Augusto Meyer, leitor <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis<strong>de</strong> 47, intitulado À <strong>sombra</strong> <strong>da</strong> <strong>estante</strong>, o verso <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire: “Mon berceaus’adossait à la bibliothèque”, 1 <strong>de</strong>ixando perceber a sugestão queele empresta ao título do volume.Foi sem dúvi<strong>da</strong> Meyer um leitor sistemático e seletivo, com preferênciasconsoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s e raro equilíbrio entre a tradição e o novo,atento às publicações que ampliavam, ca<strong>da</strong> vez mais, sua erudição ecampos <strong>de</strong> conhecimento.Além disso, o fato <strong>de</strong> ter sido um leitor exemplar e constante <strong>da</strong>obra machadiana é indicativo <strong>de</strong> sua inclinação para os gran<strong>de</strong>s observadores<strong>da</strong> alma humana, como Machado, Proust, Dostoievski e Piran<strong>de</strong>llo,autores com os quais tinha afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s, pois privilegiaram ainvestigação psicológica e exploraram, ca<strong>da</strong> um a seu modo, o <strong>de</strong>sdobramentoe a dissociação <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Neles o crítico apreciavasobretudo o <strong>de</strong>slocamento do eixo <strong>da</strong> ação para o <strong>da</strong> introspecção.Nesta dupla condição, leitor e crítico <strong>de</strong> Machado, Augusto Meyerassume a posição a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> a seu temperamento e à forma <strong>de</strong> estarno mundo que lhe agra<strong>da</strong>va, a <strong>de</strong> uma vi<strong>da</strong> entre livros. 2Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, em artigo <strong>de</strong> 1970, ao homenagearo escritor falecido havia pouco apontava essa afini<strong>da</strong><strong>de</strong>, esboçando-lheo retrato: “Caberia num livro? Imagino-o transformadono livro <strong>de</strong> si mesmo: volume fino, alongado, <strong>de</strong> elegante enca<strong>de</strong>rnação,tipos escolhidos, vinhetas <strong>de</strong>senha<strong>da</strong>s por um diabinho renascentistaque, aqui e ali, pusesse um toque <strong>de</strong> Bilu no contorno <strong>da</strong>s figuras.Livro que fosse a síntese <strong>de</strong> uma biblioteca sem obras indigestas,cultura presente como atmosfera ou água <strong>de</strong> beber.” 3Por sua vez Josué Montello percebeu bem que a convivência coma obra machadiana i<strong>de</strong>ntificava o crítico, estabelecendo a relação entreo intérprete e o interpretado. No artigo “<strong>Um</strong>a profecia <strong>de</strong> Ma-1 Bau<strong>de</strong>laire,Charles. “LaVoix”, Piècesdiverses. In:Oeuvres Complètes<strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire.Paris, Gallimard,Coll. Pléia<strong>de</strong>,1954, p. 229.2 Evoque-se queMeyer foi diretor<strong>da</strong> BibliotecaPública doEstado do RS,em Porto Alegre,<strong>de</strong> 1935 a 1937,quando mu<strong>da</strong>-separa o Rio <strong>de</strong>Janeiro e se tornaprimeiro diretordo InstitutoNacional doLivro, que irápresidir por duasvezes, a primeiraaté 1956 e asegun<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1961a 1967.3 Andra<strong>de</strong>,CarlosDrummond <strong>de</strong>.“De Meyer aBilu”. Jornal doBrasil, 16.7.70,p. 8.31
Tania Franco Carvalhal4 Montello,Josué. “<strong>Um</strong>aprofecia <strong>de</strong>Machado <strong>de</strong>Assis”. Rio <strong>de</strong>Janeiro. Jornal doBrasil, 23.6.60.chado <strong>de</strong> Assis”, 4 comenta que o mestre, no capítulo LXXI <strong>da</strong>sMemórias póstumas, profetizou que um senhor magro e grisalho, em1950, se inclinaria para <strong>de</strong>scobrir-lhe o senão do livro. Para Montello,Machado teria adivinhado a figura esguia <strong>de</strong> Augusto Meyer, <strong>de</strong>bruçadonas páginas do romance “a esmiuçar-lhe o pensamento navolúpia <strong>da</strong> boa leitura”. Observa que a profecia machadiana está certaquando “alu<strong>de</strong> à paixão dos livros, que é o traço dominante <strong>da</strong>personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Augusto Meyer, e ain<strong>da</strong> quando no-lo mostra a ir evir pelas linhas impressas”.A continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s leituras <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Machado consagra a idéia<strong>de</strong> que um livro se <strong>de</strong>sdobra no tempo e nele adquire, por força <strong>da</strong>sleituras que o renovam, outros sentidos. Por isso dirá: “Impossívelimaginá-lo senão em an<strong>da</strong>mento no tempo, avultando ou <strong>de</strong>crescendo<strong>de</strong> importância, quase esquecido às vezes, para ressurgir mais tar<strong>de</strong>,transfigurado à imagem <strong>de</strong> outras gerações.”Essa observação crítica sobre Machado <strong>de</strong> Assis po<strong>de</strong> ser aplica<strong>da</strong>hoje com relação ao próprio Meyer. A bela metáfora <strong>da</strong> obra queatravessa o tempo, revivi<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> passo pela ação <strong>da</strong> leitura que lheinjeta novo alento e interpretações, serve igualmente para o escritorgaúcho. Retomar sua obra, lê-la nas diversas formas em que se expressou– poesia, relatos <strong>de</strong> memória, crônicas, ensaios críticos – éperceber que ela se organiza graças a uma lei <strong>de</strong> reflexos que garantea uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste universo literário. Tomá-la em uma <strong>de</strong> suas facetas éain<strong>da</strong> aludir às <strong>de</strong>mais, associa<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s por um singular traço <strong>de</strong> estilocaracterizado pela elegância e naturali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> expressão. Domesmo modo, reler seus estudos sobre Machado <strong>de</strong> Assis significaperceber como seu pensamento, sem per<strong>de</strong>r a segurança <strong>da</strong>s primeirasintuições, se vai enriquecendo nos modos <strong>de</strong> ler e nas in<strong>da</strong>gaçõesdiversas a que submete o objeto <strong>de</strong> análise.Vê-se, então, por que a obra <strong>de</strong> Machado seria para Meyer um<strong>de</strong>safio <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> inteira. Como leitor ele assim julgava: “Os anos vão32
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