LOCKE-Segundo_tratado_Sobre_O_Governo
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<strong>Segundo</strong> Tratado <strong>Sobre</strong> o <strong>Governo</strong> Civil 67<br />
tivessem tido a liberdade de se separar de suas famílias e de seu governo, fosse o que fosse que estivesse<br />
estabelecido, para constituir comunidades civis distintas e outros governos, como melhor lhes aprouvesse.<br />
116. Esta foi a prática do mundo desde suas origens até os dias de hoje; quando os homens nascem sob<br />
sistemas constituídos e antigos que possuem leis estabelecidas e formas definidas de governo, isso não coloca<br />
mais obstáculo a sua liberdade do que se tivessem nascido nas florestas entre os habitantes que as percorrem<br />
sem territórios proibidos ou caminhos traçados. Aqueles que quisessem nos convencer de que, por termos<br />
nascido sob qualquer governo estamos naturalmente submetidos a ele e não temos mais qualquer direito ou<br />
pretensão à liberdade do estado de natureza, não têm outra razão (com exceção daquela do poder, paterno que já<br />
refutamos) para apresentar, exceto aquela de que nossos pais ou nossos ancestrais renunciaram a sua liberdade<br />
natural e se comprometeram, e a sua família, a uma sujeição perpétua ao governo a que se submeteram. É<br />
verdade que todos os compromissos e todas as promessas que alguém faz por sua própria conta não obrigam nem<br />
poderiam obrigar por nenhum contrato a seus filhos ou sua posteridade. Pois seu filho, ao atingir a maioridade, é<br />
tão livre quanto seu pai, e nenhum ato do pai pode tirar a liberdade do filho, o mesmo valendo para qualquer<br />
outra pessoa. Ele pode vincular à terra, que ele desfruta como súdito de uma comunidade civil, condições que<br />
obriguem seu filho a se juntar à mesma comunidade se quiser desfrutar daquelas posses que eram de seu pai, pois<br />
como aquele bem é propriedade de seu pai, ele pode dispor dele ou doá-lo como bem entender.<br />
117. E isso normalmente tem ocasionado erro na questão, pois como as comunidades civis não permitem<br />
que qualquer parte de seus domínios seja desmembrada ou desfrutada por ninguém que não pertença àquela<br />
comunidade, o filho em geral não pode desfrutar das posses de seu pai exceto nas condições em que este o fez, ou<br />
seja, tornando-se um membro da sociedade; assim fazendo, submete-se imediatamente ao governo que ali<br />
encontra estabelecido, da mesma forma que qualquer outro súdito daquela comunidade. Assim, os homens livres<br />
que nascem sob um governo não podem se tornar membros da comunidade a menos que consintam nisso, mas o<br />
fazem em separado, cada um por sua vez à medida que atingem a maioridade, e não em conjunto; mas como as<br />
pessoas não têm conhecimento disso, acreditando que o consentimento está implícito ou não é necessário,<br />
concluem que são súditos por natureza, assim como são homens.<br />
118. Entretanto, é evidente que os governos entendem isso de outra maneira; não reivindicam nenhum<br />
poder sobre o filho em virtude daquele que exercem sobre o pai; não consideram os filhos como seus súditos<br />
porque os pais o eram. Se um súdito da Inglaterra tem um filho com uma mulher inglesa na França, de quem ele é<br />
súdito? Não do rei da Inglaterra, porque ele deve obter uma autorização que lhe confere o privilégio; nem do rei<br />
da França, senão, como seu pai pode ter a liberdade de levá-lo embora e criá-lo onde quiser? E quem jamais será<br />
julgado como traidor ou desertor, se ele deixou um país ou lutou contra ele apenas<br />
por ter nascido nele de pais que ali eram estrangeiros? A prática dos próprios governos e a lei da razão plena<br />
estabelecem então claramente que uma criança não nasce súdito de nenhum país ou governo. Permanece sob a<br />
tutela e a autoridade de seu pai até que atinja a idade do discernimento, e só a partir daí ele é um homem livre,<br />
com liberdade para escolher o governo ao qual vai se submeter, o corpo político ao qual vai se unir. Se o filho de<br />
um homem inglês, nascido na França, pode fazê-lo com toda a liberdade, é evidente que a circunstância de seu pai<br />
ser súdito do reino da Inglaterra absolutamente não o vincula a este país, nem ele está obrigado por qualquer<br />
pacto realizado por seus ancestrais. Pergunta-se então por que seu filho não teria direito à mesma liberdade,<br />
nascesse onde nascesse? O poder que o pai exerce naturalmente sobre seus filhos é o mesmo, independente do<br />
lugar de seu nascimento, e os vínculos das obrigações naturais não são determinados pelos limites jurídicos dos<br />
reinados e das comunidades civis.<br />
119. Como já foi mostrado, todo homem é naturalmente livre e nada pode submetê-lo a qualquer poder<br />
sobre a terra, salvo por seu próprio consentimento; é preciso, portanto, considerar em que condições a declaração<br />
pela qual um indivíduo faz conhecer seu consentimento será considerada como suficiente para sujeitá-lo às leis de<br />
um governo qualquer. Há uma distinção comum entre consentimento expresso e consentimento tácito que nos<br />
interessa no momento. Ninguém duvida que o consentimento expresso manifestado por qualquer homem ao<br />
entrar em qualquer sociedade faz dele um membro perfeito daquela sociedade, um súdito daquele governo. A