LOCKE-Segundo_tratado_Sobre_O_Governo
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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />
do terceiro Conde de Shaftesbury, nos escritos de Swift, Defoe e outros escritores menos famosos, e, de uma forma<br />
atenuada por Bolingbroke, na terceira Epístola de Pope, Ensaio sobre o homem.<br />
No decorrer do século, escritores como Hume e Paley atacaram a teoria do contrato, mas as doutrinas<br />
políticas gerais de Locke continuaram dominantes. Especialmente nos círculos dissidentes, é evidente que ele<br />
ainda era uma inspiração; Richard Price e Joseph Priestley tinham ambos seus débitos para com ele, e os<br />
compêndios políticos adotados nas academias dissidentes eram em grande parte derivados de sua obra. Foi-nos<br />
transmitido que “Todos pensam que o povo é a origem do poder, o fiduciário dos responsáveis administrativos, e<br />
que o gozo da vida, da liberdade e da propriedade é direito de toda a espécie humana” 74 . Com o tempo,<br />
naturalmente, Locke começou a ser substituído como uma influência formativa por escolas de pensamento mais<br />
recentes. Por um lado, o benthamismo conseguiu espaço, e por outro, Burke, embora tenha herdado toda a<br />
tradição lockeana, divergia amplamente em muitos aspectos da perspectiva geral de Locke. A força de Burke<br />
como pensador político situa-se fundamentalmente nas direções em que Locke foi mais deficiente. Ele possuía<br />
um sentido quase místico da continuidade histórica da sociedade, e ainda que em seu Appeal from the New to the<br />
Old Whigs ele tenha voltado ao processo de Sacheverell como declaração clássica dos princípios Whigs,<br />
implicitamente repudiou muito do individualismo de Locke. Não seria necessário um longo passo para se passar<br />
da posição de Burke (e também de Rousseau) para a teoria “orgânica” do estado, que veio a se tornar uma<br />
influência tão poderosa no século dezenove, e o fato de Burke não ter dado este passo é uma indicação da força<br />
permanente da influência de Locke 75 . A Revolução Americana, que evidentemente foi inspirada pelas teorias de<br />
Locke, provocou entre seus oponentes na Inglaterra alguma reação contra Locke, o que foi mais tarde reforçado<br />
pelo amplo alarme despertado pelo curso da Revolução na França. Não obstante, apesar de todas as suas<br />
imperfeições, a doutrina de Locke permaneceu a base do governo constitucional inglês 76 , e foi a saudável e<br />
razoável moderação resultante da aceitação de seus princípios que ajudou a assegurar à vida política inglesa sua<br />
imunidade característica contra as vicissitudes e os extremismos que em alguns países tornaram inviável a<br />
democracia parlamentar.<br />
Não foi somente na Inglaterra que os princípios de Locke foram o alicerce do estado democrático<br />
moderno. Na Holanda, onde ele era mais conhecido, foi logo aceito e citado como uma autoridade em política. Na<br />
França, suas visões de governo foram antecipadas por Jurieu e sua crença na tolerância por Bayle, mas as obras de<br />
Locke foram traduzidas para o francês e tornaram-se amplamente conhecidas entre os leitores franceses. Tanto<br />
Montesquieu quanto Rousseau, de maneiras diferentes, fizeram contribuições bastante originais à teoria política,<br />
mas ambos foram influenciados por Locke, e houve muitos outros pensadores franceses que participaram da<br />
disseminação de uma atitude liberal e racional em relação à política, e pelo menos por insinuação criticaram o<br />
ancien régime. No entanto, é difícil julgar precisamente em que dimensão a difusão dessa atitude na França pode<br />
ser atribuída à obra de Locke, ou de outros escritores da mesma escola de pensamento, e ao estudo direto das<br />
instituições inglesas, e mais tarde das americanas, em que os princípios de Locke pareciam estar incorporados.<br />
Em parte alguma a influência de Locke foi maior que do outro lado do Atlântico. Ele pode não ter sido<br />
muito lido pelo público em geral na América, mas os líderes revolucionários, Otis e Jefferson, Madison e Samuel<br />
Adams, mergulharam em sua obra, bem como nas obras de Harrington, Montesquieu e outros escritores políticos.<br />
A Carta de Direitos de Virginia inicia-se como um eco de Locke, e embora de certa forma a Declaração de<br />
Independência tenha sido um produto peculiarmente americano, há pouca dúvida de que deva sua principal<br />
inspiração muito mais às doutrinas de Locke que aos princípios nativos das colônias da Nova Inglaterra, que eram<br />
teocráticos e intolerantes. Jefferson foi de fato acusado de ter copiado a Declaração do Tratado sobre o<br />
governo de Locke, e embora tenha negado ter-se remontado a qualquer livro ou panfleto ao redigi-la, não afirmou<br />
que suas idéias fossem novas. Além de tudo, seria inútil tentar justificar uma revolução sobre princípios de que<br />
ninguém ouvira falar antes, e se tudo o que Jefferson fez foi repetir o que no século XVIII eram lugares-comuns da<br />
74 R. Robinson, Lectures on Conconformity, citado em A. Lincoln, Some Political andSocial Ideas of English Dissent, Cambridge, 1938, p. 17.<br />
75 Ver A. Cobban, Edmund Burke and the Revolt against the Eighteenth Century, 1929, esp. c. ii, intitulado “Burke e a herança de Locke”. Um esclarecimento acidental<br />
sobre a reputação de Locke é apresentado pelo processo de Sir Francis Burdett em 1820, por difamação sediciosa. Burdett, ao se defender, referiu-se a Locke, e o Sr.<br />
Justice Best disse aos jurados que se achassem que “este papel foi escrito com o mesmo espírito e intenção puros com que foram escritas as obras valiosas e imortais<br />
daquele escritor, não era difamação...” (C. Grant Robertson, Select Statutes, Cases, and Documents, p. 513).<br />
76 É verdade que a soberania legal do parlamento, que ele havia buscado limitar, na prática veio a se tornar um fato estabelecido; mas seu estabelecimento sem as<br />
qualificações de Locke foi aceitável porque os desenvolvimentos constitucionais (por exemplo, a evolução do ministério e a ampliação dos direitos de voto) não<br />
mais o tornaram necessário.