Augusto Meyer, um ensaísta <strong>da</strong> Comarca do Pampamento –, dirá nosso aqui furioso ensaísta: “nem por isso há um abismoescancarado entre beber o sangue vivo <strong>de</strong> uma ovelha <strong>de</strong>gola<strong>da</strong> ecomer o churrasco <strong>da</strong> abuelita inglesa <strong>de</strong> Borges – churrasco eufemizadoem roast beef” (TC, p. 461). Queria dizer, parece, que a oposição,a simetria entre civilização e barbárie não era total, nem era tamanhaquanto queria fazer crer Borges.Convenhamos, é uma agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> notável. E a que se <strong>de</strong>ve? Quesentido faz? Quero crer – e aqui encerro essa já longa conversa – quese trata <strong>de</strong> ter Meyer encontrado em Borges seu ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro êmulo erival, aquele a quem fazia sentido opor-se fortemente, ain<strong>da</strong> que àscegas ou agressivamente em algum momento. E por que rival, porque o ciúme? Aí é que está: parece que Borges, em função <strong>de</strong> seu gênioindividual mas também <strong>da</strong>s condições objetivas <strong>de</strong> sua experiência,vivendo o auge <strong>da</strong> civilização <strong>de</strong> Buenos Aires, conseguiuequacionar aquilo que para Meyer permaneceu sempre como umenigma; Borges obteve uma síntese – lá estamos nós falando <strong>de</strong> totali<strong>da</strong><strong>de</strong>,mais uma vez –, uma perspectiva que, sendo talvez a matriz<strong>de</strong> suas tão freqüentes simetrias, inversões, paradoxos e <strong>de</strong>mais torneios<strong>de</strong> forma e <strong>de</strong> fundo, colocou em linha <strong>de</strong> compreensão recíprocae dinâmica – dialética, eu gostaria <strong>de</strong> dizer – as dimensões locaise as internacionais, as questões do singelo gauchismo pampano eas do emaranhado humanismo oci<strong>de</strong>ntal. Borges, um temperamentoclássico que precisou li<strong>da</strong>r com o tema <strong>de</strong> viver na periferia tantoquanto qualquer intelectual que se preze em nossa América, formuloupara si (e para os leitores interessados) a equação que Meyer teráentrevisto, quem sabe apenas ao longe; mas com a po<strong>de</strong>rosa percepçãoque tinha, <strong>de</strong>ve ter vibrado intelectualmente. (Para registro: outrocontemporâneo um pouco mais velho dos dois, Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,nascido em 1893, fez também um imenso esforço em busca <strong>da</strong>mesma síntese, em suas pesquisas, em suas cartas e em sua literatura,mas em vão.)65
Luís Augusto FischerReconheci<strong>da</strong>s as virtu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Borges, e Meyer faz isso em alto ebom som, terá sido para nosso caro homenageado, penso eu, umapaz e simultaneamente um tumulto o perceber que logo ali, na vizinhança<strong>de</strong> sua Porto Alegre, no centro <strong>da</strong> Comarca do Pampa que éBuenos Aires, centro portanto <strong>da</strong>quela literatura gauchesca que sepraticou em espanhol como em português, <strong>da</strong> qual Meyer era íntimo,logo ali estava alguém que havia formulado saí<strong>da</strong>s para os impassesmentais que se viviam em to<strong>da</strong> a comarca, incluindo aquelescom que Meyer se entreteve por tanto tempo, com tanto empenho etanta quali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Entre nós, sul-americanos, talvez apenas outra figuramaiúscula tenha percebido e enunciado o problema tal como Borges;refiro-me a Machado <strong>de</strong> Assis, que duas ou três gerações antes<strong>de</strong> ambos, e por sinal no auge <strong>da</strong> civilização do Rio <strong>de</strong> Janeiro, enten<strong>de</strong>uo tamanho relativo <strong>da</strong>s coisas, na tensa e tumultua<strong>da</strong> relaçãoentre centro e periferia, e alcançou dizer claramente isso, em crítica eem prosa geniais.Ao dizer isso que acabo <strong>de</strong> dizer, não imagino estar diminuindo aimportância <strong>de</strong> Augusto Meyer no contexto <strong>de</strong> seu centenário <strong>de</strong>nascimento, aqui nesta Instituição que ele ajudou a fazer existir.Penso que a hipótese que apresentei, que tem o traço <strong>da</strong> insubordinaçãointelectual e o <strong>de</strong>feito <strong>da</strong> relativa improvisação, po<strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r apensar em nosso homenageado, especialmente na parte <strong>de</strong> sua obraque se refere ao mundo sulino, que ele tanto prezou e que ajudou aconfigurar criticamente. Augusto Meyer, que vislumbrou justamenteem Machado um maior que foi capaz <strong>de</strong> inovar superando por<strong>de</strong>ntro os impasses intelectuais que acometem os críticos e os letrados<strong>da</strong> periferia do mundo, foi por todos os títulos um dos maiorescomentaristas <strong>da</strong> literatura jamais aparecidos entre nós, e por issoprecisa ser confrontado com os maiores, para sobreviver e continuara ser apreciado. E sobreviverá, é certo: sua prosa inteligente, sua erudiçãocarrega<strong>da</strong> com leveza, sua atenção à representação <strong>da</strong> dinâmica66
- Page 3 and 4:
Alberto da Costa e Silvasabia nada
- Page 5:
Alberto da Costa e Silvadava com a
- Page 8: Augusto Meyer: Um poeta à sombra d
- Page 11 and 12: Alberto da Costa e SilvaA imprecar
- Page 13 and 14: “Se me debruço um pouco para den
- Page 15 and 16: Eduardo PortellaEle era uma figura
- Page 17: Eduardo Portella“Lucidez de manh
- Page 21 and 22: Eduardo Portellatica do Modernismo,
- Page 23 and 24: Tania Franco Carvalhalloz”, “ma
- Page 25 and 26: Tania Franco Carvalhal4 Montello,Jo
- Page 27 and 28: Tania Franco Carvalhal7 Nesta obra,
- Page 29 and 30: Tania Franco CarvalhalVinte e três
- Page 31 and 32: Tania Franco Carvalhal15 Meyer,Augu
- Page 33 and 34: Tania Franco Carvalhal22 Meyer, A.1
- Page 35 and 36: Tania Franco Carvalhal III. Machado
- Page 37 and 38: Augusto Meyer, em foto de 1930.Port
- Page 39 and 40: Luís Augusto Fischertorno de nosso
- Page 41 and 42: Luís Augusto Fischerdes, particula
- Page 43 and 44: Luís Augusto Fischer3 Ver A formas
- Page 45 and 46: Luís Augusto Fischertura sul-rio-g
- Page 47 and 48: Luís Augusto FischerNaturalmente,
- Page 49 and 50: Luís Augusto FischerÉ essa a gera
- Page 51 and 52: Luís Augusto Fischer9 Segredos dai
- Page 53 and 54: Luís Augusto Fischertrechos do poe
- Page 55 and 56: Luís Augusto Fischerse prometeu a
- Page 57: Luís Augusto Fischerem seguida diz
- Page 61 and 62: Autógrafo de Augusto Meyer aManuel
- Page 63 and 64: Fábio Lucaspelo menos na memória
- Page 65 and 66: Fábio LucasNão vejo de modo algum
- Page 67 and 68: Fábio Lucasdo texto” (cf. O crí
- Page 69 and 70: Fábio LucasMeyer dava lições de
- Page 71 and 72: Fábio LucasCamões, por sua vez, t