Reencontrando Augusto Meyeralcance pictural do poema. Em segui<strong>da</strong> temos o livro Giraluz, <strong>de</strong>1926. Já é um lugar <strong>de</strong> contraponto, <strong>de</strong> verticalização, <strong>de</strong> maior vigorintersubjetivo. Essa intersubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> absorve e reprograma omundo exterior, sem cair na poetização melodramática ou concessivanem ce<strong>de</strong>r à palavra esquáli<strong>da</strong> e anêmica.É fun<strong>da</strong>mental perceber que, nesse primeiro momento, embora apressão dos resíduos românticos seja enorme, Meyer vai se <strong>de</strong>scartandoprogressivamente do melodramático dos primeiros versos econstruindo uma poesia à distância <strong>da</strong>quele espólio, relevante porémperigoso. A “Bala<strong>da</strong> para os carreteiros”, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse equilibradoesforço <strong>de</strong> <strong>de</strong>spojamento, envere<strong>da</strong> pela prosa a<strong>de</strong>ntro. Depoisdo intervalo sublime do “Poema <strong>da</strong>s rosas”, e ain<strong>da</strong> nostálgico <strong>da</strong> literaturaabsoluta, o <strong>poeta</strong> cósmico anuncia: “Eu vi a luz nascer pelaprimeira vez no mundo.”Em segui<strong>da</strong> o tom cai, na pausa menos convincente <strong>de</strong> Duas orações,<strong>de</strong> 1928. A programação auditiva e visual sofre uma espécie <strong>de</strong>para<strong>da</strong> cardíaca. Quase simultaneamente o ritmo coronário se refaz,e Meyer publica o seu livro <strong>de</strong> mais ampla repercussão, Poemas <strong>de</strong> Bilu,<strong>de</strong> 1929. O fantasma romântico – título do livro do nosso saudosoJosé Guilherme Merquior – o acompanhará para sempre, ao ponto<strong>de</strong> se assumir por inteiro em um <strong>de</strong> seus últimos versos: “Eu pormim conservarei o dom <strong>da</strong>s lágrimas”, disse ele.É fun<strong>da</strong>mental acrescentar que no escritor sóbrio essa preocupaçãoain<strong>da</strong> é um ato contido, jamais exposto à visitação pública. Nãohá, portanto, uma inun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s lágrimas. Há um controle mo<strong>de</strong>rno<strong>da</strong> lágrima, uma espécie <strong>de</strong> gestão <strong>da</strong> lágrima. Difícil gestão, porquea lágrima é por ela mesma incontrolável. Este verso se encontracoinci<strong>de</strong>ntemente no livro Literatura e poesia, <strong>de</strong> 1931, uma metalinguagemcolori<strong>da</strong>, on<strong>de</strong> ele pô<strong>de</strong> gravar o seu saber resumido e <strong>de</strong>ixarclaro o alto teor poético <strong>de</strong> sua prosa. Vale a pena transcrever umtrecho emblemático <strong>de</strong>ssa obra <strong>de</strong> Augusto Meyer, <strong>da</strong>s mais fascinantese <strong>da</strong>s menos conheci<strong>da</strong>s. Diz ele:23
Eduardo Portella“Luci<strong>de</strong>z <strong>de</strong> manhã, quando as idéias voam com asas <strong>de</strong> luz e nãopousam. To<strong>da</strong> a idéia que pousa morreu. No momento em que elafechar as asas minha <strong>sombra</strong> <strong>de</strong>scerá sobre mim. To<strong>da</strong> idéia que voavive. To<strong>da</strong> idéia que eu agarro é um punhado <strong>de</strong> cinzas. Que seria <strong>de</strong>mim se eu achasse o caminho?”Vê-se que a obra to<strong>da</strong> <strong>de</strong> Meyer é este contraponto entre prosa epoesia. Essa <strong>de</strong>struição, essa dinamitação do limite. A prosa guar<strong>da</strong>,revela uma extrema palpitação poética e a poesia não ultrapassa certoslimites, o que implicaria uma poetização <strong>de</strong> gosto duvidoso. AsFolhas arranca<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> 1940, e Últimos poemas, <strong>de</strong> 1950, são livros quecompletam o percurso, sempre em íntima conexão com o trabalhoensaístico, porque a obra <strong>de</strong> Augusto Meyer se <strong>de</strong>sdobra em duasfrentes: a <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> linguagemea<strong>da</strong>compreensão do fazer literário.Ele é, portanto, um produtor <strong>de</strong> linguagem, um inventor.<strong>Um</strong> inventor que se serve <strong>da</strong> palavra para inventar. E é também umgran<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>dor do fazer literário, alguém que reflete o tempotodo, que pensa ca<strong>da</strong> palavra que escreve.Diversa e múltipla, sua obra abriga estudos mo<strong>de</strong>lares sobre questõese autores <strong>de</strong> culturas outras. O núcleo principal do seu entendimentohermenêutico se reparte entre Luís <strong>de</strong> Camões, ArthurRimbaud e Machado <strong>de</strong> Assis. Ao autor <strong>de</strong> Os Lusía<strong>da</strong>s ele consagrouuma série <strong>de</strong> textos e <strong>de</strong> aulas-texto, reuni<strong>da</strong>s no livro Camões, o bruxo eoutros estudos (1958). Meyer enten<strong>de</strong> como ninguém dos bruxos, porqueele próprio era um bruxo. <strong>Um</strong> bruxo dissi<strong>de</strong>nte, alternativo, talvezaté com sotaque, porém um bruxo. No caso, alguém que fala para e comalém <strong>da</strong> razão. O bruxo seria, assim, aquele que pôs a serviço, à disposição<strong>da</strong> língua, pela via <strong>da</strong> linguagem, impulsos intersubjetivos ain<strong>da</strong>não catalogados pelos códigos retóricos. Por essas e outras razões,Meyer inscreve Camões no cerne do Renascimento.Deixando <strong>de</strong> lado os sinais <strong>de</strong> crise, há duas maneiras recentes <strong>de</strong>ler Camões: uma, é fazer opção do Camões no coração do Renasci-24
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Fábio LucasMeyer dava lições de
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