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LOCKE-Segundo_tratado_Sobre_O_Governo

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<strong>Segundo</strong> Tratado <strong>Sobre</strong> o <strong>Governo</strong> Civil 25<br />

9. Precisei importunar meu leitor com estas diversas citações dos próprios termos de que se serve nosso<br />

autor, a fim de que se pudesse lá encontrar, da maneira que ele próprio descreve, sua “autoridade paterna”, de tal<br />

forma ela se encontra disseminada, aqui e ali, em seus escritos; ele supõe que, antes de tudo, Adão estava<br />

investido desta autoridade, e que desde então ela pertence por pleno direito a todos os príncipes. Esta<br />

“autoridade paterna” ou este “direito de paternidade”, no sentido do nosso autor, é, pois, um direito de soberania<br />

divino e inalterável, em virtude do qual o pai ou o príncipe exercem um poder absoluto, arbitrário, sem limites e<br />

que não se pode limitar, sobre a vida, a liberdade, o destino de seus filhos ou súditos, de tal maneira que podia<br />

tomar ou alienar seus bens e vender, castrar ou utilizar suas pessoas como bem entendesse, porque todos são<br />

seus escravos, enquanto ele é o senhor e o proprietário de todas as coisas e sua vontade ilimitada lhes serve de lei.<br />

10. Como nosso autor investiu Adão de um poder tão temível e fundamenta sobre esta hipótese todos os<br />

governo se o poder de todos os príncipes, poder-se-ia esperar que ele fornecesse a prova disso com argumentos<br />

claros e evidentes, adequados à importância da causa. Dessa maneira, como teriam perdido todo o resto, os<br />

homens poderiam conhecer, na escravidão, provas tão irrefutáveis de sua necessidade que se sentiriam<br />

convencidos em sua alma e consciência; e isso os obrigaria a se submeterem pacificamente à dominação absoluta<br />

que seus governantes teriam o direito de exercer sobre eles; pois, se não fosse este o caso, o que nosso autor<br />

podia fazer ou pretender fazer erigindo este poder ilimitado, exceto adular a ambição e a vaidade dos homens, tão<br />

propensa a se inflar e dilatar com a possessão de um poder qualquer? Além disso fazer com que estes acreditem<br />

que o consentimento de seus irmãos humanos promoveu empregos em que detêm um poder iminente, mas<br />

limitado, que aquele que lhes foi dado lhes atribui tudo isto que esta dádiva não comportava, como se eles<br />

pudessem fazer tudo o que lhes agradasse, porque estão qualificados para fazer mais que os outros; e, desta<br />

maneira, tentar fazer com que eles realizem atos que não se aplicam nem ao seu bem nem ao bem daqueles que<br />

estão sob sua guarda, o que acarretará forçosamente grandes infelicidades?<br />

11. Como nosso autor fundamenta sua poderosa monarquia absoluta sobre a soberania de Adão, como<br />

sobre uma base segura, eu esperava vê-lo estabelecer e provar, em seu Patriarcha, esta hipótese principal de que<br />

ele parte, com todos os argumentos exigidos por uma tese fundamental deste gênero; e que a verdade, que serve<br />

de centro de gravidade para toda a questão, receba provas suficientes para justificar a confiança pela qual é<br />

aceita. Entretanto, percorrendo o conjunto da obra, não recolhi grande coisa que se dirija neste sentido; o fato é<br />

supostamente aceito sem provas, e eu mal podia acreditar em meus olhos quando, à leitura atenta deste <strong>tratado</strong>,<br />

constatei que uma construção tão poderosa se encontrava edificada sobre a simples suposição desta premissa;<br />

pois é quase inacreditável que, em um discurso onde ele pretende refutar o “princípio errôneo da liberdade<br />

natural” do homem, ele o faça postulando simplesmente a “autoridade de Adão”, sem apresentar a menor prova.<br />

Ele chega mesmo a afirmar categoricamente “que Adão possuía uma autoridade real”, p. 12, “um domínio e<br />

uma disposição absolutos sobre a vida e a morte”, p. 13, “uma monarquia universal”, p. 33, “um poder absoluto de<br />

vida e de morte”, p. 35. Ele reitera freqüentemente afirmações deste tipo, mas o que é estranho é o fato de que em<br />

todo o seu Patriarcha eu não encontro o simulacro de uma única razão para estabelecer estes fundamentos que<br />

ele dá ao governo, nem nada que possa parecer um argumento, exceto as palavras que se seguem: “Como<br />

confirmação deste direito natural do poder real, constatamos que o Decálogo formula nestes termos a lei que<br />

obriga obediência aos reis, `Honra teu pai’, como se todo poder residisse em sua origem na pessoa do pai”. Assim<br />

sendo, por que eu não poderia acrescentar que o Decálogo formula a lei que obriga obediência aos reinos nestes<br />

termos “Honra tua mãe”, como se todo o poder residisse na pessoa da mãe? Da forma como Sir Robert o<br />

apresenta, o argumento vale tanto para uma como para a outra, mas retornarei a isso mais adiante.<br />

12. Tudo o que observo é que nosso autor não se alonga muito, nem em seu primeiro capítulo nem em<br />

qualquer dos seguintes, para provar o “poder absoluto de Adão”, que lhe serve de grande príncipe; no entanto,<br />

como se houvesse estabelecido isso por uma demonstração segura, começa seu segundo capítulo com estas<br />

palavras: “Administrando estas provas e razões extraídas da autoridade da Escritura”. Confesso que não<br />

consegui ver onde se encontram estas “provas e razões da soberania de Adão”, salvo aquela de “Honra teu pai”<br />

mencionada acima; ou então, sua afirmação “Nestes termos encontramos o testemunho manifesto, ou seja, de<br />

Belarmino, que a criação tornou o homem príncipe de sua posteridade”, deve ser considerada como constituinte<br />

de provas e razões extraídas da Escritura, ou de qualquer prova, graças a uma dedução de um novo tipo, nas<br />

palavras que imediatamente se seguem: e na verdade, conclui ele, “a autoridade real de Adão” está<br />

suficientemente estabelecida em sua pessoa.

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