REVISTA PORTUGUESA DE CIRURGIA CARDIO-TOR áCICA E VASCULARMedicado em ambulatório com varfarina, lisinopril/hidroclorotiazida,digoxina e tansulosina. Os antecedentes familiareseram irrelevantes.Três dias antes do internamento iniciou tosse, pieira,dispneia e expectoração hemato-purulenta, sem febre. Foiinternado no hospital da área de residência por hipoxemiae medicado empiricamente com amoxicilina/clavulanato eazitromicina. Durante o internamento teve hemo<strong>pt</strong>ises comdiminuição de 5 g/dl de hemoglobina, (recebeu suportetransfusional). Por insuficiência respiratória progressiva, choquee insuficiência renal aguda não oligúrica, foi transferidopara uma Unidade de Cuidados Intensivos do nosso Hospital,sendo ventilado invasivamente após a transferência.Por volumoso derrame pleural direito de novo, foi colocadadrenagem pleural com saída imediata de 2 L de sangue. Realizoubroncofibroscopia que demonstrou inúmeros coágulosno brônquio principal direito e compressão extrínseca domesmo. A citologia do lavado bronco-alveolar revelou polimorfonucleares,sem células neoplásicas.Realizou angio-TC (Fig.1) que revelou hipertrofia daFigura 1Tomografia computorizada do tórax onde se observaaneurisma da artéria brônquica (setas).artéria inter-costo-brônquica, incluindo o ramo brônquicodireito (8 mm). Adjacente à parede do brônquio intermédio,apresentava volumoso aneurisma de ramo intra-pulmonarda artéria brônquica direita (diâmetro 2,4 cm), sem extravasãode contraste. Apresentava também hematoma intra-pulmonarno LID, secundário à ru<strong>pt</strong>ura contida do aneurismaintra-pulmonar e volumoso hemotórax com coágulos àdireita, após colocação de drenagem.O doente foi submetido a toracotomia lateral direitapelo 5º EIC, encontrando-se volumoso hemotórax, semlesões activamente sangrantes. Coexistia infiltração hemáticado lobo médio e inferior, estando este último francamentehepatizado e dificilmente mobilizável. A artéria brônquicatinha cerca de 1 cm de diâmetro ao longo da face anteriorda coluna sob a pleura mediastínica. Fez-se secção dapleura mediastínica e isolamento da referida artéria supra einfra-ázigos (Fig.2), até ao brônquio principal direito, tendosido realizada laqueação da artéria em diferentes níveis.Foi feito o isolamento e laqueação de volumoso aneurismada artéria brônquica adjacente ao brônquio lobar médio.Posteriormente procedeu-se a lobectomia inferior direitadevido às lesões extensas do LID.No pós-operatório imediato foi necessária transfusãode múltiplos hemoderivados, incluindo factor VII activado.Nos dias seguintes houve melhoria progressiva do choque eda insuficiência renal e respiratória. Há a referir a ocorrênciade pneumonia associada a ventilador com bacteremiapor Pseudomonas aeruginosa, tromboembolismo pulmonarmúltiplo diagnosticado incidentalmente em TC-toráx, e FAcom resposta ventricular rápida. Foi extubado ao 9º dia dopós-operatório, e os drenos removidos ao 12º dia do pós--operatório. Foi retransferido para o Hospital de origem no18º dia do pós-operatório.Permaneceu 1 mês internado no Serviço de origem.À data da alta estava totalmente recuperado. Foi reintroduzidaa varfarina devido à FA crónica, pois o factor deFigura 2A) Aneurisma da artéria brônquica na sua porção supra e infra-àzigos; B) aspecto tortuoso da porção infra-àzigos do aneurisma.222 Volume XVIII - N.º 4
REVISTA PORTUGUESA DE CIRURGIA CARDIO-TOR áCICA E VASCULARrisco hemorrágico tinha sido removido. Foi ainda introduzidafluticasona em SOS por dispneia de esforço ocasional.Dois anos após a cirurgia o doente encontrava-se bem e semlimitações, tendo realizado provas de função respiratóriasem alterações significativas.A anatomopatologia da peça operatória revelouextensa hemorragia intra-alveolar e trombos de fibrina, emrelação com infiltração hemática do parênquima pulmonar.DiscussãoO aneurisma da artéria brônquica é uma doença rara,descrita inicialmente num doente sifilítico. Existem cerca de46 casos descritos na literatura. Não é conhecida pormenorizadamentea história natural desta doença. Alguns casossão diagnosticados incidentalmente em exame imagiológico,podendo mimetizar aneurismas da aorta ou tumoresesofágicos. <strong>Out</strong>ros manifestam-se por disfagia devido acompressão esofágica. Muitos casos são diagnosticados porcomplicações, como a rotura do aneurisma. Nos aneurismascom localização mediastínica, os sintomas são semelhantesaos da dissecção aórtica aguda, com toracalgia anteriorou posterior intensa; nos aneurismas de localização intra--pulmonar os sintomas mais frequentes são hemo<strong>pt</strong>ises edificuldade respiratória por hemotórax ou hematoma intra--parenquimatoso. Raramente surgem hematemeses e dorepigástrica por ru<strong>pt</strong>ura para o esófago. Pode ainda manifestar-sepor hemomediastino, choque hipovolémico, anemiaaguda e/ou insuficiência respiratória aguda ou síndroma daveia cava superior agudo. Existem 19 casos descritos de ru<strong>pt</strong>urade aneurisma da artéria brônquica. 1-10O aneurisma da artéria brônquica pode ser congénitoou adquirido, associado a trauma torácico, aterosclerose,doenças inflamatórias ou micótico. Existem associações deaneurismas das artérias brônquicas a aneurismas de artériastímicas, hipergamaglobulinemia e doentes com shuntsporto-sistémicos prévios por hipertensão portal, desconhecendo-seo motivo destas associações patológicas. 1O diâmetro do aneurisma não é proporcional aorisco de ru<strong>pt</strong>ura, existindo aneurismas arteriais brônquicosde 8 cm diagnosticados incidentalmente e aneurismas arteriaisbrônquicos de 2 cm associados a hemorragias graves. 1,2O diagnóstico pode ser sugerido pela história clínicae exame objectivo, mas o diagnóstico definitivo é maioritariamentefeito por TC, com ou sem angio-TC. Também podeser feito por angiografia das artérias brônquicas, e, maisraramente, por achado intra-operatório. 1-3Como grande parte dos aneurismas das artérias brônquicasé diagnosticado após surgimento de complicações, aatitude habitual é proceder ao tratamento dos mesmos querexistam ou não manifestações clínicas. Os tratamentos disponíveisincluem a abordagem endovascular, a terapêuticacirúrgica por toracotomia ou toracoscopia e procedimentoscombinados. 1,2,6-8A abordagem endovascular tem sido progressivamentemais utilizada, tendo como objectivo a oclusão/embollização do aneurisma e dos seus colaterais com coilsou cola biológica; pontualmente têm sido utilizadas próteses1-3, 6-8endovasculares associadas ou não a embolização.A abordagem cirúrgica está indicada em lesõesnão tratáveis por terapêutica endovascular, em falência damesma, e em doentes com complicações torácicas significativas,nomeadamente hemotórax ou lesão parenquimatosa.As cirurgias mais frequentes são a laqueação do aneurisma,e, ou aneurismectomia. Nos aneurismas intra-parenquimatosos,ou com infiltração hemorrágica de parênquimapulmonar, a lobectomia está particularmente indicada. Emdoentes em choque hemorrágico grave pode ser utilizadacirculação extra-corporal intra-operatória. 1,2,9,10BIBLIOGRAFIA1. Karmy-Jones R, Hastreiter D, Burdick T. Hemothorax complicatingbronchial artery aneurysm. Can Respir J. 2005 Jul--Aug;12(5):279-81.2. Fukunaga A, Okushiba S, Ohno K, Kitashiro S, Kawarada Y, ShitinoheT, Kondo S, Katoh H. Dis Esophagus. Mediastinal bronchialartery aneurysm with hematemesis. 2003;16(4):328-31.3. Dinis da Gama A, Távora I. Aneurisma de uma artéria brônquica.Revista Portuguesa de Cirurgia Cardiotorácica e Vascular,Volume XIII - N.º 1 - Janeiro - Março 2006, 55-56.4. Tanaka K, Ihaya A, Horiuci T, Morioka K, Kimura T, UesakaT, Sasaki M, Uchinami M, Tsuda T, Yamada N, Li W, Hirai S,Tanabe S, Okubo Y, Tanaka S. Giant mediastinal bronchialartery aneurysm mimicking benign esophageal tumor: a casereport and review of 26 cases from literature. J Vasc Surg.2003 Nov;38(5):1125-9.5. Shih SY, Hu SY, Tsan YT, Lin TC. Spontaneous hemomediastinumand hemothorax caused by ru<strong>pt</strong>ured bronchial arteryaneurysm. Eur J Cardiothorac Surg. 2009 Jun;35(6):1076.6. Sakai T, Razavi MK, Semba CP, Kee ST, Sze DY, Dake MD. Percutaneoustreatment of bronchial artery aneurysm with use oftranscatheter coil embolization and thoracic aortic stent-graftplacement. J Vasc Interv Radiol. 1998 Nov-Dec;9(6):1025-8.7. Lü PH, Wang LF, Su YS, Lee DH, Wang SX, Sun L, Geng SP,Huang WN. Endovascular Therapy of Bronchial Artery Aneurysm:Five Cases With Six Aneurysms. Cardiovasc InterventRadiol. 2010 Jun 4.8. Sanchez E, Alados P, Zurera L, Canis M, Muñoz I, Casares J,Eguaras MG. Bronchial artery aneurysm treated with aorticstent graft and fibrin sealant. Ann Thorac Surg. 2007Feb;83(2):693-5.9. Saito Y, Ueda Y, Imamura H, Okamura A. Operative aneurysmectomyand middle lobectomy for asym<strong>pt</strong>omatic bronchialartery aneurysm in young patient. Eur J Cardiothorac Surg.2000 Sep;18(3):366-9.10. Yanagihara K, Ueno Y, Kobayashi T, Isobe J, Itoh M. Bronchialartery aneurysm. Ann Thorac Surg. 1999 Mar;67(3):854-5.Volume XVIII - N.º 4223