain Creuzevault,<br />

encenador<br />

em Montreuil) em homenagem a Robespierre.<br />

O resto é censura, diz o encenador.<br />

Mas <strong>que</strong>rerá a França recordar? “Os<br />

franceses têm <strong>um</strong>a relação com esta<br />

época <strong>que</strong> surpreen<strong>de</strong>, em <strong>que</strong> a exaltação<br />

se confun<strong>de</strong> com o medo”, continua.<br />

A visão ou versão dominante <strong>de</strong>ste<br />

período faz-se quase <strong>de</strong> <strong>um</strong> só lado<br />

– o contra-revolucionário. O <strong>que</strong> a<br />

companhia quis fazer, explica Creuzevault,<br />

foi <strong>que</strong>stionar essa visão <strong>de</strong><br />

Robespierre como “<strong>de</strong> <strong>um</strong>a máscara<br />

do inimigo a abater, e sobre o seu corpo<br />

abatido, o lugar <strong>de</strong> <strong>um</strong> símbolo<br />

<strong>que</strong> ainda hoje é transmitido como<br />

reaccionário: o homem do sangue do<br />

Terror”, diz. “Queríamos pelo teatro<br />

<strong>de</strong>nunciar esta impostura, contrariála.”<br />

O peso e a aura<br />

Robespierre carrega o peso <strong>de</strong>sse terror<br />

mas também a aura <strong>de</strong> <strong>um</strong> libertador.<br />

Chamavam-lhe o “incorruptível”<br />

por <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o povo. E também<br />

o tirano, o ditador, o fanático. Levou<br />

ao extremo o i<strong>de</strong>al da liberda<strong>de</strong>, esmagando-o.<br />

Disso foi acusado. Foi<br />

mandado para a guilhotina e executado<br />

em 28 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1794.<br />

É <strong>de</strong>ssa lenta <strong>de</strong>scida ao inferno<br />

<strong>que</strong> trata “Notre terreur”. Ele não implorará<br />

nada no fim. Acusará. O <strong>que</strong><br />

era lúcido, nebuloso se tornará. Palavras<br />

sem nexo, faces pintadas, vestes<br />

rasgadas, objectos em <strong>de</strong>sarr<strong>um</strong>o e a<br />

mesa <strong>que</strong>, <strong>de</strong> tão comprida e direita,<br />

parecia apontar para <strong>um</strong> caminho,<br />

está agora <strong>de</strong>salinhada.<br />

“Já não há linha a direito”, diz <strong>um</strong><br />

<strong>dos</strong> membros do comité. Já não há<br />

<strong>um</strong>a luz, <strong>um</strong> sinal a mostrar por on<strong>de</strong><br />

ir.<br />

Quando pronuncia as últimas palavras<br />

– “a pátria <strong>que</strong>ixa-se da nossa<br />

fra<strong>que</strong>za” – Robespierre não procura<br />

compaixão, nem reconhece o impossível<br />

do seu i<strong>de</strong>al. Antes ataca, para<br />

se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Será isso <strong>que</strong> fez na realida<strong>de</strong><br />

quando <strong>de</strong>le fizeram o tal<br />

monstro a abater? “Decidimos tomar<br />

esse risco no teatro, e pensamos <strong>que</strong><br />

ele o tomou também historicamente”,<br />

explica Creuzevault.<br />

“Que fazer <strong>de</strong> Robespierre, salvador<br />

e assassino?” pergunta Saint-Just,<br />

amigo <strong>de</strong> Robespierre e <strong>um</strong> <strong>dos</strong> membros<br />

mais radicais do comité, na primeira<br />

cena em <strong>que</strong> não representa a<br />

sua personagem mas recita <strong>um</strong> texto<br />

sobre a relação entre Robespierre e<br />

o povo.<br />

E continua: “Viemos, Gran<strong>de</strong> Robespierre,<br />

para te celebrar<br />

E, <strong>que</strong>rido representante, para <strong>de</strong>positar<br />

as cores da pátria a teus pés/<br />

E viemos ver no teu rosto <strong>de</strong> <strong>que</strong> são<br />

feitos os traços <strong>de</strong> <strong>um</strong> tirano.”<br />

Na récita, o actor <strong>de</strong>ixa <strong>que</strong> o seu<br />

corpo seja tomado pela força das palavras.<br />

Fala para alguém, mas está<br />

sozinho. Esten<strong>de</strong> a mão e, em representação<br />

do povo, <strong>de</strong>clara: “Glória a<br />

ti, Gran<strong>de</strong> Robespierre, representante<br />

do povo francês, salvador, libertador<br />

da primeira República <strong>de</strong>ste<br />

mundo<br />

E maldito sejas tu, assassino, tirano<br />

da opinião, burguês sequioso <strong>de</strong> sangue<br />

inocente, <strong>de</strong> <strong>que</strong>m o sangue não<br />

<strong>de</strong>via ter <strong>de</strong>rramado, do qual és culpado,<br />

e por isso serás castigado.”<br />

Nesta récita <strong>de</strong> introdução, o actor<br />

exalta-se e comove-se, contorce-se,<br />

antes <strong>de</strong> se converter na personagem<br />

<strong>que</strong> representa no resto da peça,<br />

Saint-Just, e juntar-se à mesa comprida<br />

do Comité da Salvação Pública, no<br />

princípio.<br />

Aqui comenta-se a execução <strong>de</strong><br />

Danton. “Como é ver lá do alto <strong>um</strong>a<br />

execução?<br />

Calmo/ Havia <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> silêncio,<br />

<strong>um</strong> sentimento patriótico h<strong>um</strong>il<strong>de</strong><br />

<strong>que</strong> se apo<strong>de</strong>rou da multidão. (...)<br />

Não imaginava <strong>um</strong> silêncio assim.”<br />

“Danton era amado do povo”, diz<br />

<strong>um</strong> ainda tomado pela dúvida. Era <strong>um</strong><br />

inimigo da revolução, remata Robespierre<br />

assim <strong>que</strong> surge, impecável, <strong>de</strong><br />

camisa e gravata, mas sem blazer:<br />

“[Danton] Virou o seu pensamento e<br />

a sua pl<strong>um</strong>a contra nós. Está morto.”<br />

“Regozijemo-nos<br />

A última facção caiu e o povo estava<br />

reunido em torno da sua <strong>que</strong>da”,<br />

continua <strong>um</strong> elemento do grupo.<br />

“Reunido? Estava era aterrorizado”,<br />

completa outro.<br />

Como Danton – a <strong>que</strong>m o dramaturgo<br />

alemão do século XIX Georg<br />

Büchner <strong>de</strong>dicou <strong>um</strong>a peça “A Morte<br />

<strong>de</strong> Danton” – outros, além do rei Luís<br />

XVI, executado em 1793, serão <strong>de</strong>pois<br />

disso impie<strong>dos</strong>amente executa<strong>dos</strong>.<br />

Na peça realça-se a morte <strong>de</strong> Cécile<br />

Renault (e <strong>de</strong> toda a família), acusada<br />

<strong>de</strong> tentar assassinar Robespierre<br />

na rua entre a multidão. E <strong>de</strong> Lucille<br />

(mulher do Camille Desmoulins) <strong>que</strong><br />

“espalha boatos, panfletos” contra o<br />

comité <strong>de</strong> salvação.<br />

Será a primeira república também<br />

a primeira ditadura <strong>de</strong>ste mundo? E<br />

será o seu representante <strong>um</strong> assassino?<br />

Diz Creuzevault: “A <strong>que</strong>stão não<br />

é saber se foi ou não <strong>um</strong>a ditadura<br />

mas se o Terror surgiu da vonta<strong>de</strong> da<br />

soberania popular, como resistência<br />

à opressão.”<br />

Robespierre diz <strong>que</strong> agiu em nome<br />

da virtu<strong>de</strong>. “Tu salvaste a França e<br />

por isso mataste franceses. Disseste<br />

<strong>que</strong> não po<strong>de</strong>ria ser feito <strong>de</strong> outra<br />

forma”, é-lhe dito na récita <strong>de</strong> Saint-<br />

Just, no início. “Não <strong>que</strong>ríamos <strong>que</strong><br />

ninguém morresse. Não te elegemos<br />

para <strong>que</strong> houvesse guerra, mas paz.<br />

Uma coisa é seres culpado, outra é<br />

ignorares sê-lo. Um vício.” Essa é a<br />

distância <strong>que</strong> vai do vício à virtu<strong>de</strong>.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 31


Aleksandar<br />

Hemon “O Projecto Lazarus”<br />

é <strong>um</strong> romance comovente sobre<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>silusão<br />

e perda e luto,<br />

por <strong>um</strong><br />

autor já<br />

comparado<br />

a Nabokov<br />

e a Conrad.<br />

Pág. 37<br />

Field Music Vão ser tão<br />

<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> quanto a inteligência h<strong>um</strong>ana<br />

permitir. Pág. 49<br />

Robert Wise Um cineasta<br />

mal amado a (re)<strong>de</strong>scobrir – caixa<br />

DVD da Costa do Castelo. Pág. 45<br />

Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />

Leva “Penínsulas & Continentes” a<br />

Lisboa, dia 7, e a Gaia, dia 8. Pág. 46<br />

Broken Bells Meia<br />

dúzia <strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> canções e mais <strong>um</strong><br />

punhado <strong>de</strong> muito razoáveis melodias:<br />

nada mau para este mini-super-duo formado<br />

por Danger Mouse e James Mercer. Pág. 49<br />

António Osório A<br />

poesia completa, emotiva, cuida<strong>dos</strong>a,<br />

compassiva. Pág. 36<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 33


Teatro/Dança<br />

A pintora<br />

<strong>que</strong> não<br />

consegue<br />

encontrar<br />

o branco<br />

Um texto interpela o<br />

público sobre a guerra,<br />

a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, os<br />

acontecimentos violentos.<br />

Ana Maria Henri<strong>que</strong>s<br />

Terra sem Palavras<br />

De Dea Loher. Pela Assédio.<br />

Encenação <strong>de</strong> João Car<strong>dos</strong>o. Com<br />

Rosa Quiroga.<br />

Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. De 27/03 a<br />

11/04. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. 2,5€ a 8€.<br />

Em K. – <strong>que</strong> po<strong>de</strong> ser Kabul, mas<br />

também Bagda<strong>de</strong> ou Sarajevo -, <strong>um</strong>a<br />

artista partilha connosco a sua<br />

frustração criativa: “não consegue<br />

encontrar o branco”. Mas não é <strong>um</strong><br />

“branco qual<strong>que</strong>r”, conta-nos Rosa<br />

Quiroga, a actriz <strong>que</strong> interpreta a<br />

pintora sem nome em “Terra sem<br />

Palavras: o branco em <strong>que</strong>stão é a<br />

cor, ou a ausência da mesma, <strong>que</strong><br />

resulta da violência das explosões,<br />

da<strong>que</strong>las <strong>que</strong> povoam as cida<strong>de</strong>s em<br />

guerra. É o branco momentâneo, tão<br />

difícil <strong>de</strong> imortalizar.<br />

Em cena no portuense Estúdio<br />

Zero, com produção da Assédio –<br />

Associação <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ias Obscuras,<br />

“Terra sem Palavras” é <strong>um</strong> texto <strong>de</strong><br />

Dea Loher, dramaturga alemã <strong>que</strong><br />

<strong>de</strong>cidiu escrever sobre o blo<strong>que</strong>io<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Estreiam<br />

O Nosso Terror<br />

De D’ores et Déjà. Encenação <strong>de</strong><br />

Sylvain Creuzevault. Com Samuel<br />

Achache, Benoit Carré, Antoine<br />

Cegarra, Éric Charon, Pierre<br />

Devérines, Vladislav Galard, Lionel<br />

Gonzalez, Arthur Igual, Léo-Antonin<br />

Lutinier.<br />

Lisboa. Culturgest - Gran<strong>de</strong> Auditório. Rua Arco do<br />

Cego - Edifício da CGD. De 08/04 a 10/04. 5ª a Sáb.<br />

às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 15€.<br />

Ver texto na págs. 30 e 31<br />

Tuning<br />

De Rodrigo Francisco. Pela<br />

Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada.<br />

Encenação <strong>de</strong> Joaquim Benite.<br />

Almada. Teatro Municipal <strong>de</strong> Almada - Sala<br />

Experimental. Av. Professor Egas Moniz. De 08/04<br />

a 02/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

212739360. 5€ a 11€.<br />

Die Maiers - Episódio I<br />

De Sabine Maier, Yogi Mohr.<br />

Encenação <strong>de</strong> Yogi Mohr. Com<br />

Sabine Maier, Yogi Mohr, Luca Maier,<br />

Branca Maier, August Maier.<br />

Dea Loher, dramaturga alemã, escreveu sobre<br />

o blo<strong>que</strong>io criativo <strong>que</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vastada<br />

po<strong>de</strong> causar a <strong>um</strong> artista<br />

criativo <strong>que</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vastada<br />

po<strong>de</strong> causar n<strong>um</strong> artista.<br />

Dirigida por João Car<strong>dos</strong>o, Rosa<br />

Quiroga dá vida a mais <strong>um</strong> monólogo<br />

produzido pela Assédio. A diferença<br />

é <strong>que</strong> <strong>de</strong>sta vez o sentimento “não é<br />

tão palpável como nos espectáculos<br />

anteriores”. Rosa explica: “alguém<br />

está encalhado n<strong>um</strong> quadrado da sua<br />

vida”. E o “quadrado” da pintora <strong>que</strong><br />

vive em K. é o seu atelier, <strong>um</strong>a divisão<br />

preenchida com <strong>um</strong> quadro <strong>de</strong><br />

ardósia on<strong>de</strong> se reflecte a passagem<br />

<strong>dos</strong> dias e das noites e <strong>um</strong> tapete <strong>que</strong><br />

é <strong>um</strong>a manta <strong>de</strong> retalhos. Enquanto<br />

beberica chá, <strong>de</strong>scalça, a pintora<br />

divaga sobre a inevitabilida<strong>de</strong> da<br />

podridão do corpo h<strong>um</strong>ano: “já<br />

ninguém aceita o <strong>que</strong> é<br />

Lisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. De 08/04<br />

a 18/04. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 218855550. 8€ a 12€.<br />

Continuam<br />

Antígona<br />

De Sófocles. Encenação <strong>de</strong> Nuno<br />

Carinhas. Com Alexandra Gabriel,<br />

António Durães, Emília Silvestre,<br />

João Castro, Jorge Mota, José<br />

Eduardo Silva, Lígia Ro<strong>que</strong>, Maria do<br />

Céu Ribeiro, Paulo Freixinho, Pedro<br />

Almendra.<br />

Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />

23/04. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.:<br />

223401910. 3,75€ a 16€.<br />

Uma Família Portuguesa<br />

De Filomena Oliveira, Miguel Real.<br />

Pelo Teatro Aberto. Encenação <strong>de</strong><br />

Cristina Carvalhal. Com Bruno<br />

Simões, Carlos Malvarez, João Maria<br />

Pinto, Luísa Salgueiro, Teresa Faria.<br />

Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç.<br />

Espanha. Até 02/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às<br />

16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€.<br />

N<strong>um</strong> Dia Igual aos Outros<br />

De John Kolvenbach. Encenação <strong>de</strong><br />

Marco Martins. Com Nuno Lopes,<br />

Gonçalo Waddington.<br />

Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio.<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

verda<strong>de</strong>iramente belo, como o cheiro<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> amigo. Como se pinta isso?”.<br />

Quando damos por ela já é noite<br />

outra vez, a luz já não il<strong>um</strong>ina o<br />

quadro <strong>de</strong> ardósia, a música indica<br />

<strong>que</strong> o dia está no fim e a pintora<br />

volta-se <strong>de</strong> costas para o público,<br />

como no início <strong>de</strong>sta viagem entre<br />

quatro pare<strong>de</strong>s. Ouvem-se sons <strong>de</strong><br />

carroças, cabras e crianças na rua,<br />

crianças <strong>que</strong> vão acabar por per<strong>de</strong>r<br />

<strong>um</strong> braço ou <strong>um</strong>a perna por<br />

pisarem <strong>um</strong>a mina perdida na<br />

estrada <strong>de</strong> terra batida. É esta<br />

realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> violência, pobreza e<br />

<strong>de</strong>sespero <strong>que</strong> blo<strong>que</strong>ia a nossa<br />

artista. “And then you are stuck”,<br />

repete, n<strong>um</strong> esforço <strong>de</strong> afirmação<br />

constante.<br />

Pç. D. Pedro IV. Até 18/04. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom.<br />

às 16h15. Tel.: 213250835. 12€.<br />

A Balada da Margem Sul<br />

De Hel<strong>de</strong>r Costa, Jorge Palma<br />

(canções). Pela Barraca. Encenação<br />

<strong>de</strong> Hel<strong>de</strong>r Costa. Com Sérgio Moras,<br />

Ciomara Morais, Adérito Lopes,<br />

Pedro Borges, entre outros.<br />

Lisboa. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2.<br />

Até 31/12. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

213965360. 5€ a 12,5€.<br />

Dança<br />

Estreiam<br />

Kings Cross<br />

De Pedro Pires.<br />

Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R.<br />

Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal,<br />

“Este texto interpela o público<br />

sobre a guerra, a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, os<br />

acontecimentos violentos. Põe o<br />

artista em confronto consigo, com a<br />

sua obra e com o <strong>que</strong> o leva a<br />

executá-la”, explica João Car<strong>dos</strong>o,<br />

acrescentando <strong>que</strong> não se preten<strong>de</strong><br />

<strong>que</strong> “Terra sem Palavras” seja <strong>um</strong><br />

espectáculo “tão virado para fora,<br />

mas mais intimista”.<br />

“E a dor? E a felicida<strong>de</strong>?”,<br />

<strong>que</strong>stiona-se – ou <strong>que</strong>stiona-nos a<br />

nós -, ao mesmo tempo <strong>que</strong> a luz e<br />

a música voltam a mudar, e as<br />

memórias passam a ser mais<br />

difusas, frases e conceitos lança<strong>dos</strong><br />

arbitrariamente: “You have seen<br />

the surface; pretty much the<br />

surface”.<br />

39). De 07/04 a 08/04. 4ª e 5ª às 21h30. Tel.:<br />

225189982.<br />

Continuam<br />

Maiorca<br />

De Paulo Ribeiro. Pela Companhia<br />

Paulo Ribeiro. Com Erika<br />

Gustamacchia, Gonçalo Lobato,<br />

Marta Cer<strong>que</strong>ira, Pedro Men<strong>de</strong>s,<br />

Romulus Neagu, Pedro Burmester.<br />

Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim,<br />

19. Dia 03/04. Sáb. às 21h30. Tel.: 261338131. 5€.<br />

34 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Teatro/Dança<br />

A pintora<br />

<strong>que</strong> não<br />

consegue<br />

encontrar<br />

o branco<br />

Um texto interpela o<br />

público sobre a guerra,<br />

a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, os<br />

acontecimentos violentos.<br />

Ana Maria Henri<strong>que</strong>s<br />

Terra sem Palavras<br />

De Dea Loher. Pela Assédio.<br />

Encenação <strong>de</strong> João Car<strong>dos</strong>o. Com<br />

Rosa Quiroga.<br />

Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, 86. De 27/03 a<br />

11/04. 3ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. 2,5€ a 8€.<br />

Em K. – <strong>que</strong> po<strong>de</strong> ser Kabul, mas<br />

também Bagda<strong>de</strong> ou Sarajevo -, <strong>um</strong>a<br />

artista partilha connosco a sua<br />

frustração criativa: “não consegue<br />

encontrar o branco”. Mas não é <strong>um</strong><br />

“branco qual<strong>que</strong>r”, conta-nos Rosa<br />

Quiroga, a actriz <strong>que</strong> interpreta a<br />

pintora sem nome em “Terra sem<br />

Palavras: o branco em <strong>que</strong>stão é a<br />

cor, ou a ausência da mesma, <strong>que</strong><br />

resulta da violência das explosões,<br />

da<strong>que</strong>las <strong>que</strong> povoam as cida<strong>de</strong>s em<br />

guerra. É o branco momentâneo, tão<br />

difícil <strong>de</strong> imortalizar.<br />

Em cena no portuense Estúdio<br />

Zero, com produção da Assédio –<br />

Associação <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ias Obscuras,<br />

“Terra sem Palavras” é <strong>um</strong> texto <strong>de</strong><br />

Dea Loher, dramaturga alemã <strong>que</strong><br />

<strong>de</strong>cidiu escrever sobre o blo<strong>que</strong>io<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Estreiam<br />

O Nosso Terror<br />

De D’ores et Déjà. Encenação <strong>de</strong><br />

Sylvain Creuzevault. Com Samuel<br />

Achache, Benoit Carré, Antoine<br />

Cegarra, Éric Charon, Pierre<br />

Devérines, Vladislav Galard, Lionel<br />

Gonzalez, Arthur Igual, Léo-Antonin<br />

Lutinier.<br />

Lisboa. Culturgest - Gran<strong>de</strong> Auditório. Rua Arco do<br />

Cego - Edifício da CGD. De 08/04 a 10/04. 5ª a Sáb.<br />

às 21h30. Tel.: 217905155. 5€ a 15€.<br />

Ver texto na págs. 30 e 31<br />

Tuning<br />

De Rodrigo Francisco. Pela<br />

Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Almada.<br />

Encenação <strong>de</strong> Joaquim Benite.<br />

Almada. Teatro Municipal <strong>de</strong> Almada - Sala<br />

Experimental. Av. Professor Egas Moniz. De 08/04<br />

a 02/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

212739360. 5€ a 11€.<br />

Die Maiers - Episódio I<br />

De Sabine Maier, Yogi Mohr.<br />

Encenação <strong>de</strong> Yogi Mohr. Com<br />

Sabine Maier, Yogi Mohr, Luca Maier,<br />

Branca Maier, August Maier.<br />

Dea Loher, dramaturga alemã, escreveu sobre<br />

o blo<strong>que</strong>io criativo <strong>que</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vastada<br />

po<strong>de</strong> causar a <strong>um</strong> artista<br />

criativo <strong>que</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vastada<br />

po<strong>de</strong> causar n<strong>um</strong> artista.<br />

Dirigida por João Car<strong>dos</strong>o, Rosa<br />

Quiroga dá vida a mais <strong>um</strong> monólogo<br />

produzido pela Assédio. A diferença<br />

é <strong>que</strong> <strong>de</strong>sta vez o sentimento “não é<br />

tão palpável como nos espectáculos<br />

anteriores”. Rosa explica: “alguém<br />

está encalhado n<strong>um</strong> quadrado da sua<br />

vida”. E o “quadrado” da pintora <strong>que</strong><br />

vive em K. é o seu atelier, <strong>um</strong>a divisão<br />

preenchida com <strong>um</strong> quadro <strong>de</strong><br />

ardósia on<strong>de</strong> se reflecte a passagem<br />

<strong>dos</strong> dias e das noites e <strong>um</strong> tapete <strong>que</strong><br />

é <strong>um</strong>a manta <strong>de</strong> retalhos. Enquanto<br />

beberica chá, <strong>de</strong>scalça, a pintora<br />

divaga sobre a inevitabilida<strong>de</strong> da<br />

podridão do corpo h<strong>um</strong>ano: “já<br />

ninguém aceita o <strong>que</strong> é<br />

Lisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. De 08/04<br />

a 18/04. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 218855550. 8€ a 12€.<br />

Continuam<br />

Antígona<br />

De Sófocles. Encenação <strong>de</strong> Nuno<br />

Carinhas. Com Alexandra Gabriel,<br />

António Durães, Emília Silvestre,<br />

João Castro, Jorge Mota, José<br />

Eduardo Silva, Lígia Ro<strong>que</strong>, Maria do<br />

Céu Ribeiro, Paulo Freixinho, Pedro<br />

Almendra.<br />

Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. Até<br />

23/04. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h00. Tel.:<br />

223401910. 3,75€ a 16€.<br />

Uma Família Portuguesa<br />

De Filomena Oliveira, Miguel Real.<br />

Pelo Teatro Aberto. Encenação <strong>de</strong><br />

Cristina Carvalhal. Com Bruno<br />

Simões, Carlos Malvarez, João Maria<br />

Pinto, Luísa Salgueiro, Teresa Faria.<br />

Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç.<br />

Espanha. Até 02/05. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às<br />

16h. Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€.<br />

N<strong>um</strong> Dia Igual aos Outros<br />

De John Kolvenbach. Encenação <strong>de</strong><br />

Marco Martins. Com Nuno Lopes,<br />

Gonçalo Waddington.<br />

Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio.<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

verda<strong>de</strong>iramente belo, como o cheiro<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> amigo. Como se pinta isso?”.<br />

Quando damos por ela já é noite<br />

outra vez, a luz já não il<strong>um</strong>ina o<br />

quadro <strong>de</strong> ardósia, a música indica<br />

<strong>que</strong> o dia está no fim e a pintora<br />

volta-se <strong>de</strong> costas para o público,<br />

como no início <strong>de</strong>sta viagem entre<br />

quatro pare<strong>de</strong>s. Ouvem-se sons <strong>de</strong><br />

carroças, cabras e crianças na rua,<br />

crianças <strong>que</strong> vão acabar por per<strong>de</strong>r<br />

<strong>um</strong> braço ou <strong>um</strong>a perna por<br />

pisarem <strong>um</strong>a mina perdida na<br />

estrada <strong>de</strong> terra batida. É esta<br />

realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> violência, pobreza e<br />

<strong>de</strong>sespero <strong>que</strong> blo<strong>que</strong>ia a nossa<br />

artista. “And then you are stuck”,<br />

repete, n<strong>um</strong> esforço <strong>de</strong> afirmação<br />

constante.<br />

Pç. D. Pedro IV. Até 18/04. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom.<br />

às 16h15. Tel.: 213250835. 12€.<br />

A Balada da Margem Sul<br />

De Hel<strong>de</strong>r Costa, Jorge Palma<br />

(canções). Pela Barraca. Encenação<br />

<strong>de</strong> Hel<strong>de</strong>r Costa. Com Sérgio Moras,<br />

Ciomara Morais, Adérito Lopes,<br />

Pedro Borges, entre outros.<br />

Lisboa. A Barraca - Teatro Cinearte. Lg Santos, 2.<br />

Até 31/12. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:<br />

213965360. 5€ a 12,5€.<br />

Dança<br />

Estreiam<br />

Kings Cross<br />

De Pedro Pires.<br />

Porto. Teatro Helena Sá e Costa (ESMAE). R.<br />

Alegria, 503 (entrada pela R. da Escola Normal,<br />

“Este texto interpela o público<br />

sobre a guerra, a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, os<br />

acontecimentos violentos. Põe o<br />

artista em confronto consigo, com a<br />

sua obra e com o <strong>que</strong> o leva a<br />

executá-la”, explica João Car<strong>dos</strong>o,<br />

acrescentando <strong>que</strong> não se preten<strong>de</strong><br />

<strong>que</strong> “Terra sem Palavras” seja <strong>um</strong><br />

espectáculo “tão virado para fora,<br />

mas mais intimista”.<br />

“E a dor? E a felicida<strong>de</strong>?”,<br />

<strong>que</strong>stiona-se – ou <strong>que</strong>stiona-nos a<br />

nós -, ao mesmo tempo <strong>que</strong> a luz e<br />

a música voltam a mudar, e as<br />

memórias passam a ser mais<br />

difusas, frases e conceitos lança<strong>dos</strong><br />

arbitrariamente: “You have seen<br />

the surface; pretty much the<br />

surface”.<br />

39). De 07/04 a 08/04. 4ª e 5ª às 21h30. Tel.:<br />

225189982.<br />

Continuam<br />

Maiorca<br />

De Paulo Ribeiro. Pela Companhia<br />

Paulo Ribeiro. Com Erika<br />

Gustamacchia, Gonçalo Lobato,<br />

Marta Cer<strong>que</strong>ira, Pedro Men<strong>de</strong>s,<br />

Romulus Neagu, Pedro Burmester.<br />

Torres Vedras. Teatro-Cine. Av. Tenente Valadim,<br />

19. Dia 03/04. Sáb. às 21h30. Tel.: 261338131. 5€.<br />

34 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Livros<br />

Próximo <strong>de</strong> <strong>um</strong> discurso<br />

cristão, António Osório não<br />

revela inclinações metafísicas,<br />

acredita apenas nas emoções<br />

e nas coisas<br />

36 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon<br />

Poesia<br />

Gratidão<br />

A poesia completa <strong>de</strong><br />

António Osório: emotiva,<br />

cuida<strong>dos</strong>a, compassiva.<br />

Pedro Mexia<br />

A Luz Fraterna<br />

António Osório<br />

Assírio & Alvim<br />

mmmmm<br />

Edição<br />

António Osório<br />

estreou-se em 1972<br />

com “A Raiz<br />

Afectuosa”, e<br />

quatro décadas<br />

<strong>de</strong>pois publica a<br />

sua poesia reunida<br />

em “A Luz<br />

Fraterna”. Os<br />

títulos são emotivos, compassivos,<br />

benevolentes, tal como toda esta<br />

poesia.<br />

Des<strong>de</strong> o início <strong>que</strong> Osório<br />

reivindicou o regresso a <strong>um</strong>a<br />

emotivida<strong>de</strong> perdida, n<strong>um</strong>a escrita<br />

intimista e cuidada. N<strong>um</strong>a “autoentrevista”,<br />

o autor <strong>de</strong>finiu assim a<br />

sua poética: limpar as palavras da<br />

sujida<strong>de</strong>, usar poucos adjectivos,<br />

dizer o inominável <strong>de</strong> forma brutal.<br />

As palavras usadas por Osório são<br />

limpas, buriladas, poucos poetas<br />

portugueses têm <strong>um</strong>a tal mestria<br />

prosódica e estrófica, mas isso não<br />

significa <strong>um</strong>a legibilida<strong>de</strong> ingénua,<br />

por<strong>que</strong> muitas vezes a palavra<br />

exacta é arcaica ou enigmática.<br />

Her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> alguns poetas italianos<br />

ditos herméticos, Osório nunca ce<strong>de</strong><br />

ao hermetismo nem à facilida<strong>de</strong>. Os<br />

poemas usam a en<strong>um</strong>eração, o<br />

adjectivo suspenso entre vírgulas, a<br />

<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> imagística e a concisão<br />

epigramática. Comunicam e são<br />

comunicantes.<br />

Colectâneas como a já citada e<br />

como “A Ignorância da Morte” (1978)<br />

e “O Lugar do Amor” (1981)<br />

estabelecem <strong>um</strong> espaço<br />

essencialmente privado. É a família o<br />

gran<strong>de</strong> tema, sobretudo o pai<br />

português e a mãe italiana. Cada<br />

recordação continua <strong>um</strong>a conversa<br />

interrompida, é <strong>um</strong> instante <strong>de</strong> amor<br />

sau<strong>dos</strong>o e sofrido. O poema<br />

florentino do pombo <strong>que</strong> sobrevoa a<br />

casa <strong>dos</strong> pais é <strong>um</strong>a das mais<br />

pungentes elegias em língua<br />

portuguesa: “(…) Agora sou eu <strong>que</strong>m<br />

voa amando por ti/e por mim a sua<br />

triste e orgulhosa/alma, pouso no<br />

Battistero/por<strong>que</strong> sei <strong>que</strong> Dante foi ali<br />

baptizado/e conspurco em<br />

Orsanmichele a cabeça <strong>de</strong> San<br />

Giorgio/tocando no bronze <strong>que</strong> teve a<br />

mão <strong>de</strong> Donatello. /Ó coisas ocres, <strong>de</strong><br />

açafrão, enegrecidas,/sobre as quais<br />

voo buscando pedaços <strong>de</strong> pão/<strong>que</strong><br />

transeuntes davi<strong>dos</strong>os oferecem. /E à<br />

espera <strong>que</strong> <strong>um</strong>a persiana se abre/e<br />

encontre, Mãe, <strong>um</strong> rosto <strong>que</strong> lembre<br />

o teu/e on<strong>de</strong> nessa mão eu chegue e<br />

coma” (pág. 124).<br />

E não são apenas os pais, mas<br />

também os filhos, ou a felicida<strong>de</strong><br />

conjugal. E os outros: Osório tornouse<br />

conhecido como poeta <strong>dos</strong><br />

“ofícios”, e por aqui passam<br />

calceteiros, cangalheiros,<br />

apicultores, geralmente pessoas<br />

“The Short Second Life of<br />

Bree Tanner: An Eclipse<br />

Novella”, <strong>de</strong> Stephenie<br />

Meyer, vai ser editado<br />

a 5 <strong>de</strong> Junho. A autora<br />

da saga <strong>de</strong> vampiros<br />

“Twilight” recupera neste<br />

livro <strong>um</strong>a personagem<br />

secundária <strong>que</strong> apareceu<br />

h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>s, <strong>que</strong> os poemas elevam<br />

por causa do seu trabalho e do seu<br />

sofrimento. A pieda<strong>de</strong> e a<br />

compaixão são traços essenciais<br />

<strong>de</strong>sta poesia, <strong>que</strong> também não<br />

es<strong>que</strong>ce os animais. A segunda parte<br />

<strong>de</strong> “Planetário e Zoo <strong>dos</strong> Homens”<br />

(1990) irmana homens e bichos<br />

nessa “perversão edénica” <strong>que</strong> é o<br />

jardim zoológico, com o sofrimento<br />

quase intermutável, n<strong>um</strong><br />

franciscanismo laico. “Aforismos<br />

Mágicos” (1985) e “D. Quixote e os<br />

Touros” (1991) são, respectivamente,<br />

<strong>um</strong>a apologia do cavalo e <strong>um</strong>a<br />

meditação sobre o touro. Animais<br />

sagra<strong>dos</strong>, o primeiro representa a<br />

nobreza, a elegância, a velocida<strong>de</strong>.<br />

Já o touro é <strong>um</strong> símbolo da morte,<br />

<strong>um</strong> “símbolo abusivo”, precisa<br />

Osório. A <strong>que</strong>stão taurina é<br />

problemática, mas a opção <strong>de</strong><br />

Osório é equânime: a tourada é <strong>um</strong><br />

acto <strong>de</strong> bravura mas também <strong>um</strong><br />

ritual bárbaro. Elogiando a coragem<br />

e <strong>de</strong>streza <strong>dos</strong> toureiros, o poeta<br />

sabe <strong>que</strong> há <strong>um</strong>a tradição, do Egipto<br />

a Lorca, <strong>que</strong> acentua a tragédia<br />

simbólica da festa brava. Mas “matar<br />

a morte” é tarefa enganadora,<br />

quixotesca, feita <strong>de</strong> medo e<br />

violência.<br />

Próximo <strong>de</strong> <strong>um</strong> discurso cristão, o<br />

escritor não revela inclinações<br />

metafísicas, acredita apenas nas<br />

emoções e nas coisas. Até invoca o<br />

pai do materialismo filosófico: “Anda<br />

ver, Lucrécio, as tuas constelações. /<br />

Na noite bebem, animais vagarosos./<br />

Vénus ro<strong>de</strong>ia ainda o sol e sirius / na<br />

esfera celeste <strong>que</strong> foi tua. / Sem<br />

<strong>de</strong>uses, como <strong>que</strong>rias, a máquina /<br />

do mundo. Ali tens, em Roma, a tua<br />

exacta / longitu<strong>de</strong>. As marés chegam<br />

e partem – / ondas pontuais como as<br />

estações. / E Março tudo renova,<br />

menos o homem, / matéria volátil”<br />

(págs. 303-304). À mortalida<strong>de</strong>,<br />

opõe a experiência sensual. Não<br />

apenas o idílio carnal (“Adão, Eva e o<br />

Mais”, 1983), mas também “a<br />

felicida<strong>de</strong> da pintura”. “Ut pictura<br />

poesis”, diziam os antigos, na poesia<br />

assim como na pintura, e a<br />

irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas artes está em<br />

muitos poemas: “Felicida<strong>de</strong> da<br />

pintura: / eis vivo, duplo, evidência<br />

cósmica, o <strong>que</strong> amaste / e tu <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>las, sangue, carnação, a luz /<br />

distante, orgulhosa, dolorida <strong>de</strong> seus<br />

olhos” (pág. 188). Tão altos como os<br />

pintores, só os músicos. E a<br />

santíssima trinda<strong>de</strong> poética Homero,<br />

Dante e Camões. O auge <strong>de</strong>sse<br />

tributo é o esplêndido “Décima<br />

Aurora” (1982).<br />

António Osório sempre cultivou a<br />

prosa, mas a partir da década <strong>de</strong><br />

1990, a prosa torna-se dominante. O<br />

registo vai do mais com<strong>um</strong> “poema<br />

em prosa” à página memorialística,<br />

passando por homenagens e<br />

histórias <strong>de</strong> vidas alheias. Eis a<br />

<strong>de</strong>scrição <strong>que</strong> o autor fez <strong>de</strong><br />

“Crónica da Fortuna” (1997): “Este é<br />

<strong>um</strong> livro <strong>de</strong> curadores, <strong>de</strong> sectários,<br />

<strong>de</strong> muitos animais, <strong>de</strong> árvores, <strong>de</strong><br />

ofícios em extinção (…), <strong>de</strong><br />

pela primeira vez em<br />

“Eclipse”, o terceiro<br />

vol<strong>um</strong>e da saga, mas<br />

morreu pouco <strong>de</strong>pois.<br />

Uma versão digital estará<br />

disponível gratuitamente<br />

entre 7 <strong>de</strong> Junho e 5<br />

<strong>de</strong> Julho no site www.<br />

breetanner.com.<br />

ecologistas incómo<strong>dos</strong>, <strong>de</strong> meninos<br />

<strong>que</strong> se alegram n<strong>um</strong> pica<strong>de</strong>iro e<br />

d<strong>um</strong>a criança sobredotada, d<strong>um</strong><br />

dúplice ‘espectador divino’, da<br />

última amada <strong>de</strong> Homero, e <strong>de</strong><br />

outros poetas, alguns <strong>de</strong> vida<br />

<strong>de</strong>sastradas, caso <strong>de</strong> Tshanyang<br />

Gytasho, o Sexto Dalai-Lama, com a<br />

tentação <strong>dos</strong> versos e das doces<br />

amigas, <strong>de</strong> <strong>um</strong> ‘inimigo da poesia’,<br />

por sinal bem ilustre, Italo Svevo”<br />

(pág. 322). Muitos <strong>de</strong>stes textos são<br />

sobre pe<strong>que</strong>nos vigaristas, vi<strong>de</strong>ntes,<br />

magos, cartomantes, ou sobre<br />

doentes e pedintes, textos<br />

h<strong>um</strong>anamente disponíveis e<br />

condoí<strong>dos</strong>. No <strong>de</strong>sconcerto do<br />

mundo, encontramos toda a espécie<br />

<strong>de</strong> fortunas e infortúnios: “Fortuna<br />

<strong>dos</strong> <strong>que</strong> não morrem em vida. Dos<br />

<strong>que</strong> passam por <strong>de</strong>ntro e pelo fundo<br />

da sua tristeza, e vão além. Dos <strong>que</strong><br />

se contentam com o súbito pão das<br />

palavras. Dos <strong>que</strong> não causam dano<br />

nem semeiam culpa. Dos <strong>que</strong><br />

po<strong>de</strong>riam apresentar-se limpamente<br />

diante <strong>de</strong> Deus” (pág. 366).<br />

E <strong>que</strong>m nos liberta <strong>de</strong>ssa peste da<br />

transitorieda<strong>de</strong> e da miséria? Os<br />

poetas, <strong>que</strong> tanto po<strong>de</strong>m ser os<br />

ambientalistas como a<strong>que</strong>les<br />

fabulosos autores <strong>de</strong>sconheci<strong>dos</strong><br />

aqui “muda<strong>dos</strong> para português”<br />

(índios, monges, generais). Mesmo<br />

quando vê o <strong>que</strong> está à sua beira,<br />

António Osório acredita na<br />

transfiguração, acredita n<strong>um</strong>a<br />

poesia órfica <strong>que</strong> responda aos<br />

mistérios da nossa iniquida<strong>de</strong> e<br />

gran<strong>de</strong>za (“Libertação da Peste”,<br />

2002).<br />

Esta edição, com prefácio <strong>de</strong><br />

Eugénio Lisboa e <strong>um</strong>a entrevista<br />

<strong>de</strong> Ana Mar<strong>que</strong>s Gastão, traz <strong>um</strong><br />

punhado <strong>de</strong> inéditos e dispersos,<br />

<strong>um</strong>a antologia crítica e <strong>um</strong>a<br />

bibliografia exaustiva. A estes<br />

poemas não é <strong>de</strong>vida apenas<br />

admiração mas também gratidão:<br />

“Gratidão <strong>de</strong> ser / por estes anos /<br />

e partículas <strong>resta</strong>ntes. // Pela<br />

amiza<strong>de</strong>, / <strong>que</strong> chega a confundir<br />

o amor. // Pela bonda<strong>de</strong>, / <strong>que</strong><br />

torna a solidão <strong>de</strong>svalida. // Pela<br />

hombrida<strong>de</strong>, / à altura do céu. //<br />

Pela beleza, / <strong>que</strong> só à santida<strong>de</strong> /<br />

sobrepassa. / E é flagrante,<br />

perdulária, / noutros renascente.<br />

// Gratidão / <strong>que</strong> nem sabe / a<br />

<strong>que</strong>m <strong>de</strong>ve ser grata” (págs. 149-<br />

150).<br />

Ficção<br />

Escrita e<br />

ressurreição<br />

Um romance comovente<br />

sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>silusão<br />

e perda e luto, por <strong>um</strong> autor<br />

já comparado a Nabokov<br />

e a Conrad. José Riço<br />

Direitinho


aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

O Projecto Lazarus<br />

Aleksandar Hemon<br />

(traduzido por Isabel Alves)<br />

Civilização<br />

mmmmm<br />

Quando as tropas<br />

sérvias cercaram<br />

Sarajevo, em Abril<br />

1992 (terminou em<br />

Fevereiro <strong>de</strong> 1996,<br />

tornando-se assim<br />

no mais longo<br />

cerco da história da<br />

guerra mo<strong>de</strong>rna), o<br />

jovem bósnio Aleksandar Hemon (n.<br />

1964) estava <strong>de</strong> visita aos EUA. Viuse<br />

assim impedido <strong>de</strong> regressar à<br />

sua, então sitiada, cida<strong>de</strong> natal. Uma<br />

prevista estada <strong>de</strong> alguns meses na<br />

América tornou-se <strong>de</strong>finitiva. Três<br />

anos <strong>de</strong>pois, Hemon escreveu o<br />

primeiro conto em inglês, e em<br />

pouco tempo as suas histórias<br />

começavam a aparecer em<br />

publicações como a “Granta” ou a<br />

“The New Yorker”. Em 2000<br />

publicou o primeiro livro, “The<br />

Question of Bruno” (edição<br />

portuguesa na ASA, em 2003, “A<br />

Questão <strong>de</strong> Bruno”), e dois anos<br />

<strong>de</strong>pois “Nowhere Man – The Pronek<br />

Fantasies”, finalista do National<br />

Book Critics Circle Award. Com estas<br />

obras, tornou-se n<strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais<br />

promissores autores norteamericanos<br />

(entretanto, adquiriu a<br />

nacionalida<strong>de</strong>).<br />

A confirmação chegou em 2008<br />

com “O Projecto Lazarus”, <strong>que</strong> foi<br />

finalista do National Book Award.<br />

Hemon baseou-se n<strong>um</strong>a história<br />

verídica acontecida há <strong>um</strong> século, a<br />

<strong>de</strong> Lazarus Averbuch, <strong>de</strong> 19 anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>, imigrante ju<strong>de</strong>u russo <strong>que</strong><br />

escapou, com a irmã, ao “pogrom”<br />

<strong>de</strong> Kishinev, na Páscoa <strong>de</strong> 1903, e<br />

<strong>que</strong> conseguiu chegar a Chicago,<br />

on<strong>de</strong> n<strong>um</strong>a manhã <strong>de</strong> 1908 foi morto<br />

a tiro pelo chefe da polícia local<br />

quando lhe tentava entregar, em<br />

mão, <strong>um</strong>a carta; a polícia pensou<br />

tratar-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a conspiração<br />

anarquista, o <strong>que</strong> provocou <strong>um</strong>a<br />

histérica onda xenófoba <strong>que</strong><br />

avassalou a cida<strong>de</strong>. Escreve Hemon:<br />

“A América estava obcecada com o<br />

anarquismo. (…) os pregadores<br />

patriotas arrazoavam<br />

acaloradamente contra os perigos<br />

pecaminosos da imigração<br />

<strong>de</strong>scontrolada, contra os ata<strong>que</strong>s à<br />

liberda<strong>de</strong> americana e ao<br />

cristianismo.” Mas “O Projecto<br />

Lazarus” é também a mo<strong>de</strong>rna<br />

história do narrador (obviamente<br />

autobiográfica), o imigrante bósnio,<br />

já nacionalizado norte-americano,<br />

Vladimir Brik, <strong>que</strong>, n<strong>um</strong>a tentativa<br />

<strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong> dar sentido e <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nar a sua própria vida, preten<strong>de</strong><br />

escrever <strong>um</strong> romance baseado no<br />

inci<strong>de</strong>nte ocorrido com o jovem<br />

imigrante russo. Ambas as<br />

narrativas, separadas quase cem<br />

anos, são apresentadas em capítulos<br />

alterna<strong>dos</strong>, n<strong>um</strong> pretenso<br />

Aleksandar Hemon, bósnio <strong>de</strong> origem, já é <strong>um</strong><br />

<strong>dos</strong> mais promissores autores norte-americanos<br />

(entretanto, adquiriu a nacionalida<strong>de</strong>)<br />

hibridismo <strong>de</strong> géneros entre ficção e<br />

autobiografia, estabelecendo-se, no<br />

equilíbrio das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>dos</strong> dois<br />

imigrantes, <strong>um</strong> inesperado<br />

paralelismo. “A guerra contra o<br />

anarquismo era muito semelhante à<br />

guerra actual contra o terrorismo – é<br />

interessante constatar <strong>que</strong> os velhos<br />

hábitos nunca morrem.”<br />

Brik, o narrador, <strong>que</strong> vive a<br />

expensas da mulher americana com<br />

<strong>que</strong>m se casara, <strong>um</strong>a médica <strong>de</strong><br />

sucesso, recebe <strong>um</strong>a inesperada<br />

bolsa para escrever o livro sobre<br />

Lazarus. Por essa altura, ele<br />

encontra <strong>um</strong> antigo companheiro do<br />

liceu em Sarajevo, o enigmático<br />

fotógrafo Rora, <strong>um</strong> mitómano<br />

contador <strong>de</strong> estranhas histórias,<br />

como a do louco <strong>que</strong> durante o<br />

cerco corria pelas ruas <strong>de</strong> Sarajevo<br />

com <strong>um</strong> limão enfiado na boca, ou a<br />

da equipa feminina <strong>de</strong> “hó<strong>que</strong>i<br />

subaquático” da Moldávia. E, com o<br />

dinheiro da bolsa, ambos partem<br />

n<strong>um</strong>a viagem a Kishinev, <strong>que</strong> acaba<br />

por se prolongar pelo Leste Europeu<br />

(com retorno a Sarajevo) n<strong>um</strong>a<br />

espécie <strong>de</strong> périplo ao contrário do<br />

<strong>que</strong> cem anos antes Lazarus fizera,<br />

pois Brik “precisava <strong>de</strong> ver o <strong>que</strong><br />

não conseguia imaginar”. (Para<br />

reforçar o lado autobiográfico,<br />

Hemon realizou <strong>de</strong> facto esta viagem<br />

na companhia <strong>de</strong> <strong>um</strong> amigo<br />

fotógrafo, Velibor Bosovic – o livro é<br />

ilustrado com alg<strong>um</strong>as fotografias<br />

suas e outras <strong>dos</strong> arquivos da polícia<br />

<strong>de</strong> Chicago em <strong>que</strong> aparece o corpo<br />

<strong>de</strong> Lazarus Averbuch.) As <strong>de</strong>scrições<br />

vívidas da viagem – a par do<br />

ambiente da Chicago <strong>de</strong> 1908 – são<br />

das partes mais conseguidas do<br />

romance. (Na Ucrânia hospedam-se<br />

n<strong>um</strong> hotel-bor<strong>de</strong>l, o Centro <strong>de</strong><br />

Negócios Bukovina. São guia<strong>dos</strong> por<br />

<strong>um</strong> taxista louco atravessando<br />

cida<strong>de</strong>s <strong>que</strong> mais pareciam <strong>um</strong><br />

‘décor’ <strong>de</strong> filmes pós-cataclismo.<br />

Entram na Moldávia n<strong>um</strong>a<br />

camioneta em <strong>que</strong> to<strong>dos</strong> “cheiravam<br />

mal, eram feios, estavam bêba<strong>dos</strong> e<br />

eram apáticos”. A atmosfera <strong>de</strong><br />

vileza impregna toda a viagem.)<br />

Mas é a ressonância bíblica do<br />

nome Lazarus, o <strong>que</strong> ressuscitou<br />

para <strong>um</strong>a nova vida, <strong>que</strong> oferece a<br />

i<strong>de</strong>ia principal do romance. “Terá<br />

[Lazarus] tido <strong>de</strong> ‘<strong>de</strong>smemorar’ a<br />

sua vida anterior e começar do zero<br />

como <strong>um</strong> imigrante?” Aleksandar<br />

Hemon apresenta a emigração como<br />

<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> morte seguida <strong>de</strong><br />

ressurreição, <strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>sespero,<br />

das <strong>de</strong>silusões e das perdas. E,<br />

também no caso do narrador, essa<br />

morte metafórica foi necessária para<br />

<strong>que</strong> ele começasse finalmente a<br />

Litvínov: tem dignida<strong>de</strong> e bom<br />

senso, mas falta-lhe a chama <strong>que</strong><br />

atiça <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> paixão. O enredo,<br />

as características gerais <strong>dos</strong><br />

protagonistas, temas e enfo<strong>que</strong><br />

social até são comuns aos dois livros,<br />

mas a locomotiva emocional <strong>de</strong><br />

Tolstói é substituída em Turguénev<br />

por subtis esta<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

intranquilida<strong>de</strong>.<br />

A constância <strong>de</strong> Turguénev<br />

permite-lhe aproximar-se das<br />

personagens principais como n<strong>um</strong><br />

passeio a pé pelas ruas <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>n.<br />

Enquanto elas não aparecem,<br />

atentemos na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

florista (e não “floreira”, p. 17), <strong>que</strong><br />

diz bem da atmosfera social <strong>que</strong> as<br />

aguarda: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ignorar o aceno<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> cliente mal vestido, ela nem<br />

agra<strong>de</strong>ce a outro <strong>que</strong> lhe <strong>de</strong>u <strong>um</strong>a<br />

gorjeta generosa: “Vorochílov estava<br />

vestido com muita elegância, até<br />

mesmo com <strong>um</strong> certo refinamento,<br />

mas os olhos experientes da<br />

parisiense <strong>de</strong>tectaram logo nos seus<br />

mo<strong>dos</strong>, no seu ar, na própria<br />

maneira <strong>de</strong> andar, <strong>que</strong> trazia<br />

vestígios <strong>de</strong> <strong>um</strong> treino militar <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

novo, a ausência <strong>de</strong> <strong>um</strong> ‘chic’<br />

autêntico, puro sangue.”<br />

A atmosfera em <strong>que</strong> “F<strong>um</strong>o” irá<br />

mergulhar é a da aristocracia russa.<br />

E os seus encantos estão <strong>de</strong>stina<strong>dos</strong><br />

a excluir o protagonista Litvínov<br />

(educado na Europa Central, filho <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> gran<strong>de</strong> proprietário, mas sem<br />

título <strong>de</strong> nobreza), como se adivinha<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início: “<strong>um</strong>a gargalhada<br />

geral chegou até aos seus ouvi<strong>dos</strong>.<br />

Não estavam a rir-se <strong>de</strong>le, mas do há<br />

muito aguardado Monsieur Verdier,<br />

<strong>que</strong> surgira subitamente na<br />

esplanada com <strong>um</strong> chapéu tirolês,<br />

<strong>um</strong>a blusa azul e montado n<strong>um</strong><br />

burro; mas o sangue subiu às faces<br />

<strong>de</strong> Litvínov, <strong>que</strong> se sentiu amargo<br />

(…) ‘Gente vulgar, <strong>de</strong>sprezível!’,<br />

murmurou.”<br />

Litvínov foi noivo da bela Irina (as<br />

páginas mais inspiradas do livro<br />

acontecem quando estão juntos) e<br />

foi abandonado por ela <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

Irina triunfar como <strong>de</strong>butante n<strong>um</strong><br />

baile a <strong>que</strong> só foi por insistência sua.<br />

O reencontro <strong>de</strong> ambos em Ba<strong>de</strong>n<br />

vem revelar a fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Litvínov.<br />

Quanto a Irina, o seu futuro<br />

estava esboçado antes <strong>de</strong><br />

conhecê-lo:<br />

“Era <strong>um</strong>a rapariga alta,<br />

bem constituída, com o<br />

peito <strong>um</strong> pouco chato e<br />

os ombros estreitos da<br />

juventu<strong>de</strong>, com a pele<br />

muito branca, raro<br />

na sua ida<strong>de</strong>, pura<br />

e suave como<br />

porcelana, com <strong>um</strong>a<br />

farta cabeleira loira,<br />

on<strong>de</strong> havia tufos escuros<br />

alternando com outros<br />

mais claros. As suas feições,<br />

refinadas, quase<br />

irrepreensivelmente<br />

regulares, não tinham<br />

ainda perdido<br />

completaescrever<br />

o livro <strong>que</strong> ambicionava e<br />

<strong>que</strong> iria or<strong>de</strong>nar a sua vida,<br />

incluindo o casamento. Por isso,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> visitar o cemitério <strong>de</strong><br />

Kishinev, diz: “Uma parte da minha<br />

vida acabou ali, entre a<strong>que</strong>les<br />

túmulos vazios; foi então <strong>que</strong><br />

comecei o meu luto.” O túmulo<br />

vazio é ao mesmo tempo sinal <strong>de</strong><br />

ressurreição e <strong>de</strong> perda.<br />

Como f<strong>um</strong>ar<br />

o encanto<br />

Se fosse <strong>um</strong> filme diríamos<br />

<strong>que</strong> “F<strong>um</strong>o” é <strong>um</strong>a produção<br />

<strong>de</strong> baixo orçamento, <strong>que</strong> aos<br />

<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> prefere os pe<strong>que</strong>nos<br />

gestos. Rui Catalão<br />

F<strong>um</strong>o<br />

Ivan Turguénev<br />

(trad. Manuel <strong>de</strong> Seabra)<br />

Relógio d’Água<br />

mmmmn<br />

No seu “ranking”<br />

pessoal <strong>dos</strong><br />

<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> escritores<br />

russos, Vladimir<br />

Nabokov, o<br />

professor, colocava<br />

Tolstói em<br />

primeiro lugar,<br />

Gógol em segundo,<br />

Tchékov em terceiro, e em quarto, já<br />

fora das medalhas, Ivan Turguénev<br />

(1818-1883). Mais lembrado por “Pais<br />

e Filhos” e “O Primeiro Amor”,<br />

“F<strong>um</strong>o” (1867) foi escrito quando<br />

Turgénev vivia entre Paris e Ba<strong>de</strong>n-<br />

Ba<strong>de</strong>n. É nesta cida<strong>de</strong> (<strong>que</strong><br />

Dostoievski disfarçou <strong>de</strong><br />

Roletemburgo em “O Jogador”) em<br />

<strong>que</strong> ocorre o dilema <strong>de</strong> Litvínov,<br />

dividido entre o <strong>de</strong>ver amoroso para<br />

com a sua noiva e a tentação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

paixão antiga.<br />

Em comparação com “Anna<br />

Karenina” (1877) o lugar <strong>de</strong> “F<strong>um</strong>o”<br />

na história da literatura russa do<br />

século XIX é periférico, e assemelhase<br />

em muito ao<br />

lugar <strong>que</strong> Tatiana<br />

ocupa no<br />

coração do<br />

protagonista


Livros<br />

Feira<br />

A cantora e actriz Barbra<br />

Streisand é <strong>um</strong>a das<br />

convidadas da Book<br />

Expo America (<strong>de</strong> 25 a<br />

27 <strong>de</strong> Maio no Jacob K.<br />

Javits Center, em Nova<br />

Ior<strong>que</strong>). Streisand falará<br />

do seu primeiro livro,<br />

“My Passion for Design”,<br />

<strong>que</strong> mostra “outro<br />

aspecto do seu talento”:<br />

o gosto e o estilo <strong>que</strong><br />

inspiraram a arquitectura<br />

e a <strong>de</strong>coração das suas<br />

casas. Outros convida<strong>dos</strong>:<br />

Cory Doctorow, Sarah<br />

Ferguson, William<br />

Gibson, John Grisham,<br />

Sara Gruen e Christopher<br />

Hitchens<br />

mente a<strong>que</strong>la expressão <strong>de</strong><br />

ingenuida<strong>de</strong> natural no início da<br />

juventu<strong>de</strong>; mas na curva lânguida do<br />

seu belo pescoço, no seu sorriso,<br />

distraído ou indiferente, via-se a<br />

jovem aristocrata temperamental, e<br />

nas próprias curvas da<strong>que</strong>les lábios<br />

finos, n<strong>um</strong> imperceptível sorriso e<br />

na<strong>que</strong>le nariz pe<strong>que</strong>no, fino e <strong>um</strong><br />

pouco aquilino havia algo obstinado<br />

e apaixonado, algo perigoso para os<br />

outros e para ela própria (…) Uma<br />

das professoras disse-lhe <strong>que</strong> o seu<br />

temperamento a havia <strong>de</strong> arruinar<br />

– ‘vos passions vous perdront’, mas<br />

outra acusou-a <strong>de</strong> ser fria e<br />

insensível e chamou-lhe ‘une jeune<br />

fille sans coeur’. As colegas<br />

achavam-na orgulhosa e reservada,<br />

os irmãos e irmãs tinham-lhe medo,<br />

a mãe não confiava nela e o pai<br />

sentia-se pouco à vonta<strong>de</strong> quando<br />

ela o fitava com os seus olhos<br />

misteriosos; mas inspirava, tanto ao<br />

pai como à mãe, <strong>um</strong> involuntário<br />

respeito, não pela força do seu<br />

carácter, mas pelas esperanças vagas<br />

e muito peculiares <strong>que</strong> acordava<br />

neles, sabe-se lá porquê.”<br />

A arte <strong>de</strong> Turguénev revela-se na<br />

sua força maior quando a narrativa é<br />

suspensa para as personagens serem<br />

retratadas. Os acontecimentos vêm<br />

inscrever no espaço-tempo algo <strong>que</strong><br />

já ficou <strong>de</strong>scrito no retrato. Ou seja,<br />

a história é apenas <strong>um</strong>a<br />

consequência <strong>de</strong> <strong>um</strong> cho<strong>que</strong> entre<br />

personalida<strong>de</strong>s. O autor parece<br />

sublinhar isso n<strong>um</strong>a transição entre<br />

dois capítulos (XVI-XVII): no<br />

momento mais dramático, em <strong>que</strong> o<br />

futuro <strong>de</strong> ambos está em jogo,<br />

Litvínov <strong>de</strong>ixa a amante Irina<br />

afundada n<strong>um</strong>a ca<strong>de</strong>ira com as mãos<br />

a cobrirem o rosto. Quando regressa<br />

horas <strong>de</strong>pois, Irina ainda se<br />

encontra na mesma posição. E no<br />

entanto, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>le não vale <strong>de</strong><br />

nada: Irina, sem se mexer, irá<br />

<strong>de</strong>struir to<strong>dos</strong> os seus planos <strong>de</strong> vida<br />

com <strong>um</strong>a frase oca, mas cheia <strong>de</strong><br />

ressonância: “Por<strong>que</strong> eu amo-o”.<br />

É na dramatização <strong>de</strong> quadros<br />

fixos <strong>que</strong> Turguénev põe em<br />

relevo a vida das personagens:<br />

a tensão a<strong>um</strong>enta por via da<br />

sua consciência, sem <strong>que</strong> a<br />

acção se torne necessária.<br />

Dois exemplos: o sorriso “fixo<br />

e <strong>de</strong>sagradável” <strong>de</strong> Litvínov<br />

para a noiva Tatiana, acabada<br />

<strong>de</strong> chegar a Ba<strong>de</strong>n, quando<br />

<strong>de</strong>clara <strong>que</strong> tem <strong>de</strong> ausentar-se<br />

(para se encontrar com a<br />

amante) sabendo <strong>que</strong> a noiva<br />

espera ficar a sós com ele<br />

na<strong>que</strong>le exacto<br />

momento; mais à<br />

frente “estava<br />

sentado<br />

ao<br />

lado da noiva, e a poucos<br />

centímetros <strong>de</strong>la, no bolso do lado,<br />

estava o lenço <strong>de</strong> Irina”.<br />

Se fosse <strong>um</strong> filme diríamos <strong>que</strong><br />

“F<strong>um</strong>o” é <strong>um</strong>a produção <strong>de</strong> baixo<br />

orçamento, <strong>que</strong> aos <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> prefere<br />

os pe<strong>que</strong>nos gestos e, às cenas <strong>de</strong><br />

acção, a <strong>de</strong>mora. Aliás, o autor<br />

parece só ter dois interesses:<br />

parodiar os “<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> temas” <strong>que</strong><br />

obcecavam a socieda<strong>de</strong> russa e<br />

concentrar-se nos pormenores<br />

terrenos em <strong>que</strong> a vida interior das<br />

personagens vem à superfície.<br />

Para <strong>que</strong>m <strong>de</strong>sconhece o original<br />

em russo, a tradução <strong>de</strong> Manuel <strong>de</strong><br />

Seabra parece clara. Só não entendi<br />

o <strong>que</strong> é “<strong>um</strong> bom homem, da<br />

varieda<strong>de</strong> vazia” (p. 15); nem os<br />

“cabelos negros no lábio superior”<br />

(p. 21) <strong>de</strong> <strong>um</strong>a senhora <strong>que</strong><br />

felizmente ficou incógnita, ou teria<br />

ficado muito zangada por não lhe ter<br />

sido aparado o buço.<br />

Manuel<br />

o herói<br />

A ironia está excluída, tratase<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a epopeia. Maria<br />

Conceição Caleiro<br />

O Miúdo Que Pregava Pregos<br />

N<strong>um</strong>a Tábua<br />

Manuel Alegre<br />

Dom Quixote, 12 €<br />

a<br />

O Miúdo Que Pregava Pregos N<strong>um</strong>a Tábua”:<br />

o triunfo do ornamento pelo ornamento<br />

Se Manuel Alegre não tivesse a<br />

exposição pública <strong>que</strong> tem, se fosse<br />

<strong>um</strong> cidadão qual<strong>que</strong>r a fazer <strong>um</strong>a<br />

figura triste n<strong>um</strong> concurso<br />

televisivo, ficaria apenas<br />

incomodada e até<br />

h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>mente<br />

condoída. Não é o<br />

caso. Acaba <strong>de</strong><br />

editar “O Miúdo<br />

Que Pregava Pregos<br />

N<strong>um</strong>a Tábua”.<br />

Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

caricatura,<br />

emblema, aliás, <strong>de</strong> toda a sua poesia,<br />

isto é, triunfo do ornamento pelo<br />

ornamento com <strong>um</strong>a função apenas<br />

<strong>de</strong>corativa (e vazia). Isso dá também<br />

o primeiro embalo à recensão ou, se<br />

quiserem, ao serpentear a teoria e<br />

prática literárias do autor, assim<br />

como o “ethos” da obra <strong>que</strong> julgo ser<br />

sempre gabarola, hiperbólica e<br />

nacionalista, heróica qual epopeia<br />

em <strong>de</strong>vir.<br />

O “Miúdo...” oferece-se como<br />

novela sobre memórias escolhidas,<br />

apresentadas em ziguezague,<br />

entrelaçando a infância e a<br />

maturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém, cruzando<br />

tempos e espaços. Esse alguém é <strong>um</strong><br />

miúdo. Novela na terceira pessoa –<br />

ele, “o miúdo <strong>que</strong>”: <strong>que</strong> pregava<br />

pregos; <strong>que</strong> não gostava <strong>de</strong> mangas<br />

curtas; <strong>que</strong> engoliu os comprimi<strong>dos</strong><br />

do avô; <strong>que</strong> contava as sílabas, <strong>que</strong><br />

<strong>que</strong>ria continuar ‘Os Lusíadas’, etc...<br />

I<strong>de</strong>ntificamo-lo facilmente com o<br />

autor por razões referenciais <strong>que</strong><br />

não nascem da natureza nem<br />

necessida<strong>de</strong> intrínseca do textual,<br />

mas sim do (re)conhecimento <strong>que</strong> o<br />

leitor possa ter da biografia<br />

sublinhada do autor (Coimbra,<br />

Águeda, o futebol, a caça, os toiros,<br />

a resistência política, a guerra<br />

colonial, o exílio, o Prémio Pessoa, a<br />

enfermida<strong>de</strong> cardíaca <strong>que</strong> haveria<br />

<strong>de</strong> superar escrevendo aqui <strong>que</strong><br />

antes, “enquanto o preparavam para<br />

a angioplastia e a dilatação da artéria<br />

blo<strong>que</strong>ada, ele pe<strong>de</strong> com insistência:<br />

‘Deixem-me acabar o livro’. Os<br />

médicos ficaram espanta<strong>dos</strong>. – Já<br />

ouvi gritar pela mãe, mas por<br />

<strong>um</strong><br />

livro é a primeira vez”). Autor<br />

<strong>que</strong><br />

dobra o narrador, <strong>que</strong> por seu<br />

turno<br />

gradualmente se fun<strong>de</strong> no “miúdo<br />

<strong>que</strong>” e <strong>que</strong> a<strong>que</strong>le – o autor – amiú<strong>de</strong><br />

insiste ser o “ele” ou retoricamente<br />

pergunta se não será ele. Mas<br />

então<br />

não teria sido necessário simular<br />

<strong>um</strong>a história <strong>de</strong>sajeitada <strong>que</strong><br />

não se<br />

sustenta na terceira pessoa.<br />

Procedimento cujo grau <strong>de</strong><br />

literalida<strong>de</strong> (a ironia está excluída,<br />

trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a epopeia), singeleza e<br />

transparência máximas torna<br />

o<br />

sabor falso e pueril, trazendo à tona<br />

o próprio dispositivo e não aquilo<br />

<strong>que</strong> nele se <strong>que</strong>r conter.<br />

Este livro é a recta final para herói<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a mesma voz <strong>que</strong><br />

<strong>de</strong>tona o tempo todo.<br />

Apoteose até no<br />

campo da<br />

natação, no<br />

campeonato<br />

nacional, na<br />

Piscina da<br />

Praia das<br />

Maçãs.<br />

Apesar da<br />

pleurisia e <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r treinar no<br />

Inverno como os <strong>de</strong> Lisboa no Algés<br />

e Dafundo, “continua em primeiro<br />

aos cento e cin<strong>que</strong>nta metros (...) as<br />

pernas já não obe<strong>de</strong>cem, mas <strong>de</strong>sta<br />

vez o miúdo a <strong>que</strong>m o pai ensinou a<br />

não ter medo do mar não sente o<br />

peso (...) acelera o ritmo das<br />

braçadas, é quase como contar as<br />

sílabas pelos <strong>de</strong><strong>dos</strong>”. Ainda <strong>um</strong><br />

“flashback” quase final <strong>de</strong> sua mãe<br />

criança, fantasma reverberando<br />

nele: “Quero ir contigo <strong>de</strong> mãos<br />

dadas visitar o Presi<strong>de</strong>nte António<br />

José <strong>de</strong> Almeida como fazíamos<br />

quando eu era pe<strong>que</strong>nina (...). O<br />

miúdo <strong>que</strong> pregava pregos sente <strong>que</strong><br />

o mundo, as sílabas e os ritmos estão<br />

<strong>de</strong>sorganiza<strong>dos</strong> (...). E acontece<br />

outro fenómeno: o miúdo <strong>que</strong> há<br />

muitos anos riscou a ‘O<strong>de</strong> Marítima’<br />

no exemplar <strong>de</strong> ‘Orfeu’ começa a ler<br />

Dante no original. Nunca estudou<br />

italiano, nunca leu senão traduções<br />

do autor <strong>de</strong> ‘Vita Nuova’. De<br />

repente, vá lá saber-se por <strong>que</strong><br />

milagre, lê, compreen<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certo<br />

modo conversa com Dante,<br />

escrevendo quatro ou cinco sonetos<br />

por dia. (...)<br />

Como é <strong>que</strong> consegues? –<br />

pergunta-lhe a mulher.<br />

– Está muita gente a escrever<br />

comigo”.<br />

O “<strong>de</strong> repente”, a “paulada” ou<br />

“pancada da literatura no ser”, “a<br />

batida da poesia com força”, o<br />

milagre <strong>que</strong> se dá (sei lá!), e revela<br />

<strong>um</strong> dom adormecido, são i<strong>de</strong>ias<br />

reiteradas, i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> criação, ou <strong>de</strong><br />

superação, em qual<strong>que</strong>r domínio.<br />

São concepções a usar com<br />

mo<strong>de</strong>ração, po<strong>de</strong>m ser perigosas,<br />

po<strong>de</strong>m impor-se como totalitárias,<br />

por<strong>que</strong> da or<strong>de</strong>m do mistério, do<br />

divino, tornando-se por natureza<br />

in<strong>que</strong>stionáveis.<br />

Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> apontar<br />

alguns riscos da concepção <strong>de</strong><br />

poesia <strong>de</strong> Manuel Alegre e da<br />

primazia quase absoluta da<br />

musicalida<strong>de</strong>, do ritmo e rima, sobre<br />

a necessida<strong>de</strong> e o sentido; ao mesmo<br />

tempo, transporta para a prosa<br />

hábitos e prosódias próprias da<br />

poesia, o <strong>que</strong> não engendra<br />

necessariamente <strong>um</strong>a prosa poética,<br />

mas por vezes <strong>um</strong> “non-sense”<br />

musical: “tenho vinte e seis anos (...)<br />

não sei se o rosto será o mesmo,<br />

nem o rosto nem o resto. As balas<br />

assobiam, batem na chapa das<br />

viaturas, haverá sempre <strong>um</strong>a bala a<br />

assobiar, na prosa e no verso, na<br />

escrita e na vida...”; “como explicar<br />

<strong>que</strong> o miúdo conte pelos <strong>de</strong><strong>dos</strong> as<br />

badaladas <strong>dos</strong> sinos <strong>de</strong> Águeda? (...)<br />

cada <strong>um</strong> com seu tom, cada <strong>um</strong> com<br />

seu ritmo (...) O júbilo, a dolência, o<br />

luto. E o alarido, o alarme e o alarme<br />

<strong>dos</strong> sinos a tocar a fogo”; <strong>um</strong> último<br />

exemplo: “‘Lá vão elas! As caravelas’<br />

(...) são os primeiros versos <strong>que</strong> o<br />

miúdo, suponho <strong>que</strong> eu próprio,<br />

apren<strong>de</strong>u <strong>de</strong> cor. Ficarão sempre<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim (...) E das naus <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a estrofe <strong>de</strong> ‘Os Lusíadas’ e, aliás,<br />

estão sempre a passar, ainda agora<br />

estou a vê-las, da varanda on<strong>de</strong><br />

escrevo, olhando o mar, na Foz do<br />

Arelho. São elas as caravelas. Lá vão<br />

elas. Se calhar em to<strong>dos</strong> os poemas”.<br />

A escrita <strong>de</strong> Alegre parece<br />

cimentar o texto n<strong>um</strong> vasto e vazio<br />

Império da Aliteração e Assonância,<br />

isto é, n<strong>um</strong> musical pesado <strong>de</strong> sons<br />

consoânticos e vocálicos (aqui em<br />

“v” e “a”). Império cujos pilares<br />

marítimos se sedimentam em<br />

Camões (épico) e na sombra da<br />

Nação <strong>que</strong> outrora galgou o mar<br />

<strong>de</strong>sperta<strong>dos</strong> pelo miúdo <strong>que</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

cedo quis “continuar ‘Os Lusíadas’”.<br />

Garantindo o nosso autor ser este o<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> qual<strong>que</strong>r poeta português.<br />

Filosofia<br />

Foucault,<br />

mais actual<br />

do <strong>que</strong> nunca<br />

Tradução portuguesa <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>dos</strong> cursos lecciona<strong>dos</strong><br />

por Foucault no Collège <strong>de</strong><br />

France. António Fernando<br />

Cascais<br />

O Nascimento da Biopolítica<br />

Michel Foucault<br />

(trad. <strong>de</strong> Pedro Elói Duarte)<br />

Edições 70<br />

mmmmn<br />

“Nascimento da<br />

Biopolítica” é o<br />

título <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />

cursos lecciona<strong>dos</strong><br />

por Michel<br />

Foucault no<br />

Collège <strong>de</strong> France,<br />

<strong>de</strong> 1971 até à morte<br />

em 1984, na sua<br />

cátedra <strong>de</strong> História <strong>dos</strong> Sistemas <strong>de</strong><br />

Pensamento. De <strong>um</strong> total <strong>de</strong> 13<br />

cursos, oito encontram-se já<br />

publica<strong>dos</strong> em França, sob a<br />

direcção <strong>de</strong> François Ewald e<br />

Alessandro Fontana, <strong>que</strong> com ele<br />

trabalharam. A sequência da<br />

publicação não segue a or<strong>de</strong>m<br />

cronológica <strong>dos</strong> cursos, <strong>que</strong><br />

ficaram inéditos até 1997, data <strong>de</strong><br />

início do imenso trabalho <strong>de</strong><br />

transcrição e estabelecimento <strong>dos</strong><br />

textos, a partir das gravações áudio<br />

originais. Tanto explica as marcas<br />

<strong>de</strong> coloquialida<strong>de</strong> omnipresentes<br />

ao longo <strong>de</strong>les e <strong>que</strong> a tradução<br />

portuguesa elegantemente<br />

reproduz.<br />

A <strong>de</strong>speito do título, “Nascimento<br />

da Biopolítica” é o menos<br />

“biopolítico” <strong>dos</strong> textos <strong>de</strong> Foucault<br />

sobre este tema, <strong>que</strong> ele aqui apenas<br />

aflora <strong>de</strong> maneira lateral.<br />

Respeitante ao ano lectivo <strong>de</strong> 1978-<br />

1979, este curso suce<strong>de</strong> a<br />

“Segurança, Território, População”


aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

O pensamento <strong>de</strong> Foucault é mais actual do <strong>que</strong><br />

nunca e tudo o <strong>que</strong> tem <strong>de</strong>corrido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu<br />

<strong>de</strong>saparecimento permite-nos compreendê-lo<br />

porventura melhor do <strong>que</strong> ele o foi no seu tempo<br />

(<strong>de</strong> 1977-1978) e a “É Preciso<br />

Defen<strong>de</strong>r a Socieda<strong>de</strong>” (<strong>de</strong> 1976),<br />

eles, sim, bem mais importantes<br />

para o estudo da biopolítica, cujo<br />

livro <strong>de</strong> referência é “A Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Saber” (1976), primeiro vol<strong>um</strong>e da<br />

“História da Sexualida<strong>de</strong>”. Foucault<br />

já utilizava o termo <strong>de</strong> biopolítica<br />

pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1974, mas é em “A<br />

Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saber” <strong>que</strong> lhe fixa o<br />

sentido, juntamente com os termos<br />

solidários <strong>de</strong> “bio-história” e<br />

“biopo<strong>de</strong>r”. Os três confluem para<br />

<strong>de</strong>finir o limiar <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

biológica <strong>que</strong> a socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal<br />

transpôs a partir do momento em<br />

<strong>que</strong> o homem, enquanto espécie,<br />

passou a estar em jogo nas suas<br />

próprias estratégias políticas, <strong>de</strong> tal<br />

maneira <strong>que</strong> o homem mo<strong>de</strong>rno é<br />

<strong>um</strong> animal na política do qual a sua<br />

vida <strong>de</strong> ser vivo está em causa. A<br />

importância política ass<strong>um</strong>ida pela<br />

sexualida<strong>de</strong> neste contexto torna-se<br />

clara quando se sabe <strong>que</strong>, para a<br />

medicina do século XIX, o sexo é<br />

simultaneamente aquilo <strong>que</strong> permite<br />

o acesso à vida do corpo e à vida da<br />

espécie. Na relação consigo próprio,<br />

mediada pela sexualida<strong>de</strong> <strong>que</strong><br />

transmite hereditariamente (tanto as<br />

boas como as más) características<br />

familiares e raciais, o indivíduo é<br />

assim colocado em posição <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> biológica<br />

relativamente à espécie.<br />

Substituindo-se à religião, o<br />

mo<strong>de</strong>rno Estado-nação não po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ixar <strong>que</strong> cada <strong>um</strong> fi<strong>que</strong><br />

simplesmente entregue a si próprio<br />

na sua relação consigo mesmo e com<br />

os outros e <strong>que</strong> o estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

individual e colectivo fi<strong>que</strong> sujeito<br />

ao alvedrio <strong>de</strong>sregulado <strong>de</strong> cada<br />

cidadão. Daí o projecto biopolítico<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a gestão estatal da<br />

nupcialida<strong>de</strong>, da natalida<strong>de</strong>, da<br />

morbilida<strong>de</strong> e da sobrevivência <strong>que</strong><br />

tanto englobou a medicina das<br />

perversões, <strong>de</strong> <strong>que</strong> a<br />

homossexualida<strong>de</strong> haveria <strong>de</strong><br />

constituir o mo<strong>de</strong>lo, como os<br />

programas <strong>de</strong> controlo eugénico da<br />

população, por mor da boa saú<strong>de</strong> da<br />

<strong>de</strong>scendência, como inclusivamente<br />

do seu apuramento biológico. O<br />

darwinismo social encarregou-se da<br />

sua difusão generalizada, <strong>de</strong> tal<br />

maneira <strong>que</strong> o Estado “biologisch”<br />

nazi não precisou <strong>de</strong> muito para<br />

transformar na sua própria higiene<br />

racial as políticas <strong>de</strong> higiene social já<br />

antes postas em marcha nos regimes<br />

<strong>de</strong>mocráticos, <strong>dos</strong> países<br />

escandinavos a alguns esta<strong>dos</strong> norteamericanos.<br />

Por isso se po<strong>de</strong> dizer<br />

<strong>que</strong> há <strong>um</strong> antes e <strong>um</strong> <strong>de</strong>pois da<br />

biopolítica foucauldiana no <strong>que</strong> toca<br />

à abordagem do totalitarismo<br />

mo<strong>de</strong>rno e do holocausto nazi em<br />

particular. A biopolítica, <strong>que</strong> se<br />

ocupou da matéria-prima h<strong>um</strong>ana<br />

<strong>que</strong> há <strong>que</strong> fazer crescer e<br />

multiplicar, ac<strong>um</strong>ular, tornar<br />

in<strong>de</strong>finidamente disponível e<br />

mobilizar, constitui <strong>um</strong>a dimensão<br />

inextricável do processo mais geral<br />

<strong>de</strong> arrancada económica, técnica e<br />

científica do Oci<strong>de</strong>nte na<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Ora, no preciso<br />

momento em <strong>que</strong> a teorização da<br />

biopolítica mo<strong>de</strong>rna se consolida,<br />

Foucault dá sinais <strong>de</strong> <strong>que</strong>rer<br />

encaminhar a pesquisa sobre ela<br />

para os campos claramente<br />

<strong>de</strong>limita<strong>dos</strong> da “economia política”,<br />

<strong>que</strong> incluía a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber sobre<br />

a carne e o corpo, a socialização <strong>dos</strong><br />

comportamentos procriadores do<br />

casal, a pedagogização da<br />

sexualida<strong>de</strong> infantil, a<br />

psiquiatrização do prazer perverso,<br />

a histerização do corpo da mulher, o<br />

governo da população e das raças,<br />

em outros tantos vol<strong>um</strong>es do<br />

anunciado projecto da “História da<br />

Sexualida<strong>de</strong>”. Tal não aconteceu.<br />

Foucault apercebe-se claramente<br />

<strong>que</strong> o governo, ou a “arte <strong>de</strong><br />

governar” em <strong>que</strong> se <strong>de</strong>sdobra a<br />

biopolítica mo<strong>de</strong>rna, exige <strong>um</strong><br />

estudo sobre a governamentalida<strong>de</strong>.<br />

É da governamentalida<strong>de</strong> <strong>que</strong> trata<br />

“Nascimento da Biopolítica”.<br />

Foucault avisa no final da primeira<br />

lição <strong>que</strong> a análise da biopolítica só<br />

se po<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se<br />

compreen<strong>de</strong>r o regime geral <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

razão governamental inteiramente<br />

referida à <strong>que</strong>stão da verda<strong>de</strong>, o <strong>que</strong><br />

acontece com o liberalismo<br />

económico mo<strong>de</strong>rno. “Nascimento<br />

da Biopolítica” <strong>de</strong>senvolve-se assim<br />

como <strong>um</strong>a digressão, tão minuciosa<br />

e informada quanto árida (inclusive<br />

para os inicia<strong>dos</strong>), sobre o mercado,<br />

no liberalismo económico, como<br />

governamentalida<strong>de</strong> integral, ou<br />

seja, como algo <strong>que</strong>, para além <strong>de</strong><br />

princípio organizador da vida<br />

económica, é instância <strong>de</strong> veridicção<br />

para a prática governamental, aquilo<br />

<strong>que</strong> po<strong>de</strong> dar <strong>um</strong>a resposta<br />

verda<strong>de</strong>ira à <strong>que</strong>stão <strong>de</strong> saber “o <strong>que</strong><br />

é governar?” Acontece <strong>que</strong>,<br />

intimidada com as consequências<br />

inesperadas da mobilização geral<br />

<strong>de</strong> matéria-prima natural e<br />

h<strong>um</strong>ana, a arte liberal <strong>de</strong> governar<br />

passa a aplicar à gestão estatal da<br />

economia o tipo <strong>de</strong> racionalida<strong>de</strong><br />

tecnocientífica tida por válida no<br />

interior da natureza, daí<br />

resultando <strong>um</strong>a “darwinização”<br />

global da vida económica e social.<br />

Assim se explica, em “Nascimento<br />

da Biopolítica”, a génese do<br />

nazismo no seio da história do<br />

capitalismo e da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> em<br />

geral.<br />

O pensamento <strong>de</strong> Foucault é mais<br />

actual do <strong>que</strong> nunca e tudo o <strong>que</strong><br />

tem <strong>de</strong>corrido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu<br />

<strong>de</strong>saparecimento permite-nos<br />

compreendê-lo porventura melhor<br />

do <strong>que</strong> ele o foi no seu tempo. Nem<br />

por isso “Nascimento da<br />

Biopolítica”, e a <strong>de</strong>speito do<br />

indiscutível mérito intrínseco da sua<br />

publicação, constitui a mais<br />

coerente introdução ao conjunto <strong>dos</strong><br />

cursos <strong>de</strong> Collège <strong>de</strong> France, <strong>que</strong><br />

agora, mais do <strong>que</strong> antes, se impõe<br />

editar em português.<br />

silva!<strong>de</strong>signers<br />

apoio<br />

organização<br />

JORGE SALAVISA DIRECTOR ARTÍSTICO SLTM<br />

SÃO LUIZ /ABR~1O<br />

8ª FESTA<br />

DO JAZZ DO<br />

SAO LUIZ<br />

A FESTA DO JAZZ<br />

PORTUGUÊS<br />

16, 17, 18 ABR<br />

SEXTA, SÁBADO<br />

E DOMINGO<br />

SALA PRINCIPAL<br />

JARDIM DE INVERNO<br />

TEATRO-ESTÚDIO MÁRIO VIEGAS<br />

SPOT SÃO LUIZ<br />

DIRECÇÃO ARTÍSTICA:<br />

CARLOS MARTINS<br />

PRODUÇÃO EXECUTIVA:<br />

LUÍS HILÁRIO<br />

ORGANIZAÇÃO:<br />

SLTM / SONS DA LUSOFONIA<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

M/3<br />

“É simplesmente<br />

impossível <strong>de</strong>sistir.<br />

A energia positiva <strong>que</strong><br />

se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>dos</strong><br />

e <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> é a Festa<br />

do Jazz do São Luiz.<br />

É impressionante como<br />

nos po<strong>de</strong>mos surpreen<strong>de</strong>r<br />

após oito anos.”<br />

Carlos Martins, Director Artístico da Festa do Jazz<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

T: 213 257 650<br />

BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 39


Livros<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Isabel<br />

Coutinho<br />

Ciberescritas<br />

Mesmo para os mais<br />

cépticos, <strong>um</strong>a coisa<br />

é certa: <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> amanhã nada<br />

ficará como antes<br />

iPad<br />

http://www.<br />

apple.com/pt/<br />

Revista Wired<br />

http://www.<br />

wired.com/<br />

Na ponta <strong>dos</strong> <strong>de</strong><strong>dos</strong><br />

É<br />

amanhã, 3 <strong>de</strong> Abril, <strong>que</strong> chega às lojas<br />

americanas o iPad, o tablet da Apple, <strong>que</strong><br />

servirá para ler livros, jornais e revistas, jogar,<br />

ouvir música, ver ví<strong>de</strong>os, navegar na Internet,<br />

brincar com fotografias e milhentas outras<br />

coisas <strong>de</strong> <strong>que</strong> me estou a es<strong>que</strong>cer. Por enquanto o<br />

aparelho, <strong>que</strong> tem <strong>um</strong> ecrã táctil e é <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

iPhone gigante mas não serve para telefonar, não estará à<br />

venda em Portugal. Lá virá o tempo.<br />

Tal como é cost<strong>um</strong>e acontecer quando é lançado <strong>um</strong><br />

“gadget” <strong>de</strong>ste calibre, <strong>que</strong> se imagina vir a mudar os<br />

hábitos <strong>de</strong> muitas pessoas em todo o mundo (foi assim<br />

no caso do iPhone e do Kindle), começa o “sururu”<br />

nos média. Lembram-se <strong>de</strong> Nicholas Negroponte, o<br />

cientista do Media Lab, do Instituto <strong>de</strong> Tecnologia do<br />

Massachusetts? Pois Negroponte, <strong>que</strong> há uns anos publicou<br />

o livro “Ser Digital” (ed. Caminho), reapareceu na última<br />

edição da revista “Wired”, on<strong>de</strong> durante anos escreveu<br />

<strong>um</strong>a coluna <strong>de</strong> opinião. É <strong>um</strong>a das 13 personalida<strong>de</strong>s a<br />

<strong>que</strong>m a revista perguntou sobre os Tablet.<br />

O fundador da associação One Laptop per Child (<strong>um</strong><br />

computador por criança) surpreen<strong>de</strong> o leitor ao afirmar<br />

logo na primeira frase: “Quando se fala <strong>de</strong> ebooks,<br />

nunca se realça a gran<strong>de</strong> vantagem <strong>que</strong> é serem li<strong>dos</strong> na<br />

cama. As páginas <strong>dos</strong> livros impressos não <strong>de</strong>saparecem<br />

ou reaparecem, temos <strong>que</strong> as folhear, o <strong>que</strong> é bastante<br />

estúpido e nem sempre é fácil quando estamos na cama,<br />

<strong>de</strong>ita<strong>dos</strong> <strong>de</strong> lado. Por isso, porquê os tablets? A resposta<br />

é curta: só precisamos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mão para os usar. E isto<br />

não é válido só para quando estamos na cama. Alg<strong>um</strong>a<br />

vez imaginaram a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas <strong>que</strong> po<strong>de</strong> andar<br />

a olhar para a mão? Mensagens escritas estão a substituir<br />

a fala e os polegares estão a substituir os lábios.” E<br />

<strong>de</strong>pois, Negroponte explica <strong>que</strong> por enquanto somos<br />

obriga<strong>dos</strong> a estar senta<strong>dos</strong> para usar os computadores<br />

mas com os tablets isso<br />

vai mudar: vamos po<strong>de</strong>r<br />

utilizá-los em pé e não nos<br />

sentiremos <strong>de</strong>sconfortáveis.<br />

“São o novo livro, o novo<br />

jornal, a nova revista, o<br />

novo ecrã <strong>de</strong> televisão, e<br />

potencialmente o novo<br />

computador portátil. Alg<strong>um</strong>a<br />

coisa <strong>que</strong> transportamos – e,<br />

sim, <strong>que</strong> po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r”, afirma este especialista <strong>que</strong><br />

vê neles a resolução para o acesso aos livros por parte<br />

das crianças em al<strong>de</strong>ias remotas em África. Po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>que</strong> sim, <strong>que</strong> seja <strong>um</strong> visionário e <strong>que</strong> a versão tablet do<br />

computador XO, da One Laptop per Child, a ser lançado<br />

em 2012, seja a resolução para a falta <strong>de</strong> bibliotecas em<br />

lugares inóspitos.<br />

Como se já não nos bastasse o entusiasmo <strong>de</strong> Nicholas<br />

Negroponte, também o jornalista norte-americano<br />

Steven Levy, outro especialista nestes assuntos, parece<br />

eufórico. Escreveu também na “Wired” <strong>um</strong> artigo<br />

intitulado “Como o Tablet vai mudar o mundo” e fala no<br />

início <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo paradigma.<br />

Mesmo para os mais cépticos, <strong>um</strong>a coisa é certa:<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã nada ficará como antes. O<br />

computador portátil tal como o concebemos hoje, com<br />

pastas e ficheiros a <strong>que</strong> ace<strong>de</strong>mos com o cli<strong>que</strong> n<strong>um</strong><br />

rato, <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> fazer sentido. Os nossos <strong>de</strong><strong>dos</strong> vão<br />

<strong>de</strong>slizar e batucar em ecrãs tácteis, oh yeah, e vamos<br />

<strong>de</strong>scobrir <strong>um</strong> admirável mundo novo na ponta <strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong><strong>dos</strong>.<br />

isabel.coutinho@publico.pt<br />

(Ciberescritas já é <strong>um</strong> blogue http://blogs.publico.pt/<br />

ciberescritas)<br />

Biografia<br />

O professor<br />

<strong>de</strong> Siracusa<br />

Operação da Pi<strong>de</strong> ou<br />

do KGB, o assassinato<br />

<strong>de</strong> Mondlane entregou<br />

a Frelimo ao marxismoleninismo.<br />

Eduardo Pitta<br />

Eduardo Mondlane. Um homem<br />

a abater<br />

José Manuel Duarte <strong>de</strong> Jesus<br />

Almedina<br />

mmmnn<br />

Nunca<br />

perceberemos o<br />

século XX<br />

português se<br />

fizermos <strong>de</strong> conta<br />

<strong>que</strong> as colónias<br />

ultramarinas não<br />

existiram. A<br />

emigração para os<br />

territórios <strong>de</strong> África, as<br />

consequências do Pacto Colonial,<br />

as leis do indigenato, a<br />

industrialização <strong>de</strong> Angola e<br />

Moçambi<strong>que</strong>, a oposição larvar à<br />

“Metrópole”, o clamor<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntista e, por fim (1961-75),<br />

a guerra, moldaram o país <strong>que</strong><br />

somos. Para o bem e para o mal, a<br />

nossa história passa pelo Ultramar.<br />

E, goste-se ou não <strong>de</strong>les, os lí<strong>de</strong>res<br />

<strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong> libertação são<br />

parte da narrativa portuguesa <strong>dos</strong><br />

últimos 50 anos.<br />

Por razões fúteis <strong>de</strong> explicar, o<br />

moçambicano Eduardo Mondlane,<br />

fundador e primeiro presi<strong>de</strong>nte da<br />

FRELIMO, tem sido <strong>um</strong> alvo<br />

privilegiado <strong>de</strong> rasura. Motivo<br />

acrescido para saudar a obra <strong>que</strong> o<br />

embaixador José Manuel Duarte <strong>de</strong><br />

Jesus lhe <strong>de</strong>dica: “Eduardo<br />

Mondlane. Um homem a abater”.<br />

Escrito no âmbito <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

investigação académica, o livro<br />

exce<strong>de</strong> o formato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a simples<br />

biografia. O autor analisa o contexto<br />

geopolítico <strong>dos</strong> anos 1960, em África,<br />

na Europa, na URSS e na China; os<br />

protagonistas das “in<strong>de</strong>pendências”<br />

(Ben Bella, Leopold Senghor,<br />

Kenneth Kaunda, Sekou Touré e<br />

outros); as tentativas <strong>de</strong> persuadir<br />

Salazar (em 1962); as relações <strong>de</strong><br />

Mondlane com a administração<br />

Kennedy; o papel da Fundação Ford;<br />

o Acordo entre Portugal e a África do<br />

Sul (em 1964); os anticorpos<br />

suscita<strong>dos</strong> por Mondlane; o papel da<br />

Pi<strong>de</strong> e <strong>de</strong> Jorge Jardim; o assassinato<br />

(em 1969); as acusações mútuas; etc.<br />

O autor efectuou <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />

entrevistas, tendo consultado<br />

arquivos portugueses (incluindo o da<br />

Pi<strong>de</strong>/DGS, bem como os <strong>de</strong> Salazar e<br />

Caetano), americanos (Departamento<br />

<strong>de</strong> Estado incluído), franceses,<br />

Eduardo Mondlane (à direita) com Samora Machel<br />

alemães (RFA e RDA), ingleses e<br />

chineses. Não foi es<strong>que</strong>cida a<br />

recensão da imprensa <strong>de</strong> inúmeros<br />

países europeus, africanos e<br />

americanos. Além <strong>de</strong> bibliografia, o<br />

vol<strong>um</strong>e colige vários apêndices:<br />

quadros cronológicos, índices<br />

onomásticos, listas <strong>de</strong> governantes e<br />

diplomatas, etc. A fechar, cin<strong>que</strong>nta<br />

páginas <strong>de</strong> iconografia e fac-similes<br />

<strong>de</strong> índole diversa: retratos, panfletos,<br />

recortes <strong>de</strong> jornal, correspondência,<br />

doc<strong>um</strong>entos oficiais. Nisto tudo, só<br />

não se percebe a razão <strong>de</strong> não ter<br />

sido traduzido o prefácio <strong>de</strong> Janet<br />

Rae Mondlane, nem vários extractos<br />

da imprensa estrangeira.<br />

Contrariamente a outros lí<strong>de</strong>res<br />

emancipalistas (como Agostinho<br />

Neto, Amílcar Cabral ou Samora<br />

Machel), Mondlane gozou <strong>de</strong><br />

efectivo prestígio fora <strong>dos</strong> círculos<br />

marxistas e <strong>dos</strong> países nãoalinha<strong>dos</strong>.<br />

Nos EUA foi sempre<br />

recebido ao mais alto nível no<br />

Departamento <strong>de</strong> Estado; na<br />

Europa, em particular na Suécia,<br />

Noruega, Dinamarca, Finlândia,<br />

Alemanha (RFA) e Países Baixos,<br />

recebia tratamento equivalente ao<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> chefe <strong>de</strong> governo. No Reino<br />

Unido fez conferências na London<br />

School of Economics, em Oxford e<br />

na Chatham House, o famoso<br />

instituto <strong>de</strong> relações internacionais.<br />

O nosso embaixador em Londres<br />

tentou impedir <strong>que</strong> assim fosse, mas<br />

o Foreign Office <strong>de</strong>ixou sem resposta<br />

os ofícios. A imprensa, mesmo a<br />

conservadora (o “Times”), tratava<br />

Mondlane como lí<strong>de</strong>r incontestado<br />

da oposição ao regime colonial.<br />

Filho <strong>de</strong> <strong>um</strong> régulo Tsonga <strong>de</strong><br />

língua banto, Eduardo Mondlane<br />

nasceu em Manjacaze a 20 <strong>de</strong> Junho<br />

<strong>de</strong> 1920. A mãe quis <strong>que</strong> estudasse<br />

“para melhor conhecer o feitiço <strong>dos</strong><br />

homens brancos e lutar contra ele”.<br />

Ele fez-lhe a vonta<strong>de</strong>: apren<strong>de</strong>u a ler<br />

e escrever na missão calvinista suíça<br />

<strong>de</strong> Manjacaze, passou por Lourenço<br />

Mar<strong>que</strong>s, Joanesburgo e Lisboa,<br />

antes <strong>de</strong>, nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, obter<br />

“os mais altos graus académicos”.<br />

Doutor em sociologia e<br />

antropologia, foi professor das<br />

universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Chicago e Siracusa<br />

(Nova Ior<strong>que</strong>). Enquanto redigia a<br />

tese <strong>de</strong> doutoramento (“Role<br />

Conflict, Reference Group and<br />

Race”, 1960), trabalhou nas Nações<br />

Unidas como Associate Social<br />

Scientist. O casamento com Janet<br />

Rae, <strong>um</strong>a americana WASP, foi o<br />

corolário <strong>de</strong> <strong>um</strong> perfil <strong>que</strong> em tudo o<br />

distinguiu <strong>dos</strong> outros lí<strong>de</strong>res<br />

africanos. Nas suas passagens por<br />

Lisboa era visita <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> Adriano<br />

Moreira, <strong>que</strong> conhecera em Nova<br />

Ior<strong>que</strong>, durante a assembleia-geral<br />

<strong>de</strong> 1957 das Nações Unidas (a<br />

primeira em <strong>que</strong> Portugal<br />

participou), e o convidou a escrever<br />

para o Boletim <strong>de</strong> Estu<strong>dos</strong> Políticos<br />

do ministério do Ultramar <strong>um</strong> artigo<br />

sobre anticolonialismo americano.<br />

O seu assassinato em Dar-es-<br />

Salaam, a 3 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1969<br />

(morreu ao abrir <strong>um</strong>a encomenda<br />

armadilhada), provocou <strong>um</strong>a onda<br />

<strong>de</strong> acusações mútuas: o KGB acusou a<br />

Pi<strong>de</strong>, <strong>que</strong> <strong>de</strong>volveu a sugestão. Bem<br />

vistas as coisas, Moscovo tinha mais a<br />

lucrar do <strong>que</strong> Lisboa. Contudo, não<br />

são <strong>de</strong> excluir outras hipóteses: <strong>um</strong><br />

episódio da Operação Gladio, ou<br />

iniciativa <strong>de</strong> rivais (após a sua morte,<br />

a Frelimo a<strong>de</strong>riu às teses do<br />

marxismo-leninismo). Tendo visitado<br />

mais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vez Moscovo e Pequim,<br />

as ligações americanas <strong>de</strong> Mondlane<br />

e o apoio <strong>que</strong> recebia da social<strong>de</strong>mocracia<br />

escandinava, suscitavam<br />

controvérsia a Leste. Por outro lado,<br />

era pública a sua discordância com a<br />

aplicação do ‘mo<strong>de</strong>lo’ cubano a<br />

Moçambi<strong>que</strong>. Convidado por Che<br />

Guevara (em 1965) a visitar Havana,<br />

recusou. Os jornais cubanos disseram<br />

<strong>de</strong>le o <strong>que</strong> Mafoma não disse do<br />

toucinho. Mondlane continuou a<br />

privilegiar o diálogo com Edward<br />

Kennedy, Olof Palme, Willy Brandt,<br />

Harold Wilson, Bruno Kreisky, Golda<br />

Meir, etc. E pagou cara a heterodoxia.<br />

Muito mais haveria a dizer <strong>de</strong>ste<br />

estudo do embaixador José Manuel<br />

Duarte <strong>de</strong> Jesus, o qual, a partir <strong>de</strong><br />

aspectos particulares da vida <strong>de</strong><br />

Mondlane, abrange o largo espectro<br />

<strong>dos</strong> anos <strong>de</strong> brasa da colonização<br />

portuguesa.<br />

40 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


SÃO<br />

LUIZ<br />

ABR~1O<br />

9, 10 E 11 ABR<br />

SEXTA E SÁBADO ÀS 21H00<br />

DOMINGO ÀS 17H30<br />

SALA PRINCIPAL M/16<br />

CARLA BLEY<br />

STEVE SWALLOW<br />

ORQUESTRA JAZZ DE MATOSINHOS<br />

CICLO JAZZ GALP<br />

DOM 11 ABR 22:00<br />

SALA SUGGIA € 20<br />

Carla Bley piano e direcção musical<br />

Steve Swallow baixo<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

MEDIA PARTNERS<br />

MÚSICA<br />

HUGO RIBEIRO<br />

LIBRETO<br />

ARMANDO<br />

NASCIMENTO ROSA<br />

ENCENAÇÃO<br />

PAULO MATOS<br />

DIRECÇÃO MUSICAL<br />

JOÃO PAULO SANTOS<br />

CENOGRAFIA E FIGURINOS<br />

BRUNO GUERRA<br />

DESENHO DE LUZ<br />

PAULO GRAÇA<br />

VÍDEO E PROJECÇÕES<br />

NUNO NEVES<br />

INTERPRETAÇÃO<br />

MADALENA BOLÉO<br />

MARGARIDA MARECOS<br />

RAQUEL ALÃO<br />

SANDRA MEDEIROS<br />

SÓNIA ALCOBAÇA<br />

SUSANA TEIXEIRA<br />

ORQUESTRA SINFÓNICA<br />

PORTUGUESA DIRIGIDA PELO<br />

MAESTRO JOÃO PAULO SANTOS<br />

CO-PRODUÇÃO<br />

SLTM ~ TNSC<br />

MECENAS CICLO JAZZ<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.


Cinema<br />

série ípsilon II<br />

Sexta-feira,<br />

dia 9 <strong>de</strong> Abril,<br />

o DVD “A Esquiva”,<br />

<strong>de</strong> Ab<strong>de</strong>llatif Kechiche<br />

Todas as sextas,<br />

por €1,95.<br />

20<br />

anos<br />

“Ruínas”: o país revisitado pela noção <strong>de</strong> perda<br />

Estreiam<br />

Terra<br />

sem vida<br />

Portugal revisitado pela<br />

noção <strong>de</strong> perda, substituindo<br />

à mon<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> da<br />

História a anonimida<strong>de</strong> do<br />

fragmento irrisório. Mário<br />

Jorge Torres<br />

Ruínas + Canção <strong>de</strong> Amor e Saú<strong>de</strong><br />

Ruínas<br />

De Manuel Mozos<br />

MMMMn<br />

Lisboa: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 22h 6ª 22h;<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cine Estúdio do Teatro Campo<br />

Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />

18h30, 22h;<br />

“Com estes fragmentos escorei<br />

as minhas ruínas”<br />

T.S. Eliot, “The Waste Land”<br />

Manuel Mozos ocupa no panorama<br />

do actual cinema português <strong>um</strong><br />

lugar singular: por <strong>um</strong> lado, o <strong>de</strong><br />

construtor <strong>de</strong> arrojadas ficções <strong>que</strong><br />

inscrevem <strong>um</strong> olhar renovador na<br />

geografia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Lisboa proletária,<br />

marginal e povoada por oníricos<br />

sinais, entre a (im)perfeita<br />

completu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa obra-prima<br />

impura e dialéctica <strong>que</strong> dá pelo<br />

nome <strong>de</strong> <strong>um</strong> herói <strong>de</strong>sgarrado,<br />

“Xavier” (1992, mas esten<strong>de</strong>ndo-se<br />

As estrelas do público<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Alice no País das Maravilhas mmnnn mmmmn mmmmn mmnnn<br />

Amar é Complicado nnnnn nnnnn mnnnn mnnnn<br />

Cinerama mnnnn mnnnn mnnnn nnnnn<br />

Fora <strong>de</strong> Controlo mmmnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />

Lembra-te <strong>de</strong> Mim nnnnn nnnnn mnnnn nnnnn<br />

Parnassus - O Homem <strong>que</strong> Queria Enganar o Diabo mmmnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />

Ruínas mmmmn mmmmn mmmmn mmmnn<br />

Solomon Kane nnnnn nnnnn A nnnnn<br />

Shutter Island mmmmn nnnnn mmmnn mnnnn<br />

Um Sonho Possível nnnnn nnnnn mmnnn nnnnn<br />

ao longo <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> difícil produção,<br />

para estrear <strong>de</strong>masiado tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

modo a po<strong>de</strong>r enten<strong>de</strong>r-se a sua<br />

radical importância), o curioso<br />

fracasso <strong>de</strong> <strong>um</strong>a obra confusa e algo<br />

megalómana como “Quando<br />

Troveja” (1999) e o recente<br />

<strong>de</strong>scentramento <strong>de</strong> “Quatro Copas”<br />

(2008), a traçar <strong>um</strong>a visão<br />

suburbana, quase irreconhecível, do<br />

seu mundo <strong>de</strong> fantasmas vivos, ao<br />

encontro do quotidiano mo<strong>de</strong>rno;<br />

por outro, o <strong>de</strong> rigoroso<br />

doc<strong>um</strong>entarista, oscilando entre o<br />

brilho incontroverso da “biografia<br />

cultural” (“José Car<strong>dos</strong>o Pires –<br />

Diário <strong>de</strong> Bordo”, 1998) e o fascínio<br />

pela colagem arquivística, mas<br />

infinitamente criativa, <strong>de</strong> pe<strong>que</strong>nas<br />

preciosida<strong>de</strong>s históricas: o magnífico<br />

“Cinema Português?” (1997) ou o<br />

inventivo “Censura: Alguns Cortes”<br />

(1999), <strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais transversos e<br />

importantes olhares sobre as<br />

intrínsecas contradições do Estado<br />

Novo.<br />

Este intróito revela-se<br />

fundamental para falar <strong>de</strong> “Ruínas”,<br />

na medida em <strong>que</strong> este filme-ensaio<br />

funciona na curta obra <strong>de</strong> Mozos<br />

como súmula <strong>de</strong> todo o seu universo<br />

conceptual. Se não vejamos: o filme<br />

ass<strong>um</strong>e-se como “biografia”<br />

subterrânea <strong>de</strong> <strong>um</strong> país con<strong>de</strong>nado<br />

pelo abandono da memória,<br />

transformada em lixo cultural; faz da<br />

“collage” mo<strong>de</strong>rnista o seu método<br />

caótico <strong>de</strong> investigação sobre <strong>um</strong><br />

passado contraditório e algo<br />

<strong>de</strong>sconexo; inscreve nos intervalos<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> doc<strong>um</strong>entário aleatório e<br />

prospectivo o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ficções<br />

miniaturais, ten<strong>de</strong>ntes a recompor<br />

<strong>um</strong> retrato <strong>de</strong> meio-corpo <strong>de</strong><br />

personagens ausentes e perdidas na<br />

voragem do tempo: os habitantes<br />

anónimos da<strong>que</strong>le sanatório<br />

gigantesco <strong>que</strong> agri<strong>de</strong> a paisagem da<br />

Serra da Estrela, feito es<strong>que</strong>leto <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a doença passada, mas<br />

perpetuado pela permanência <strong>dos</strong><br />

seus sinais físicos na paisagem; os<br />

actores fantasmáticos da<strong>que</strong>le<br />

Par<strong>que</strong> Mayer <strong>de</strong>sertificado no<br />

centro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Lisboa transformada<br />

em lixo urbano e transtornada por<br />

<strong>um</strong> progresso sem senti<strong>dos</strong>; os<br />

turistas “mortos” da ribatejana<br />

Estalagem Gado Bravo, <strong>de</strong> <strong>que</strong><br />

saltaram letras da insígnia<br />

i<strong>de</strong>ntificativa, n<strong>um</strong>a tétrica<br />

“natureza morta” povoada por<br />

<strong>de</strong>jectos e por restos quase<br />

fossiliza<strong>dos</strong> <strong>de</strong> caveiras <strong>de</strong> animais;<br />

os frescos mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

<strong>resta</strong>urante em Monsanto, com<br />

panorama sobre a capital do<br />

Império perdido, como se ainda<br />

convidassem a lautos ban<strong>que</strong>tes <strong>de</strong><br />

tempos <strong>que</strong> já lá vão e não voltarão<br />

nunca mais; as viagens impossíveis<br />

<strong>de</strong> chegada à estação <strong>de</strong> Barca <strong>de</strong><br />

Alva, <strong>de</strong>sactivada e inoperante, no<br />

coração do Douro Internacional,<br />

com carruagens enferrujadas e<br />

marcas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a impotência atávica<br />

em operar <strong>um</strong>a ar<strong>que</strong>ologia da<br />

memória; os vestígios <strong>de</strong>sfeitos <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a mina abandonada <strong>que</strong> sinaliza<br />

o impasse <strong>de</strong> <strong>um</strong>a produção<br />

obsoleta <strong>de</strong> ri<strong>que</strong>zas miríficas.<br />

Há riscos neste retrato <strong>de</strong> <strong>um</strong> país<br />

“arruinado” e inútil (ou inutilizado?)<br />

visto a partir da incúria <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

património menor? Há e muitos,<br />

mas Mozos tem consciência do jogo<br />

da (in)glória <strong>que</strong> <strong>de</strong>senha, evitando<br />

a <strong>de</strong>magogia fácil das imagens <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cadência, como se procurasse ver<br />

Portugal pelo lado das inevitáveis<br />

“<strong>de</strong>rrotas”. O <strong>que</strong> se torna fascinante<br />

é o modo como toma partido,<br />

<strong>de</strong>ixando em aberto a perspectiva<br />

crítica <strong>de</strong> cada espectador, embora<br />

conduzindo sempre o seu olhar com<br />

implacável direccionalida<strong>de</strong>. Se<br />

existe possível rima interna,<br />

subjacente a este projecto, ela faz-se<br />

com Manoel <strong>de</strong> Oliveira, como se se<br />

tratasse <strong>de</strong> <strong>um</strong> contraponto<br />

doc<strong>um</strong>ental a “Non, ou a Vã Glória<br />

<strong>de</strong> Mandar”: o país revisitado pela<br />

noção <strong>de</strong> perda, substituindo à<br />

mon<strong>um</strong>entalida<strong>de</strong> da História a<br />

anonimida<strong>de</strong> do fragmento irrisório,<br />

tornado significativo pela<br />

ac<strong>um</strong>ulação geográfica <strong>de</strong> gestos<br />

sem saída. Ao Portugal <strong>dos</strong><br />

Pe<strong>que</strong>nitos <strong>que</strong> <strong>um</strong> arquitecto do<br />

antigamente construíra para<br />

glorificar <strong>um</strong>a ridícula noção do<br />

património imaginário, apõe Mozos<br />

<strong>um</strong> Portugal <strong>dos</strong> “Gran<strong>de</strong>s”,<br />

<strong>de</strong>vastado e espectral, monstruoso<br />

por<strong>que</strong> verda<strong>de</strong>iro.<br />

Haverá <strong>que</strong>m conteste <strong>que</strong> esta<br />

negativida<strong>de</strong> passa por alg<strong>um</strong>a<br />

pretensão poética, <strong>um</strong>a poética<br />

pobre, contraditada (mas também<br />

acentuada) pelo certeiro recurso à<br />

textualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ruy Belo, por<br />

exemplo, <strong>um</strong> poeta da “habitação” e<br />

do território. Uma coisa não<br />

po<strong>de</strong>mos negar: estamos perante<br />

<strong>um</strong>a corajosa frontalida<strong>de</strong>, perante a<br />

nossa incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidar com a<br />

pe<strong>que</strong>na História <strong>de</strong> nós, com o<br />

terror <strong>de</strong> termos <strong>de</strong> escorar a nossa<br />

realida<strong>de</strong> entre ruínas. E<br />

regressamos, para concluir, a T. S.<br />

Eliot, citado, como na epígrafe, da<br />

tradução portuguesa <strong>de</strong> Maria<br />

Amélia Neto: “Penso <strong>que</strong> estamos na<br />

viela <strong>dos</strong> ratos/On<strong>de</strong> os mortos<br />

per<strong>de</strong>ram os seus ossos”.<br />

Continuam<br />

Um Sonho Possível<br />

The Blind Si<strong>de</strong><br />

De John Lee Hancock,<br />

com Sandra Bullock, Tim McGraw,<br />

Quinton Aaron. M/12<br />

MMNNN<br />

Lisboa: Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />

15h30, 21h30 Sábado Domingo 15h30, 18h15,<br />

21h30; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 2: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40,<br />

21h20, 00h10; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h25,<br />

“Um Sonho Possível”: o apelo aos valores éticos da Nação americana<br />

42 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Festival<br />

Pedro Costa é, a par do<br />

húngaro Miklos Jancso,<br />

<strong>um</strong> <strong>dos</strong> cineastas em<br />

<strong>de</strong>sta<strong>que</strong> na 11ª edição<br />

do Jeonju International<br />

Film Festival (29 <strong>de</strong><br />

Abril a 7 <strong>de</strong> Maio), na<br />

Coreia do Sul. A obra do<br />

português vai ser alvo <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a retrospectiva <strong>que</strong><br />

passará pela publicação<br />

– em inglês e coreano – <strong>de</strong><br />

dissertações e críticas<br />

por parte <strong>de</strong> realizadores<br />

e críticos reconheci<strong>dos</strong><br />

internacionalmente. Na<br />

programação também<br />

constam a exibição <strong>de</strong><br />

excertos inutiliza<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

filmes como “No Quarto<br />

<strong>de</strong> Vanda” e “Juventu<strong>de</strong><br />

em Marcha” e sessões <strong>de</strong><br />

perguntas e respostas<br />

com o realizador.<br />

18h55, 21h35, 00h05; CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Cinemax: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h50, 16h25, 18h55, 21h45, 00h15; CinemaCity<br />

Campo Pe<strong>que</strong>no Praça <strong>de</strong> Touros: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 18h55,<br />

21h40, 00h15; Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h,<br />

19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15 Domingo 11h30, 14h10,<br />

16h45, 19h15, 21h45, 00h15; UCI Dolce Vita<br />

Tejo: Sala 9: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h,<br />

16h30, 19h15, 21h45, 00h25; ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 16h10, 19h, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo<br />

CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h, 15h50, 18h40, 21h40, 00h20; ZON Lusomundo<br />

Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />

15h50, 18h40, 21h25, 00h15; ZON Lusomundo Oeiras<br />

Par<strong>que</strong>: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />

15h55, 18h40, 21h30, 00h15; Castello Lopes - Rio Sul<br />

Shopping: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h10, 21h20,<br />

24h 6ª Sábado Domingo 12h40, 15h20, 18h10,<br />

21h20, 24h; ZON Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h40, 18h20,<br />

21h20, 00h10; ZON Lusomundo Fór<strong>um</strong> Montijo: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h10, 18h45,<br />

21h25, 00h10;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h20, 22h, 00h40; ZON<br />

Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h20, 16h,19h, 21h50, 00h35; ZON<br />

Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 12h30, 15h40, 18h40, 21h20, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Par<strong>que</strong> Nascente: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h10,<br />

23h50; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h30, 21h10, 00h10;<br />

De cada vez <strong>que</strong> a América muda <strong>de</strong><br />

r<strong>um</strong>o i<strong>de</strong>ológico e sobe ao po<strong>de</strong>r<br />

<strong>um</strong>a administração mais liberal,<br />

aflora na produção ficcional<br />

dominante a sombra i<strong>de</strong>alista <strong>de</strong><br />

Frank Capra, representante da<br />

recuperação rooseveltiana da Gran<strong>de</strong><br />

Depressão, na década <strong>de</strong> 30.<br />

Aconteceu, assim, nos tempos <strong>de</strong><br />

Clinton e repete-se agora neste “Um<br />

Sonho Possível”, veículo por medida<br />

para <strong>um</strong>a estrelinha (a possível, nos<br />

tempos <strong>que</strong> vão correndo), Sandra<br />

Bullock, com os resulta<strong>dos</strong><br />

conheci<strong>dos</strong> em termos <strong>dos</strong> Óscares.<br />

O “sonho americano” aparece<br />

mitigado por alg<strong>um</strong>a parcimónia,<br />

mas a “mensagem” resulta clara e<br />

inequívoca: é possível a <strong>um</strong><br />

rapazinho negro, sem abrigo e filho<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a família disfuncional, aspirar<br />

ao triunfo como gran<strong>de</strong> nome do<br />

futebol americano. Filme sem<br />

<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> complexida<strong>de</strong>s, simpático e<br />

<strong>de</strong>spretensioso, “Um Sonho<br />

Possível” joga com lágrimas e sorrisos<br />

(quanto bastem), tendo em vista <strong>um</strong><br />

objectivo único e bem explicitado, o<br />

<strong>de</strong> fazer renascer as esperanças em<br />

tempo <strong>de</strong> crise. Nada <strong>de</strong> novo, nada<br />

<strong>de</strong> muito excitante, mas o suficiente<br />

para apelar aos valores éticos da<br />

nação americana, a fim <strong>de</strong> apaziguar<br />

consciências e <strong>de</strong> realizar o “milagre<br />

por uns dias”. M.J.T.<br />

Parnassus - O Homem <strong>que</strong> Queria<br />

Enganar o Diabo<br />

The Imaginari<strong>um</strong> of Dr.<br />

Parnassus<br />

De Terry Gilliam,<br />

com Johnny Depp, Heath Ledger, Ju<strong>de</strong><br />

Law, Colin Farrell, Christopher<br />

Pl<strong>um</strong>mer, Tom Waits. M/12<br />

MNNNN<br />

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª<br />

16h10, 18h50, 21h40, 00h10 6ª Sábado 13h20,<br />

16h10, 18h50, 21h40, 00h10 Domingo 13h20, 16h10,<br />

18h50, 21h40 2ª 3ª 4ª 16h10, 18h50,<br />

21h40; CinemaCity Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h20, 18h40, 21h30 6ª<br />

Sábado 14h, 16h20, 18h40, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia<br />

King: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 2ª 19h30, 00h30<br />

Domingo 3ª 4ª 19h30; Me<strong>de</strong>ia Mon<strong>um</strong>ental: Sala 1:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45,<br />

19h15, 21h45, 00h15; UCI Cinemas - El Corte<br />

Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05,<br />

16h45, 19h25, 22h, 00h30 Domingo 11h30, 14h05,<br />

16h45, 19h25, 22h, 00h30; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

CICLO JAZZ GALP<br />

TER 06 ABR<br />

22:00 SALA SUGGIA<br />

€ 30<br />

TO BILLY<br />

WITH LOVE<br />

A Celebration of «Lady Day»<br />

Dee Dee Bridgewater é <strong>um</strong>a<br />

exploradora <strong>que</strong> se move tão à<br />

vonta<strong>de</strong> no repertório americano<br />

como na canção francesa, no<br />

teatro musical e nas origens<br />

africanas do jazz. O seu<br />

novo álb<strong>um</strong> volta-se para as<br />

canções imortalizadas por<br />

Billie Holiday e assinala os 50<br />

anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>saparecimento<br />

prematuro da cantora lendária.<br />

www.casadamusica.com | www.casadamusica.tv | T 220 120 220<br />

MEDIA PARTNERS<br />

MECENAS CICLO JAZZ<br />

MECENAS CASA DA MÚSICA<br />

APOIO INSTITUCIONAL<br />

MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE<br />

DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 43


Cinema<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200<br />

Terça, 06<br />

Boomerang!<br />

De Elia Kazan. Com Dana Andrews,<br />

Jane Wyatt, Lee J. Cobb. 88 min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

O Bobo<br />

De José Alvaro Morais. Com<br />

Fernando Heitor, Paula Gue<strong>de</strong>s, Luís<br />

Lucas. 120 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

L’ Oeil <strong>de</strong> Vichy<br />

De Clau<strong>de</strong> Chabrol. Com Michel<br />

Bou<strong>que</strong>t, Brian Cox. 110 min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Fata Morgana + Visione <strong>de</strong>l<br />

Deserto<br />

Fata Morgana<br />

De Werner Herzog. Com Lotte<br />

Eisner, Eugen Des Montagnes,<br />

Wolfgang von Ungern-Sternberg. 79<br />

min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Quarta, 07<br />

O Quarto Mandamento<br />

The Magnificient Ambersons<br />

De Orson Welles. Com Anne Baxter,<br />

Joseph Cotten, Tim Holt. 85 min.<br />

M12.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

Un Homme Sans L’’occi<strong>de</strong>nt +<br />

Tibesti Too<br />

Un Homme Sans L’’occi<strong>de</strong>nt<br />

De Raymond Depardon. Com Ali<br />

Hamit, Brahim Jiddi, Wodji<br />

Ouardougou. 105 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Un Lac<br />

De Philippe Grandrieux. Com<br />

Dimitry Kubasov, Alexei Solonchev,<br />

Natalie Rehorova. 90 min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

A Calúnia + O Fauno das<br />

Montanhas<br />

A Calúnia<br />

De Manuel Luis Vieira. Com Nadine<br />

Menut, Ermelinda Vieira, Maria<br />

Augusta. 85 min.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Aves <strong>de</strong> Rapina<br />

Greed<br />

Amar Foi a Minha Perdição<br />

Leave Her to Heaven<br />

De John M. Stahl. Com Cornel Wil<strong>de</strong>,<br />

Jeanne Crain, Vincent Price. 110 min.<br />

19h - Sala Félix Ribeiro<br />

Fata Morgana + Visione <strong>de</strong>l<br />

Deserto<br />

Fata Morgana<br />

De Werner Herzog. Com Lotte<br />

Eisner, Eugen Des Montagnes,<br />

Wolfgang von Ungern-Sternberg. 79<br />

min.<br />

19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

A Última Sessão<br />

The Last Picture Show<br />

De Peter Bogdanovich. Com Ben<br />

Johnson, Cloris Leachman, Cybill<br />

Shepherd, Ellen Burstyn, Jeff<br />

Bridges, Timothy Bottoms. 115<br />

min.<br />

21h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

The Desert People +<br />

Desertert<br />

The Desert<br />

People<br />

De David<br />

Lamelas.<br />

50 min.<br />

22h - Sala Luís<br />

<strong>de</strong> Pina<br />

13h20, 16h05, 18h50, 21h40, 00h30; ZON<br />

Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h30, 21h30, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Almada Fór<strong>um</strong>: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h45, 18h35, 21h25,<br />

00h15;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h30, 19h15, 21h55,<br />

00h35; Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30,<br />

22h; Nun`Álvares: Sala 1: 5ª 6ª Sábado 14h, 16h30,<br />

21h15, 23h30 Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />

21h15; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h45,<br />

21h40, 00h30; ZON Lusomundo Par<strong>que</strong> Nascente:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 16h,<br />

18h50, 21h40, 00h30; ZON Lusomundo Glicínias:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h50, 17h55,<br />

21h, 00h05;<br />

É <strong>um</strong> filme aci<strong>de</strong>ntado, por várias<br />

mortes, e não só a da Heath Ledger.<br />

É verda<strong>de</strong>. Mas não é o caso do<br />

“gran<strong>de</strong> filme <strong>que</strong> nunca foi”. Este<br />

até po<strong>de</strong>rá ser o caso do filme <strong>que</strong><br />

vive do azar <strong>que</strong> o tramou (e até<br />

po<strong>de</strong> ser este o caso do realizador<br />

<strong>que</strong> se alimenta da lenda <strong>de</strong><br />

azarado). Mas está gravado nas<br />

imagens, <strong>de</strong>ste e <strong>dos</strong> outros filmes<br />

<strong>de</strong> Terry Gilliam, <strong>que</strong> o homem é<br />

menos <strong>um</strong> “visionário” e mais <strong>um</strong><br />

(simpático) “impostor”. O <strong>que</strong> até<br />

liga com o bricabra<strong>que</strong> <strong>de</strong><br />

“Parnassus - o homem <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria<br />

enganar o diabo”. Obviamente não é<br />

Fellini <strong>que</strong>m <strong>que</strong>r. Vasco Câmara<br />

Heath Ledger por<br />

Terry Gilliam<br />

De Erich von Stroheim. Com Gibson<br />

Gowland, Jean Hersholt, Zasu Pitts.<br />

120 min. M16.<br />

22h - Sala Luís <strong>de</strong> Pina<br />

Quinta, 08<br />

Relíquia Macabra<br />

The Maltese Falcon<br />

De John Huston. Com Elisha Cook Jr.,<br />

H<strong>um</strong>phrey Bogart, Mary Astor, Peter<br />

Lorre, Sidney Greenstreet. 100 min.<br />

15h30 - Sala Félix Ribeiro<br />

44 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


DVD<br />

Caixa Robert Wise – Costa<br />

do Castelo<br />

Ma<strong>de</strong>moiselle Fifi<br />

mmmnn<br />

Extras<br />

mmmnn<br />

O Túmulo Vazio<br />

The Body Snatcher<br />

mmmmn<br />

Sem extras<br />

Nasceu para Matar<br />

Born to Kill<br />

mmmmn<br />

Extras<br />

mmnnn<br />

Nobreza <strong>de</strong> Campeão<br />

The Set Up<br />

mmmmn<br />

sem extras<br />

“Nobreza <strong>de</strong> Campeão”: não terá a<br />

gran<strong>de</strong>za <strong>que</strong> se lhe atribuiu na época,<br />

mas mantém <strong>um</strong>a inacreditável força<br />

Cinema<br />

Série B<br />

no coração<br />

Esta caixa vem permitir aos<br />

cinéfilos <strong>de</strong>sinforma<strong>dos</strong><br />

lançar <strong>um</strong> novo olhar sobre<br />

a obra <strong>de</strong> Robert Wise.<br />

Mário Jorge Torres<br />

Robert Wise transformou-se para<br />

muitos sectores da crítica no<br />

protótipo do cineasta mal amado,<br />

sobretudo em função <strong>dos</strong> seus<br />

títulos <strong>de</strong> maior sucesso e<br />

visibilida<strong>de</strong>, ambos amplamente<br />

oscariza<strong>dos</strong>: a <strong>de</strong>spreocupação<br />

açucarada <strong>de</strong> “Música no Coração”<br />

(1965), a fazer cantar as montanhas e<br />

as criancinhas (bem mais divertido<br />

do <strong>que</strong> sempre se propalou), ou a<br />

discutível truculência <strong>de</strong> “Amor Sem<br />

Barreiras/West Si<strong>de</strong> Story” (1961),<br />

este sim <strong>um</strong> perigoso travesti <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

gran<strong>de</strong> musical da Broadway,<br />

irremediavelmente datado e<br />

lacrimejante, apenas resgatável pelo<br />

arrojo coreográfico <strong>de</strong> Jerome<br />

Robbins. A partir <strong>de</strong>sta leitura<br />

parcelar e facciosa, insistiu-se em<br />

fazer tábua rasa <strong>de</strong> tudo o resto,<br />

rejeitando <strong>de</strong> forma quase liminar<br />

<strong>um</strong> <strong>dos</strong> mais influentes filmes <strong>de</strong><br />

ficção científica, “O Dia em <strong>que</strong> a<br />

Terra Parou” (1951), <strong>um</strong> curioso<br />

“pepl<strong>um</strong>” precursor do muito <strong>que</strong><br />

estava para vir em termos <strong>de</strong><br />

cooperação ítalo-americana,<br />

“Helena <strong>de</strong> Tróia” (1955), <strong>um</strong><br />

interessante “western” impuro,<br />

“Honra a <strong>um</strong> Homem Mau” (1956),<br />

com <strong>um</strong> fabuloso James Cagney, <strong>um</strong><br />

<strong>dos</strong> mais complexos “filmes <strong>de</strong><br />

boxe”, “Marcado pelo Ódio” (1956),<br />

a dar a Paul Newman <strong>um</strong> <strong>dos</strong> seus<br />

primeiros <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> papéis, o<br />

melodrama comedido <strong>de</strong> “Quero<br />

Viver” (1958), a comedia amarga <strong>de</strong><br />

“Baloiço para Dois” (1962), o<br />

estilizado terror <strong>de</strong> “A Casa Maldita”<br />

(1963), ou, pior do <strong>que</strong> tudo, a fase<br />

RKO <strong>dos</strong> seus primórdios como<br />

realizador (1944-1949), prova<br />

provada <strong>de</strong> como a série B se lhe<br />

ajustava como <strong>um</strong>a luva. Decidiu-se<br />

precipitadamente <strong>que</strong> percurso <strong>de</strong><br />

Wise pelos géneros não exibia estilo<br />

próprio e <strong>que</strong> tudo o <strong>que</strong> <strong>de</strong> bom<br />

fizera se <strong>de</strong>vera sempre à<br />

contribuição <strong>de</strong> outros.<br />

Esta caixa, em excelentes cópias,<br />

vem repor alg<strong>um</strong>a justiça e permitir<br />

aos cinéfilos <strong>de</strong>sinforma<strong>dos</strong> lançar<br />

<strong>um</strong> novo olhar sobre a sua obra,<br />

precisamente centrado sobre os<br />

pe<strong>que</strong>nos filmes produzi<strong>dos</strong> na RKO,<br />

com poucos meios e muitas vezes<br />

com actores incipientes ou <strong>de</strong><br />

segunda linha, prolongando <strong>de</strong> certo<br />

modo a sua in<strong>que</strong>stionável força <strong>de</strong><br />

montador <strong>de</strong> duas das obras-primas<br />

<strong>de</strong> Orson Welles: “O Mundo a Seus<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

“Nasceu para Matar”: “film<br />

noir”, atmosférico e atabafante, é<br />

surpresa maior da colectânea<br />

Pés” (1941) e “O 4º Mandamento”<br />

(1942) <strong>que</strong> salvou, inclusive, da pior<br />

das sortes, a <strong>de</strong> nunca ter existido.<br />

Cronologicamente, o primeiro <strong>de</strong><br />

to<strong>dos</strong> (o opus 1, o excelente “A<br />

Maldição da Pantera”, co-realizado<br />

com Gunther Von Fritsch, já existe<br />

como extra <strong>de</strong> “Cat People”, no<br />

catálogo da editora) é “Ma<strong>de</strong>moiselle<br />

Fifi” (1944), estranhíssimo filme <strong>de</strong><br />

propaganda, adaptando a novela <strong>de</strong><br />

Guy <strong>de</strong> Maupassant, em <strong>que</strong> a<br />

invasão da França durante a guerra<br />

Franco-Prussiana serve <strong>de</strong> metáfora<br />

da Gran<strong>de</strong> Guerra: a resistência<br />

passiva <strong>de</strong> <strong>um</strong>a jovem lava<strong>de</strong>ira<br />

(espantosa Simone Simon, quase<br />

sonâmbula) à confraternização com<br />

o inimigo <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia fantasmas<br />

renova<strong>dos</strong> e encena preciosos<br />

momentos <strong>de</strong> interiorida<strong>de</strong> (filma-se<br />

com certeira singeleza o interior <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a carruagem, a claustrofóbica<br />

torre <strong>de</strong> <strong>um</strong>a igreja ou as salas <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a estalagem, bem <strong>de</strong>limitadas “à<br />

Welles”, com escadas e<br />

travejamentos do tecto), com <strong>um</strong><br />

forte sentido da <strong>de</strong>coração <strong>de</strong> época,<br />

bem como <strong>de</strong> gosto pelo pormenor,<br />

muito mais próximo <strong>de</strong> Wise (a<br />

lembrar a posterior parafernália<br />

tragicómica <strong>dos</strong> símbolos nazis em<br />

Trevor, no centro da narrativa,<br />

constrói <strong>um</strong>a <strong>de</strong>smedida “femme<br />

fatale”, vítima <strong>de</strong> si-própria e<br />

carrasco <strong>dos</strong> homens vulneráveis<br />

<strong>que</strong> <strong>de</strong>la se acercam – o impulsivo<br />

assassino (o excelente Lawrence<br />

Tierney), o masoquista comparsa<br />

<strong>de</strong>ste (Elisha Cook Jr., frágil e<br />

diminuto, a lembrar outras<br />

personagens, como a <strong>de</strong> “À Beira do<br />

Abismo”) ou o venal <strong>de</strong>tective <strong>de</strong><br />

Walter Slezak. Tudo medido ao<br />

milímetro, entre “raccords” <strong>de</strong><br />

telefones e sombras omnipresentes<br />

nos rostos e nos corpos. Como extra,<br />

temos <strong>um</strong> “insignificante”<br />

filmezinho <strong>de</strong> tribunal, “Entre Dois<br />

Fogos”/ “Criminal Court” (1946),<br />

ainda assim da maior relevância<br />

para enten<strong>de</strong>r como o telefilme da<br />

década seguinte instr<strong>um</strong>entaliza as<br />

menorida<strong>de</strong>s da série B, na sua<br />

lógica narrativa: parece o<br />

antepassado rarefeito <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

episódio <strong>de</strong> “Perry Mason”,<br />

recheado <strong>de</strong> reviravoltas <strong>de</strong> enredo e<br />

<strong>de</strong> personagens estereotipadas e<br />

irónicas, sempre consciente do valor<br />

<strong>de</strong> cada pormenor e <strong>de</strong> cada plano.<br />

“Nobreza <strong>de</strong> Campeão” (1949), o<br />

mais conhecido <strong>de</strong> to<strong>dos</strong>, dispensa<br />

encómios pelo modo como revisita<br />

os bastidores do boxe (cerca <strong>de</strong><br />

meta<strong>de</strong> do filme <strong>de</strong>corre no espaço<br />

fechado da sala on<strong>de</strong> os chegam os<br />

ecos <strong>dos</strong> combates e on<strong>de</strong> os<br />

pugilistas interiorizam os seus<br />

me<strong>dos</strong> e <strong>sonhos</strong> frustra<strong>dos</strong>) e como<br />

integra a figura do herói envelhecido<br />

(sublime Robert Ryan) n<strong>um</strong>a noite,<br />

povoada <strong>de</strong> sombras e <strong>de</strong> néons,<br />

entrevista <strong>de</strong> <strong>um</strong>a janela aberta ao<br />

mundo ameaçador das lutas<br />

forjadas, do gangsterismo<br />

ameaçador, do impasse do sonho<br />

americano. As sequências <strong>de</strong> boxe<br />

primam pela montagem artificiosa (é<br />

sobretudo a visão <strong>de</strong> <strong>um</strong> montador)<br />

e pelo gosto (por vezes <strong>de</strong>masiado<br />

ostensivo) da mudança <strong>de</strong> escala,<br />

entre planos <strong>de</strong> conjunto da<br />

multidão ululante e <strong>de</strong>nuncia<strong>dos</strong><br />

“close-ups”: não terá a gran<strong>de</strong>za <strong>que</strong><br />

se lhe atribuiu na época, mas<br />

mantém <strong>um</strong>a inacreditável força<br />

representativa, a mostrar como vale<br />

a pena <strong>de</strong>safiar i<strong>de</strong>ias feitas e ver os<br />

filmes.<br />

direcção artística Cesário Costa<br />

“Música no Coração”) do <strong>que</strong> do<br />

produtor Val Lewton, a <strong>que</strong>m to<strong>dos</strong><br />

atribuem a “autoria”. Como extra,<br />

METROPOLITANA<br />

T E M P O R A D A 2 0 0 9 | 2 0 1 0<br />

<strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na pérola <strong>de</strong>sconhecida,<br />

“Mistério no México”/ “Mistery in<br />

Mexico” (1948), “thriller”<br />

económico, com extraordinários<br />

“raccords” e <strong>um</strong> <strong>de</strong>licioso sabor a<br />

exótico, aproveitando o pretexto <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> colar cobiçado pelo vilão e<br />

<strong>de</strong>fendido por dois <strong>de</strong>tectives <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a agência <strong>de</strong> seguros. O cuidado<br />

com a atmosfera “noir” aparece<br />

contrabalançado por <strong>um</strong>a forte <strong>dos</strong>e<br />

<strong>de</strong> h<strong>um</strong>or, tendo a perfeita noção do<br />

“timing” e do efeito da pobreza<br />

representativa <strong>de</strong> meios, sem <strong>um</strong><br />

minuto a per<strong>de</strong>r.<br />

“O Túmulo Vazio” (1945), fábula<br />

gótica, livremente inspirada em<br />

Concerto <strong>de</strong> Páscoa<br />

Sexta-feira, 2 <strong>de</strong> Abril, 21h30 – Aula Magna<br />

Stevenson, requinta nos <strong>de</strong>lírios do<br />

Ana Quintans soprano<br />

Armando Possante barítono<br />

“chiaroscuro” e encaixa na estética<br />

Lewton, não sem <strong>que</strong> se perceba no Håkan Rosengren clarinete Robertas Šervenikas direcção musical<br />

romantismo patético da história da<br />

Coro Sinfónico Lisboa Cantat · Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />

criança hemiplégica <strong>um</strong> to<strong>que</strong><br />

melodramático atribuível a Wise:<br />

CARL NIELSEN – Concerto para Clarinete e Or<strong>que</strong>stra, Op. 57<br />

tudo o resto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sardónica<br />

GABRIEL FAURÉ – Requiem, Op. 48<br />

personagem <strong>de</strong> Karloff ou a rábula<br />

<strong>de</strong> Bela Lugosi, até às <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras<br />

fantasias visuais da morta<br />

transfigurada e fantasmática,<br />

c<strong>um</strong>pre o programa <strong>de</strong> <strong>um</strong> terror<br />

controlado e eficaz, jogado em<br />

sombras e <strong>de</strong>lírios consentâneos<br />

com <strong>um</strong> expressionismo longínquo e<br />

adaptado à tensa brevida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pouco mais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a hora – a lição da<br />

série B em todo o seu esplendor.<br />

OML Júnior<br />

Sábado, 3 <strong>de</strong> Abril, 18h00 – Teatro Camões<br />

Concerto <strong>de</strong> encerramento do Workshop da Páscoa 2010<br />

Pedro Neves e Rui Carreira direcção musical<br />

“Nasceu para Matar” (1947)<br />

constitui a surpresa maior da<br />

colectânea. Este “film noir”,<br />

+info: www.metropolitana.pt · telefone: 213 617 320<br />

atmosférico e atabafante, veicula<br />

<strong>um</strong>a visão universal do Mal <strong>que</strong> se<br />

agarra às personagens como <strong>um</strong><br />

vício ou <strong>um</strong>a inevitabilida<strong>de</strong>, sem<br />

tréguas, nem meias medidas: Claire<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 45


Concertos<br />

27 DE MARÇO A 11 DE ABRIL*<br />

ESTÚDIO ZERO<br />

TRADUÇÃO | MARIA HERMÍNIA BRANDÃO<br />

ENCENAÇÃO | JOÃO CARDOSO<br />

CENOGRAFIA | SISSA AFONSO<br />

FIGURINOS | BERNARDO MONTEIRO<br />

DESENHO DE LUZ | NUNO MEIRA<br />

SONOPLASTIA | FRANCISCO LEAL<br />

INTERPRETAÇÃO | ROSA QUIROGA<br />

*excepto 4 <strong>de</strong> Abril<br />

M12<br />

COMPANHIA SUBSIDIADA POR:<br />

APOIO DE:<br />

Clássica<br />

Excelência<br />

juvenil<br />

Entre 8 e 16 <strong>de</strong> Abril<br />

a Or<strong>que</strong>stra Juvenil<br />

Gustav Mahler estará em<br />

residência na Gulbenkian.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Regresso<br />

A Or<strong>que</strong>stra Juvenil Gustav Mahler regressa<br />

a Portugal para realizar três concertos<br />

Um ano<br />

após a<br />

morte <strong>de</strong> João<br />

Aguar<strong>de</strong>la, A<br />

Naifa está <strong>de</strong> volta.<br />

Sob a forma <strong>de</strong> livro dvd<br />

Or<strong>que</strong>stra Juvenil Gustav Mahler<br />

Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Avenida <strong>de</strong> Berna, 45A. 5ª às 19h00. Tel.:<br />

217823700. 12,5€ a 25€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório. Obras <strong>de</strong><br />

Strauss, Janacek e Stravinsky.<br />

A Or<strong>que</strong>stra Juvenil Gustav Mahler<br />

(OJGM), formação <strong>que</strong> no ano<br />

passado protagonizou <strong>um</strong>a<br />

memorável interpretação da Sinfonia<br />

nº3 <strong>de</strong> Mahler no Coliseu <strong>de</strong> Lisboa,<br />

regressa a Portugal para realizar três<br />

concertos no âmbito do ciclo<br />

Or<strong>que</strong>stra Convidadas e em<br />

Residência da temporada<br />

Gulbenkian. O primeiro (dia 8, às<br />

19h) será preenchido com <strong>um</strong><br />

aliciante programa on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>remos<br />

apreciar separadamente os seu<br />

excelentes instr<strong>um</strong>entistas <strong>de</strong> cordas<br />

e sopros. Serão interpreta<strong>dos</strong> o<br />

Prelúdio para Sexteto <strong>de</strong> Cordas da<br />

ópera “Capriccio” e “Metamorfoses”,<br />

estudo para 23 instr<strong>um</strong>entos <strong>de</strong><br />

cordas solistas, <strong>de</strong> Richard Strauss;<br />

“Mladi” ( Juventu<strong>de</strong>), para sexteto <strong>de</strong><br />

sopros, <strong>de</strong> Leos Janacék; e o Octeto<br />

para sopros, <strong>de</strong> Igor Stravinsky. No<br />

dia 11, a OJGM tocará o “Adagio” da<br />

Sinfonia nº10, <strong>de</strong> Mahler, e a Sinfonia<br />

nº 13, <strong>de</strong> Chostakovich, sob a<br />

direcção <strong>de</strong> David Afkham, e no dia<br />

16 regressa à música <strong>de</strong><br />

Chostakovitch e R. Strauss sob a<br />

batuta <strong>de</strong> Antonio Pappano e tendo<br />

como solista a jovem violoncelista<br />

coreana Han-na Chang.<br />

Criada em 1986 pelo maestro<br />

Claudio Abbado, a OJGM <strong>de</strong>stinava-se<br />

inicialmente à colaboração entre os<br />

jovens instr<strong>um</strong>entistas austríacos e os<br />

seus colegas das então Repúblicas<br />

Socialistas da Checoslováquia e da<br />

Hungria. A partir <strong>de</strong> 1992, a or<strong>que</strong>stra<br />

passou a admitir também elementos a<br />

partir <strong>dos</strong> 26 anos, provenientes <strong>de</strong><br />

toda a Europa e selecciona<strong>dos</strong> em<br />

biográfico <strong>dos</strong> primeiros<br />

quatro anos <strong>de</strong> carreira<br />

e digressão nacional.<br />

Neste regresso aos<br />

palcos, Luís Varatojo<br />

e Maria Antónia<br />

audições anuais feitas em mais <strong>de</strong> 25<br />

cida<strong>de</strong>s por <strong>um</strong> júri presidido por<br />

Claudio Abbado. A maior parte <strong>dos</strong><br />

membros transita <strong>de</strong>pois para as<br />

principais or<strong>que</strong>stras mundiais,<br />

beneficiando assim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

experiência prévia ao mais alto nível.<br />

A OJGM tem sido dirigida por<br />

maestros <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> envergadura<br />

(além <strong>de</strong> Abbado <strong>de</strong>stacam-se Boulez,<br />

Haitink, Jansons, Ozawa e Welser-<br />

Möst) e tem colaborado com solistas<br />

tão ilustres como Martha Argerich,<br />

Yuri Bashmet, Evgeni Kissin, Radu<br />

Lupu, Anne-Sophie Mutter, Jessye<br />

Norman, Anne Sofie von Otter ou<br />

Maxim Vengerov. O seu repertório<br />

esten<strong>de</strong>-se da música clássica até à<br />

contemporânea, mas são as <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />

Fernando Miguel Jalôto: cravo e direcção<br />

do Ludovice Ensemble<br />

Men<strong>de</strong>s contam com a<br />

companhia <strong>de</strong> Sandra<br />

Baptista (ex-Sitia<strong>dos</strong>)<br />

no baixo e <strong>de</strong> Samuel<br />

Palitos (ex-Sitia<strong>dos</strong> e<br />

Censura<strong>dos</strong>) na bateria.<br />

obras sinfónicas do século XIX e do<br />

Romantismo tardio <strong>que</strong> formam o seu<br />

núcleo principal <strong>de</strong> especialização.<br />

Cantatas francesas<br />

pelo Ludovice<br />

Ensemble<br />

Ludovice Ensemble<br />

Fernando Miguel Jalôto (cravo e<br />

direcção), Hugo Oliveira (barítono)<br />

Lisboa, Instituto Franco-Português, dia 7, às 19h<br />

(transmissão em directo pela RDP-Antena 2).<br />

Espinho, Auditório <strong>de</strong> Espinho, dia 8, às 21h30.<br />

Fundado em 2004 pelo cravista<br />

Fernando Miguel Jalôto e pela flautista<br />

Joana Amorim, o Ludovice Ensemble<br />

é <strong>um</strong> agrupamento <strong>de</strong> câmara<br />

especializado na interpretação <strong>de</strong><br />

música antiga <strong>que</strong> tem centrado a sua<br />

activida<strong>de</strong> no repertório <strong>dos</strong> séculos<br />

XVII e XVIII, com <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> para a<br />

música francesa. O nome do grupo<br />

p<strong>resta</strong> homenagem ao arquitecto e<br />

ourives alemão Johann Friedrich<br />

Ludwig (1673-1752) <strong>que</strong> esteve ao<br />

serviço <strong>de</strong> D. João V e foi <strong>um</strong> <strong>dos</strong><br />

pilares da reforma artística e cultural<br />

efectuada pelo Rei Magnânimo.<br />

Sediado em Portugal, o Ludovice<br />

Ensemble conta com a colaboração<br />

<strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entistas e cantores <strong>de</strong><br />

várias nacionalida<strong>de</strong>s, cujo número<br />

varia em função <strong>dos</strong> projectos.<br />

Testemunho do salto qualitativo <strong>que</strong><br />

a música antiga <strong>de</strong>u em Portugal<br />

graças à formação especializada <strong>que</strong><br />

<strong>um</strong> consi<strong>de</strong>rável número <strong>de</strong> jovens<br />

músicos obteve no estrangeiro, o<br />

Ludovice Ensemble distingue-se pelo<br />

cuidado na concepção <strong>dos</strong> seus<br />

programas, os quais dão gran<strong>de</strong><br />

atenção ao contexto histórico e<br />

remetem para áreas temáticas<br />

específicas, escolas estilísticas ou<br />

relações com outras artes.<br />

46 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Concertos<br />

Tem nome <strong>de</strong> multidão<br />

mas é <strong>um</strong> duo. Susanna<br />

and The Magical Orchestra<br />

é o projecto <strong>que</strong>, pela<br />

mão <strong>de</strong> Morten Qvenild,<br />

combina elementos da pop,<br />

da electrónica e do jazz em<br />

ambientes hipnóticos aos<br />

quais somos conduzi<strong>dos</strong><br />

pelo canto <strong>de</strong> sereia <strong>de</strong><br />

Susanna Wall<strong>um</strong>rød. Os<br />

noruegueses têm tripla<br />

data marcada para o<br />

nosso país – Ovar (Centro<br />

<strong>de</strong> Arte, dia 9), Braga<br />

(Theatro Circo, 10) e<br />

Lisboa (Teatro Maria <strong>de</strong><br />

Matos, 12).<br />

Jorge Cruz com<br />

Diabo na Cruz<br />

Agenda<br />

sexta 2<br />

Santos & Jahmmin Band<br />

Lisboa. Armazém F. R. Cintura Porto Lisboa,<br />

Armazém 65, Cais do Gás, às 00h00. Tel.:<br />

213220160. 20€. Pré-venda: 18€.<br />

Black Uhuru, Burning Spear, Bob<br />

Marley... Os <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> do reggae<br />

pairam sobre “Escape from Babylon”,<br />

<strong>de</strong> Alborosie. O músico, <strong>que</strong> é<br />

apontado como <strong>um</strong>a das maiores<br />

esperanças da música jamaicana,<br />

mostra como se fazem pontes entre a<br />

herança e os dias <strong>de</strong> hoje.<br />

Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong><br />

Lisboa<br />

Direcção Musical: Boguslav<br />

Dawidow. Com Hakan Rosengren<br />

(clarinete), Ana Quintans (soprano),<br />

Armando Possante (barítono). Com<br />

Coro Sinfónico Lisboa Cantat.<br />

Lisboa. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h30.<br />

Tel.: 217967624. Entrada livre.<br />

13.º Encontro Internacional <strong>de</strong><br />

Clarinete <strong>de</strong> Lisboa.<br />

Rodrigo Amado Quarteto + Luís<br />

Lopes<br />

Lisboa. Galeria Zé <strong>dos</strong> Bois. R. da Barroca, 59 -<br />

Bairro Alto, às 23h00. Tel.: 213430205. 6€.<br />

Samuel Úria<br />

Guimarães. CC Vila Flor. Av. D. Afonso Henri<strong>que</strong>s,<br />

701, às 00h00. Tel.: 253424700. 4€.<br />

Diabo Na Cruz<br />

Com Jorge Cruz (guitarra e voz), B<br />

Fachada (viola braguesa e voz),<br />

Bernardo Barata (baixo e voz), João<br />

Gil (sintes), João Pinheiro (bateria e<br />

percussão).<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Pç. da<br />

Republica, 39, às 22h00. Tel.: 245307498. 5€. No<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório. M4.<br />

Claire Michael Quarteto<br />

Com Thierry Le Gall (bateria),<br />

Patrick Chartol (baixo), Jean-Michel<br />

Vallet (piano), Claire Michael<br />

(saxofones; flute e voz).<br />

Lisboa. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7 - ao Campo das<br />

Cebolas, às 22h30. Tel.: 919184867. 7€.<br />

Virgem Suta<br />

Igreja. Kastrus River Klub. Av. Eng. Arantes Oliveira<br />

- Complexo das Piscinas, às 23h00. Tel.: 962557267.<br />

sábado 3<br />

Carminho<br />

Vilamoura. Tivoli Marina. Sáb, 21h30. Tel.:<br />

289303303. 15€.<br />

Vânia Fernan<strong>de</strong>s + Júlio<br />

Resen<strong>de</strong><br />

Lisboa. Onda Jazz. Arco <strong>de</strong> Jesus, 7 - ao<br />

Campo das Cebolas, às 22h30.<br />

Tel.: 919184867. 7€.<br />

Gomo<br />

Tomar. Cine-Teatro Paraíso.<br />

R. da Infantaria, 15 - Ed.<br />

Teatro, às 21h30. Tel.: 249329190. 9190.<br />

5€.<br />

Tomar Jovem 2010.<br />

Apresentação <strong>de</strong><br />

“Nosy”. Cinco anos <strong>de</strong>pois, Gomo<br />

regressa com mais música colorida,<br />

animada e exuberante. “Nosy” é o<br />

novo trabalho, <strong>que</strong> vai ser<br />

apresentado em Tomar, a 3 <strong>de</strong> Abril.<br />

Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />

Direcção Musical: António Vassalo<br />

Lourenço. Com José Corvelo (baixo),<br />

João Cipriano Martins (tenor), Paula<br />

Dória (mezzo-soprano), Isabel<br />

Alcobia (soprano). Com Coro<br />

Odysseia, Coro Regina Coeli.<br />

Óbi<strong>dos</strong>. Santuário do Senhor Jesus da Pedra. Lg.<br />

Igreja Senhor da Pedra, às 18h00. 5€.<br />

Diabo Na Cruz<br />

Com Jorge Cruz (guitarra e voz), B<br />

Fachada (viola braguesa e voz),<br />

Bernardo Barata (baixo e voz), João<br />

Gil (sintes), João Pinheiro (bateria e<br />

percussão).<br />

Sines. Centro <strong>de</strong> Artes. R. Cândido <strong>dos</strong> Reis (centro<br />

histórico), às 21h30. Tel.: 269860080. 5€.<br />

Kirk Lightsey<br />

Olival Basto. CC da Malaposta. R. Angola, às 21h30.<br />

Tel.: 219383100. 10€ (sujeito a <strong>de</strong>sconto). No<br />

auditório.<br />

domingo 4<br />

JazzMingus<br />

Lisboa. R. <strong>dos</strong> Bacalhoeiros, 125 - 2º, às 21h30. Tel.:<br />

218864891.<br />

Com Cat’s Craddle e Dubfunkey (dia<br />

4), Oh It’s Better Again e<br />

JellyJ<strong>um</strong>pers (dia 11), Selma Uamusse<br />

Nu-Jazz Ensemble e DJ Or<strong>que</strong>stra<br />

Invisível (dia 18), Rita Martins & Ana<br />

Paula Sousa e DJ Or<strong>que</strong>stra Invisível<br />

(dia 25).<br />

segunda 5<br />

Leaves Eyes<br />

Lisboa. Café Teatro Santiago Alquimista. R.<br />

Santiago, 19. 2ª às 21h30. Tel.: 218884503. 22€.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “Njord”.<br />

terça 6<br />

Lisa Germano + Philip Selway<br />

Lisboa. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h00<br />

(portas abrem às 20h). Tel.: 217967624. 22€ a 30€.<br />

Dee Dee Bridgewater<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>, às 22h00. Tel.: 220120220. 30€.<br />

Jantar-concerto: 45€. Na Sala Suggia.<br />

To Billie with Love - A Celebration of<br />

“Lady Day”. 5 Anos Casa da Música.<br />

Carlos Barretto Trio: Lokomotiv<br />

Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175, às<br />

21h30. Tel.: 213103400. 5€. Na Sala 1. M4.<br />

quarta 7<br />

Tokio Hotel<br />

Lisboa. Pavilhão Atlântico. Pq. das Nações, às 19h30<br />

(portas abrem às 18h). Tel.: 218918409. 8 28€ a 40€.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “H<strong>um</strong>anoid”.<br />

Lisa Germano +<br />

Philip<br />

Selway<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>. 4ª às 21h30. Tel.: 220120220. 22€. Na<br />

Sala 2.<br />

Red Trio + John Butcher<br />

Com Rodrigo Pinheiro (piano),<br />

Hernâni Faustino (contrabaixo),<br />

Gabriel Ferrandini (bateria), John<br />

Butcher (saxofone).<br />

Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD, às<br />

21h30. Tel.: 217905155. 5€. No Pe<strong>que</strong>no Auditório. M 12.<br />

Ciclo Isto É Jazz?<br />

Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />

Lisboa. Cinema São Jorge. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175, às<br />

21h30. Tel.: 213103400. 18€ a 30€.<br />

Na Sala 1. Apresentação <strong>de</strong><br />

“Penínsulas & Continentes”.<br />

quinta 8<br />

Sepultura + Crowbar + Hamlet +<br />

Armed For Apocalypse<br />

Corroios. Cine-Teatro do Ginásio Clube. R. Ginásio<br />

Clube <strong>de</strong> Corroios, 19, às 20h00 (portas abrem às<br />

19h). Tel.: 212532666. 25€. Pré-venda: 23€.<br />

Foge Foge Bandido<br />

Lisboa. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, às 21h30.<br />

Tel.: 217967624. 18€ a 22,5€.<br />

Apresentação <strong>de</strong> “O Amor Dá-me<br />

Tesão.<br />

Não Fui Eu <strong>que</strong> Estraguei”. Manel<br />

Cruz, o ex-Ornatos Violeta dotado <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a veia lírica ímpar, lançou-se<br />

recentemente a solo. Foge Foge<br />

Bandido é o nome do projecto com<br />

<strong>que</strong> se apresenta.<br />

Diabo Na Cruz<br />

Com Jorge Cruz (guitarra e voz), B<br />

Fachada (viola braguesa e voz),<br />

Bernardo Barata (baixo e voz), João<br />

Gil (sintes), João Pinheiro (bateria e<br />

percussão).<br />

Guarda. Teatro Municipal da Guarda. R. Batalha<br />

Reis, 12, às 22h00. Tel.: 271205241. 4€.<br />

Café-concerto. Apresentação <strong>de</strong><br />

“Virou!”.<br />

Red Trio + John Butcher<br />

Com Rodrigo Pinheiro (piano),<br />

Hernâni Faustino (contrabaixo),<br />

Gabriel Ferrandini (bateria), John<br />

Butcher (saxofone).<br />

Portalegre. Centro <strong>de</strong> Artes do Espectáculo. Praça da<br />

Republica, 39, às 22h00. Tel.: 245307498. 5€. No<br />

Pe<strong>que</strong>no Auditório. M4.<br />

Samuel Úria<br />

No dia 7, às 19h, o Ludovice<br />

Ensemble apresenta no Instituto<br />

Franco-Português, em Lisboa, o<br />

programa “Amour, viens animer ma<br />

voix !”, composto por cantatas<br />

francesas do início do século XVIII,<br />

com a colaboração do barítono Hugo<br />

Oliveira. O concerto será transmitido<br />

em directo pela RDP-Antena 2 e<br />

repetido no dia seguinte, às 21h30, no<br />

Auditório <strong>de</strong> Espinho. O programa<br />

versa temáticas como os mitos <strong>de</strong><br />

Orfeu e Pigmalião e inclui as cantatas<br />

“Pygmalion”, <strong>de</strong> Clérambault; “Le<br />

Jaloux”, <strong>de</strong> Campra; “L’Enlévement<br />

d’Orithie”, <strong>de</strong> Montéclair; e “Orphée”,<br />

<strong>de</strong> Courbois; bem como trechos<br />

instr<strong>um</strong>entais (“Concerts <strong>de</strong><br />

Simphonies”) <strong>de</strong> Dornell. C.F.<br />

O mais sereno <strong>dos</strong><br />

“Requiem”<br />

Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong><br />

Lisboa<br />

Coro Sinfónico Lisboa Cantat<br />

Ana Quintans (soprano), Armando<br />

Possante (barítono), Hakan<br />

Rosengren (clarinete), Robertas<br />

Servenikas (direcção)<br />

Lisboa, Aula Magna da Reitoria da Universida<strong>de</strong><br />

Clássica, dia 2, às 21h30.<br />

“É tão suave como eu”, escreveu<br />

Gabriel Fauré (1845-1924) n<strong>um</strong>a carta<br />

a <strong>um</strong> amigo a propósito do seu<br />

“Requiem”, obra <strong>que</strong> troca o<br />

dramatismo da morte expresso pela<br />

maior parte <strong>dos</strong> compositores <strong>que</strong> o<br />

prece<strong>de</strong>ram pela serenida<strong>de</strong><br />

consoladora e por <strong>um</strong>a estética<br />

<strong>de</strong>spojada <strong>de</strong> <strong>um</strong>a beleza etérea.<br />

“Mais do <strong>que</strong> o terror da morte, o<br />

meu Requiem expressa o sossego do<br />

<strong>de</strong>scanso eterno. É assim <strong>que</strong> eu<br />

visualizo a morte: <strong>um</strong>a feliz re<strong>de</strong>nção,<br />

<strong>um</strong>a aspiração a <strong>de</strong>leites mais<br />

eleva<strong>dos</strong> e não <strong>um</strong>a transição lúgubre<br />

para <strong>um</strong> sinistro <strong>de</strong>sconhecido”,<br />

escreveu o compositor.<br />

Foi esta obra célebre, estreada<br />

n<strong>um</strong>a versão mais reduzida em 1888<br />

na Igreja da Ma<strong>de</strong>leine <strong>de</strong> Paris e<br />

objecto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a or<strong>que</strong>stração mais<br />

ampla para a apresentação em 1900<br />

por ocasião da Exposição<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 47


Concertos<br />

Regresso<br />

Robert Plant vai<br />

ressuscitar <strong>um</strong>a banda<br />

para lançar novo disco -<br />

entre o Verão e o Outono<br />

- e voltar à estrada, mas<br />

arrefeçam os ânimos:<br />

não são os Led Zeppelin.<br />

Band of Joy é o nome <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> projecto <strong>que</strong> Plant e<br />

o baterista John Bonham<br />

criaram ainda antes<br />

<strong>de</strong> se tornarem lendas<br />

da música. O vocalista<br />

recrutou quatro novos<br />

elementos com os quais,<br />

em Julho, vai percorrer<br />

doze palcos norteamericanos.<br />

Universal da capital francesa, <strong>que</strong><br />

a Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />

seleccionou para o seu Concerto <strong>de</strong><br />

Páscoa <strong>de</strong>ste ano. Hoje, às 21h30,<br />

será possível apreciar a sua<br />

interpretação na Aula Magna da<br />

Reitoria da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa,<br />

sob a direcção <strong>de</strong> Robertas<br />

Servenikas. Serão solistas a soprano<br />

Ana Quintans – a <strong>que</strong>m cabe <strong>um</strong>a<br />

das passagens mais famosas da<br />

composição (“Pie Jesu”) — e o<br />

barítono Armando Possante. O<br />

programa do concerto inclui ainda<br />

<strong>um</strong>a peça relativamente pouco<br />

interpretada: o Concerto para<br />

Clarinete e Or<strong>que</strong>stra, Op. 57, do<br />

compositor dinamarquês Carl<br />

Nielsen (1865-1931), com Hakan<br />

Rosengren como solista. C.F.<br />

Pop<br />

Phil Selway não<br />

é só baterista <strong>dos</strong><br />

Radiohead<br />

Philip Selway+ Lisa Germano<br />

Lisboa. Aula Magna. Alam. Universida<strong>de</strong>, 3ª, 6, às<br />

21h00 (portas abrem às 20h). Tel.: 217967624. 22€ a<br />

30€.<br />

Philip Selway + Lisa Germano<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albu<strong>que</strong>r<strong>que</strong>. 4ª, 7, às 21h30. Tel.: 220120220. 22€.<br />

Na Sala 2.<br />

Estamos habitua<strong>dos</strong> a vê-lo no fundo<br />

do palco, <strong>de</strong> crânio luzidio e bom<br />

to<strong>que</strong> <strong>de</strong> ba<strong>que</strong>ta, mas Phil Selway, o<br />

baterista <strong>dos</strong> Radiohead, não é<br />

“apenas o baterista”. Selway pega na<br />

guitarra e canta e, se já o faz <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

2001 nos 7 Worlds Colli<strong>de</strong>, a banda<br />

<strong>de</strong> beneficência reunida por Neil<br />

Finn, o ex-Crow<strong>de</strong>d House, agora<br />

tudo é mais sério. Está a gravar <strong>um</strong><br />

álb<strong>um</strong> a solo e marcou <strong>um</strong>a<br />

digressão para mostrar as suas<br />

canções Europa fora. Actua em<br />

Portugal terça-feira, no Pe<strong>que</strong>no<br />

Auditório do Centro Cultural <strong>de</strong><br />

Belém (o concerto esteve marcado<br />

para a Aula Magna, mas o local foi<br />

alterado esta semana), sobe ao<br />

Porto, à Casa da Música, no dia<br />

seguinte, e vem em boa companhia.<br />

Lisa Germano, a cantora <strong>de</strong><br />

neuroses e psicoses, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a invulgar<br />

violência lírica, ela <strong>que</strong> marcou a<br />

década <strong>de</strong> 1990 com álbuns como<br />

“Excerpts from a love circus”,<br />

conheceu Selway nos 7 Worlds<br />

Colli<strong>de</strong> e ocupar-se-á das primeiras<br />

partes <strong>dos</strong> concertos. Reúne-se<br />

<strong>de</strong>pois ao baterista <strong>que</strong> não é só<br />

baterista e, com a companhia do<br />

baixista Sebastian Steinberg, o trio<br />

apresentará em formato mais<br />

<strong>de</strong>spido a música do álb<strong>um</strong> <strong>que</strong><br />

ouviremos no final do ano. Selway<br />

está a gravá-lo com os companheiros<br />

<strong>de</strong> digressão, mas também com dois<br />

Wilco, o baterista Glenn Kotche e o<br />

multi-instr<strong>um</strong>entista Pat Sansone.<br />

A banda <strong>que</strong><br />

Tarantino ainda não<br />

<strong>de</strong>scobriu<br />

Vermillion Sands + Black Leather<br />

Leiria, Orfeão Velho, hoje, 22h30; tel.: 962312547 /<br />

910255776. Bilhetes a 5€ (sócios Fa<strong>de</strong> In), 6€ (venda<br />

antecipada) e 7,5€ (no próprio dia)<br />

Algures n<strong>um</strong>a crítica escreve-se <strong>que</strong><br />

os Vermillion Sands são a banda<br />

<strong>que</strong> Quentin Tarantino ainda não<br />

<strong>de</strong>scobriu. E se não os <strong>de</strong>scobriu,<br />

ele <strong>que</strong> é homem atento, será<br />

menos por <strong>de</strong>satenção e mais<br />

por<strong>que</strong> é difícil pôr a vista em cima<br />

<strong>de</strong>sta banda. Falamos, afinal, <strong>de</strong><br />

pessoal <strong>que</strong> resgatou nome a <strong>um</strong><br />

livro <strong>de</strong> contos <strong>de</strong> J.G. Ballard, <strong>que</strong><br />

edita pela Fat Poss<strong>um</strong> e <strong>que</strong> toca<br />

<strong>um</strong> rock’n’roll mais americano <strong>que</strong><br />

a América, com <strong>um</strong>a magnífica<br />

vocalista <strong>de</strong> timbre familiar ao da<br />

igualmente magnífica Holy<br />

Golighlty. Acontece <strong>que</strong> os<br />

Vermillion Sands, pessoal <strong>de</strong><br />

rugosida<strong>de</strong>s “garage” e faiscar fuzz,<br />

são <strong>de</strong> Treviso, no Norte <strong>de</strong> Itália.<br />

Por isso perdoamos a Quentin<br />

Tarantino não ter ainda reparado<br />

neles e agra<strong>de</strong>cemos à história ter<br />

feito <strong>de</strong>sta coisa chamada<br />

rock’n’roll expressão universal.<br />

Estes Vermillion Sands <strong>que</strong><br />

chegam ao Orfeão Velho, em Leiria,<br />

incluí<strong>dos</strong> na programação do Fa<strong>de</strong><br />

In 2010, vivem da personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Anna Barattin, ela <strong>que</strong> plana na<strong>que</strong>la<br />

dimensão “miúda co<strong>que</strong>tte, mulher<br />

vivida” <strong>que</strong> dá às canções <strong>um</strong><br />

<strong>de</strong>licioso travo <strong>de</strong> perversida<strong>de</strong>.<br />

Depois, têm os músicos certos para<br />

construir os cenários indica<strong>dos</strong> aos<br />

passeios da<strong>que</strong>la voz. Há memórias<br />

<strong>de</strong> country & western, há garage<br />

para <strong>que</strong> a dança se instale, há a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criar standards on<strong>de</strong> cabe<br />

toda a iconografia rock’n’roll<br />

americana. Standards com a noção<br />

certa das coisas: “Wake me when I<br />

die”, como ouvimos cantar algures a<br />

vivíssima Anna Barattin A primeira<br />

parte será assegurada pelos<br />

portugueses Black Leather, pinta<strong>dos</strong><br />

a negro gótico e com <strong>um</strong>a versão <strong>de</strong><br />

“Sweet Dreams” a condizer. M.L.<br />

Jazz<br />

Labirintos<br />

Apresentação, ao vivo, do<br />

novo registo <strong>dos</strong> Lokomotiv,<br />

<strong>um</strong>a das <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> formações<br />

do jazz português. Rodrigo<br />

Amado<br />

Carlos Barretto Lokomotiv<br />

Com Mário Delgado e José Salgueiro<br />

Lisboa São Jorge, 6, 21h30; 5 euros<br />

Carlos Barretto, contrabaixista luso<br />

<strong>de</strong> excepção, sempre teve como<br />

ponto forte o ritmo, revelando <strong>um</strong>a<br />

capacida<strong>de</strong> única para a construção<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a po<strong>de</strong>rosa teia rítmica, feita<br />

do pós-bop <strong>que</strong> tocou durante anos<br />

e marcado ainda por forte influência<br />

mediterrânica. Recrutado<br />

fre<strong>que</strong>ntemente por figuras <strong>de</strong> topo<br />

do jazz nacional, como Bernardo<br />

Sassetti ou Carlos Martins, é nos<br />

seus próprios projectos <strong>que</strong> alcança<br />

<strong>um</strong>a maior consistência e equilíbrio;<br />

a solo, com o projecto Solo<br />

Pictórico, com os In Loko, sexteto<br />

vocacionado para <strong>um</strong>a fusão entre<br />

rock, funk e jazz, ou com os<br />

Lokomotiv, trio <strong>que</strong> partilha com<br />

duas outras <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> figuras do jazz,<br />

o guitarrista Mário Delgado e o<br />

baterista<br />

percussionista José Salgueiro.<br />

Com <strong>um</strong> único registo gravado<br />

em 2003 para a editora Clean Feed<br />

e <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> concertos realiza<strong>dos</strong>,<br />

os Lokomotiv constituem <strong>um</strong><br />

veículo <strong>de</strong> excepção para a música<br />

<strong>de</strong> Carlos Barretto e para a<br />

exuberante criativida<strong>de</strong><br />

instr<strong>um</strong>ental <strong>dos</strong> seus três músicos.<br />

Conjugando elementos do jazz, do<br />

rock e da música tradicional<br />

portuguesa, integra ainda<br />

influências <strong>dos</strong> muitos nomes<br />

internacionais com os quais<br />

Barretto colaborou, entre eles<br />

figuras como Lee Konitz, Gary<br />

Bartz, Steve Lacy, Kirk Lightsey ou<br />

Mal Waldron.<br />

48 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Discos<br />

Meia-dúzia <strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> canções<br />

e mais <strong>um</strong> punhado <strong>de</strong> muito<br />

razoáveis melodias – nada mau<br />

para <strong>um</strong> mini-super-duo<br />

Pop<br />

Mini-superduo<br />

Este disco respira os vapores<br />

arroxea<strong>dos</strong> <strong>que</strong> ainda hoje<br />

emanam <strong>de</strong> obras-primas<br />

como “Pet Sounds”, <strong>dos</strong><br />

Beach Boys, ou “O<strong>de</strong>ssey and<br />

Oracle”, <strong>dos</strong> Zombies. João<br />

Bonifácio<br />

Broken Bells<br />

Broken Bells<br />

Col<strong>um</strong>bia; distri. Sony<br />

mmmmn<br />

Os super-grupos,<br />

como a obra <strong>dos</strong><br />

Travelling Wilburys<br />

tão bem <strong>de</strong>monstra,<br />

não cost<strong>um</strong>am ser<br />

<strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia.<br />

Mas os Broken Bells não são bem <strong>um</strong><br />

super-grupo, antes <strong>um</strong> ajuntamento<br />

<strong>de</strong> mini médias estrelas. Ou, vá, <strong>um</strong><br />

duo <strong>de</strong> valentes lanternas, já <strong>que</strong><br />

Lançamento<br />

tanto o produtor Danger Mouse<br />

como James Mercer são gente<br />

conhecida mas estão longe <strong>de</strong> ter a<br />

exposição ridícula <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Lady<br />

Gaga.<br />

Danger Mouse surpreen<strong>de</strong>u o<br />

mundo com o seu “Grey Alb<strong>um</strong>”, em<br />

<strong>que</strong> misturava Beatles e Jay-Z, e<br />

encetou proveitosas colaborações<br />

com os Gorillaz, Cee-Lo (nos Gnarls<br />

Barkley) e com Mark Linkous <strong>dos</strong><br />

Sparklehorse.<br />

Mercer foi o lí<strong>de</strong>r <strong>dos</strong> Shins, <strong>que</strong><br />

fizeram <strong>um</strong> extraordinário disco,<br />

“Oh, Inverted World” (2001), e mais<br />

dois engraçadinhos. Ambos são<br />

fanáticos da pop <strong>dos</strong> anos 50 e 60,<br />

tolinhos da psych, da exótica e seus<br />

<strong>de</strong>riva<strong>dos</strong>, pelo <strong>que</strong> não admira <strong>que</strong><br />

o disco seja atravessado por <strong>um</strong>a<br />

indie-pop vagamente psicadélica. As<br />

melodias são tão melosas como <strong>um</strong>a<br />

namoradinha adolescente e os<br />

arranjos polvilham cada canção <strong>de</strong><br />

ganchos e tru<strong>que</strong>s pop<br />

<strong>de</strong>liberadamente retro e<br />

referenciais. “Vaporize” vive <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>liciosos órgãos vintage, “The<br />

ghost insi<strong>de</strong>” tem beat impecável,<br />

ritmo semi-disco, palminhas e<br />

falsete, registo <strong>que</strong> regressa em “The<br />

Mall & Misery”, enquanto “Sailing to<br />

nowhere” tem órgãos à Procol<br />

Har<strong>um</strong> em dueto com <strong>um</strong> beat<br />

quase-bossa. Nos seus melhores<br />

momentos o disco respira os<br />

vapores arroxea<strong>dos</strong> <strong>que</strong> ainda hoje<br />

emanam <strong>de</strong> obras-primas como “Pet<br />

Sounds”, <strong>dos</strong> Beach Boys, ou<br />

“O<strong>de</strong>ssey and Oracle”, <strong>dos</strong> Zombies.<br />

Exemplo disso é a sinfónica “Your<br />

head is on fire”, <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

encontro entre Esquivel e os Olivia<br />

Tremor Control, “Trap doors”,<br />

cruzamento <strong>de</strong> banda-sonora <strong>de</strong><br />

jogo para o Spectr<strong>um</strong> com singles<br />

obscuros <strong>de</strong> Martin Denny e a<br />

magnífica “High road”. Meia-dúzia<br />

<strong>de</strong> <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> canções e mais <strong>um</strong><br />

punhado <strong>de</strong> muito razoáveis<br />

melodias – nada mau para <strong>um</strong> minisuper-duo.<br />

Erudição<br />

festiva<br />

Trio <strong>de</strong> miú<strong>dos</strong> afroamericanos<br />

causam<br />

sensação, <strong>de</strong>sencantando<br />

sons es<strong>que</strong>ci<strong>dos</strong> no baú <strong>dos</strong><br />

avós. Luís Maio<br />

Carolina Chocolate Drops<br />

Genuine Negro Jig<br />

Nonesuch, distri. Warner<br />

mmmmn<br />

Ben Harper e os<br />

Relentless 7, o trio<br />

<strong>que</strong> o acompanha<br />

há dois anos,<br />

preparam-se para<br />

lançar novo disco<br />

e contam com <strong>um</strong><br />

convidado especial.<br />

“Give ‘Till It’s<br />

Começam por ser<br />

<strong>um</strong>a novida<strong>de</strong> na<br />

rubrica “música <strong>de</strong><br />

outros tempos”. Os<br />

Carolina Chocolate<br />

Drops são <strong>um</strong> trio<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Gone” foi concluído<br />

e, n<strong>um</strong>a faixa,<br />

teve Ringo Starr<br />

sentado na bateria.<br />

O lançamento do<br />

sucessor <strong>de</strong> “White<br />

Lies for Dark Times”<br />

está previsto para<br />

Outubro.<br />

“Genuine Negro Jig” surpreen<strong>de</strong> pela erudição e pela ousadia<br />

<strong>de</strong> jovens afro-americanos <strong>de</strong> classe<br />

média e educação académica <strong>que</strong><br />

mergulhou a fundo n<strong>um</strong> estilo <strong>de</strong><br />

música ancestral, originário da<br />

região do Piedmont, na Carolina do<br />

Norte. É a tradição das “string<br />

bands”, bandas <strong>de</strong> negros<br />

conjugando banjo, “fiddle” e<br />

guitarra n<strong>um</strong> estilo <strong>de</strong> música<br />

festiva, a meio caminho entre o<br />

blues, o hillbilly e os jigs irlan<strong>de</strong>ses.<br />

Uma fatia ultra refundida e insólita –<br />

as origens africanas do banjo, a<br />

apropriação negra da música <strong>dos</strong><br />

brancos - <strong>que</strong> os Drops recriam<br />

n<strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> ainda mais aberta e<br />

<strong>de</strong>scomplexada.<br />

Há temas tradicionais, a começar<br />

por “Genuine negro jig”, <strong>que</strong> dá<br />

nome ao álb<strong>um</strong>, original <strong>de</strong> Dan<br />

Emmett com 200 anos, “standards”<br />

como “Why don’t you do right?”<br />

(1936), à mistura com versões <strong>de</strong><br />

títulos tão recentes como “Hit ‘em<br />

up style”, êxito na voz da cantora<br />

soul Blu Cantrell em 2001 e<br />

“Trampled rose” <strong>de</strong> Tom Waits.<br />

Todo o alinhamento sem excepção<br />

recebe o tratamento típico das<br />

“string bands” com Justin Robinson<br />

em “fiddle”, Rhiannon Gid<strong>de</strong>ns no<br />

banjo e Don Flemons em percussões<br />

(<strong>que</strong> envolvem tamborilar ritmos<br />

nos joelhos e em caixas <strong>de</strong> sapatos).<br />

Mas eles rambém gostam <strong>de</strong> mudar<br />

<strong>de</strong> posições e cada <strong>um</strong> é voz solista<br />

n<strong>um</strong> par <strong>de</strong> canções.<br />

São confessas as influências do<br />

guitarrista Joe Thompson, veterano<br />

do som <strong>dos</strong> Appalaches, agora com<br />

90 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, mas também do<br />

canto das gargantas profundas <strong>de</strong><br />

Tuba, e a conexão celta está patente<br />

na solene versão do tradicional<br />

“Reynadine” na voz <strong>de</strong> Rhiannon.<br />

De modo geral o som clássico das<br />

“string bands” é abordado com <strong>um</strong>a<br />

atitu<strong>de</strong> actual. Há <strong>um</strong> baile punk, ou<br />

<strong>um</strong> sarau hip hop latente nos temas<br />

dançantes, enquanto nas baladas<br />

espreita a sensibilida<strong>de</strong> da folk mais<br />

negra e confissional.<br />

“Genuine Negro Jig” surpreen<strong>de</strong><br />

pela erudição e pela ousadia, pelo<br />

notável ziguezague entre passado e<br />

presente <strong>que</strong> as suas canções põem<br />

em jogo. Largamente investigado,<br />

intelectualizado e sempre com<br />

várias camadas <strong>de</strong> leitura, nem por<br />

isso <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> disco tão<br />

brincalhão e festivo quanto se<br />

pres<strong>um</strong>e <strong>que</strong> o eram as antigas<br />

string bands.<br />

Field Music<br />

Field Music<br />

Memprhis Industries; distri. Popstock<br />

mmmmn<br />

O duplo disco<br />

homónimo <strong>dos</strong><br />

Field Music, sendo<br />

<strong>um</strong> disco duplo,<br />

não tem –<br />

felizmente –<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 49


Discos<br />

Os Libertines<br />

estão <strong>de</strong> volta. O<br />

hiato já durava<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004, mas o<br />

resfriar das <strong>que</strong>zílias<br />

entre Pete Doherty e Carl<br />

Barât parece ter <strong>um</strong> preço.<br />

Segundo o “Guardian”,<br />

os valores propostos<br />

Regresso<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

pelos festivais <strong>de</strong><br />

Reading e Leeds,<br />

ambos com datas<br />

marcadas para<br />

Agosto, permitem<br />

o regresso da banda <strong>de</strong><br />

“Can’t stand me now”.<br />

Novas datas e até a<br />

criação <strong>de</strong> novo reportório<br />

são <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong>.<br />

Tudo isto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do<br />

<strong>de</strong>sfecho do mais recente<br />

escândalo em torno<br />

<strong>de</strong> Doherty, preso por<br />

alegado envolvimento<br />

na morte por “over<strong>dos</strong>e”<br />

da cineasta Robin<br />

Whitehead.<br />

qual<strong>que</strong>r significado<br />

transcen<strong>de</strong>ntal associado, antes é<br />

atravessado por canções <strong>que</strong><br />

disparam em todas as direcções:<br />

riffalhada à Jimi<br />

Hendrix,<br />

cordas<br />

Field Music: Não é tudo<br />

grandioso, mas espremido<br />

temos <strong>um</strong>a <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> tremendas<br />

canções com <strong>um</strong>a imaginação<br />

como já não se vê<br />

s<strong>um</strong>ptuosas, funk branco, soluções<br />

melódicas à XTC e até baladas. Mas<br />

mais <strong>que</strong> profusão <strong>de</strong> géneros o <strong>que</strong><br />

faz <strong>de</strong> “Field Music” <strong>um</strong> gran<strong>de</strong><br />

disco é a baixa percentagem <strong>de</strong><br />

faixas falhadas e a criativida<strong>de</strong> das<br />

soluções <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> cada<br />

canção. “Let’s<br />

write a book”<br />

tem a i<strong>de</strong>ia<br />

maluca <strong>de</strong><br />

unir <strong>um</strong>a<br />

percussão<br />

sintética a<br />

<strong>um</strong> xilofone dissonante, como se<br />

Prince dançasse n<strong>um</strong> tan<strong>que</strong> com<br />

lixívia. “Them that do nothing”<br />

estrutura-se em guitarras à XTC<br />

antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar a estrutura prévia,<br />

n<strong>um</strong>a saudável <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

sabotagem. A sombra <strong>dos</strong> Beatles<br />

acerca-se no jogo <strong>de</strong> cordas <strong>de</strong><br />

“Measure”. O tru<strong>que</strong>, aqui, resi<strong>de</strong> no<br />

uso do contra-ponto. Por diversas<br />

vezes temos versões brancas <strong>de</strong> riffs<br />

hendrixianos a coincidirem com<br />

quase-falsetes ou a acabarem em<br />

refrões melosos. N<strong>um</strong> momento <strong>de</strong><br />

suprema inspiração, “Choosing<br />

n<strong>um</strong>bers”, a percussão lo-fi parece<br />

emular o grau <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

melhores momentos <strong>dos</strong> Beach Boys<br />

e raiar a música exótica antes <strong>de</strong> se<br />

abrir n<strong>um</strong> refrão solar. O irmão<br />

Dennis Wilson parece tutelar o<br />

empernanço <strong>de</strong> piano e metais em<br />

“See you later” e os Big Star levam a<br />

segunda parte <strong>de</strong> “First comes the<br />

wish” a <strong>um</strong> lugar <strong>de</strong> beleza. No<br />

resto, proto-funk <strong>de</strong>slavado convive<br />

com plágios aos Beatles, guitarrada<br />

fatela acaba em dança, canções pop<br />

<strong>de</strong>saguam em codas sinfónicas. Não<br />

é tudo grandioso, mas espremido<br />

temos <strong>um</strong>a <strong>de</strong>zena <strong>de</strong> tremendas<br />

canções com <strong>um</strong>a imaginação como<br />

já não se vê. Vão ser tão <strong>gran<strong>de</strong>s</strong><br />

quanto a inteligência h<strong>um</strong>ana<br />

permitir. João Bonifácio<br />

Um trovador<br />

competente<br />

Tiago Bettencourt & Mantha<br />

Em Fuga<br />

Universal<br />

mmmnn<br />

Em crítica a<br />

“Jardim”, o<br />

primeiro álb<strong>um</strong><br />

<strong>de</strong> Tiago<br />

Bettencourt no<br />

pós-Toranja,<br />

escrevemos <strong>que</strong> se i<strong>de</strong>ntificavam<br />

nele dois caminhos possíveis. O do<br />

pianista <strong>de</strong> baladas <strong>de</strong> coração<br />

exposto, <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong>vedor <strong>de</strong><br />

Jorge Palma, e <strong>um</strong>a libertação <strong>de</strong>ssas<br />

amarras, com Bettencourt<br />

<strong>de</strong>scobrindo alg<strong>um</strong>a vivacida<strong>de</strong> rock<br />

e novas soluções estéticas. “Em<br />

Fuga”, o seu segundo álb<strong>um</strong>,<br />

mostra-nos <strong>que</strong> os Toranja estão lá<br />

longe, perdi<strong>dos</strong> n<strong>um</strong>a memória<br />

distante, e <strong>que</strong> o meio Bettencourt<br />

<strong>que</strong> víramos antes é agora<br />

Bettencourt inteiro. Um cantor <strong>de</strong><br />

“amores”, sempre amores, com o<br />

outro, o amado, como inspiração e<br />

receptor <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os versos.<br />

N<strong>um</strong> álb<strong>um</strong> dominado pelas<br />

guitarras acústicas e pelo piano,<br />

novamente produzido por Howard<br />

Bilerman (Arca<strong>de</strong> Fire, Godspeed<br />

You! Black Emperro), Tiago<br />

Bettencourt mostra-se <strong>um</strong><br />

competentíssimo escritor <strong>de</strong><br />

canções. Não existe ferida a exigir<br />

<strong>que</strong> a voz se liberte ou sensação <strong>de</strong><br />

Tiago Bettencourt oferece conforto a vidas confortáveis<br />

arrebatamento, antes estas melodias<br />

com “pa pa pás” no sítio certo<br />

(“Chocámos tu e eu”), <strong>um</strong> pouco <strong>de</strong><br />

sonoplastia americana em cenário<br />

<strong>de</strong> trovador português (“Parece <strong>que</strong><br />

o <strong>de</strong>stino nos <strong>que</strong>brou”, a melhor<br />

canção do álb<strong>um</strong>), <strong>um</strong> híbrido<br />

Coldplay / Jorge Palma em “Só mais<br />

<strong>um</strong>a volta” (sendo <strong>que</strong> Bettencourt é<br />

melhor <strong>que</strong> os primeiros mas não<br />

atinge a profundida<strong>de</strong> do segundo)<br />

e, genericamente, <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />

canções escorreitas on<strong>de</strong> o verbo é<br />

conselho e carícia para vidas sem<br />

sobressaltos. Há muitos anos, Cat<br />

Stevens serviu <strong>de</strong> psicanalista para<br />

<strong>um</strong>a geração <strong>que</strong> não sabia o <strong>que</strong><br />

fazer <strong>dos</strong> seus <strong>sonhos</strong> <strong>de</strong>sfeitos – e<br />

ele <strong>de</strong>u-lhes o conforto do r<strong>um</strong>o<br />

apontado em “Father & son”.<br />

Tiago Bettencourt, <strong>que</strong> não<br />

psicanalisa, até po<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r<br />

momentaneamente à “rockalhada”<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes afia<strong>dos</strong> (“O Lobo”,<br />

curiosamente), mas é <strong>um</strong> pouco<br />

como Cat Stevens: oferece conforto<br />

(a vidas confortáveis). M.L.<br />

Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />

Penínsulas & Continentes<br />

Universal<br />

mmmmn<br />

A rodagem em<br />

palco do bem<br />

recebido “A Little<br />

More Blue” levou<br />

Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros<br />

a ampliar a sua<br />

primeira aventura no canto.<br />

“Penínsulas & Continentes”, <strong>que</strong> daí<br />

Maria <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros: muito<br />

bons arranjos, bom reportório;<br />

<strong>que</strong>mais pedir?<br />

Fhjn<br />

resultou, já não é só mais <strong>um</strong> passo<br />

lateral <strong>de</strong> <strong>um</strong>a actriz <strong>que</strong> canta mas<br />

o esteio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a faceta ass<strong>um</strong>ida na<br />

sua carreira. Dito isto, o cinema<br />

continua a marcar a dramaturgia <strong>dos</strong><br />

sons, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo na escolha <strong>de</strong> três<br />

temas <strong>de</strong> Nino Rota (“La dolce vita”,<br />

“Speak soflty love”, “Che scherzi fa<br />

l’amore”; ou Fellini, Coppola,<br />

Wertmüller) ou em canções <strong>que</strong><br />

podiam ser pe<strong>que</strong>nos filmes: “Te<br />

recuerdo Amanda”, <strong>de</strong> Victor Jara,<br />

ou “Não vás contar <strong>que</strong> mu<strong>de</strong>i a<br />

fechadura”, <strong>de</strong> Sérgio Godinho,<br />

n<strong>um</strong>a versão, aliás, pouco<br />

convincente. Já a interpretação <strong>de</strong><br />

três temas <strong>de</strong> José Afonso (“O<br />

homem voltou”, “Paz, poeta e<br />

pombas” e “Coro da primavera”) é<br />

efusiva e brilhante, como brilhante é<br />

a abordagem a dois catalães ilustres,<br />

Raimon e Toti Soler (“Epigrama” é<br />

<strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na maravilha na voz<br />

<strong>de</strong>la). “Muxima”, do Duo Ouro<br />

Negro, e “Velha chica”, <strong>de</strong> Wal<strong>de</strong>mar<br />

Bastos, têm versões elo<strong>que</strong>ntes e<br />

dignas e “A jazmín”, do grupo<br />

espanhol El Último <strong>de</strong> la Fila, meio<br />

r<strong>um</strong>ba, meio bolero, respira<br />

espreguiçando-se. Por último,<br />

“Quem à janela”, <strong>de</strong> Amélia Muge,<br />

surpreen<strong>de</strong> n<strong>um</strong>a batida rock meio<br />

“bluesy” com refrão a piscar o olho<br />

aos “riffs” <strong>de</strong> bailes antigos. Muito<br />

bons arranjos, bom reportório, bom<br />

disco. Que mais pedir? Nuno<br />

Pacheco<br />

Jazz<br />

One man<br />

band<br />

Pat Metheny volta a<br />

surpreen<strong>de</strong>r com <strong>um</strong><br />

<strong>dos</strong> trabalhos mais<br />

experimentais da sua<br />

carreira. Paulo Barbosa<br />

Pat Metheny<br />

Orchestrion<br />

Nonesuch, distri.Warner<br />

mmmmn<br />

Em “Or<strong>que</strong>strion” a música é<br />

produzida por <strong>um</strong>a imensa<br />

50 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


Pat Metheny: <strong>um</strong> improvisador em forma superior<br />

of the air”. Não obstante,<br />

“Orchestrion” apresenta motivos<br />

<strong>de</strong> sobra para <strong>que</strong> não sejam<br />

apenas os mais fiéis seguidores do<br />

guitarrista a <strong>de</strong>dicar-lhe atenção.<br />

Odisseia<br />

sem chama<br />

Incapaz <strong>de</strong> <strong>um</strong> disco<br />

mau, o clarinetista e<br />

saxofonista assina <strong>um</strong><br />

disco sem a chama <strong>que</strong> lhe<br />

é reconhecida. Rodrigo<br />

Amado<br />

panóplia <strong>de</strong><br />

instr<strong>um</strong>entos<br />

(guitarras,<br />

baixos, pianos,<br />

marimba,<br />

vibrafone,<br />

percussões diversas) e <strong>de</strong> vários<br />

outros artefactos, tendo em vista a<br />

sua a<strong>de</strong>quação à arquitectura<br />

sonora típica do universo <strong>de</strong><br />

Metheny, mais concretamente o <strong>de</strong><br />

“Still Life (Talking)” e “Letter From<br />

Home”, ambos da década <strong>de</strong> 80, e<br />

do mais ambicioso “Secret Story”<br />

(1992).<br />

Sem <strong>que</strong> tenha aqui lugar <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>talhada explanação do processo<br />

<strong>de</strong> criação das diferente partes<br />

<strong>de</strong>ste “Orchestrion” e do modo<br />

incrivelmente preciso através do<br />

guitarrista o coloca em acção, o<br />

aspecto mais louvável <strong>de</strong> toda esta<br />

aventura – <strong>um</strong> sonho <strong>de</strong> infância<br />

para Metheny – será o facto <strong>de</strong><br />

apenas em alguns momentos bem<br />

concretos a música acusar o<br />

carácter mecânico <strong>que</strong> está na<br />

base da sua criação. Se a isso se<br />

adicionar a presença <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

improvisador em forma<br />

claramente superior à<strong>que</strong>la em<br />

<strong>que</strong> o havíamos encontrado nas<br />

suas parcerias com o pianista Brad<br />

Mehldau ou no trio <strong>que</strong> formou<br />

com Christian McBri<strong>de</strong> e Antonio<br />

Sanchez, “Orchestrion” <strong>de</strong>verá ser<br />

visto como o mais interessante<br />

registo do trajecto recente do<br />

guitarrista.<br />

Em “Soul search”, tema mais<br />

fraco do álb<strong>um</strong>, dá-se <strong>um</strong>a<br />

situação problemática quando o<br />

guitarrista, na tentativa <strong>de</strong> abrir<br />

espaço para a sua faceta mais<br />

fundada em Wes Montgomery e<br />

Kenny Burrell, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> dar or<strong>de</strong>ns<br />

ao seu “orchestrion” para (tentar)<br />

“swingar”, efeito <strong>que</strong> <strong>um</strong>a<br />

máquina, ainda <strong>que</strong> tão<br />

perfeitamente concebida e<br />

manuseada, jamais seria capaz <strong>de</strong><br />

reproduzir. Há ainda a lamentar a<br />

simulação <strong>de</strong> <strong>um</strong> procedimento<br />

característico do Pat Metheny<br />

Group <strong>que</strong> se ouve no final <strong>de</strong><br />

“Expansions”, on<strong>de</strong> o guitarrista<br />

incorre n<strong>um</strong>a série <strong>de</strong> trocas com<br />

os instr<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> percussão do<br />

seu “orchestrion”, tentativa cujo<br />

resultado volta a <strong>de</strong>nunciar a<br />

artificialida<strong>de</strong> do processo,<br />

sensação <strong>que</strong> se repete ainda na<br />

forma como <strong>um</strong> baixo eléctrico<br />

“telecomandado” introduz “Spirit<br />

Louis Sclavis<br />

Louis Sclavis<br />

Lost On The Way<br />

ECM, dist. Dargil<br />

mmmnn<br />

A maior virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> “Lost On The<br />

Way”, oitavo<br />

áb<strong>um</strong> gravado<br />

por Louis Sclavis<br />

para a ECM, é<br />

dar-nos a confirmação <strong>de</strong> <strong>que</strong> o<br />

clarinetista e saxofonista francês<br />

não grava nunca dois álbuns iguais,<br />

apesar do seu som inconfundível e<br />

da personalida<strong>de</strong> musical forte<br />

como poucas. Um <strong>dos</strong> mais<br />

brilhantes músicos europeus,<br />

habituou-nos a não esperar <strong>de</strong>le <strong>um</strong><br />

conceito musical fechado, antes<br />

pelo contário: fez sempre <strong>que</strong>stão<br />

<strong>de</strong> abordar as mais diversas áreas,<br />

do folk à música progressiva, free<br />

jazz, clássica contemporânea ou<br />

mesmo rock, utilizando como<br />

elemento unificador a sua própria<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> musical, e ultrapassando<br />

em muito o rótulo <strong>que</strong> lhe é colado<br />

como músico <strong>de</strong> free jazz ou <strong>de</strong><br />

vanguarda.<br />

Inspirado na “Odisseia” <strong>de</strong><br />

Homero e gravado com <strong>um</strong><br />

quinteto – Sclavis em clarinetes e<br />

saxofone soprano, Matthieu<br />

Metzger em saxofones alto e<br />

soprano, Maxime Delpierre na<br />

guitarra, Olivier Lété no baixo e<br />

François Merville na bateria –<br />

“Lost On The Way” é <strong>um</strong> <strong>dos</strong> seus<br />

registos mais convencionais, com<br />

alg<strong>um</strong>as partes da guitarra e do<br />

baixo <strong>de</strong>masiado sintetizadas,<br />

acentuadas ainda pelos uníssonos<br />

<strong>de</strong> clarinete e saxofone. É nas<br />

partes em <strong>que</strong> Sclavis se liberta da<br />

rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> Metzger (longe da<br />

frescura <strong>de</strong> Marc Baron), fazendo<br />

soar o seu clarinete sobre os<br />

ritmos orgânicos <strong>de</strong> Merville, <strong>que</strong><br />

a música mais vibra. Com alg<strong>um</strong>as<br />

excelentes composições e<br />

improvisações brilhantes por parte<br />

<strong>de</strong> Sclavis e Delpierre, “Lost On<br />

The Way” fica preso n<strong>um</strong>a<br />

excessiva formatação<br />

<strong>dos</strong> arranjos.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 51


Discos<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Comentário<br />

A ignorância mata e o hip-hop<br />

também salva<br />

João<br />

Bonifácio<br />

No dia 14 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong>ste ano foi publicada no “DN” <strong>um</strong>a crónica <strong>que</strong> faria corar <strong>de</strong><br />

inveja os mais prenda<strong>dos</strong> revisionistas históricos ao serviço do regime estalinista. No<br />

texto, intitulado “O hip-hop também mata”, Alberto Gonçalves, sociólogo, parte da<br />

morte <strong>de</strong> <strong>um</strong> rapper, MC Snake, às mãos da polícia, em circunstâncias ainda por<br />

apurar, para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a tese <strong>de</strong> <strong>que</strong> os responsáveis pelo estereótipo <strong>que</strong> a polícia<br />

tem sobre os rappers negros é da exclusiva responsabilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> próprios rappers negros.<br />

Gonçalves afirma <strong>que</strong> o hip-hop, “no seu primarismo”, “tem pouco a ver com música e muito<br />

a ver com <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> confronto face a <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> <strong>que</strong> [...]se imagina discriminatória”,<br />

atitu<strong>de</strong> verificável “no vestuário ridículo e nos gestos animalescos”, bem como nas letras<br />

<strong>que</strong> “além <strong>de</strong> analfabetas”, são “manifestações <strong>de</strong> rancor social” e “glorificações do crime e<br />

panfletos misóginos”. Res<strong>um</strong>indo: “O hip hop nasceu na América enquanto braço “musical” e<br />

tardio do “black power” e a “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> negra” <strong>de</strong>fine-se “n<strong>um</strong>a postura <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio e fúria <strong>que</strong><br />

a ‘inteligência’ julga legitimada por <strong>um</strong>a suposta opressão”.<br />

Isto não é <strong>um</strong>a tese – é tentar ser politicamente incorrecto à força para irritar o povo. É <strong>um</strong>a<br />

manifestação <strong>de</strong> exibicionismo. É, no fundo, <strong>um</strong> pedido <strong>de</strong> ajuda e merece a nossa pena.<br />

Quando Gonçalves usa “primarismo” para qualificar o hip-hop não está certamente falar <strong>de</strong><br />

música, já <strong>que</strong> o hip-hop é <strong>um</strong> género musical múltiplo e quase inqualificável, <strong>que</strong> usa os mais<br />

varia<strong>dos</strong> ritmos, tem técnicas difíceis <strong>de</strong> dominar e implica – para os MCs – <strong>um</strong> controlo da<br />

métrica assinalável.<br />

É certo <strong>que</strong> no início era feito com dois pratos e <strong>um</strong> microfone e nesse sentido esse hip-hop<br />

específico é “primário” – tal como o rock’n’roll, a folk, o fado e o tango, a salsa e o blues o<br />

são. Nesse sentido, toda a música “popular” é “primária”, o <strong>que</strong> não impediu Haydn, Sibelius,<br />

Brahms, Mendhelson, Bartók e Wagner <strong>de</strong> irem lá pilhar melodias. Aplicando o critério<br />

<strong>que</strong> Gonçalves usa para recusar o valor musical do hip-hop (o<br />

“primarismo”) teríamos <strong>de</strong> atirar para o lixo toda a música popular<br />

Façamos <strong>um</strong> exercício<br />

à sr. Gonçalves. Uma<br />

senhora entra n<strong>um</strong><br />

bairro <strong>de</strong> gandulos<br />

vestida com <strong>um</strong>a minisaia<br />

vermelha, é<br />

perseguida por eles e<br />

violada. Segundo o sr.<br />

Gonçalves, é possível<br />

<strong>que</strong> tenha sido violada<br />

por causa <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

estereótipo, mas a<br />

responsabilida<strong>de</strong> do<br />

estereótipo é inteirinha<br />

<strong>de</strong>la<br />

<strong>que</strong> inspirou estes compositores e conse<strong>que</strong>ntemente a obra <strong>de</strong>stes,<br />

por usarem melodias “primárias”.<br />

É igualmente sintomático <strong>que</strong> Gonçalves use o adjectivo “ridículo”<br />

para o vestuário das gentes do hip-hop e “animalesco” para os gestos.<br />

Ser sociólogo e <strong>de</strong>spachar qual<strong>que</strong>r leitura <strong>que</strong> se possa fazer da<br />

ind<strong>um</strong>entária e da dança <strong>de</strong> <strong>um</strong> grupo social com <strong>um</strong> comentário <strong>de</strong><br />

porteirinha é o mesmo <strong>que</strong> ser antropólogo e perante <strong>um</strong> vaso do<br />

Neolítico homenageando a Deusa-Mãe dizer <strong>que</strong> aquilo é tudo cacos<br />

e a mulher pintada é gorda e parola.<br />

Vamos ser claros: Gonçalves, com esta escolha <strong>de</strong> palavras, <strong>que</strong>r<br />

chamar símios analfabetos aos hip-hoppers. Que, segundo o cronista,<br />

fazem “glorificações do crime e panfletos misóginos”. Mesmo<br />

fazendo <strong>de</strong> conta <strong>que</strong> não existe hip-hop <strong>que</strong> fale <strong>de</strong> outros assuntos<br />

ou <strong>que</strong> advirta contra a violência e a misoginia, fico perplexo com a<br />

ignorância literária <strong>de</strong> Gonçalves: a Bíblia, por ter pragas, homens<br />

<strong>que</strong> subjugam mulheres, crimes e vinganças é <strong>um</strong>a glorificação do<br />

crime e <strong>um</strong> panfleto misógino? “O Teatro <strong>de</strong> Sabath”, <strong>de</strong> Philip Roth,<br />

o “Psicopata Americano”, <strong>de</strong> Bret Easton Ellis, são glorificações<br />

<strong>de</strong> crimes e panfletos misóginos? E a “Kalevala”? A “Me<strong>de</strong>ia”? A<br />

“Odisseia”?<br />

A ignorância <strong>de</strong> Gonçalves chega ao cúmulo quando diz <strong>que</strong> o<br />

hip-hop é o braço “rapado” do black power. O “black power” era<br />

<strong>um</strong> “slogan” usado nos anos 60 por i<strong>de</strong>ólogos negros, estando<br />

liga<strong>dos</strong> a movimentos não-violentos. Nos anos 60 não havia hip-hop,<br />

<strong>que</strong> começou no Bronx, na década <strong>de</strong> 70, sem qual<strong>que</strong>r conotação<br />

política: tratava-se apenas <strong>de</strong> fazer festas <strong>que</strong> juntavam o maior<br />

número <strong>de</strong> pessoas possível (incluindo gangs rivais). Os primeiros temas <strong>de</strong> hip-hop politizado<br />

surgem já nos anos 80 e só com os Public Enemy é <strong>que</strong> o hip-hop <strong>de</strong>vém <strong>um</strong> veículo <strong>de</strong> reflexão<br />

sobre a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> negra.<br />

Façamos então <strong>um</strong> exercício à sr. Gonçalves só para <strong>que</strong> se perceba a periculosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas<br />

brinca<strong>de</strong>iras irresponsáveis. Uma senhora entra n<strong>um</strong> bairro <strong>de</strong> gandulos vestida com <strong>um</strong>a minisaia<br />

vermelha, é perseguida por eles e violada. Segundo o sr. Gonçalves, é possível <strong>que</strong> tenha<br />

sido violada por causa <strong>de</strong> <strong>um</strong> estereótipo, mas a responsabilida<strong>de</strong> do estereótipo é inteirinha<br />

<strong>de</strong>la. Um pensamento nada primário, <strong>que</strong> daria origem a <strong>um</strong>a belíssima socieda<strong>de</strong>.<br />

52 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


A obra <strong>de</strong> Chafes e <strong>de</strong> Carneiro,<br />

possuem em com<strong>um</strong> o<br />

pensamento sobre <strong>um</strong> corpo<br />

ausente<br />

BommmmmmExcelentee<br />

Os lugares representa<strong>dos</strong> por Rosa Carvalho têm algo <strong>de</strong> inóspito, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estranheza inquietante<br />

mapeamentos das <strong>de</strong>soladas<br />

O lugar entre paisagens do extremo norte <strong>de</strong><br />

Os prazeres<br />

Portugal, fixadas em fotografia e<br />

o <strong>de</strong>senho<br />

doc<strong>um</strong>entação abundante, on<strong>de</strong> o<br />

da<br />

escultor se mostrava<br />

simultaneamente como agente <strong>de</strong><br />

e o mundo<br />

<strong>um</strong>a inscrição primordial na terra ou<br />

imaginação<br />

na pedra e receptor da energia<br />

Dois <strong>gran<strong>de</strong>s</strong> nomes da<br />

gerada por essa acção. Em Rui<br />

As pinturas <strong>de</strong> Rosa<br />

Chafes, pelo contrário, é a história e a<br />

escultura portuguesa<br />

pujança do metal <strong>que</strong> o motivam, Carvalho convidam o<br />

apresentam <strong>um</strong>a exposição <strong>de</strong>s<strong>de</strong> anos 90, como elo <strong>de</strong> espectador a embrenhar-se<br />

conjunta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho. Luísa ligação entre a contemporaneida<strong>de</strong> e nas paisagens. Óscar Faria<br />

a história. Ciente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a perda <strong>de</strong><br />

Soares <strong>de</strong> Oliveira<br />

raiz romântica, Chafes persegue<br />

In a Different Place<br />

Khora<br />

incansavelmente essa ausência <strong>que</strong>,<br />

De Rosa Carvalho.<br />

De Alberto Carneiro, Rui Chafes.<br />

como a “khora” platónica, nunca<br />

Porto. Galeria Presença. Rua Miguel Bombarda 570.<br />

será preenchida.<br />

Lisboa. Fundação Carmona e Costa. Ed <strong>de</strong> Espanha<br />

Tel.: 226060188. Até 10/04. 2ª a 6ª das 10h às 12h30<br />

Os <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> Chafes traduzem, e das 15h às 19h30. Sáb das 15h às 19h30.<br />

ExposaMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito 217803003. Até 21/05. 4ª a Sáb. das 15h às 20h. quase labirinticamente, esta<br />

Pintura.<br />

Desenho, Escultura, Outros.<br />

<strong>de</strong>manda original. N<strong>um</strong> traço muito<br />

fino e preciso, órgãos por i<strong>de</strong>ntificar,<br />

mmmmn<br />

mmmmn<br />

vísceras, seres aparentemente<br />

unicelulares primordiais e, em geral, A categoria estética do sublime é<br />

Rui Chafes e Alberto Carneiro têm<br />

obras e percursos incontornáveis<br />

quando se consi<strong>de</strong>ra a escultura<br />

portuguesa contemporânea. Em<br />

Khora, exposição conjunta<br />

comissariada por Sara Antónia Matos<br />

para a Fundação Carmona e Costa,<br />

<strong>que</strong> tem <strong>de</strong>dicado atenção a esta<br />

disciplina, provam como é possível<br />

trabalhar conjuntamente sem per<strong>de</strong>r<br />

as características <strong>que</strong> <strong>de</strong>finem a arte<br />

<strong>de</strong> cada <strong>um</strong> consi<strong>de</strong>rada<br />

individualmente.<br />

“Khora”, termo vindo <strong>de</strong><br />

Platão, <strong>de</strong>fine <strong>um</strong> lugar <strong>que</strong>,<br />

paradoxalmente, apenas existe<br />

em termos conceptuais. Antes<br />

do mito,<br />

antes da palavra, as<br />

dicotomias <strong>que</strong> fundam o<br />

pensamento po<strong>de</strong>riam ser<br />

resolvidas neste conceito<br />

<strong>que</strong>, literalmente,<br />

significa “lugar” ou<br />

“região”. Contudo,<br />

segundo a mo<strong>de</strong>rna<br />

filosofia, este lugar<br />

não é fixo: trata-se da<br />

zona da instabilida<strong>de</strong>, da<br />

errância, do mutável, e <strong>que</strong><br />

por isso pré-existe a toda a<br />

nomeação e classificação.<br />

A obra <strong>de</strong> Chafes e <strong>de</strong><br />

Carneiro, <strong>que</strong> possuem<br />

em<br />

com<strong>um</strong> o<br />

pensamento sobre <strong>um</strong><br />

corpo ausente, situam-<br />

se conceptualmente<br />

neste lugar não<br />

nomeável, indizível.<br />

Há obviamente<br />

diferenças entre os<br />

dois. Activo <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

os anos 60,<br />

Carneiro<br />

construiu a sua<br />

obra n<strong>um</strong><br />

enraizamento<br />

profundo entre<br />

autor, corpo e<br />

tudo o <strong>que</strong> está para lá da pele vai-se<br />

<strong>de</strong>svelando na folha <strong>de</strong> papel, por<br />

vezes em ambos os la<strong>dos</strong> <strong>de</strong> cada<br />

suporte. Tudo o <strong>que</strong> se cobre da<br />

aparência <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>que</strong> o próprio<br />

acto <strong>de</strong> ver encerra é exposto,<br />

<strong>de</strong>senhado, coberto com líqui<strong>dos</strong> <strong>de</strong><br />

cores francas <strong>que</strong> nos dizem ser<br />

medicamentos ou chás. N<strong>um</strong>a ou<br />

noutra obra, <strong>um</strong> corpo fragmentado<br />

– silhueta, penteado, <strong>um</strong> braço ou <strong>um</strong><br />

ombro – acentuam <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> visão<br />

<strong>que</strong> a comissária classifica como<br />

estetoscópica. Em certas salas,<br />

esculturas <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> projectam<br />

sombras <strong>que</strong> se constituem como<br />

duplos das linhas <strong>de</strong>senhadas sobre o<br />

papel, reforçando a constituição <strong>de</strong><br />

fronteiras (<strong>de</strong> peles) entre a aparente<br />

or<strong>de</strong>m do traço e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m da<br />

forma.<br />

De Alberto Carneiro não se<br />

mostram esculturas, mas séries<br />

específicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos <strong>que</strong><br />

reforçam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong><br />

ancoragem do corpo na matéria da<br />

terra <strong>de</strong> <strong>que</strong> falávamos no início.<br />

“Sobre o meu corpo o rasto da<br />

serpente”, <strong>um</strong>a peça <strong>de</strong> 71, apresenta<br />

aliás <strong>um</strong>a dupla composição em duas<br />

bandas horizontais, on<strong>de</strong> a imagem<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> chão <strong>de</strong> flo<strong>resta</strong> se encima<br />

pelos olhos do artista, duplica<strong>dos</strong><br />

pelos <strong>de</strong><strong>dos</strong> a imitar a forma <strong>de</strong><br />

óculos. Noutra peça, “Raízes, caules,<br />

folhas, flores e frutos”, <strong>de</strong> 1966, as<br />

imagens são quase idênticas às <strong>de</strong> Rui<br />

Chafes, sendo apenas o título <strong>que</strong> nos<br />

permite diferenciar a referência <strong>de</strong><br />

cada trabalho.<br />

A montagem da exposição concluise<br />

com <strong>um</strong> <strong>de</strong>senho feito<br />

directamente na pare<strong>de</strong> por<br />

Carneiro: <strong>um</strong>a linha sinuosa <strong>que</strong> liga<br />

a última sala ao corredor, e a frase<br />

‘esta linha <strong>que</strong> percorre as memórias<br />

<strong>dos</strong> nossos tempos vivos é <strong>um</strong>a obra<br />

<strong>de</strong> arte’. Neste caso, o <strong>de</strong>senho<br />

reforça a união entre as obras <strong>dos</strong><br />

abordada por Rosa Carvalho (Lisboa,<br />

1952) nas suas pinturas. Esta<br />

dimensão adquire particular<br />

relevância nas obras em <strong>que</strong> a artista<br />

representa paisagens. Na galeria, são<br />

<br />

<br />

natureza.<br />

dois escultores, mesmo quando elas,<br />

Recor<strong>de</strong>m-se<br />

no trabalho do dia a dia <strong>que</strong> mais os<br />

caracteriza, se afastam <strong>um</strong>a da outra.<br />

Esta é, também por este motivo, <strong>um</strong>a<br />

notável exposição.<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

três os trabalhos <strong>que</strong> traduzem esta<br />

pesquisa, to<strong>dos</strong> homónimos do nome<br />

da exposição, “In a different place”,<br />

<strong>que</strong> se po<strong>de</strong> traduzir como “N<strong>um</strong><br />

lugar diferente”. Este título encerra<br />

em si <strong>um</strong> <strong>de</strong>slocamento: não é no<br />

presente nem na racionalida<strong>de</strong> <strong>que</strong><br />

se <strong>de</strong>vem ler as telas e as ma<strong>que</strong>tas<br />

agora reveladas, elas constituem<br />

antes portas abertas para o passado e<br />

para o sonho. Um espaço <strong>de</strong> fantasia<br />

repleto <strong>de</strong> microcosmos.<br />

Mais do <strong>que</strong> buscar a solução para<br />

estas pinturas em “Acerca do<br />

sublime”, escrito por <strong>um</strong> anónimo, o<br />

chamado Pseudo-Longino, cuja vida<br />

é situada entre os século III e I a.C.,<br />

talvez seja exercício mais produtivo<br />

ler “Pleasures of the imagination”,<br />

<strong>um</strong>a série <strong>de</strong> artigos publica<strong>dos</strong> por<br />

Joseph Addison na revista “The<br />

Spectator”, em 1712 (números 411 a<br />

421) – os textos sintetizavam i<strong>de</strong>ias<br />

trabalhadas no âmbito da filosofia<br />

empirista britânica –, nos quais cria<br />

ainda <strong>um</strong>a nova categoria: o<br />

pitoresco. “(…) <strong>um</strong> horizonte<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 2 Abril 2010 • 53


Expos<br />

aMa<strong>um</strong>MedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Da figura do artista e do culto da celebrida<strong>de</strong> aos h<strong>um</strong>ores do sistema<br />

artístico, quase nada tem sido poupado ao beliscão <strong>de</strong> Sara e André<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

VSP - Visual Street Performance<br />

2010<br />

De HBSR, Hi<strong>um</strong>, Klit, Mar, Vhils,<br />

Caos, Mr.Dheo, Oker, Youth One,<br />

Best & Ever.<br />

Porto. Fundação Escultor José Rodrigues. R. da<br />

Fábrica Social. Tel.: 220109020. De 08/04 a 11/04.<br />

5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 14h30 às 02h00.<br />

Pintura, Graffiti, Outros.<br />

Continuam<br />

A Matéria Negra da Luz <strong>dos</strong><br />

Media<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210. Tel.: 226156500. Até 04/07. 3ª a 6ª das 10h às<br />

17h. Sáb., Dom. e Feria<strong>dos</strong> das 10h às 20h.<br />

Ví<strong>de</strong>o, Outros.<br />

Um Percurso, Dois Senti<strong>dos</strong><br />

- A Colecção do MNAC-MC, da<br />

actualida<strong>de</strong> a 1850.<br />

De Col<strong>um</strong>bano Bordalo Pinheiro,<br />

José Malhoa, Ama<strong>de</strong>o <strong>de</strong> Souza-<br />

Car<strong>dos</strong>o, Eduardo Viana, Almada<br />

Negreiros, Paula Rego, Helena<br />

Almeida, Julião Sarmento, Pedro<br />

Cabrita Reis, João Tabarra,<br />

Alexandre Estrela, entre outros.<br />

Lisboa. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto,<br />

4. T. 213432148. Até 6/6. 3ª a dom. das 10h às 18h.<br />

Pintura, Outros.<br />

Outros Olhares<br />

De Col<strong>um</strong>bano Bordalo Pinheiro,<br />

Julião Sarmento.<br />

Lisboa. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto,<br />

4. T. 213432148. Até 18/5. 3ª a dom. das 10h às 18h.<br />

Obras em <strong>de</strong>sta<strong>que</strong> na Colecção do MNAC.<br />

Conversa com José Augusto França: “O Grupo do<br />

Leão” <strong>de</strong> Col<strong>um</strong>bano Bordalo Pinheiro, 18/4 às 13h;<br />

Conversa com Alexandre Melo: “Landscape” <strong>de</strong><br />

Julião Sarmento, 18/5 às 13h.<br />

Pintura, Outros.<br />

A Privilege of Autovalorization<br />

De Koenraad Dedobbeleer.<br />

Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />

Tel.: 217905155. Até 18/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às<br />

19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feria<strong>dos</strong> das 14h às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

Instalação, Outros.<br />

And<br />

Or<br />

De Asier Mendizabal.<br />

Lisboa. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />

Tel.: 217905155. Até 18/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das 11h às<br />

19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feria<strong>dos</strong> das 14h às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

Escultura.<br />

Supervisão<br />

De Alexandre Estrela.<br />

Porto. Culturgest. Av. <strong>dos</strong> Alia<strong>dos</strong>, 104 - Ed. da<br />

CGD. Tel.: 222098116. Até 10/04. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />

11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feria<strong>dos</strong> das 14h às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

Desenho.<br />

Lour<strong>de</strong>s Castro e Manuel<br />

Zimbro: A Luz da Sombra<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210. Tel.: 226156500. Até 13/06. 3ª a 6ª das 10h às<br />

17h. Sáb., Dom. e Feria<strong>dos</strong> das 10h às 22h.<br />

Escultura, Outros.<br />

Sem Re<strong>de</strong><br />

De Joana Vasconcelos.<br />

Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império<br />

- CCB. Tel.: 213612878. Até 18/05. Sáb. das 10h às<br />

22h (última admissão às 21h30). 2ª a 6ª, Dom. e<br />

Feria<strong>dos</strong> das 10h às 19h (última admissão às<br />

18h30).<br />

Instalação, Outros.<br />

Judith Barry<br />

Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império<br />

- CCB. Tel.: 213612878. Até 25/04. Sáb. das 10h às<br />

22h(última admissão às 21h30). 2ª a 6ª e Dom. das<br />

10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />

Ví<strong>de</strong>o, Instalação, Outros.<br />

BES Photo 2009<br />

De André Cepeda, Filipa César,<br />

Patrícia Almeida.<br />

Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império<br />

- CCB. Tel.: 213612878. Até 04/04. Sáb. das 10h às<br />

22h(última admissão às 21h30). 2ª a 6ª e Dom. das<br />

10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />

Fotografia.<br />

Jane e Louise Wilson: Tempo<br />

Suspenso<br />

De Jane & Louise Wilson.<br />

Lisboa. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. R. Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 18/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Ví<strong>de</strong>o, Escultura, Outros.<br />

O Ofício <strong>de</strong> Viver<br />

De Daniel Blaufuks.<br />

Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. R.<br />

Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. Até<br />

15/05. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das 12h às<br />

19h30.<br />

Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />

Lost Istambul<br />

(Anos 50-60)<br />

De Ara Güler.<br />

Lisboa. CCB. Pç. do Império. Tel.: 213612400. Até<br />

01/04. 2ª a 6ª das 14h às 18h. Sáb. e Dom. das 14h<br />

às 19h. Na Galeria Mário Cesariny.<br />

Fotografia.<br />

Auto-Retratos do Mundo :<br />

Annemarie Schwarzenbach<br />

(1908-1942)<br />

De Annemarie Schwarzenbach.<br />

Lisboa. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império<br />

- CCB. Tel.: 213612878. Até 25/04. Sáb. das 10h às<br />

22h (última admissão às 21h30). 2ª a 6ª e Dom. das<br />

10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />

Fotografia.<br />

Poignant<br />

Adaptation<br />

De Lawrence Weiner.<br />

Lisboa. Cristina Guerra - Contemporary Art. R.<br />

Santo António à Estrela, 33. Tel.: 213959559. Até<br />

17/04. 3ª a 6ª das 11h às 20h. Sáb. das 12h às 20h.<br />

Instalação.<br />

amplo é <strong>um</strong>a imagem <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> no qual o olho tem<br />

espaço para se abrir ao<br />

exterior, para espalhar-se e na<br />

imensidão das vistas, e para<br />

per<strong>de</strong>r-se na varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

objectos <strong>que</strong> se oferecem à<br />

sua observação. Tais<br />

amplas e ilimitadas vistas s<br />

são tão agradáveis à<br />

fantasia como à<br />

compreensão o são as<br />

especulações acerca da<br />

eternida<strong>de</strong> e do<br />

infinito”, po<strong>de</strong> ler-se na<br />

publicação fundada<br />

por a<strong>que</strong>le ensaísta<br />

inglês.<br />

As pinturas <strong>de</strong> Rosa<br />

Carvalho convidam o<br />

espectador a embrenhar-se nas<br />

paisagens. Contudo, esse e<br />

chamamento po<strong>de</strong> conter em si <strong>um</strong>a<br />

armadilha: os lugares representa<strong>dos</strong><br />

têm algo <strong>de</strong> inóspito, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

estranheza inquietante. A visível<br />

natureza parece escon<strong>de</strong>r <strong>um</strong><br />

qual<strong>que</strong>r perigo - a paleta <strong>de</strong> cores<br />

escolhida ajuda a intensificar a<br />

perturbação presente em cada tela;<br />

há fenómenos atmosféricos <strong>que</strong><br />

parecem estar a formar-se, sem ser<br />

possível i<strong>de</strong>ntificar quais as<br />

consequências <strong>de</strong>ssas situações<br />

perceptíveis sobretudo na forma<br />

como são trata<strong>dos</strong> os céus. Há <strong>um</strong><br />

certo terror <strong>que</strong> habita estas telas:<br />

<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> solidão em confronto<br />

com <strong>um</strong> território não só indomável,<br />

<strong>de</strong>sabitado, mas também sedutor na<br />

sua imensidão, propícia à fantasia.<br />

Se as categorias <strong>de</strong> paisagem e <strong>de</strong><br />

sublime têm sido abordadas por Rosa<br />

Carvalho em inúmeras obras – vejase,<br />

por exemplo, o livro publicado<br />

pela Assírio & Alvim em 1998, <strong>que</strong><br />

abre justamente com <strong>um</strong>a pintura <strong>de</strong><br />

<strong>gran<strong>de</strong>s</strong> dimensões datada <strong>de</strong>sse<br />

mesmo ano –, a gran<strong>de</strong> surpresa da<br />

exposição é, porém, <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />

oito ma<strong>que</strong>tas realizadas em 2009, as<br />

quais po<strong>de</strong>m ser lidas enquanto<br />

contraponto, complemento ou<br />

mesmo prolongamento das pinturas.<br />

O elemento h<strong>um</strong>ano, ausente das<br />

telas, surge agora em trabalhos <strong>que</strong><br />

<strong>de</strong>screvem situações situadas entre o<br />

sonho e a realida<strong>de</strong>. O carácter<br />

enigmático das peças, visualmente<br />

apelativas, é novamente evi<strong>de</strong>nte.<br />

Uma rocha fendida, <strong>um</strong> círculo <strong>de</strong><br />

pessoas sentadas, <strong>um</strong>a varanda,<br />

casas <strong>de</strong>struídas: nada nos oferece<br />

<strong>um</strong>a resposta para a proveniência<br />

<strong>de</strong>stas imagens. Sente-se, porém, <strong>que</strong><br />

ao serem retiradas do incessante<br />

fluxo do quotidiano, elas produzem<br />

<strong>um</strong>a qual<strong>que</strong>r ressonância: visíveis<br />

n<strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na ilha, instala<strong>dos</strong> sobre<br />

plintos, corta<strong>dos</strong> ao meio, esmaga<strong>dos</strong><br />

por <strong>um</strong> aci<strong>de</strong>nte, estes objectos<br />

constituem-se também enquanto<br />

fragmentos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a fábula sem<br />

princípio nem fim. Hipotéticos<br />

mon<strong>um</strong>entos à imaginação, eles<br />

evocam igualmente <strong>um</strong>a infância<br />

distante, quanto tudo parecia<br />

possível.<br />

O beliscão da<br />

Sara & André<br />

A terceira exposição<br />

individual <strong>de</strong>sta dupla serve<br />

<strong>de</strong> pausa para revisão <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a obra <strong>que</strong> não se esgota<br />

na ironia. José Marmeleira<br />

Claim To Fame<br />

De Sara e André.<br />

Lisboa. Espaço Fundação PLMJ. R. Rodrigues<br />

Sampaio, 29. Tel.: 210964103. Até 15/05. 4ª, 5ª, 6ª e<br />

Sáb. das 15h às 19h.<br />

Escultura, Outros.<br />

mmmnn<br />

As obras <strong>de</strong> Sara & André têm h<strong>um</strong>or,<br />

<strong>um</strong> efeito <strong>de</strong>sopilante e, entre a<br />

abordagem conceptual e a irrisão<br />

mais ou menos livre, lá vão trilhando<br />

esse corpo <strong>que</strong> dá pelo nome <strong>de</strong> arte<br />

contemporânea (portuguesa?). Da<br />

figura do artista e do culto da<br />

celebrida<strong>de</strong> aos h<strong>um</strong>ores do sistema<br />

artístico, quase nada tem sido<br />

poupado ao seu beliscão. Basta, para<br />

isto confirmar, dar <strong>um</strong> pulo ao<br />

Espaço Fundação PLMJ e ver “Claim<br />

to Fame”, individual centrada nos<br />

primeiros anos da dupla (2004-<br />

2007), embora com espaço para<br />

trabalhos mais recentes (incluindo<br />

<strong>um</strong> inédito).<br />

Sara & André nasceram,<br />

respectivamente, em 1980 e 1979. Ela<br />

estudou Realização Plástica do<br />

Espectáculo na Escola Superior <strong>de</strong><br />

Teatro e Cinema, ele cursou Artes<br />

Plásticas na Escola Superior <strong>de</strong> Arte e<br />

Design, nas Caldas da Rainha. E são<br />

<strong>um</strong> “casal”, <strong>um</strong>a pe<strong>que</strong>na<br />

“socieda<strong>de</strong>” <strong>que</strong> nesta exposição dá a<br />

(re)ver <strong>um</strong> corpo <strong>de</strong>finido <strong>de</strong><br />

trabalhos.<br />

Mas voltemos ao “beliscão”. O<br />

território <strong>de</strong> Sara & André é o <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

arte com ambições críticas <strong>que</strong><br />

ass<strong>um</strong>e, com prazer, o uso da<br />

<strong>de</strong>rrisão ou da ironia: têm<br />

interrogado <strong>de</strong> forma recorrente, e<br />

em obras<br />

distintas, as<br />

noções <strong>de</strong> autoria<br />

e originalida<strong>de</strong>, os<br />

mecanismos <strong>de</strong><br />

legitimação e a<br />

construção da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do<br />

artista.<br />

O gesto,<br />

todavia,<br />

não é novo<br />

(tal como<br />

os seus<br />

objectos)<br />

e n<strong>um</strong>a<br />

primeira<br />

leitura até<br />

parece espúrio.<br />

Acontece<br />

<strong>que</strong> não<br />

reivindica<br />

<strong>um</strong> lugar<br />

acima do estado das<br />

coisas; pelo<br />

contrário<br />

avança apressadamente<br />

para o seu interior, não se<br />

furtando às ambiguida<strong>de</strong>s<br />

<strong>que</strong> o acompanham.<br />

Veja-se o ví<strong>de</strong>o “Sara e<br />

André chegam ao Porto” (2007), <strong>um</strong>a<br />

sequência <strong>de</strong> planos fixos da dupla<br />

transformada em celebrida<strong>de</strong> pelos<br />

flashes <strong>dos</strong> paparazzi. Fascínio ou<br />

repulsa? Prazer ou <strong>de</strong>sdém? Ou os<br />

textos manipula<strong>dos</strong> <strong>de</strong> “Claim to<br />

Fame” (2004) on<strong>de</strong> Sara & André<br />

roubam para si os parágrafos<br />

consagra<strong>dos</strong> a outros artistas:<br />

apropriação <strong>que</strong> sorri<br />

respeitosamente diante <strong>dos</strong> processo<br />

<strong>de</strong> legitimação, ou riso escarninho<br />

dirigido à própria produção <strong>de</strong> textos<br />

<strong>de</strong> arte? Há <strong>um</strong> lado lúdico, até<br />

primário, nestes mo<strong>dos</strong> <strong>de</strong> fazer e a<br />

paródia está sempre por perto. Por<br />

exemplo, em “Sara André comeram<br />

Dan Graham” (2007) ou “Sara e<br />

André são mais rápi<strong>dos</strong> <strong>que</strong><br />

Duchamp” (2007), frases pintadas<br />

nas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Lisboa por Miguel,<br />

<strong>um</strong> autor <strong>de</strong> grafitis. Na sala da<br />

Fundação PLMJ, doc<strong>um</strong>entos<br />

revelam aquilo <strong>que</strong> lhes <strong>de</strong>u: <strong>um</strong>a<br />

colaboração, estratégia <strong>que</strong> matiza<br />

<strong>um</strong>a boa parte do percurso <strong>dos</strong> dois<br />

artistas.<br />

Por vezes, também se <strong>de</strong>scobre <strong>um</strong><br />

traço mais introspectivo, como nas<br />

imagens da série “Flash”. Vemos o<br />

“casal” auto-retratado no interior <strong>de</strong><br />

lugares on<strong>de</strong> expôs individualmente;<br />

espectros não muito distantes <strong>dos</strong><br />

rostos “indiferentes”, protegi<strong>dos</strong> por<br />

molduras douradas, <strong>de</strong> “Auto-retrato<br />

(2007). Mas este beliscão, <strong>de</strong>sferido<br />

na história e no mundo <strong>de</strong> arte (com<br />

as suas disputas, regras e faces),<br />

corre o risco <strong>de</strong> ser pouco mais <strong>que</strong><br />

<strong>um</strong> to<strong>que</strong> na pele. Violento, rápido,<br />

mas indolor. Será talvez mais<br />

interessante pensá-lo partir <strong>de</strong> outros<br />

lugares. A saber: a condição <strong>de</strong> Sara<br />

& André enquanto artistas-curadores<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a exposição cujo “tema” é a<br />

sua obra (ver a série “Fundação); e a<br />

colaboração-encomenda como <strong>um</strong><br />

encontro regenerador com outros<br />

artistas (Paulo Men<strong>de</strong>s, Isabel Brisson<br />

ou Gonçalo Pena) e áreas (o grafiti <strong>de</strong><br />

Miguel, a música <strong>de</strong> Norberto Lobo<br />

em “My son Bruno Martelli”). A<br />

recriação generosa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a arte<br />

crítica po<strong>de</strong> passar por esses lugares.<br />

54 • Sexta-feira 2 Abril 2010 • Ípsilon


2009<br />

ANA BRAGA, INÊS MOURA E SUSANA PEDROSA<br />

APRESENTAM OS TRABALHOS PREMIADOS PELA<br />

5ª EDIÇÃO DO BES REVELAÇÃO.<br />

DE 15 DE ABRIL A 18 DE JUNHO<br />

/// ENTRADA GRATUITA<br />

// MORADA<br />

Praça Marquês <strong>de</strong> Pombal<br />

nº3, 1250-161 Lisboa<br />

// TELEFONE<br />

21 359 73 58<br />

// HORÁRIO<br />

Segunda a Sexta<br />

das 9h às 21h<br />

// EMAIL<br />

besarte.financa@bes.pt


CENTRO CULTURAL DE BELÉM<br />

www.ccb.pt BILHETEIRA ONLINE . TRAGA O SEU BILHETE DE CASA


INFORMAÇÕES<br />

PREÇOS DOS BILHETES<br />

Concerto Inaugural 10 ‹ galerias 5<br />

Gran<strong>de</strong> Auditório 8 ‹ galerias 5<br />

Restantes Salas 6<br />

Sala Amália Rodrigues 4<br />

Concertos para as Famílias 4<br />

Bilhete <strong>de</strong> Recinto 3 (Permite o acesso apenas às activida<strong>de</strong>s<br />

complementares: concertos nos espaços Música Livre,<br />

encontros com os artistas Aqui há conversas com... (Sala<br />

<strong>de</strong> Leitura), venda <strong>de</strong> livros, CD e zonas <strong>de</strong> <strong>resta</strong>uração.<br />

Não há Descontos.<br />

Não se aceitam reservas <strong>de</strong> bilhetes.<br />

VENDA DE BILHETES<br />

HORÁRIOS<br />

Sexta-feira dia 23 <strong>de</strong> Abril ‹ o Concerto Inaugural<br />

tem início às 21h<br />

Sábado dia 24 <strong>de</strong> Abril ‹ abertura do recinto às 10h,<br />

os concertos têm início às 11h<br />

Domingo dia 25 <strong>de</strong> Abril ‹ abertura do recinto às 10h,<br />

os concertos tem início às 11h<br />

Nº DE CONCERTOS<br />

São 72 concertos em 7 salas.<br />

ITINERÁRIOS<br />

Para o ajudar na escolha <strong>dos</strong> concertos <strong>de</strong>senhámos<br />

6 itinerários: Diversida<strong>de</strong>, Viagens no tempo, Invulgar,<br />

Espírito Livre, Romântico e Sortilégios da voz.<br />

OUTROS ESPAÇOS<br />

Música Livre Nos espaços <strong>de</strong> circulação <strong>de</strong>correm<br />

concertos e recitais por alguns <strong>dos</strong> intérpretes presentes,<br />

assim como por alunos e professores <strong>de</strong> música convida<strong>dos</strong>.<br />

Pianos avulso Uma série <strong>de</strong> pianos estão instala<strong>dos</strong> no<br />

CCB para <strong>que</strong> o público possa dar pe<strong>que</strong>nos concertos ou<br />

<strong>de</strong>scobrir este instr<strong>um</strong>ento.<br />

Aqui há conversas com... Encontros informais entre<br />

o público e os artistas na Sala <strong>de</strong> Leitura (Centro <strong>de</strong><br />

Reuniões).<br />

e ainda: Espaço <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> CD, livros e outros objectos<br />

alusivos ao Festival.<br />

NA CINEMATECA PORTUGUESA<br />

Esta edição <strong>dos</strong> Dias da Música em Belém conta ainda com<br />

<strong>um</strong>a parceria com a Cinemateca Portuguesa: entre 14 e 22<br />

<strong>de</strong> Abril, nas instalações da Cinemateca, po<strong>de</strong>rá assistir a<br />

<strong>um</strong> ciclo <strong>de</strong> 5 filmes também <strong>de</strong>dicado às Paixões da Alma:<br />

14 ABRIL \ 21H30<br />

I’ve Always Loved You <strong>de</strong> F. Borzage<br />

19 ABRIL \ 22H<br />

Eika Katappa <strong>de</strong> Wener Schroeter<br />

20 ABRIL \ 19H30<br />

Herr Arnes Pengar (O Tesouro <strong>de</strong> Arne) <strong>de</strong> Mauritz Stiller<br />

21 ABRIL \ 19H30<br />

Neskolko Dnej Iz I. I. Oblomova <strong>de</strong> N. Mikhalkov<br />

22 ABRIL \ 21H30<br />

Song of Love <strong>de</strong> Clarence Brown<br />

WWW.CCB.PT ‹ Bilheteira online: Traga o seu bilhete <strong>de</strong> casa<br />

\ Bilheteiras do CCB \ www.ticketline.pt \ Lojas FNAC: Chiado \<br />

Colombo \ CascaiShopping \ Almada Fór<strong>um</strong> \ GaiaShopping \<br />

Braga Par<strong>que</strong> NorteShopping \ Santa Catarina \ Atri<strong>um</strong> Saldanha<br />

\ Centro Vasco da Gama \ AlgarveShopping \ Fór<strong>um</strong> Coimbra \<br />

Ma<strong>de</strong>iraShopping \ Worten \ Abep \ Alvala<strong>de</strong> \ El Corte Inglês \<br />

C.C. Dolce Vita \ Agência Abreu e Mega Re<strong>de</strong>.<br />

NUMERAÇÃO DOS CONCERTOS<br />

A n<strong>um</strong>eração <strong>dos</strong> concertos é sempre antecedida <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

letra. A letra A correspon<strong>de</strong> aos concertos <strong>de</strong> Sexta-feira, a<br />

letra B aos concertos <strong>de</strong> Sábado e a letra C, aos <strong>de</strong><br />

Domingo. Não há lugares marca<strong>dos</strong>, excepto no Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. Os lugares são ocupa<strong>dos</strong> por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> chegada.<br />

Faça a sua escolha com antecedência e leve a n<strong>um</strong>eração <strong>dos</strong><br />

concertos já preparada para ser mais fácil e rápida a compra<br />

<strong>dos</strong> bilhetes.<br />

PROGRAMAÇÃO PARA OS MAIS NOVOS<br />

Nos dias 24 e 25 <strong>de</strong> Abril encontra no CCB/Fábrica das<br />

Artes <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> oficinas pensadas para os mais novos.<br />

As oficinas funcionam sábado e domingo a partir das 10h,<br />

nos espaços da Fábrica das Artes (situada no Jardim das<br />

Oliveiras). As marcações <strong>de</strong>verão ser feitas até ao dia 23 <strong>de</strong><br />

Abril através do tel. 213 612 899, ou no CCB/ Fábrica das<br />

Artes nos dias do festival. Crianças até aos 7 anos só po<strong>de</strong>m<br />

participar nas oficinas acompanhadas por <strong>um</strong> adulto.<br />

A participação nestas oficinas é sujeita à capacida<strong>de</strong> das salas<br />

para <strong>que</strong>m possua <strong>um</strong> bilhete para <strong>um</strong> concerto <strong>dos</strong> Dias da<br />

Música, ou <strong>um</strong> bilhete <strong>de</strong> recinto. Crianças até aos 4 anos<br />

não pagam entrada.<br />

CONCURSO ESCOLAS EM PALCO<br />

Reconhecendo o êxito da parceria <strong>de</strong>senvolvida com o<br />

Ministério da Educação, os Dias da Música em Belém<br />

reedita, este ano, <strong>um</strong>a programação <strong>de</strong> concertos<br />

apresenta<strong>dos</strong> por alunos das escolas <strong>de</strong> música <strong>de</strong> todo<br />

o país, intitulada Escolas em Palco nos Dias da Música.<br />

Sábado e Domingo na Sala Amália Rodrigues e no Espaço<br />

Música Livre.<br />

LINHA DE INFORMAÇÃO<br />

Através do telefone 213 612 555, to<strong>dos</strong> os dias das<br />

10h às 19h.<br />

A programação po<strong>de</strong> ser alterada por motivos<br />

imprevistos.<br />

PRODUÇÃO PARCEIROS INSTITUCIONAIS PATROCINADORES PARCEIRO MEDIA CONCURSO ESCOLAS EM PALCO<br />

APOIOS


Em 1649, ano em <strong>que</strong> parte para Estocolmo a convite da rainha Cristina da Suécia, René<br />

Descartes (1596-1650) publica o Tratado das Paixões, correntemente conhecido como<br />

As Paixões da Alma. Descartes aprofunda aí a sua especulação sobre o pensamento h<strong>um</strong>ano,<br />

<strong>de</strong>smistificando a crença <strong>de</strong> <strong>que</strong> os sentimentos se localizavam no coração e insistindo em <strong>que</strong> é<br />

o cérebro <strong>que</strong> comanda todas as manifestações exteriores das paixões da alma, e contribui para<br />

<strong>um</strong>a longa tradição <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong> sistematização das paixões.<br />

Dos artigos 53 a 67 en<strong>um</strong>era todas as paixões, mas no artigo 69 sustenta <strong>que</strong> há apenas seis<br />

“<strong>que</strong> são simples e primitivas”. Todas as outras <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong>stas. Ei-las: a admiração, o amor,<br />

o ódio, o <strong>de</strong>sejo, a alegria e a tristeza.<br />

Este conjunto <strong>de</strong> paixões revelou-se o ponto <strong>de</strong> partida perfeito para os Dias da Música 2010.<br />

Na escolha das obras e compositores a ser apresenta<strong>dos</strong> nesta edição do festival, procurámos<br />

abranger os mais varia<strong>dos</strong> géneros e épocas, fazendo apelo à comunida<strong>de</strong> musical para <strong>que</strong><br />

reflectisse connosco <strong>um</strong>a programação transversal aos séculos, abrangente e, esperamos,<br />

surpreen<strong>de</strong>nte na evocação das paixões <strong>que</strong> cada obra inspira. No fundo, <strong>que</strong>remos proporcionar-lhe<br />

três dias em <strong>que</strong> possa divertir-se, <strong>de</strong>sfrutando <strong>de</strong> obras já bem conhecidas e <strong>de</strong> outras<br />

por <strong>de</strong>scobrir, tudo sob <strong>um</strong>a perspectiva diferente: a das paixões da alma.<br />

Assim, como já é tradição, o Centro Cultural <strong>de</strong> Belém vai acolher centenas <strong>de</strong> músicos <strong>de</strong> proveniências,<br />

gerações e afinida<strong>de</strong>s diferentes nas sete salas <strong>de</strong> concerto <strong>que</strong> funcionam em<br />

simultâneo. Vai acolher miú<strong>dos</strong>, graú<strong>dos</strong> e famílias inteiras <strong>que</strong> vão “pôr as mãos na massa” na<br />

Fábrica das Artes. Vai revelar os talentos <strong>de</strong> amanhã com o projecto Escolas em Palco, <strong>um</strong>a<br />

parceria com o Ministério da Educação, e com os concertos <strong>de</strong> entrada gratuita do espaço<br />

Música Livre. Vai apresentar conferências, conversas e ainda filmes (na Cinemateca Portuguesa)<br />

para to<strong>dos</strong> a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> <strong>que</strong>rem saber ainda mais. E, claro, vai ter pianos espalha<strong>dos</strong> pelo<br />

centro, para <strong>que</strong> to<strong>dos</strong> possam experimentar e dar voz às suas próprias paixões da alma.<br />

Sejam bem-vin<strong>dos</strong>!


PROGRAMAÇÃO<br />

Sexta-feira 23 Abril<br />

PEQUENO AUDITÓRIO<br />

SALA EDUARDO PRADO COELHO<br />

GRANDE AUDITÓRIO<br />

11h ‹ SÓ PARA ESCOLAS<br />

As palavras na barriga<br />

Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />

Coro Leioa Kantika Korala<br />

Vasco Negreiros DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />

A1<br />

21h ‹ CONCERTO INAUGURAL<br />

GEORGE FRIDERIC HANDEL<br />

L’Allegro, il Penseroso ed il Mo<strong>de</strong>rato, HWV55<br />

Retrospect Ensemble, coro e or<strong>que</strong>stra<br />

Matthew Halls DIRECÇÃO<br />

DURAÇÃO APROX. 2H20<br />

PROGRAMAÇÃO<br />

Sábado 24 Abril<br />

GRANDE AUDITÓRIO<br />

PEQUENO AUDITÓRIO<br />

12h<br />

B1<br />

Obras <strong>de</strong> BRAHMS, BRUCKNER E SCHUBERT<br />

Oscar Camacho PIANO<br />

Coro da Fundação Príncipe das Astúrias<br />

José Esteban García Miranda DIRECÇÃO<br />

11h<br />

B8<br />

As Palavras na Barriga<br />

Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />

Coro Leioa Kantika Korala<br />

Vasco Negreiros DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />

SALA LUÍS DE FREITAS BRANCO<br />

14h<br />

16h<br />

18h<br />

B2<br />

B3<br />

B4<br />

CHOPIN Concerto para piano n.º 2, em Fá menor<br />

MOZART Sinfonia n.º 35, em Ré maior, Haffner<br />

Jorge Moyano PIANO<br />

Or<strong>que</strong>stra <strong>de</strong> Câmara Portuguesa<br />

Pedro Carneiro \ José Eduardo Gomes DIRECÇÃO<br />

Os Elementos<br />

JEAN-FÉRY REBEL Les Éléments, simphonie nouvelle<br />

RAMEAU Suite <strong>de</strong> Pigmaleão<br />

Retrospect Ensemble, or<strong>que</strong>stra<br />

Matthew Halls DIRECÇÃO<br />

BERLIOZ Sinfonia Fantástica, op.14<br />

Or<strong>que</strong>stra Sinfónica Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />

Nir Kabaretti DIRECÇÃO<br />

B9<br />

B10<br />

B11<br />

T<strong>um</strong>ultos Passionais nos Conventos Portugueses<br />

Música e Textos do Barroco Português Seiscentista<br />

Capela Joanina & Flores <strong>de</strong> Música<br />

João Paulo Janeiro DIRECÇÃO \ Luísa Cruz LEITURAS<br />

Degli <strong>um</strong>ani affetti<br />

TELEMANN Abertura burlesca e outras obras<br />

VANNI MORETTO Degli <strong>um</strong>ani affetti, sete ostinatos<br />

para or<strong>que</strong>stra <strong>de</strong> cordas<br />

Or<strong>que</strong>stra Atalanta Fugiens<br />

Vanni Moretto DIRECÇÃO<br />

Anima e Corpo<br />

Obras <strong>de</strong> CASTELLO, MONTEVERDI, MARCO ANTONIO<br />

FERRO, B. MARINI, B. STROZZI, M. WECKMANN<br />

Céline Scheen SOPRANO<br />

Ensemble La Fenice<br />

Jean Tubéry DIRECÇÃO<br />

B14<br />

B15<br />

B16<br />

Poemário Música Coral a cappella <strong>de</strong><br />

compositores portugueses<br />

Obras <strong>de</strong> PEDRO F. GOMES, JOÃO CAMACHO, EURICO<br />

CARRAPATOSO, VASCO PEARCE DE AZEVEDO, NUNO<br />

CORTE-REAL E FERNANDO LOPES-GRAÇA<br />

Coro <strong>de</strong> Câmara Lisboa Cantat<br />

Jorge Carvalho Alves DIRECÇÃO<br />

Flaming Heart I<br />

Obras <strong>de</strong> CLAUDIO MONTEVERDI<br />

Ensemble I Fagiolini<br />

Robert Hollingworth DIRECÇÃO<br />

Cantigas <strong>de</strong> Amigo <strong>de</strong> Martin Codax<br />

Ensemble Eloqventia<br />

Mariví Blasco CANTO \ Rami Alqhai VIELA<br />

David Mayoral SALTÉRIO E PERCUSSÃO<br />

Alejandro Villar FLAUTAS E DIRECÇÃO MUSICAL<br />

20h<br />

B5<br />

ERKKI-SVEN TÜÜR Ardor, para marimba e orq.<br />

<strong>de</strong> câmara<br />

BEETHOVEN Sinfonia n.º 3, op.55, Eroica<br />

Or<strong>que</strong>stra <strong>de</strong> Câmara Portuguesa<br />

Pedro Carneiro MARIMBA E DIRECÇÃO<br />

B12<br />

Bem-me-<strong>que</strong>r, mal-me-<strong>que</strong>r<br />

WAGNER O Idílio <strong>de</strong> Siegfried<br />

MAHLER/SCHOENBERG Canções <strong>de</strong> <strong>um</strong> Viandante<br />

Ensemble Mediterrain<br />

Bruno Borralhinho DIRECTOR ARTÍSTICO E VIOLONCELO<br />

B17<br />

Palavras e Paixões<br />

Obras <strong>de</strong> MONTEVERDI, GESUALDO E SCHOENBERG<br />

Retrospect Ensemble, coro<br />

Matthew Halls DIRECÇÃO<br />

22h<br />

B6<br />

Vozes Ibéricas<br />

Oscar Camacho PIANO<br />

Coro da Fundação Príncipe das Astúrias<br />

José Esteban García Miranda DIRECÇÃO<br />

B13<br />

LEONID CHIZHIK Fantasia sobre Rondo Krakowiac<br />

<strong>de</strong> Chopin / Fantasia sobre <strong>um</strong> tema <strong>de</strong> Mozart<br />

Leonid Chizhik PIANO<br />

Or<strong>que</strong>stra do Algarve<br />

Osvaldo Ferreira DIRECÇÃO<br />

B18<br />

O amor é…<br />

Obras <strong>de</strong> HANDEL, RAMEAU, VIVALDI, BACH, TELEMANN<br />

La Basse Discontinue<br />

Orlanda Isidro Velez SOPRANO<br />

António Carrilho FLAUTAS DE BISEL<br />

Anne Hermant VIOLONCELO BARROCO<br />

Cécile Pomorski CRAVO<br />

24h<br />

B7<br />

Gospel<br />

London Community Gospel Choir


RETROSPECT ENSEMBLE, CORO E ORQUESTRA<br />

ORQUESTRA SINFÓNICA METROPOLITANA DE LISBOA<br />

ORQUESTRA ATALANTA FUGIENS<br />

ENSEMBLE I FAGIOLINI<br />

CORO SINFÓNICO LISBOA CANTAT<br />

ORQUESTRA SINFÓNICA PORTUGUESA<br />

DIVINO SOSPIRO<br />

ORQUESTRA DE CÂMARA PORTUGUESA<br />

ORQUESTRA DO ALGARVE<br />

CORO DA FUNDAÇÃO PRÍNCIPE DAS ASTÚRIAS<br />

ENSEMBLE LA FENICE<br />

ENSEMBLE ELOQVENTIA<br />

QUARTETO AVIV<br />

LEIPZIGER STRING QUARTET<br />

LONDON COMMUNITY GOSPEL CHOIR<br />

ORCHESTRUTOPICA<br />

OS MÚSICOS DO TEJO<br />

SCHOSTAKOVICH ENSEMBLE<br />

SA CHEN, FAZIL SAY, COREY HARRIS,<br />

LEONID CHIZHIK, MIGUEL BORGES COELHO,<br />

JORGE MOYANO, JEAN TUBÉRY, MICHAL KANKA,<br />

LUÍSA TENDER, BRUNO BORRALHINHO,<br />

SOLVEIG KRINGELBORN, ANA QUINTANS,<br />

MARIE-PIERRE LANGLAMET, ENTRE OUTROS.<br />

CONSULTE A PROGRAMAÇÃO<br />

DETALHADA EM WWW.CCB.PT<br />

SALA AMÁLIA RODRIGUES<br />

SALA ALMADA NEGREIROS SALA SOPHIA DE MELLO BREYNER SALA FERNANDO PESSOA<br />

B34<br />

Escolas em Palco - I<br />

Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />

<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />

com o Ministério da Educação.<br />

12h<br />

B19<br />

SCHUBERT Sonata para arpeggione e piano<br />

JANÁCEK Fairy Tales<br />

MARTIN U Variações sobre <strong>um</strong> tema eslovaco<br />

Michal Kanka VIOLONCELO<br />

Miguel Borges Coelho PIANO<br />

B24<br />

Alma Russa<br />

Obras <strong>de</strong> BORODIN, BALAKIREV, CÉSAR CUI,<br />

RIMSKY-KORSAKOV, MUSSORGSKY<br />

Filipe Pinto-Ribeiro PIANO<br />

B29<br />

Crystal Organ<br />

Obras <strong>de</strong> CHICK COREA, MOZART,<br />

RÖLLIG, BLOCH, VON HOLT SOMBACH,<br />

MICHEL REDOLFI<br />

Thomas Bloch HARMÓNICA DE VIDRO<br />

14h<br />

B20<br />

LIGETI Seis Bagatelas p/ Quinteto <strong>de</strong> Sopros<br />

BRAHMS Sonata p/ violoncelo, quinteto <strong>de</strong><br />

sopros e contrabaixo \ CARRAPATOSO Cinco<br />

Miniaturas p/ Quinteto <strong>de</strong> Sopros<br />

Ensemble Mediterrain<br />

Bruno Borralhinho DIRECTOR ARTÍSTICO E VIOLONCELO<br />

B25<br />

BRAHMS Intermezzi op. 117<br />

BEETHOVEN Sonata n.º 8, op.12, Patética<br />

LISZT Sonetos <strong>de</strong> Petrarca n.ºs 47 e 104<br />

Luísa Ten<strong>de</strong>r PIANO<br />

B30<br />

HAYDN Quarteto <strong>de</strong> cordas, op.76/3,<br />

Imperador<br />

SCHOSTAKOVICH Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 3<br />

Quarteto Aviv<br />

B35<br />

Escolas em Palco - II<br />

Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />

<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />

com o Ministério da Educação.<br />

16h<br />

B21<br />

No Teatro das Emoções<br />

Canções <strong>de</strong> SCHUBERT, DEBUSSY, WOLF, F. PIRES,<br />

BRAHMS, BRITTEN, FILIPE DE SOUSA, MAHLER,<br />

SCHUMANN, NED ROREM, A. FRAGOSO, SATIE,<br />

BERNSTEIN, POULENC e CORIGLIANO<br />

O Guardador <strong>de</strong> Canções (canto e piano)<br />

B26<br />

BEETHOVEN Sonata n.º 17, op. 31/2,<br />

A Tempesta<strong>de</strong><br />

BACH/BUSONI Chaconne, BWV 1004<br />

WAGNER/LISZT A morte <strong>de</strong> Isolda<br />

Fazil Say PIANO<br />

B31<br />

L’âme en peine<br />

Música <strong>de</strong> LOUIS COUPERIN, FRANÇOIS<br />

COUPERIN, J. J. FROBERGER<br />

Fernando Miguel Jalôto CRAVO<br />

18h<br />

B22<br />

Schubertíada<br />

FRANZ SCHUBERT Quinteto <strong>de</strong> Cordas,<br />

em Dó maior, D. 956<br />

Schostakovich Ensemble<br />

B27<br />

GUBAIDULINA Chaconne<br />

PROKOFIEV Sarcasmos, op. 17, n.º 1 \<br />

Visions Fugitives (selecção)<br />

MUSSORGSKY Quadros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Exposição<br />

Sa Chen PIANO<br />

B32<br />

BACH Suite para violoncelo n.º 3<br />

HINDEMITH Sonata solo, op. 25 n.º 3<br />

KODÁLY Sonata para violoncelo, op. 8<br />

FELD Partita Solo<br />

Michal Kanka VIOLONCELO<br />

B36<br />

Escolas em Palco - III<br />

Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />

<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />

com o Ministério da Educação.<br />

20h<br />

B23<br />

O velho e o novo tango<br />

Obras <strong>de</strong> ASTOR PIAZZOLLA, RAÚL GARELLO,<br />

MARIANO MORES, PEDRO LAURENZ,<br />

ALEJANDRO SCARPINO/JUAN CALDARELLA,<br />

JULIAN PLAZA<br />

Lusotango<br />

B28<br />

ARENSKI Trio em Ré menor<br />

BRAHMS Trio em Dó Maior<br />

Trio.pt<br />

Pedro Morais Andra<strong>de</strong> VIOLINO<br />

Paulo Gaio Lima VIOLONCELO<br />

Paulo Pacheco PIANO<br />

B33<br />

Blues a solo<br />

Corey Harris GUITARRA E VOZ<br />

22h


PROGRAMAÇÃO Domingo 25 Abril<br />

GRANDE AUDITÓRIO<br />

PEQUENO AUDITÓRIO<br />

SALA LUÍS DE FREITAS BRANCO<br />

11h<br />

C1<br />

Amor Vincit Omnia<br />

Obras <strong>de</strong> GEORG MUFFAT, GIOVANNI BONONCINI,<br />

VIVALDI, HANDEL<br />

Pietro Prosser ALAÚDE<br />

Cenk Karaferya CONTRATENOR<br />

Divino Sospiro<br />

Massimo Mazzeo DIRECÇÃO<br />

C7<br />

As Palavras na Barriga<br />

Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />

Coro Leioa Kantika Korala<br />

Vasco Negreiros DIRECÇÃO ARTÍSTICA<br />

C12<br />

Cantigas <strong>de</strong> Amor <strong>de</strong> D. Dinis <strong>de</strong> Portugal<br />

Ensemble Eloqventia<br />

Mariví Blasco CANTO<br />

Rami Alqhai VIELA<br />

David Mayoral SALTÉRIO E PERCUSSÃO<br />

Alejandro Villar FLAUTAS E DIRECÇÃO MUSICAL<br />

13h<br />

C2<br />

Árias <strong>de</strong> Ópera <strong>de</strong> Haydn e Mozart<br />

Solveig Kringelborn SOPRANO<br />

Or<strong>que</strong>stra Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />

Cesário Costa DIRECÇÃO<br />

C8<br />

Anima e Corpo<br />

Obras <strong>de</strong> CASTELLO, MONTEVERDI, MARCO ANTONIO<br />

FERRO, MARINI, STROZZI, WECKMANN<br />

Céline Scheen SOPRANO<br />

Ensemble La Fenice<br />

Jean Tubéry DIRECÇÃO<br />

C13<br />

Flaming Heart II<br />

Obras <strong>de</strong> CLAUDIO MONTEVERDI<br />

Ensemble I Fagiolini<br />

Robert Hollingworth DIRECÇÃO<br />

15h<br />

C3<br />

HANDEL O<strong>de</strong> para o Dia <strong>de</strong> Sta. Cecília<br />

Gillian Keith SOPRANO<br />

James Gilchrist TENOR<br />

Retrospect Ensemble, coro e or<strong>que</strong>stra<br />

Matthew Halls DIRECÇÃO<br />

C9<br />

Il combattimento <strong>de</strong>lle passioni <strong>um</strong>ani<br />

Obras <strong>de</strong> GLUCK, TELEMANN, DITTERSDORF<br />

Or<strong>que</strong>stra Atalanta Fugiens<br />

Vanni Moretto DIRECÇÃO<br />

C14<br />

A Paixão Segundo Gesualdo<br />

Música <strong>de</strong> CARLO GESUALDO DI VENOSA<br />

Vocal Ensemble<br />

Vasco Negreiros DIRECÇÃO<br />

17h<br />

C4<br />

MOZART Requiem<br />

Dora Rodrigues SOPRANO \ Cátia Moreso CONTRALTO<br />

Musa Nkuna TENOR \ Nuno Dias BAIXO<br />

Coro do Teatro Nacional <strong>de</strong> São Carlos<br />

Or<strong>que</strong>stra Sinfónica Portuguesa<br />

Michael Guettler DIRECÇÃO<br />

C10<br />

Poemas <strong>de</strong> Amor<br />

ISAAC ALBÉNIZ Poèmes d’Amour e Suite Española<br />

Ensemble Mediterrain<br />

Bruno Borralhinho DIRECÇÃO ARTÍSTICA E VIOLONCELO<br />

C15<br />

Pentagrama, ou a longa sombra do peripatético<br />

Obras <strong>de</strong> HOLBORNE, BYRD, ANTÓNIO CARREIRA,<br />

GIOVANNI TRABACI, FRESCOBALDI, ROSENMÜLLER,<br />

PIERRE ATTAIGNANT,CLEMENS NON PAPA<br />

A Imagem da Melancolia<br />

Inês Moz Caldas, Marco Magalhães, Paulo Gonzalez,<br />

Susanna Borsch, Pedro Sousa Silva FLAUTAS DE BISEL<br />

19h<br />

C5<br />

SÉRGIO AZEVEDO Concerto para piano e or<strong>que</strong>stra*<br />

MANUEL DE FALLA El Amor Brujo<br />

António Rosado PIANO<br />

Or<strong>que</strong>stra do Algarve<br />

Osvaldo Ferreira DIRECÇÃO<br />

* Estreia absoluta | Encomenda CCB/Dias da Música 2010<br />

C11<br />

Anima<br />

Obras <strong>de</strong> GÉRARD GRISEY, JOÃO PEDRO OLIVEIRA,<br />

LUÍS ANTUNES PENA, VASCO MENDONÇA<br />

OrchestrUtopica<br />

Pedro Pinto Figueiredo DIRECÇÃO<br />

C16<br />

Sementes do Fado<br />

Os Músicos do Tejo<br />

Marcos Magalhães CRAVO E DIRECÇÃO<br />

Ana Quintans CANTO<br />

Ricardo Rocha GUITARRA PORTUGUESA<br />

21h<br />

C6<br />

CONCERTO DE ENCERRAMENTO<br />

BEETHOVEN Sinfonia n.º 9, op. 125, Coral<br />

Sónia Alcobaça SOPRANO \ Paz Martinez CONTRALTO<br />

Mário Alves TENOR \ Alfredo García BARÍTONO<br />

Coro Sinfónico Lisboa Cantat<br />

Jorge Alves DIRECÇÃO DO CORO<br />

Or<strong>que</strong>stra Sinfónica Metropolitana <strong>de</strong> Lisboa<br />

Cesário Costa DIRECÇÃO<br />

ESPECTÁCULO<br />

IMAGEM BEATRIZ SILVA<br />

OFICINAS Sábado/Domingo 24/25 Abril<br />

OBRA EM<br />

ESTREIA<br />

As palavras na barriga<br />

Vasco Negreiros \ Or<strong>que</strong>stra Filarmonia das Beiras<br />

23 Abril 11h > escolas<br />

24 e 25 Abril 11h > famílias<br />

a partir <strong>dos</strong> 6 anos<br />

Ópera infantil baseada no livro O menino<br />

<strong>que</strong> guardava as palavras na barriga,<br />

<strong>de</strong> Juva Batella.<br />

DIRECÇÃO MUSICAL VASCO NEGREIROS<br />

ENCENAÇÃO LUCA APREA<br />

MAESTRO DO CORO BASÍLIO ASTULEZ<br />

CENOGRAFIA E FIGURINOS LUÍS SANTOS<br />

DESENHO DE LUZ ANTÓNIO DA COSTA<br />

PERSONAGENS E INTÉRPRETES<br />

BEATRIZ BAGULHO GÚNDÚNGÚM<br />

CAMILA ROBERT JOAQUINZINHO<br />

REBECA AMORIM MARILÚ<br />

CORO LEIOA KANTIKA KORALA (PAÍS BASCO, ESPANHA)<br />

ORQUESTRA FILARMONIA DAS BEIRAS<br />

CO-PRODUÇÃO<br />

CCB/FÁBRICA DAS ARTES | ORQUESTRA FILARMONIA DAS BEIRAS<br />

COM O APOIO DA EMBAIXADA DE ESPANHA<br />

PROGRAMAÇÃO PARA A FAMÍLIA<br />

O som <strong>dos</strong> sentimentos<br />

Joana Bagulho \ Joana Amorim<br />

14h e 17h duração > 1h<br />

M/4 anos<br />

Por <strong>que</strong> é <strong>que</strong> a música nos acelera o<br />

coração? Por <strong>que</strong> é <strong>que</strong> esta música me<br />

faz chorar? O espectáculo é protagonizado<br />

por <strong>um</strong> actor e dois músicos <strong>que</strong> constroem<br />

<strong>um</strong>a história com as crianças, montando <strong>um</strong>a<br />

obra musical com base n<strong>um</strong>a história sem<br />

tempo, mas repleta <strong>de</strong> sentimentos e emoções.<br />

A composição será baseada nos princípios <strong>de</strong><br />

Retórica Musical <strong>de</strong> J. Burmeister e em peças<br />

renascentistas.<br />

COMPONENTE MUSICAL COMPOSTA E ARRANJADA<br />

VASCO NEGREIROS<br />

ACTOR F. PEDRO OLIVEIRA<br />

CRAVO JOANA BAGULHO<br />

TRAVERSO RENASCENTISTA E FLAUTA DE BISEL JOANA AMORIM<br />

FIGURINOS KUSTURICAS<br />

Só cordas!<br />

11h \ 14h30 \ 16h<br />

3 aos 6 anos<br />

A Clara, o Ri e o Nete eram bons amigos.<br />

Brincavam juntos... dançavam juntos. Mas o<br />

melhor <strong>de</strong> tudo era gostarem <strong>de</strong> tocar juntos.<br />

Um dia viram outros instr<strong>um</strong>entos a caminho<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a festa e quiseram juntar-se a eles… mas<br />

não foi nada fácil entrar na festa das cordas...<br />

A apresentação <strong>dos</strong> instr<strong>um</strong>entos e <strong>dos</strong><br />

elementos musicais é feita a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

história, n<strong>um</strong> trabalho <strong>dos</strong> alunos do curso <strong>de</strong><br />

Música na Comunida<strong>de</strong> da Escola Superior <strong>de</strong><br />

Música <strong>de</strong> Lisboa e Escola Superior <strong>de</strong> Educação<br />

<strong>de</strong> Lisboa.<br />

CONCEPÇÃO E REALIZAÇÃO DOS ALUNOS DO PRIMEIRO ANO<br />

DO CURSO DE MÚSICA NA COMUNIDADE<br />

ADÉRITO COSTA \ ANDRÉ MENDÃO \ ÂNGELO SALVADO<br />

MARIA MEIRELES \ NUNO VARÃO \ PATRÍCIA SILVA \<br />

PEDRO MOTA \ VÍTOR ANJO<br />

COLABORAÇÃO DOS PROFESSORES<br />

JOANA BAGULHO \ PAULO RODRIGUES \ MANON MARQUES


SALA ALMADA NEGREIROS SALA SOPHIA DE MELLO BREYNER SALA FERNANDO PESSOA<br />

SALA AMÁLIA RODRIGUES<br />

C17<br />

BEETHOVEN Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 11, op.95<br />

P. GLASS Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 2, Company<br />

HUGO RIBEIRO Mensagens Soltas*<br />

ANDRÉ CAPLET Conto fantástico p/ quarteto<br />

<strong>de</strong> cordas e harpa<br />

Leipzig String Quartet e convida<strong>dos</strong><br />

* estreia em Portugal<br />

C22<br />

ARVO PÄRT Für Alina<br />

SCHUMANN Três Fantasiestücke, op.111<br />

CHOPIN Mazurkas; Polonaise, op.44<br />

RAVEL La Valse<br />

Sa Chen PIANO<br />

C27<br />

Crystal Organ<br />

Obras <strong>de</strong> CHICK COREA, MOZART,<br />

RÖLLIG, BLOCH, SOMBACH, REDOLFI,<br />

ROLIN<br />

Thomas Bloch HARMÓNICA DE VIDRO<br />

C32<br />

Escolas em Palco - IV<br />

Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />

<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />

com o Ministério da Educação.<br />

11h<br />

C18<br />

BEETHOVEN Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 16, op.135<br />

JANÁCEK Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 1,<br />

Sonata a Kreutzer<br />

Quarteto Aviv<br />

C23<br />

PROKOFIEV Sonata para piano n.º 7<br />

BERG Sonata, op.1<br />

FAZIL SAY Black Earth<br />

MOZART Doze Variações sobre<br />

“Ah, vous dirais-je, Maman”<br />

Fazil Say PIANO<br />

C28<br />

Blues a solo<br />

Corey Harris GUITARRA E VOZ<br />

13h<br />

C19<br />

BRITTEN Quarteto Fantasia, para oboé<br />

e cordas<br />

BARTÓK Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 6<br />

Ricardo Lopes OBOÉ<br />

Quarteto Vianna da Motta<br />

C24<br />

DEBUSSY Pour le piano<br />

SCHOENBERG Suite op.25<br />

SCRIABIN 5 prelúdios, op. 74<br />

BARTÓK En plein air<br />

Miguel Borges Coelho PIANO<br />

C29<br />

As Formas <strong>dos</strong> Sentimentos<br />

CONCERTO COMENTADO<br />

SOR Sonata Prima “Grand Solo”<br />

WALTON Bagatelas \ BACH Prelúdio e Fuga<br />

da Suite p/ alaú<strong>de</strong>, em Dó menor<br />

PONCE Thème Variée et Finale<br />

Eurico Pereira GUITARRA SOLO<br />

E COMENTÁRIOS<br />

C33<br />

Escolas em Palco - V<br />

Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />

<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />

com o Ministério da Educação.<br />

15h<br />

C20<br />

DEBUSSY Prélu<strong>de</strong> à l’après-midi d’un Faune<br />

DANIEL MOREIRA Trio para flauta, clarinete<br />

e piano<br />

JACQUES IBERT Aria<br />

MAURICE EMMANUEL Sonata<br />

Trio Impressões<br />

C25<br />

Erik Satie, o “peripatético”<br />

Obras <strong>de</strong> SATIE, ADAMS,<br />

MARECOS, PÄRT, SCRIABIN<br />

Joana Gama PIANO<br />

C30<br />

Cartas Íntimas<br />

MENDELSSOHN Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 6,<br />

Requiem para Fanny<br />

JANÁCEK Quarteto <strong>de</strong> cordas n.º 2,<br />

Cartas Íntimas<br />

Leipzig String Quartet<br />

17h<br />

C21<br />

Tchaikovskiana<br />

TCHAIKOVSKI Souvenir d’un lieu cher /<br />

Souvenir <strong>de</strong> Florence<br />

Schostakovich Ensemble<br />

C26<br />

SCHUMANN Kreisleriana, op.16<br />

CHOPIN Sonata n.º 3, op.58<br />

Miguel Henri<strong>que</strong>s PIANO<br />

C31<br />

Impromptu<br />

Obras <strong>de</strong> FAURÉ, ROUSSEL, SCHUBERT,<br />

GLIÈRE, CRAS E PIERNÉ<br />

Marie-Pierre Langlamet HARPA<br />

C34<br />

Escolas em Palco -VI<br />

Concerto <strong>de</strong> Alunos <strong>de</strong> Escolas<br />

<strong>de</strong> Música, n<strong>um</strong>a colaboração<br />

com o Ministério da Educação.<br />

19h<br />

Cantar juntos 2<br />

10h \ 12h30 \ 15h30 duração > 40m<br />

<strong>dos</strong> 0 aos 6 anos<br />

Agora com o segundo livro (com CD) da<br />

série Cantar juntos, como objecto inspirador,<br />

esta oficina / concerto preten<strong>de</strong>, mais <strong>um</strong>a vez,<br />

envolver pais e crianças n<strong>um</strong> universo musical<br />

com raízes na tradição oral. A palavra, o som e<br />

o gesto interagem, transportando-nos para <strong>um</strong><br />

mundo mágico e surpreen<strong>de</strong>nte. Este projecto<br />

musical é promovido pela Associação Apren<strong>de</strong>r<br />

em Parceria, no âmbito do Projecto A PAR, <strong>um</strong>a<br />

iniciativa <strong>de</strong> intervenção educativa social.<br />

DIRECÇÃO MUSICAL E PEDAGÓGICA<br />

ANA SOFIA SEQUEIRA \ RUTE PRATES \ MARIA PRATES<br />

MÚSICOS ANA SOFIA SEQUEIRA (GUITARRA)<br />

FLÁVIA ALMEIDA CASTRO (CRAVO) \ JAIME BACHAREL (VOZ)<br />

JOANA AMORIM (FLAUTAS) \ LUÍS SILVA (VIOLONCELO)<br />

MARCO SANTOS (PERCUSSÃO) \ FILIPA COSTA MACEDO (VOZ)<br />

CORO INFANTIL DE SANTO ANTÓNIO DE CAMPOLIDE<br />

DIRECÇÃO RUTE PRATES<br />

Sons senti<strong>dos</strong><br />

(Há som no laboratório)<br />

Nuno Cintrão \ Catarina Vasconcelos \<br />

José Oliveira<br />

10h30 \ 14h \ 17h duração > 1h30<br />

M/5 anos<br />

Há sons por toda a parte e, por vezes, há<br />

sons <strong>que</strong> estão por perto e <strong>dos</strong> quais nem nos<br />

apercebemos. Existem sons <strong>que</strong> nos metem<br />

medo, outros <strong>que</strong> nos acalmam. Mas será <strong>que</strong><br />

nós vibramos mesmo com o som ou será <strong>que</strong><br />

é ele <strong>que</strong> vibra connosco? E seremos nós a ter<br />

sons preferi<strong>dos</strong> ou será <strong>que</strong> são eles <strong>que</strong> nos<br />

escolhem? E os sons também po<strong>de</strong>m namorar<br />

ou serão só amigos? Nesta oficina vamos ouvir,<br />

<strong>de</strong>scobrir, inventar e brincar com universos<br />

sonoros e musicais.<br />

Conversas com músicos<br />

Artistas <strong>dos</strong> Dias da Música em Belém<br />

Sessões <strong>de</strong> 20m<br />

a partir <strong>dos</strong> 4 anos<br />

Nesta sala vais po<strong>de</strong>r conhecer músicos <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>, ouvir e vê-los tocar mesmo perto <strong>de</strong> ti<br />

e, finalmente, fazer todas as perguntas <strong>que</strong><br />

sempre <strong>de</strong>sejaste fazer.<br />

Todas as oficinas <strong>de</strong>correm<br />

no espaço CCB / Fábrica<br />

das Artes, Jardim das Oliveiras.<br />

Inscrições pelo telefone<br />

213 612 899


ITINERÁRIOS<br />

Propomos <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> 6<br />

itinerários para <strong>um</strong>a possível<br />

viagem, nos dias 24 e 25<br />

<strong>de</strong> Abril, às Paixões da Alma:<br />

DIVERSIDADE<br />

‹ Diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estilos, perío<strong>dos</strong>,<br />

compositores, instr<strong>um</strong>entos e<br />

formações.<br />

12h<br />

14h<br />

16h<br />

18h<br />

DIA 24<br />

B1<br />

B2<br />

B10<br />

B31<br />

DIVERSIDADE<br />

DIA 25<br />

11h C27<br />

13h C23<br />

15h C3<br />

17h C30<br />

SORTILÉGIOS DA VOZ<br />

DIA 24<br />

12h<br />

14h<br />

16h<br />

18h<br />

B1<br />

B14<br />

B15<br />

B21<br />

11h<br />

13h<br />

15h<br />

17h<br />

DIA 25<br />

C12<br />

C2<br />

C14<br />

C4<br />

SORTILÉGIOS DA VOZ<br />

‹ Um itinerário em torno da<br />

música vocal e coral. Para se<br />

<strong>de</strong>ixar enfeitiçar pela magia <strong>que</strong> a<br />

voz h<strong>um</strong>ana exerce sobre nós.<br />

20h<br />

22h<br />

24h<br />

B27<br />

B33<br />

B7<br />

19h<br />

21h<br />

C31<br />

C6<br />

20h<br />

22h<br />

24h<br />

B17<br />

B6<br />

B7<br />

19h<br />

21h<br />

C16<br />

C6<br />

VIAGENS NO TEMPO<br />

‹ Percorra n<strong>um</strong> só dia vários<br />

perío<strong>dos</strong> da história da música.<br />

Viaje através <strong>dos</strong> séculos no<br />

mesmo concerto.<br />

12h<br />

VIAGENS NO TEMPO<br />

DIA 24 DIA 25<br />

B1 11h C22<br />

ROMÂNTICO<br />

DIA 24<br />

12h B1<br />

11h<br />

DIA 25<br />

C1<br />

ROMÂNTICO<br />

‹ Um itinerário romântico nos<br />

dois senti<strong>dos</strong> da palavra. Música<br />

inspirada no amor e <strong>um</strong>a viagem<br />

pela música do período do<br />

romantismo.<br />

14h<br />

16h<br />

18h<br />

20h<br />

B9<br />

B30<br />

B16<br />

B32<br />

13h<br />

15h<br />

17h<br />

19h<br />

C8<br />

C9<br />

C20<br />

C11<br />

14h<br />

16h<br />

18h<br />

20h<br />

B24<br />

B25<br />

B4<br />

B12<br />

13h<br />

15h<br />

17h<br />

19h<br />

C13<br />

C19<br />

C10<br />

C26<br />

ESPÍRITO LIVRE<br />

‹ Para <strong>que</strong>m prefere o imprevisto,<br />

<strong>um</strong> itinerário <strong>que</strong> privilegia a<br />

música improvisada e a música<br />

<strong>de</strong> compositores <strong>que</strong> ficaram<br />

célebres pelo seu espírito livre.<br />

INVULGAR<br />

‹ Conheça instr<strong>um</strong>entos e<br />

formações invulgares.<br />

Oiça instr<strong>um</strong>entos fora<br />

do seu contexto habitual.<br />

22h<br />

24h<br />

12h<br />

14h<br />

16h<br />

B23<br />

B7<br />

DIA 24<br />

B1<br />

B19<br />

B3<br />

21h C6<br />

ESPÍRITO LIVRE<br />

DIA 25<br />

11h C27<br />

13h C18<br />

15h C24<br />

22h B28<br />

24h B7<br />

INVULGAR<br />

DIA 24<br />

12h B1<br />

14h B29<br />

16h B20<br />

21h<br />

11h<br />

13h<br />

15h<br />

C6<br />

DIA 25<br />

C17<br />

C28<br />

C29<br />

Encontra no quadro ao<br />

lado a or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong> concertos<br />

n<strong>um</strong>era<strong>dos</strong> a <strong>que</strong> se refere<br />

cada <strong>um</strong> <strong>dos</strong> 6 itinerários.<br />

18h<br />

20h<br />

22h<br />

24h<br />

B26<br />

B5<br />

B13<br />

B7<br />

17h<br />

19h<br />

21h<br />

C25<br />

C5<br />

C6<br />

18h<br />

20h<br />

22h<br />

24h<br />

B11<br />

B22<br />

B18<br />

B7<br />

17h<br />

19h<br />

21h<br />

C15<br />

C21<br />

C6

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!