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POBREZA E CURRÍCULO UMA COMPLEXA ARTICULAÇÃO

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A desmistificação, por parte dos coletivos docentes e discentes, desses entendimentos ainda<br />

dominantes – de relacionar conhecimento, cultura e racionalidade com progresso e com “superação”<br />

da pobreza – pode ser o caminho, o início da possibilidade de avançar para outra relação entre<br />

currículo, conhecimento, cultura científica, percurso escolar e pobreza. Sem essa análise crítica<br />

prévia, que objetiva desconstruir tais ideias de conhecimento, cultura e racionalidade, e a correlação<br />

delas com a produção ou a superação da pobreza, será difícil avançar para equacionar a relação entre<br />

currículo e pobreza.<br />

Tentativas de solucionar essa equação currículo-pobreza existem. Porém, as concepções<br />

perniciosas estão intimamente arraigadas à sociedade e às instituições, de tal forma que, na maioria<br />

das vezes, as tentativas acabam por reafirmar o que pretendem combater. Sendo assim, aproximar<br />

currículo e pobreza exige uma crítica radical às percepções de conhecimento, cultura, racionalidade e<br />

progresso, que culpabilizam os coletivos empobrecidos por sua condição.<br />

Nessa visão do conhecimento e da cultura predominante nos currículos, não há espaço para<br />

articulação entre currículo e pobreza, mas apenas para ignorar os pobres como fechados no ponto zero<br />

ou na outra margem. Os currículos limitam-se a manter os pobres desde crianças na escola infantil,<br />

em um permanente exercício de cobrança de percursos exitosos que levam a processos de avaliação<br />

rigorosos, segregadores e reprovadores. Além disso, levam as escolas a cumprir o papel de reprovar<br />

massivamente os pobres por, supostamente , “não terem cabeça para as letras”, por problemas mentais<br />

de aprendizagem, ou ainda por não incorporarem os valores de trabalho, estudo, sucesso e persistência<br />

necessários para entrar no progresso e saírem do círculo da pobreza. Essa visão moralizante da pobreza<br />

é incorporada pela cultura escolar, criando o ambiente em que socializa a infância-adolescência pobre.<br />

3. O direito de saber-se pobre<br />

Como professores(as), educadores(as) e gestores(as), assumimos nosso dever profissional de<br />

garantir o direito dos(as) alunos(as) ao conhecimento. O primeiro conhecimento a que todo ser humano<br />

tem direito é compreender-se no mundo, na sociedade, na história. O saber-se pobre é o discernimento<br />

mais persistente nas vidas, no passado e presente das famílias e comunidades empobrecidas. Se esse é<br />

o saber mais premente, o direito a ser garantido, na escola e nos currículos, não será a conhecimentos<br />

que aprofundem, sistematizem, alarguem esse saber-se pobre?<br />

Dessa forma, para que seja possível articular currículo e pobreza, é necessário reconhecer não<br />

só o direito dos sujeitos a saberem-se pobres, mas também o dever da escola, da docência e dos<br />

currículos de garantir-lhes esse direito. Contudo, os currículos assumem apenas a responsabilidade de<br />

oferecer aos(às) alunos(as) os conhecimentos acumulados sobre a natureza, a sociedade, o espaço,<br />

a história, a linguagem etc., e têm ignorado e secundarizado o direito ao saber de si, ao saber-se no<br />

Módulo IV - Pobreza e Currículo: uma complexa articulação 19

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