Augusto Meyer: <strong>Um</strong> <strong>poeta</strong> à <strong>sombra</strong> <strong>da</strong> <strong>estante</strong>Verônica do amor eterno sinos sinosDa infância e a pandorga que soltavas lá no morro.Ou ain<strong>da</strong>:Clareia a névoa sobre o rio bocejo róseo.Ladra ladra o guaipeca a bordo.As ilhas nascem <strong>da</strong>s águas:ilhas ilhas perdi<strong>da</strong>s, me chamo Robinson Crusoé,ó ilhas, lavai minhas mágoas,ó águas, lavai minhas mágoas.Até mesmo a solução final <strong>de</strong>ste poema que abre o livro lembra osúltimos versos <strong>de</strong> “Zone” <strong>de</strong> Apollinaire, só que, em vez <strong>de</strong> “Soleilcou coupé”, temos:Quem botou esta luzirredutível nos meus olhos?Manhã.A estrela páli<strong>da</strong> morreu.Tanto esse poema quanto o magnífico “Noturno porto-alegrense”trazem à nossa memória um outro poema, não pela dicção,mas pela intenção, pois Augusto Meyer flana por Porto Alegre,como Bau<strong>de</strong>laire flanava por Paris. Não se estranhará, por isso, que,em “An<strong>da</strong>nte”, Meyer diga para si próprio:Bilu, ci<strong>da</strong>dão <strong>da</strong> harmonia cósmica,você <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> bancar o Bau<strong>de</strong>laire.– porque era Bau<strong>de</strong>laire que estava an<strong>da</strong>ndo no corpo <strong>de</strong> AugustoMeyer pelas ruas <strong>de</strong> Porto Alegre. Mas Meyer também flanava por<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua alma e, ao sair <strong>da</strong> sua sala cheia <strong>de</strong> livros para a rua,11
Alberto <strong>da</strong> Costa e Silva<strong>da</strong>va com a paisagem urbana, esta estava, nele, impregna<strong>da</strong> <strong>de</strong> pampa,nos gestos, nos modos <strong>de</strong> ser e, sobretudo, no vocabulário comque a <strong>de</strong>screvia.Os gauchismos são, em Augusto Meyer, naturais – não são procurados,não são intencionais – e po<strong>de</strong>m passar <strong>de</strong>spercebidos a outrosque não a nós, que nos vemos obrigados muitas vezes, ao lê-lo, acorrer aos dicionários: “Sou um tranquito <strong>de</strong> petiço contente.” Ou:“A raiva dói como um guarqueaço”. Ou ain<strong>da</strong>: “Ladra ladra o guaipecaa bordo.” Eu pergunto se os que não são gaúchos sabem o que éum “tranquito”, um “petiço”, um “guarqueaço”ou um “guaipeca”?O gauchismo <strong>de</strong> Augusto Meyer não se reduz ao uso <strong>da</strong>s palavras,palavras que lhe eram naturais, palavras do seu dia-a-dia. Há umapresença <strong>da</strong> paisagem rio-gran<strong>de</strong>nse e dos modos <strong>de</strong> ser do gaúchoao longo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a sua poesia. Até mesmo nos títulos. Se não, vejamoscomo <strong>de</strong>nominou alguns <strong>de</strong> seus poemas: “Ressolana”, “Manhã<strong>da</strong> estância”, “Oração <strong>da</strong> estrela boeira”, para não falar naquelemagistral “Minuano”, um poema que todos guar<strong>da</strong>mos <strong>de</strong> cor. E assimserá até o final <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>, até os seus últimos poemas, até “Cemitériocampeiro” e “Caminho <strong>de</strong> Santiago”.Mas há algo que <strong>de</strong>flui, <strong>de</strong> certa maneira, <strong>da</strong> sala cheia <strong>de</strong> livros: éo tratamento poético que ele dá aos temas folclóricos que já haviam<strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito sido recolhidos pelos gran<strong>de</strong>s estudiosos do Rio Gran<strong>de</strong>do Sul. Isto acontece em tantos poemas que me reduzo a dizer onome <strong>de</strong> apenas alguns <strong>de</strong>les: “Boitatá”, “Sinhá dona”, aquela maravilhosa“Oração ao negrinho do Pastoreio”, escrita em redondilhamaior e com a dicção inteiramente popular, “Puladinho”, “Cançãobicu<strong>da</strong>”. Era como se o <strong>poeta</strong> estivesse antecipando o autor do Guiado folclore gaúcho, do gran<strong>de</strong> estudioso <strong>da</strong>s tradições <strong>de</strong> sua terra que foio erudito Augusto Meyer.Em outros poemas recorre às canções populares e <strong>de</strong>las retoma oritmo, o vocabulário e o enca<strong>de</strong>ar dos versos. Des<strong>de</strong> os seus primei-12
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