Lusitano de Zurique
Edição de Julho/Agosto
Edição de Julho/Agosto
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Julho/Agosto 2015<br />
Memória<br />
<strong>Lusitano</strong> <strong>de</strong> <strong>Zurique</strong><br />
25<br />
fazem o cessar-fogo imediatamente, ou somos nós a<br />
fazê-lo com eles, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> vocês»5, terá<br />
dito Pires Veloso, <strong>de</strong>legado do MFA em Moçambique.<br />
Tudo leva a crer, contudo, que reacções como esta<br />
obe<strong>de</strong>ciam a um plano traçado pela Comissão Coor<strong>de</strong>nadora<br />
do MFA, que envolvia os núcleos do Movimento<br />
nas várias frentes africanas em conflito, a julgar pelo<br />
que escreveu mais tar<strong>de</strong> Vítor Alves: «Em consonância<br />
com a Comissão Coor<strong>de</strong>nadora (as <strong>de</strong>legações locais<br />
do MFA) conseguem assumir uma pequena parcela<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político necessária para controlar a situação<br />
nesses territórios e encetar os primeiros contactos visando<br />
a paz»6. Era mais uma forma <strong>de</strong> pressão com<br />
um <strong>de</strong>stinatário bem i<strong>de</strong>ntificado: António <strong>de</strong> Spínola.<br />
Tardavam as negociações e os soldados no terreno<br />
tinham alguma dificulda<strong>de</strong> em compreen<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>mora,<br />
face aos reais motivos que levaram ao 25 <strong>de</strong> Abril.<br />
Os combates prosseguiam, intensificavam-se até; o<br />
número <strong>de</strong> mortos e feridos aumentava, numa conjuntura<br />
em que não surgia outra saída que não passasse<br />
pela <strong>de</strong>scolonização, sendo apenas uma questão <strong>de</strong><br />
tempo. No seu ponto <strong>de</strong> vista, quanto mais cedo regressassem<br />
à Metrópole melhor. Ninguém queria ser<br />
o último soldado a morrer numa guerra cujo fim, era já<br />
conhecido por todos.<br />
Também <strong>de</strong> outras partes do mundo chegavam<br />
sinais <strong>de</strong> pressão. «O apoio ao novo regime português<br />
continuava condicionado a uma clara posição <strong>de</strong>scolonizadora<br />
dos novos governantes»7. A preocupação<br />
reinava em certos sectores políticos portugueses por<br />
via disso, <strong>de</strong>signadamente no Ministério dos Negócios<br />
Estrangeiros, li<strong>de</strong>rado por Mário Soares, que terá mandatado<br />
o seu sobrinho por afinida<strong>de</strong>, o capitão miliciano<br />
José Manuel Barroso, para patrocinar uma reunião<br />
na Rua <strong>de</strong> Campoli<strong>de</strong>8. Foram convidados Salgado<br />
Zenha, outra figura <strong>de</strong> proa do PS e então ministro da<br />
Justiça, Vítor Alves, Melo Antunes e Almada Contreiras,<br />
os três da Comissão Coor<strong>de</strong>nadora do MFA. A reunião<br />
ocorreu a 1 <strong>de</strong> Julho, e se <strong>de</strong>la não são conhecidas conclusões,<br />
sabe-se, que a situação no terreno começou a<br />
sofrer alterações visíveis a partir daí. No dia seguinte,<br />
é emitido um comunicado do Partido Socialista, on<strong>de</strong><br />
não se escondiam algumas críticas à actuação do Go-<br />
5 Maria Manuela Cruzeiro, Vasco Gonçalves - Um general na Revolução…,<br />
p. 81.<br />
6 Vítor Alves, «Colonialismo e Descolonização», Revista Crítica <strong>de</strong><br />
Ciências Sociais, Maio, 1985, pp. 559-567 - http://www.ces.uc.pt/rccs/in<strong>de</strong>x.<br />
php?id=220&id_lingua=1<br />
7 Maria José Tíscar Santiago, O 25 <strong>de</strong> Abril e o Conselho <strong>de</strong> Estado…,<br />
p. 66.<br />
8 I<strong>de</strong>m, p. 91.<br />
verno, li<strong>de</strong>rado por A<strong>de</strong>lino da Palma Carlos, tecendo<br />
elogios ao Programa do MFA9. Uns dias antes, a Comissão<br />
Coor<strong>de</strong>nadora fizera chegar ao Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República uma comunicação em tom crítico, face<br />
à baixa produção legislativa do Governo, incitando<br />
António <strong>de</strong> Spínola a diligenciar para imprimir ao Executivo<br />
«a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entendimento e dinamismo<br />
que a situação exige»10. Esta informação foi corroborada<br />
por Spínola, quando <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que recebera<br />
uma carta <strong>de</strong> Vasco Gonçalves sobre essa questão11.<br />
Galvão <strong>de</strong> Melo, não obstante a proximida<strong>de</strong> com Spínola,<br />
foi também muito crítico da atuação do I Governo<br />
Provisório, acusando-o <strong>de</strong> passivida<strong>de</strong>12.<br />
Vítor Alves, em entrevista concedida a O Século,<br />
<strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Junho, não <strong>de</strong>ixou dúvidas sobre o pensamento<br />
que perpassava a CC do MFA, relativamente às províncias<br />
ultramarinas, ignorando o «Portugal pluricontinental»,<br />
tão ao gosto <strong>de</strong> Spínola, ao afirmar que tudo<br />
se <strong>de</strong>via fazer para «evitar que o caminho da paz, da<br />
<strong>de</strong>scolonização e da auto<strong>de</strong>terminação em África seja<br />
obstruído.»13 O Diário <strong>de</strong> Lisboa <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> Julho dava<br />
conta <strong>de</strong> uma conferência da OUA, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saiu um<br />
apelo a todos os países para que não estabelecessem<br />
relações diplomáticas com Portugal, enquanto «os portugueses<br />
não reconhecerem o direito à in<strong>de</strong>pendência<br />
das suas colónias»14.<br />
Era difícil manter a situação. Já no fim da vigência<br />
do Governo <strong>de</strong> Palma Carlos, o Conselho <strong>de</strong> Estado<br />
aprovara a Lei nº 6/74, que era composta por um ponto<br />
único: «De acordo com a Carta das Nações Unidas, Portugal<br />
reconhece o direito à auto<strong>de</strong>terminação, com todas<br />
as suas consequências, incluindo a in<strong>de</strong>pendência<br />
dos territórios portugueses <strong>de</strong> África e da Ásia». Este<br />
era o passo em frente que naquele contexto histórico<br />
era preciso dar, porém, a norma legal não chegou a ser<br />
promulgada por Spínola. Não muito mais tar<strong>de</strong>, contudo,<br />
o seu teor viria a servir <strong>de</strong> base à produção da Lei<br />
nº 7/74, que foi aprovada a 26 <strong>de</strong> Julho. De facto, só a<br />
partir da sua divulgação pública por parte do Presi<strong>de</strong>nte<br />
da república, o que aconteceu no dia seguinte, se<br />
pôs fim a uma política prenhe <strong>de</strong> ambiguida<strong>de</strong>s relativamente<br />
ao Ultramar. Ficavam assim criadas as condições<br />
para que fosse possível a assinatura dos acor-<br />
9 Henrique Barrilaro Ruas (dir. e coord.), A Revolução das Flores -<br />
Governo Palma Carlos…, p. 235.<br />
10 Maria José Tíscar Santiago, O 25 <strong>de</strong> Abril e o Conselho <strong>de</strong> Estado…,<br />
p. 83.<br />
11 António <strong>de</strong> Spínola, País sem rumo…, p. 148.<br />
12 General Galvão <strong>de</strong> Melo, MFA – Movimento revolucionário…, p. 15.<br />
13 Henrique Barrilaro Ruas (dir. e coord.), A Revolução das Flores –<br />
Governo Palma Carlos…, p. 157.<br />
14 I<strong>de</strong>m, p. 234.