REVISTA PORTUGUESA DE CIRURGIA CARDIO-TOR áCICA E VASCULARII, com taxas de sobrevida aos 5 anos de 52-78% e 38-44%,respectivamente. O tratamento cirúrgico da doença em estádioIII é um pouco mais controversa com taxas de sobrevidaaos 5 anos de 0-33%. 2 Contudo, apesar do desenvolvimentodas técnicas cirúrgicas e dos cuidados peri-operatórios, astaxas de morbi-mortalidade associadas a ressecções pulmonarespor cancro do pulmão permanecem significativas.Estes doentes apresentam-se como um grupo de risco elevado,particularmente, para complicações cardiopulmonares(20-30%). 3 História de tabagismo pesado, doença pulmonarcrónica, comorbilidades médicas e a própria naturezado procedimento cirúrgico contribuem para aumentar esserisco. A ressecção cirúrgica implica uma redução da capacidadepulmonar, disfunção diafragmática, e perturbação dastrocas gasosas, da tosse e da depuração mucociliar, levandoao desenvolvimento de micro-atelectasias e hipoxemia pós--operatória. Estas alterações, já presentes na maioria doscandidatos cirúrgicos, muitas vezes com DPOC, determinamuma má cicatrização dos tecidos, comprometendo a funçãoimunológica e levado ao aumento da susce<strong>pt</strong>ibilidadeà infecção.Principais factores de riscoWright et al. 4 analisaram os factores de risco emdoentes com cancro do pulmão submetidos a lobectomiae concluíram que a idade, a escala ASA, o sexo masculino,a classificação de Zubrod, a diabetes insulino-dependente, ainsuficiência renal, a quimioterapia de indução ou neoadjuvante,o FEV1 e o tabagismo aumentaram significativamenteo risco de complicações pós-operatórias. A pneumectomiadireita, as dificuldades técnicas, a disfunção cardiopulmonare a hemorragia pós-operatória também foram identificadoscomo importantes factores de risco. 5 De facto, a extensão daressecção pulmonar parece estar directamente relacionadacom a morbi-mortalidade operatória observada. Ginsberg etal. 6 mostraram uma mortalidade de 6,2% na pneumectomia,de 2,9% na lobectomia e de 1,4% na segmentectomiaou ressecção em cunha. Além disso, as complicações cirúrgicastambém tendem a aumentar quanto maior a quantidadede parênquima pulmonar ressecado. Na série de Wahi et al. 7a taxa de morbilidade passou de 36% na pneumectomiasimples, para 53% nas ressecções intrapericárdicas e 67%quando associado a ressecção da parede torácica, pneumectomiaextrapleural, ou ressecção do diafragma.potencialmente fatais. A longo prazo, a ressecção pulmonarpode reduzir a capacidade do doente em tolerar o exercício,comprometendo a sua qualidade de vida. As complicaçõespós-operatórias, especialmente as pulmonares, prolongamas hospitalizações e elevam os custos hospitalares.AteclasiaA atelectasia é uma complicação respiratória frequenteno pós-operatório de uma ressecção pulmonar (Fig.1). A suaimportância clínica depende da sua extensão, assim como,da função pulmonar pré-operatória do doente. 8 O períodode maior risco é durante as primeiras 24 a 48 horas subsequentesà cirurgia. Os factores predisponentes são a anestesiageral, a dor, as secreções brônquicas, a disfunção diafragmáticaou da laringe por lesão nervosa, bem como, a condiçãoclínica do doente e a sua capacidade de tossir. As principaisconsequências fisiopatológicas decorrentes da atelectasia são oshunt intrapulmonar que pode levar à hipoxemia, a perturbaçãoda resposta imune alveolar que tende a aumentar o riscode infecção, e o trauma por re-expansão que pode resultar emalterações histológicas permanentes. Contudo, apenas 5-10%dos pacientes com atelectasia têm repercussão clínica comnecessidade de tratamento imediato. 9 Na maioria dos casos, aatelectasia é segmentar e assintomática, contudo, em doentescom baixa reserva funcional pode ser responsável por quadrosde maior gravidade. A broncofibroscopia flexível não deve serpreterida em pacientes hipoxémicos, com precária reserva funcional,assim como, nos que não respondem de maneira satisfatóriaao tratamento conservador ou com suspeita de “rolhão”brônquico. O controlo rigoroso da dor, seja com medicaçãoendovenosa ou com bloqueio intercostal ou epidural, associadoa uma cinesioterapia intensiva diária são importantes medidaspara ajudar a manter uma adequada depuração brônquica eprevenção da atelectasia pós-operatória. 9Principais complicações pós-operatóriasA prevalência da morbilidade e da mortalidadeapós ressecção pulmonar é maior do que nas outras cirurgias.A diminuição da função ventilatória decorrente desseprocedimento predispõe a uma série de complicações cardiopulmonaresagudas: pneumonia, traqueobronquite,insuficiência respiratória, atelectasia, broncoespasmo, arritmiase enfarte agudo do miocárdio. A embolia pulmonar e oedema agudo de pulmão são as complicações mais graves eFigura 1Atelectasia do lobo médio após lobectomia inferior direitanum octogenário com o diagnóstioc de adenocarcinomado pulmão. Note a opacidade ocupando o 1/3 inferior dohemitórax direito, a presença de desvio homolateral domediastino e o estreitamento dos espaços intercostais.216 Volume XVIII - N.º 4
REVISTA PORTUGUESA DE CIRURGIA CARDIO-TOR áCICA E VASCULARHemorragiaA cirurgia torácica na presença de aderências pleuraispode ser um procedimento cruento culminando com algumsangramento nas primeiras horas do pós-operatório. A tendêncianatural é que, ao cabo de 24h, a drenagem seja progressivamentemenor e mais serosa. Estima-se que a taxa dere-toracotomia para revisão de hemostase seja cerca de 5%. 10Os principais factores de risco são: reoperações, presença concomitantede doenças inflamatórias, tuberculose ou aspergiloma,necessidade de ressecções extra-pleurais e/ou pneumectomia,presença de aderências pleurais, distúrbio da coagulação epresença de cissuras incompletas. A re-toracotomia está indicadaquando a drenagem pleural se mantém acima de 200 ml/hora, por mais de quatro horas. Uma diminuição progressivada drenagem, associada à estabilidade clínica e a uma radiografiacom total expansão pulmonar e mínima colecção pleuralrepresentam uma evolução favorável dispensando uma novaabordagem cirúrgica. Contudo, em regra, é melhor uma abordagemprecoce do que expor o doente a complicações maisgraves (distúrbios metabólicos, coagulopatias, múltiplas transfusõesde sangue) com um aumento da morbi-mortalidade.Fuga de ar prolongadaTodos os doentes submetidos a uma ressecção deparênquima pulmonar podem apresentar fuga de ar no pós--operatório, que geralmente é auto-limitada e cessa nas primeiras48 horas. Em média, 10% a 15% dos doentes têm fugadurante mais de uma semana, 2% a 5% destes prolonga-sepor mais de 14 dias e em 5% pode culminar em empiemapleural. A profilaxia é o ponto fulcral. O tratamento quasesempre é expectante e conservador. A aerostase meticulosa naseparação dos planos intersegmentares ou das cissuras devefazer parte da rotina. O uso de máquinas de corte e suturaautomática e de colas biológicas tem diminuído, significativamente,a fuga de ar, promovendo uma melhor aerostase.A cavidade pleural, idealmente, deve ser preenchida na suatotalidade pelo pulmão remanescente, já que a combinaçãode fuga de ar com espaço pleural residual são os maiores factoresde risco para empiema pleural pós-operatório. A realizaçãode pleurodese, que pode ser realizada à beira do leitocom injeção de irritantes químicos (talco, doxiciclina, bleomicinaou tetraciclina) tem sido sugerida por alguns cirurgiõesquando a fuga é muito prolongada. A indicação de re-toracotomiaocorre em menos de 0,5% de todos os casos, o quetorna o tratamento conservador a primeira opção. 11Figura 2Nível hidro-aéreo, após retirada de drenos, em doentesubmetido a lobectomia superior esquerda, por carcinomado pulmão, complicado com fuga prolongada.fuga de ar, devem ser evitadas lacerações pulmonares, primarpor uma cuidadosa técnica de encerramento do coto brônquicoe finalmente, assegurar condições para uma ocupaçãoadequada do espaço pleural remanescente. A manutençãodos lobos expandidos associada à elevação do diafragma, aodesvio do mediastino e à retracção dos espaços intercostaissão fundamentais no tratamento da fuga de ar pós-operatórioe prevenção de espaços pleurais residuais. 11Fístula broncopleuralA fístula broncopleural é uma comunicação entre oespaço endobrônquico e a cavidade pleural e tem uma incidênciade 1% a 4% após lobectomia e de 6% a 10% apóspneumectomia, com uma média de 3% a 7% em todas asressecções pulmonares (Fig.3). É a complicação mais temidapelo cirurgião, uma vez que está associada com uma taxade mortalidade de 11% a 23%. 12 Os factores de risco parao desenvolvimento deste tipo de complicação relacionam-secom a indicação da cirurgia, factores técnicos relativos à ressecçãoe encerramento do coto brônquico, com tratamentosEspaço pleural residualEstima-se que cerca de 75% a 90% dos doentesapresentam algum espaço pleural residual após ressecçãopulmonar, quando é utilizada a tomografia computadorizadacomo método de avaliação (Fig.2). A persistência desteespaço pleural residual após a retirada do dreno associadoà dor torácica, à febre, à leucocitose e à anorexia com apresença de nível e espessamento pleural na radiografia dotórax é bastante sugestivo de empiema. Para a prevenção daFigura 3Fístula broncopleural pós-pneumectomia direita.Volume XVIII - N.º 4217