LOCKE-Segundo_tratado_Sobre_O_Governo
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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />
70. Um homem deve honra e respeito a outro mais velho ou a um sábio, proteção a seu filho ou ao seu<br />
amigo, alívio e ajuda aos infelizes e gratidão a um benfeitor, em tal grau que tudo o que ele tem e tudo o que pode<br />
fazer não pode pagar suficientemente por isso; mas nada disso lhe dá autoridade ou direito de fazer leis para as<br />
pessoas que lhe são devedoras. E é claro que isso não se deve apenas ao simples título de pai, não somente<br />
porque, como foi dito, é devido também à mãe, mas porque também estas obrigações aos pais e a gradação do que<br />
se impõe aos filhos podem variar segundo os cuidados e a bondade, os problemas e os custos que são dispensados<br />
em maior ou menor extensão em benefício de um ou outro dos filhos.<br />
71. Compreende-se, assim, de que maneira os pais podem conservar um poder sobre seus filhos e exigir<br />
sua submissão, nas sociedades em que eles mesmos são súditos, da mesma forma que aqueles que estão no estado<br />
de natureza. Isso não seria possível se todo o poder fosse apenas paterno, e se se tratasse de uma única e mesma<br />
coisa; neste caso, toda a autoridade paterna pertenceria ao príncipe e nenhum súdito poderia detê-la<br />
naturalmente. Mas esses dois poderes, político e pátrio, são tão diferentes e tendem a fins tão pouco semelhantes<br />
que todo súdito que é um pai tem tanto poder sobre seus filhos quanto o príncipe tem sobre os seus, e todo<br />
príncipe que tem pais deve a eles tanto respeito e obediência filiais quanto o mais humilde de seus súditos deve<br />
aos seus; por isso não contém nenhuma parcela ou grau daquele tipo de dominação que um príncipe ou um<br />
magistrado tem sobre seus súditos.<br />
72. Embora a obrigação dos pais de educar seus filhos e a obrigação dos filhos de honrar seus pais<br />
contenham, de um lado, todo o poder, e de outro, toda a submissão que caracterizam esta relação, o pai em geral<br />
detém um outro poder, que lhe proporciona um poder sobre a obediência de seus filhos; ele o divide com o resto<br />
dos homens, mas passa, no mundo, como um aspecto da jurisdição paterna, pois os pais têm quase sempre a<br />
ocasião de exercê-lo na intimidade de sua família, enquanto fora os exemplos são mais raros e despertam menos<br />
atenção. Eu me refiro ao poder que em geral os homens têm de transmitir seus bens a quem lhes aprouver.<br />
Normalmente, em uma proporção determinada pela lei e pelos costumes de cada país, os bens do pai<br />
representam, para os filhos, a esperança de uma herança, mas é costume que o pai tenha a faculdade de distribuílos<br />
de forma mais parcimoniosa ou generosa, segundo o comportamento deste ou daquele filho se adaptou a sua<br />
vontade ou ao seu humor.<br />
73. Este não é um vínculo pequeno sobre a obediência dos filhos. E estando sempre vinculada à posse da<br />
terra uma submissão ao governo do país do qual essa terra é parte, admite-se comumente que um pai poderia<br />
obrigar sua posteridade àquele governo do qual ele mesmo era um súdito e a que seu contrato os obriga; então,<br />
tratando-se apenas uma condição necessária anexada à terra que se encontra submissa a este governo, atinge<br />
apenas aqueles que aceitam tomar a terra naquela condição, e este não é um elo ou um compromisso natural, mas<br />
uma submissão voluntária. A natureza dá aos filhos de todo homem a mesma liberdade que proporciona a ele<br />
próprio, ou a qualquer de seus ancestrais, e, enquanto permanecerem neste estado de liberdade, podem escolher<br />
a que sociedade vão se juntar, a que comunidade civil vão se submeter. Mas se eles quiserem desfrutar da herança<br />
de seus ancestrais, devem ficar sujeitos às mesmas cláusulas e termos a que eles se submeteram e satisfazer a<br />
todas as condições vinculadas a tal posse. Na verdade, através deste poder os pais obrigam seus filhos a lhes<br />
prestar obediência, mesmo depois de ultrapassarem a minoridade, e também é muito comum sujeitá-los a este ou<br />
aquele poder político. Mas a nenhum desses por qualquer direito peculiar de paternidade, exceto pelo prêmio que<br />
têm em suas mãos para obrigar e recompensar tal submissão; e não é mais poder que um francês tem sobre um<br />
inglês, que, na expectativa de um bem que lhe deixará, certamente terá uma forte influência sobre sua obediência;<br />
é certo que, se o inglês quiser desfrutar da herança quando a receber, é preciso que aceite as condições que regem<br />
a posse da terra em questão, no país em que ela está situada, seja ele a França ou a Inglaterra.<br />
74. Concluindo. Mesmo se o poder do pai de comandar não ultrapasse a minoridade de seus filhos, e isso<br />
em um grau apenas determinado pela disciplina e a orientação daquela idade, e mesmo que aquela honra e<br />
respeito, e tudo o que os latinos chamam de piedade, que eles indispensavelmente devem a seus pais durante<br />
toda a sua vida e em todos os estados, com todo aquele apoio e proteção que lhes são devidos, isso não dá ao pai o