Reencontrando Augusto MeyerVelho: “Fez do seu capricho uma regra <strong>de</strong> composição”, diz ele. Caprichoe regra, dois pólos intercomunicáveis <strong>de</strong> uma aventura insólitae <strong>de</strong>sconcertante, leva<strong>da</strong> a efeito sob o império <strong>da</strong>s leis chama<strong>da</strong>s<strong>de</strong> misteriosas. As leis misteriosas ocupam um espaço que ultrapassaa própria normativi<strong>da</strong><strong>de</strong> vigente ou os códigos vigentes nas diferentespoéticas.Meyer <strong>de</strong>screve com precisão as leis que presi<strong>de</strong>m a elaboraçãopoética camoniana, sem contudo resvalar na obsessão legislativa.Ou seja, ele sabe servir-se <strong>da</strong> norma e manter a distância com relaçãoà obsessão legislativa <strong>da</strong> norma. Empreen<strong>de</strong> o uso heterodoxo<strong>da</strong> razão, ela mesma infiltra<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>srazões. Ou seja, ele já não operacom um padrão hegemônico <strong>de</strong> razão, aquele que dominou aconquista do Oci<strong>de</strong>nte, sobretudo do Oci<strong>de</strong>nte mo<strong>de</strong>rno e queleva a ciência e a tecnologia às últimas conseqüências. Ele percebeque a razão po<strong>de</strong> ser uma construção também plural. Ele <strong>de</strong>sdobrariauma espécie <strong>de</strong> racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> aberta e já não uma racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>absolutamente fecha<strong>da</strong>.Daí o seu empenho ao constatar, em A forma secreta (1965), o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>irosignificado <strong>de</strong> “ranger <strong>de</strong> cataventos”, ao que eu acrescentaria,com todo respeito a este outro bruxo que é Jorge Luis Borges,que A forma secreta é quase um doce pleonasmo. To<strong>da</strong> forma que sepreza é secreta, guar<strong>da</strong> a dimensão do não-dito, pe<strong>da</strong>ços <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> protegidospelo ocultamento. O que não é secreto, em hipótese alguma,é o escân<strong>da</strong>lo.Isto significa que Meyer, mais uma vez, procura ler as coisas queestão em cima <strong>da</strong>s estruturas poéticas, aquelas que se ocultam, quepertencem ao domínio do não-dito, mas que às vezes <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m a sortedo dito, do que é dito. A ironia é capaz <strong>de</strong> assumir formas inespera<strong>da</strong>se nem sempre necessariamente corrosivas. No crepúsculo <strong>da</strong>mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, alguma coisa como a <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira volta do circuito, Machadoe Meyer assistiram – não creio que impávidos, face à capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> prever <strong>de</strong> que eram dotados – ao <strong>de</strong>staque <strong>da</strong> vertente cáus-27
Eduardo Portellatica do Mo<strong>de</strong>rnismo, ou seja, aquele lado <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> que seempenhou o tempo todo em fazer a crítica do edifício compacto <strong>da</strong>mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> plena.Essa mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> não tardou muito para assinar um protocolo<strong>de</strong> cooperação com o pessimismo. A literatura plena se <strong>de</strong>bilita, se<strong>de</strong>splenifica. Apesar <strong>de</strong> ressaltar, pela voz do seu Machado, o <strong>de</strong>scrédito<strong>da</strong> aventura literária e a miséria <strong>da</strong>s interpretações, AugustoMeyer apostou na literatura até o fim. Até mais não po<strong>de</strong>r.O próprio pessimismo, que Machado e Meyer dividiram <strong>de</strong>modo <strong>de</strong>sigual, não teria sido uma forma <strong>de</strong> confiança, uma espécieestranha e chocante do niilismo positivo? Há quem diga que sim.Lembro-me <strong>de</strong> que, uma vez, Albert Camus disse que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>todo não há um sim. Então, o aparente pessimismo, o niilismo contun<strong>de</strong>nte,no caso <strong>de</strong> Meyer, era uma forma <strong>de</strong> construção. Os pessimistasagem, põem vi<strong>da</strong> na negação, mesmo que <strong>de</strong>sola<strong>da</strong>mente.Augusto Meyer é um homem <strong>de</strong> letras na mais alta acepção <strong>da</strong> palavra.Nem superestimou as articulações <strong>de</strong> arte e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, nemaplaudiu a mágica dos prestidigitadores. Meyer compreen<strong>de</strong>u a literaturacomo enti<strong>da</strong><strong>de</strong> pluridimensional, constituí<strong>da</strong> <strong>de</strong> diferentesdimensões; multidisciplinar, forma<strong>da</strong> por diferentes disciplinas: a filosofia,a história, a teoria literária, a psicologia e tantas outras disciplinas,superiormente oblíqua e dissimula<strong>da</strong>. Por isso ele se enten<strong>de</strong>utão bem com Capitu. Por isso percebe que “Capitu atravessa olivro numa névoa <strong>de</strong> mistério”.Capitu é a literatura, é o impulso vital, é a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> do real.É inútil submetê-la ao julgamento mecânico <strong>de</strong> qualquer tribunalmoralizante. A visão monofocal não é capaz <strong>de</strong> ler o paradoxo. A literatura,como a vi<strong>da</strong>, é constituí<strong>da</strong> <strong>de</strong> relações perigosas, <strong>de</strong> perguntassem respostas. É indispensável dispor <strong>de</strong> percepção aparelha<strong>da</strong>. Etanto Machado quanto Meyer dispunham. E foi assim que AugustoMeyer retirou a sua singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sua plurali<strong>da</strong><strong>de</strong>.28
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Fábio LucasMeyer dava lições de
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Fábio LucasCamões, por sua vez, t