REVISTA PORTUGUESA DE CIRURGIA CARDIO-TOR áCICA E VASCULARIntroduçãoO tratamento endovascular da doença aneurismáticatem vindo a assumir-se como uma alternativa válida à cirurgiaconvencional dos aneurismas aórticos e ilíacos. Porém,na literatura pouca relevância tem sido dada ao tratamentocirúrgico convencional do aneurisma em rotura após préviaintervenção endovascular, uma vez que este acontecimentopõe em causa a validade da abordagem endovascular, sejano seu planeamento, execução ou follow-up, evidenciandoque a mesma não cumpriu o objectivo para o qual havia sidoconcebida.Os autores pretendem com a apresentação destecaso clínico demonstrar que a cirurgia convencional continuaa ser uma terapêutica válida para o tratamento cirúrgicodo aneurisma ilíaco em rotura, mesmo após prévia intervençãoendovascular.contudo apresentava marcada ortopneia. De realçar a presençade edema unilateral do membro inferior esquerdo,acompanhado de ingurgitamento do sistema venoso superficial(Fig.2) e massa pulsátil com expansibilidade localizadana fossa ilíaca esquerda, com cerca de 7 cm de diâmetro, naqual era audível um sopro e palpável um frémito.Caso ClínicoÉ apresentado o caso de um homem de 60 anos deidade, com antecedentes de hábitos tabágicos, doença pulmonarobstrutiva crónica com necessidade CPAP nocturno,obesidade, dislipidemia, hipertensão arterial, insuficiênciarenal crónica em hemodiálise desde há 3 anos e tratamentoendovascular por aneurisma da artéria ilíaca primitivaesquerda 4 anos antes, com colocação de prótese aorto-unilíacaesquerda, “occluder” na artéria ilíaca primitiva direita ebypass femoro-femoral (Fig.1). O doente recorreu ao serviçode urgência da nossa instituição por um quadro clínico com2 dias de evolução de edema unilateral do membro inferioresquerdo, lombalgia com irradiação posterior para o membroe dificuldade respiratória em decúbito.O exame físico evidenciava um indivíduo hemodinamicamenteestável, o pulso era rítmico, regular e amplo, com 68p.p.m, a tensão arterial era de 132/66 mmHg, não sendo visíveissinais de dificuldade respiratória em posição ortostática,Figura 2Edema unilateral do membro inferior esquerdoacompanhado de ingurgitamento do sistema venososuperficial e cianose cutânea.Os exames complementares realizados, (eco-dopplere angio-TC), revelaram a presença de um aneurisma da artériailíaca primitiva esquerda com 7,44 cm de maior diâmetro,em rotura para a veia ilíaca homolateral (Fig. 3) que condicionavafístula arterio-venosa de alto débito, com dilataçãoe preenchimento de contraste em fase arterial da veia cavainferior (Fig. 4) e veias ilíaca e femoral esquerdas. Não eramvisíveis sinais imagiológicos sugestivos de trombose venosaaguda do membro inferior esquerdo.Figura 1Prótese aorto-unilíaca esquerda, com “occluder” naartéria ilíaca primitiva direita e “crossover” femoro-femoralesquerdo-direito.Figura 3Angiografia 3D mostrando aneurisma da artéria ilíacaprimitiva esquerda e endoprótese aorto-unilíaca.232 Volume XVIII - N.º 4
REVISTA PORTUGUESA DE CIRURGIA CARDIO-TOR áCICA E VASCULARFigura 4Preenchimento em fase arterial da veia cava inferior (seta),sugerindo fístula arterio-venosa de alto débito.Figura 5Representação esquemática da intervenção realizada:Interposição de prótese de Dacron® 18x9 mm em posiçãoprotésico (corpo endoprótese) – prótesico (crossoverfemoro-femoral) “in situ”.Na sequência do diagnóstico de insuficiência cardíacadireita em fase inicial, decorrente de fístula artério-venosade alto débito, decidiu submeter-se o doente a intervençãocirúrgica urgente. Após clampagem supra-renal procedeu-seà ressecção parcial do aneurisma, encerramento endoaneurismáticoda fístula ilíaca e interposição de enxerto de Dacron ®18x9 mm em posição protésico (corpo da endoprótese) – prótesico(bypass femoro-femoral) “in situ” (Fig. 5, 6). A endoprótesefoi seccionada transversalmente sendo a anastomoseproximal realizada entre o corpo da endoprótese e a prótesede Dacron ® com fio monofilamentar de nylon 3/0.A extubação oro-traqueal aconteceu imediatamenteapós a cirurgia e o pós-operatório decorreu sem complicações.Teve alta hospitalar ao 16º dia sem sinais de insuficiênciacardíaca, fístula artério-venosa ou trombose venosaprofunda do membro inferior esquerdo.Um ano após a intervenção o doente apresentou-seassintomático. Realizou controlo por angio-TC, que mostroua normal permeabilidade do enxerto interposto assim comodo bypass femoro-femoral (Fig. 7).DiscussãoDesde a sua descrição original por Parodi et al. 1 em1991, que a abordagem endovascular dos aneurismas aórticose ilíacos tem vindo gradualmente a substituir a cirurgiaconvencional, como forma de tratamento nos doentes dealto risco e com características anatómicas favoráveis, devidoà sua menor morbilidade e mortalidade perioperatória. Noentanto, o estudo EVAR 1 2 demonstrou que essa vantagem,face ao tratamento convencional, tende gradualmente aFigura 6Imagens intra-operatórias, em cima anastomose próximal protésico-protésica (corpo endoprótese-prótese de Dacron), em baixo, ramo deprótese de Dacron 9 mm no interior de saco aneurismático, reconstrução em trajecto anatómico.Volume XVIII - N.º 4233