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A lista de Schindler - Mietek Pemper

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— Sim, sim, eu já sei — o que era uma confirmação <strong>de</strong> que Göth mandava me observar.<br />

Entretanto, ele raramente me ditava correspondência realmente secreta, a qual era resolvida<br />

por algum <strong>de</strong> seus suboficiais da SS que sabia escrever à máquina.<br />

A senhora Kochmann era casada com um juiz alemão do tribunal especial em Cracóvia,<br />

nitidamente mais velho que ela. Eu o vi uma ou duas vezes. Ele me olhava como se eu fosse<br />

um animal exótico. Ela era uma mulher simpática e compa<strong>de</strong>cida. Ainda me lembro <strong>de</strong> como a<br />

senhora Kochmann e eu observamos a chegada <strong>de</strong> judias húngaras na primavera <strong>de</strong> 1944. As<br />

mulheres — que tinham a cabeça raspada e trajavam roupas listradas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tento — passavam<br />

pelo comando arrastadamente, movimentando-se como num transe triste. Nessa ocasião, eu<br />

disse à senhora Kochmann que esse cortejo me lembrava uma tragédia grega, e ela replicou:<br />

— Meu marido também diz: “Ai <strong>de</strong> nós, caso venhamos a per<strong>de</strong>r essa guerra”.<br />

Não respondi à sua observação, porque, na verda<strong>de</strong>, ela não <strong>de</strong>veria ter dito algo assim na<br />

presença <strong>de</strong> um <strong>de</strong>tento ju<strong>de</strong>u.<br />

Uma vez Göth teve <strong>de</strong> ir para uma reunião importante na cida<strong>de</strong>. Ele estava impaciente,<br />

esperava por uma carta que ainda tinha <strong>de</strong> assinar, andava <strong>de</strong> um lado para outro na sala <strong>de</strong><br />

espera e olhava constantemente para o relógio. Sua agitação <strong>de</strong>ixou a senhora Kochmann tão<br />

nervosa que ela começou a tremer. Nisso, aconteceu-lhe um infortúnio: colocou o papel<br />

carbono ao contrário. Göth a insultou <strong>de</strong> modo veemente. A senhora Kochmann estava quase<br />

chorando, enquanto datilografava novamente a carta. Quando Göth finalmente foi embora, eu a<br />

acalmei.<br />

— Proponho que, no futuro, eu lhe prepare os ofícios com clipes para que não volte a<br />

acontecer o mesmo que hoje.<br />

Ela imediatamente concordou. O que eu não disse a ela é que, naqueles ofícios, eu usava um<br />

papel carbono novo a cada vez, <strong>de</strong> modo que, quando ficava sozinho no escritório eu podia ler<br />

a impressão espelhada no papel carbono e, consequentemente, a correspondência secreta.<br />

Ainda hoje quero me <strong>de</strong>sculpar perante Ursula Kochmann por tê-la enganado durante todos<br />

aqueles meses e ter sido <strong>de</strong>sleal com ela, mas eu não podia agir <strong>de</strong> outra maneira. O bem-estar<br />

— e a possível sobrevivência — <strong>de</strong> todos era prioritário, tínhamos <strong>de</strong> saber o que os nazistas<br />

pretendiam fazer conosco. Há situações em que o <strong>de</strong>srespeito a <strong>de</strong>terminadas normas éticas é<br />

justificado e necessário.

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