11Só a partir dos finais do século XV começo a ternotícia documental <strong>da</strong> existência, na vila de CasteloBranco e seu termo, de pessoas encarta<strong>da</strong>s ouhabilita<strong>da</strong>s para tratarem dos doentes. Delas <strong>da</strong>reiuma informação cronológica bastante sumária,aguar<strong>da</strong>ndo outra oportuni<strong>da</strong>de para melhoresclarecimento <strong>da</strong>s suas vi<strong>da</strong>s... Para o efeito,apresentamos segui<strong>da</strong>mente uma relação dosfísicos, cirurgiões e boticários que aqui viveram atéfinais do século XVI.1 - Me. Samuel Goleima, físico e cirurgião do infanteD. Fernando, duque de Viseu e governador <strong>da</strong>Ordem de Cristo, etc. Sendo então morador na vilade Castelo Branco, D. Afonso V concede-lhe, em 207.1470, a seguinte carta de privilégio: - D. Afonso,etc. A quantos esta carta virem fazemos saber quenós, querendo fazer graça e mercê a Me. SamuelGoleima, físico e cirurgião do Infante meu muitoprezado e amado irmão, morador que ora é em avila de Castelo Branco, temos por bem e queremosque <strong>da</strong>qui em diante, na dita vila e onde quer quemorar, nom pousem com ele em suas casas demora<strong>da</strong>, adegas, nem cavalariças, nem lhe tomemdelas roupa de cama, alfaias de casa, nem palha,ceva<strong>da</strong>, patos, lenha, galinhas, nem outra nenhumacousa de seu contra sua vontade, nem isso mesmoseja constrangido para per si nem per outrem haverde servir em nenhuns cargos do concelho onde assimorar. Outrossim, queremos que lhe nom tomemsuas bestas <strong>da</strong>s de sela nem de albar<strong>da</strong> per ascargas de nenhuma pessoa de qualquer estado econdição que seja. E, porém, man<strong>da</strong>mos a todolosnossos corregedores, juizes e justiças, oficiais epessoas a que o conhecimento desto pertencer perqualquer guisa que seja que hajam <strong>da</strong>qui em dianteo dito Me. Samuel por dispensado dos ditos encargose nom o constranjam nem mandem constranger peranenhuns deles, porquanto nossa mercê e vontade éque seja deles escusado e relevado por assi ser dodito Infante meu irmão, sem outra dúvi<strong>da</strong> nem embargoque uns e outros a elo ponhais. Da<strong>da</strong> emCovilhã, a XX dias de Julho. Afonso Garcês a fez, demil e quatrocentos e setenta anos. (47)Nove anos depois, suponho que ain<strong>da</strong> vivia emCastelo Branco. Com efeito, estando em Évora a28.6.1482, D. João II mandou passar carta de perdãoa Ester, judia e moradora naquela vila, a qual haviacerca de três anos fugira à justiça, acusa<strong>da</strong> por umMe. Samuel de “bulrroa e jnliçadora “... (48)2 - M. Salomão Amado, físico e morador em CasteloBranco, obtém carta régia para usar e praticar a suaarte, depois de submetido a exame e consideradoapto pelo doutor Me. Rodrigo, físico-mor do reino(Santarém, 4.5.1483). (49)Encontro vários judeus deste apelido, exercitandoas mais diversas profissões em Castelo Branco; omais antigo, Abraão Amado, era rendeiro <strong>da</strong>s sisasgerais <strong>da</strong>quela vila e do seu termo, em 1380181. (50)Por isso e sem qualquer base documental, apresentoa seguinte suposição: - Não teria o célebre AmatoLusitano pertencido a esta família, largando no exílioo seu novo nome João Rodrigues por aquele em queincluiria o próprio apelido?... (51)3 - Me. Salomão Goleima, morador em CasteloBranco, alcança também licença de D.João II parausar <strong>da</strong> arte de cirurgia por todos os seus reinos esenhorios, jurando na chancelaria régia e, “em sualey’’, de o bem fazer e obrar com cristãos, judeus emouros (Santarém, 15.11.1484). (52)4 - Me. António, físico e morador em CasteloBranco, alegando que aprendera há muito tempo <strong>da</strong>ciência e arte de medicina e tirara carta em forma,uns cinco anos atrás, depois de examinado pelodoutor Me. Rodrigo, físico-mor do reino, pedeconfirmação <strong>da</strong> mesma, de acordo com a ordenaçãode D. Manuel; o novo físico-mor, o doutor Me. Antóniode Lucena, certifica que ele saberia curar mui bemqualquer enfermo, pelo que el-rei lhe man<strong>da</strong> passara sua carta de física (Lisboa, 6.4.1498)... (53)Quatro anos depois ain<strong>da</strong> vivia naquela vila,servindo de testemunha numa escritura de comprae ven<strong>da</strong>, feita a 14.9.1502 e em que João Rodriguesde Castelo Branco, Fi<strong>da</strong>lgo <strong>da</strong> Casa Real, adquiriuparte <strong>da</strong> her<strong>da</strong>de dos Chãos de D. Bento, situa<strong>da</strong>além do Ponsul. (54)Me. António pertencia, certamente, ao grandenúcleo dos judeus que, após a sua conversão força<strong>da</strong>em 1497 e, pelo neobaptismo, deixaram os antigosnomes ju<strong>da</strong>icos...5 - Me. Nuno, físico cirurgião e morador em CasteloBranco, aprendera também havia muito tempoambas as artes, tirando as cartas devi<strong>da</strong>s, depois deexaminado: na primeira, uns cinco anos atrás, pelodoutor Me. Rodrigo, físico-mor; e, na segun<strong>da</strong>,dezoito anos antes, pelo cirurgião-mor Me. Fernando.A fim de cumprir o ordenado por D. Manuel, pedeconfirmação <strong>da</strong>s mesmas e, sendo considerado muiapto pelos doutores Me. António de Lucena e Me.Gil, el-rei lhas man<strong>da</strong> passar em Lisboa, a29.12.1498 (55) e 18.12.1499 (56) , respectivamente.Mestre Nuno, segundo o Dr. Miguel Achioli <strong>da</strong>Fonseca (no livro que escreveu sobre as famílias deCastelo Branco), era conhecido por rabi Samuel, noju<strong>da</strong>ismo, antes de se converter à fé católica. Viveunaquela vila, casado com Leonor Rodrigues, sendoseus filhos o Ldo. Leonardo e Bel. Aires Nunes, ambosmédicos, de que trataremos mais adiante.6 - Me. Inhego Morales, morador em CasteloBranco, fez saber a D. Manuel que, havia muitosanos, usava e praticava a arte <strong>da</strong> física, não só comseu pai mas também com o duque de Lapara e odoutor Santo Espírito, em Salamanca. O rei man<strong>da</strong>--o examinar, tanto na teoria como na prática, pelofísico-mor Me.Afonso com Me. Nicolau e os doutores
12Me. Gil, Me. Diogo e Me. Henrique, seus físicos e,sendo por todos achado suficiente e idóneo, passalhea respectiva carta (Lisboa, 19.6.1517)... (57)7 - Ldo. Leonardo Nunes nasceu em CasteloBranco, sendo filho de Me. Nuno, n.° 5 <strong>da</strong> presentelista. Designando-o por bacharel em física e moradornaquela vila, D. João III concede-lhe carta para curarem seus reinos e senhorios, depois de consideradoapto pelo físico-mor (Lisboa, 17.6.1522) (58) . Poucosanos depois, a 12.12.1524, alcança a licenciatura emmedicina, por exame privado nas Escolas Gerais doEstudo de Lisboa. (59)Durante algum tempo exerce clínica na terra natalmas as suas quali<strong>da</strong>des profissionais irão guindá-loa cargos do maior prestígio, acabando por fixarresidência em Lisboa, numas casas afora<strong>da</strong>s porenfiteuse, ao Poço do Chão.Assim, por carta régia de 23.3.1536 é nomeadofísico <strong>da</strong> Casa <strong>da</strong> Suplicação com o ordenado de2400 reis por ano (60) ; el-rei concede-lhe o foro deFi<strong>da</strong>lgo <strong>da</strong> Casa Real e o hábito <strong>da</strong> Ordem de Cristo,que recebe a 19.2.1546, no convento de Tomar (61) ;serve também a Casa de Bragança, de que tinha20000 réis de tença.Tecendo-lhe os maiores elogios, o conde deRedondo D. João, numa carta <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 1541,agradece a el-rei o ter-lhe enviado o Ldo. LeonardoNunes para o tratar e à sua família. A ele se refereigualmente, o célebre Amato Lusitano, seu patrício,dizendo: “Leonhardus Nunius, medicus ad Lusitanus,dignus est premius apud regem dignitatesobtineat”. (62)A 4. 5.1554 recebe a nomeação de físico-mor doreino, por falecimento de Me. Diogo (63) e, quatromeses depois, a 16.9.1554, é designado para exercerao mesmo tempo interinamente as funções decirurgião-mor do reino... (64) .Faleceu a 10.1.1569, devendo-lhe suceder nocargo de físico-mor seu filho o dr. Ambrósio Nunes,segundo um alvará de lembrança que se não cumpriuinteiramente, ficando porém a receber a tença de80.000 réis, enquanto não fosse provido em outroofício que os valesse.Foi casado com Leonor Coronel, filha de Me.Nicolau Coronel, físico <strong>da</strong> Câmara de D. Manuel I,de que houve uma geração distintíssima.8 - Bel. Aires Nunes, irmão do anterior, aparecedesignado por Me. Aires, bacharel em física e cirurgia,e morador em Castelo Branco, numa carta em queD. João III lhe dá licença para an<strong>da</strong>r em mula (Lisboa,2.12.1528). Exerceu clínica naquela vila, onde serviutambém de vereador e casou com Beatriz Soares,tendo entre outros filhos o Ldo. Henrique Soares, deque tratarei mais adiante.9 - Dr. João Rodrigues (Amato Lusitano), o maisnotável médico português do século XVI, nasceu navila de Castelo Branco em 1511, sendo baptizadocom o nome de João Rodrigues pela sua família decristãos-novos e antigos judeus.Com 24 anos, a 16.3.1535, obtém o grau debacharel em <strong>Medicina</strong> na Universi<strong>da</strong>de de Salamanca,constando do respectivo registo que, no diaanterior, provara haver feito 4 cursos e lido 9 liçõesna de Alcalá de Henares. Daqui, conclui o Prof. J.Veríssimo Serrão que, após uma estadia inicial emSalamanca, prosseguira os estudos na escolacomplutense (de 1532 a 1535) e, em Março do últimoano, voltara à primeira para ali se submeter às provasdo bacharelato (66) . Em Salamanca e apenas com 18anos, exercera a clínica em dois hospitais e o mesmofizera durante 5 anos, por ocasião <strong>da</strong>s férias e noregresso à pátria com a formatura, em váriaslocali<strong>da</strong>des do nosso país, incluindo Castelo Branco,Santarém, Lisboa, etc. Suponho que, em finais de1535, partiu para Antuérpia, onde sai publicado noano seguinte o seu pri-meiro livro, Index Dioscoridis,o único em que, como autor, o seu nome é seguidodos <strong>da</strong> terra e país natal JOANNE RODERICOCASTELI albi Lusitano autore; em to<strong>da</strong>s as obrasposteriores, o nome que passou a adoptar e sob oqual preservaria para sempre a nacionali<strong>da</strong>de e asua ver<strong>da</strong>deira crença, será o de Amatus Lusitanus.Entretanto, a sua reputação espalha-se por to<strong>da</strong> aEuropa e, convi<strong>da</strong>do a exercer a medicina emdiversos países, opta pela Itália. Assim, em 1541 eprofessor de Anatomia em Ferrara; no mês de Maiode 1547 dirigiu-se para Ancona e <strong>da</strong>li acorre a váriasci<strong>da</strong>des, tratando o papa Júlio III, o duque Cosme deMédicis, etc., etc.; mas vítima de perseguições, emvirtude de professar a religião hebraica, parte paraRagusa e acaba por refugiar-se em Salónica (1558),onde vem a falecer <strong>da</strong> peste, a 21.1.1568.Clínico distintíssimo, devem-se-lhe curiosasobservações médicas e cirúrgicas. Naturalistaprático, foi ao mesmo tempo um grande terapeuta emuito versado em botânica médica.A ele e a Canano atribui-se a descoberta <strong>da</strong>sválvulas <strong>da</strong>s veias (1547). Humanista e poliglota,escreveu (além <strong>da</strong> obra já cita<strong>da</strong>) as seguintes:Curationum <strong>Medicina</strong>lium Centuriae Septem (a 1ªCenturia foi publica<strong>da</strong> em Florença, no ano de 1551),In Dioscoridis Anazarbei de Medica MateriaEnarrationes Eruditissimae, Veneza,1553;Comentaria in Quartum Fen Lib.l Avicenae, LaHistória de Eutropia (trad. do latim para o espanhol).A sua vi<strong>da</strong> e a sua obra têm sido analisa<strong>da</strong>s por váriosestudiosos, entre os quais destacamos o dr. JoséLopes Dias, que lhe dedicou um trabalhoparticularmente profundo e apaixonado.10 - Ldo. Henrique Soares, filho do Bel. AiresNunes, n.° 8, nasceu em Castelo Branco e frequentoua partir de 30.10 1540 o Colégio de Santa Cruz, naUniversi<strong>da</strong>de .e Coimbra, onde se formou em<strong>Medicina</strong> (67) . De regresso a Castelo Branco, ali
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