Augusto Meyer, um ensaísta <strong>da</strong> Comarca do Pampaque se coloca o adulto, para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>screvê-la”, diz ele em “Da infânciana literatura” (TC, pp. 171-5). Não po<strong>de</strong>mos ler aqui, acaso,uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa enviesa<strong>da</strong> <strong>da</strong> irrecuperabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> intangibili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong> infância, isto é, uma sutil mas firme reafirmação <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong>do Ouro, em escala individual?Acresce ain<strong>da</strong> que Meyer, sendo o crítico fino, filologista e ergocêntricoque sempre foi, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros textos, foi também um argüidoraté impertinente <strong>da</strong> psicologia alheia, quero dizer, <strong>da</strong> psicologiados autores. E aqueles com quem mais se i<strong>de</strong>ntificou, a julgar pelaintensi<strong>da</strong><strong>de</strong> com que freqüentou analiticamente a obra, por assim dizersofreram em suas mãos; e o diagnóstico do crítico, nesses casos,sempre me parece uma espécie <strong>de</strong> confissão no espelho. De SimõesLopes Neto, aproxima sem muita mediação autor e personagem,numa fusão que permite aproximar vi<strong>da</strong> e obra quase <strong>de</strong>scui<strong>da</strong><strong>da</strong>mente;<strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, diz que foi “o monstro <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z que se criaraaos poucos”, um ser com a duvidosa “alegria <strong>de</strong> caçar as essênciasque transparecem na obra dos moralistas e psicólogos” (TC, p. 213). BÉ hora <strong>de</strong> avançar sobre a segun<strong>da</strong> parte <strong>de</strong> nosso percurso, buscandoagora diagnosticar <strong>de</strong> que modo Augusto Meyer pensou oRio Gran<strong>de</strong> do Sul, sua literatura e sua cultura. Como dito antes,trata-se <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r com material vasto, embora relativamente uniformequanto ao tratamento – quero dizer que nesta matéria não se verificanenhum turning point tão notável quanto aquele que aqui se diagnosticouem redor <strong>da</strong> imagem do sujeito que buscava enten<strong>de</strong>r o movimentocaminhando: como lembramos, nosso homenageado pareceter sido, na juventu<strong>de</strong>, um i<strong>de</strong>alista que imaginava ser necessárioafastar-se do mundo para entendê-lo, enquanto na maturi<strong>da</strong><strong>de</strong> admitiuhaver razão na dialética. 8 538 Especulaçãolateral: nomesmo passo emque ocorreu talmu<strong>da</strong>nça, tal(quase) inversão,Meyer <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong>ser <strong>poeta</strong> – se éque po<strong>de</strong>mosdizer isso assim,<strong>de</strong> modo tãotrivial. De todomodo, pareceque aquelasporções <strong>de</strong>simbolismomitigadopresentes em suapoesia inicial, <strong>de</strong>viés mo<strong>de</strong>rnista,parece tersumido, em favor<strong>de</strong> uma presençanão <strong>de</strong>sprezível<strong>de</strong> surrealismo(com exceçãodos últimospoemas,melancólicos,evocativos).
Luís Augusto FischerNaturalmente, sua percepção a respeito do tema vai-se matizando,ao longo do tempo. Prosa dos pagos, sua obra <strong>de</strong> referência neste assunto,teve várias edições e pelo menos duas feições, tal o montante<strong>de</strong> novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s entre a edição primeira, <strong>de</strong> 1943, e as que apareceram apartir <strong>de</strong> 1960. As <strong>da</strong>tas mesmo são significativas, consi<strong>de</strong>rado oquadro <strong>da</strong> cultura do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Façamos uma breve retoma<strong>da</strong>.Na altura em que Meyer publicava sua coletânea sobre a literaturaregionalista gaúcha, po<strong>de</strong>-se dizer que estava por fechar um século<strong>de</strong> freqüentação do tema por artistas e intelectuais locais. Ain<strong>da</strong> quea Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Partenon Literário tenha aparecido formalmente apenasnos últimos anos <strong>de</strong> 1860–é<strong>de</strong>lembrar que a instituição abrigou edivulgou os escritores tentativos <strong>da</strong>quela altura, numa espécie <strong>de</strong>irmã antecipa<strong>da</strong> <strong>de</strong>sta <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong>, anterior no tempo mas com algunsímpetos análogos –, já ao final <strong>da</strong> Guerra dos Farrapos (1835-45) otema regional começou a impor-se à mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos jovens <strong>da</strong> terra.Era preciso ser gaúcho – palavra por sinal ain<strong>da</strong> maldita na altura,reserva<strong>da</strong> que era apenas aos marginais sociais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> interiorana <strong>da</strong>campanha –, e os escritores puseram mãos à obra na forma <strong>de</strong> forjaruma figura i<strong>de</strong>ntitária.Com o Partenon, tudo cresceu, e apareceram escritores que, nãoobstante as limitações formais e o acanhado alcance, se impuseramao meio. Sirva <strong>de</strong> exemplo Apolinário Porto Alegre, professor, pesquisadorespontâneo, leitor voraz, escritor obstinado, folcloristaamador, republicano <strong>de</strong> têmpera <strong>de</strong>mocrática (o que no Rio Gran<strong>de</strong><strong>de</strong> então era uma rari<strong>da</strong><strong>de</strong>, é bom lembrar). Na vi<strong>da</strong> política vem aRepública, na forma positivista extrema<strong>da</strong> que uma geração brilhanteprotagonizou, Júlio <strong>de</strong> Castilhos em primeiro plano, mais PinheiroMachado, Assis Brasil, Borges <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros, Ramiro Barcellos.Na vira<strong>da</strong> do século XX, surgirá a primeira gran<strong>de</strong> geração <strong>de</strong> escritores<strong>de</strong>dicados ao tema regional, com Simões Lopes Neto à fren-54
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